EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA
EMBARGOS DE TERCEIRO
PENHORA
TERRENO APTO PARA CONSTRUÇÃO
CONSTRUÇÃO DE OBRAS
EDIFICAÇÃO URBANA
Sumário

I - Se o exequente promoveu a penhora de um prédio rústico (apto para construção) e fê-la registar tal como estava descrito no Registo Predial, não tinha obrigação legal de previamente indagar se nesse terreno já estaria implantada (como na verdade estava) alguma construção.
II - Aquele registo não é nulo, por não se verificar omissão ou inexactidão nem outra causa de nulidade enquadrável na previsão do artigo 16 do Código do Registo Predial.
III - Os embargos de terceiro, credor que pretenda o levantamento da penhora de bem que ele mais tarde veio a penhorar, devem ser liminarmente indeferidos.

Texto Integral

Acordam na Relação do Porto

E....., L.da, por apenso aos autos de execução que o Banco ....., S.A, move a Alfredo....., sua mulher Maria..... e Metalúrgica....., Lda, deduziu embargos de terceiro pedindo a sustação da execução quanto à penhora registada a favor do Banco..... sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de..... sob o nº 1190/090991 da freguesia de....., o levantamento dessa penhora e o cancelamento do respectivo registo.
Alega, para tanto, que tem registo de penhora posterior ao destes autos de execução mas que quando o Banco Exequente procedeu ao registo da penhora sobre o lote de terreno penhorado já este não existia por nele ter sido construída uma casa de habitação, pelo que o direito da embargante é incompatível com o âmbito da diligência de penhora efectuado a favor do embargado Banco......
A penhora efectuada pelo embargado Banco..... não teria qualquer objecto, o que acarreta a nulidade do respectivo registo - 16º, c), do CRP - nulidade insanável por não poder ser alterada a respectiva inscrição de registo, nos termos do art. 100º, nº 2, do mesmo Código do Registo Predial.
Considerando que por força do disposto no art. 842º, nº 1, do C. P. C. a penhora de um lote de terreno para construção estende-se igualmente ao prédio entretanto nele edificado (cfr. Ac. Rel. Lisboa de 9/04/92, B. M. J. 416 - 700) uma vez que terreno urbano ou terreno para construção é uma coisa que se define não só pela sua identidade física mas principalmente pela sua aptidão juridicamente reconhecida ... e porque face ao disposto no art. 871º do C. P. C., nunca uma penhora posterior de um mesmo bem é incompatível com uma penhora anterior e com os direitos daí emergentes, o Ex.mo Juiz rejeitou liminarmente os embargos.
Inconformada, agravou a Embargante para defender o prosseguimento dos embargos até final, com levantamento da penhora, por inexistente, e respectivo cancelamento na Conservatória do registo Predial, como se vê das alegações que coroou com as seguintes
Conclusões
1ª - A penhora a favor do Banco..... e a penhora a favor da agravante são penhoras distintas, com objectos distintos.
2ª - O objecto da penhora do Banco.... é um prédio constituído por um lote de terreno urbano, que já não existia à data dessa penhora e que esteve inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1.432º, freguesia de......
- O objecto da penhora da agravante é um prédio constituído por uma casa de habitação, com um logradouro - objecto real e actual - que se encontra inscrito na matriz predial urbana sob o artigo -.---º, da freguesia de......
4ª - O prédio penhorado pela agravante - artigo matricial urbano -.---º, da freguesia de..... - à data da sua penhora, estava livre de qualquer outra penhora, designadamente a penhora a favor do Banco......
5ª - O terreno penhorado pelo Banco...... perdeu autonomia a partir do momento em que sobre ele foi implantada a casa de habitação.
6ª - Quando o Banco...... penhorou já o prédio constituído pelo lote de terreno não existia como tal, existindo sim, uma casa de habitação com logradouro.
7ª - A penhora do Banco...... é inexistente, “ab initio”.
8ª - O Banco..... penhorou o "non ens" (não ser), isto é, o nada. Ao contrário, a agravante penhorou o "ens" (o ser), isto é, o que existe - penhorou um prédio que tem existência material.
9 - Sobre o prédio penhorado pelo Banco..... não foi feita, entretanto, qualquer edificação, antes de mais porque, quando o Banco..... penhorou o lote de terreno este já não existia, existindo sim, em seu lugar, outro prédio, constituído por uma casa de habitação com logradouro.
10ª - O facto de ter sido possível ao Banco...... registar a penhora a seu favor, tal aconteceu, por a descrição predial, à data do registo dessa penhora, descrever um prédio que já não existia. Pelo que, não existindo o prédio, também não existiu a penhora, o que implica o seu levantamento e respectivo cancelamento na competente Conservatória do Registo Predial.
11ª - Deve ser ordenado o recebimento dos embargos, prosseguindo estes até final, para levantamento da penhora a favor do Banco..... e respectivo cancelamento na competente Conservatória do Registo Predial.
12ª - O Meritíssimo Juiz "a quo" ao decidir como decidiu violou o disposto no art. 354º, do C. P. C.
O Banco contra-alegou em defesa do decidido e o Ex.mo Juiz sustentou o seu despacho.
Colhidos os vistos de lei e nada obstando, cumpre decidir a questão submetida à nossa apreciação, a de saber se deve ser ordenado o levantamento da penhora efectuada pelo Banco....., quer por incidir sobre imóvel inexistente à data da penhora, quer por ser incompatível com a penhora entretanto registada a favor da Embargante (fundamento este que a Embargante parece ter abandonado nas alegações e conclusões do recurso, assim restringindo o respectivo objecto, nos termos do art. 684º, nº 3, do CPC).
Mas antes veremos que dos autos resultam assentes os seguintes factos:
1 - Sob o nº 01---/--/--/--, da freguesia de....., concelho de....., ficou descrito o prédio urbano - Lote 2 - ..... - terreno para construção - 360 m2 - confrontando a norte com caminho público, a sul com futuro arruamento, a nascente com o lote 1 e a poente com o lote nº 3, omisso à matriz e desanexado do nº 00---/---- - certidão de fs. 26.
2 - Pela Ap. 09/----- - Av. 1 - ficou a constar que o prédio tinha o valor patrimonial de 853.200$00, em 19.05.98 elevado para 981.180$00, e o artigo matricial ----º - idem.
3 - Por Anotação de 15.07.99, convertida em averbamento pela Ap. 01/-----, ficou a constar da descrição casa de habitação de cave, rés-do-chão e andar - 110 m2 - logradouro - 250 m2 - V. P. 6.642.000$00 - Artigo 2206º - idem.
4 - Além da aquisição a favor de Alfredo....., inscrita pela Ap. 09/-----, mostram-se inscritos sobre o descrito prédio os seguintes encargos:
- Ap. 08/---- - hipoteca a favor da .....Bancos, crédito transmitido a favor de Banco B...., S.A. - fs. 26 vº;
- Ap. 14/---- - penhora provisória por natureza, a favor do Banco....., convertida em definitiva pela Ap. 17/----- - idem;
- Ap. 18/---- - Penhora provisória por dúvidas, convertida em definitiva pela Ap. 01/-----, a favor de “E....., L.da”, a ora agravante - idem.
5 - Em seis de Julho de 1999, na execução movida pela aqui agravante a Alfredo..... e mulher, foi lavrado Termo de Penhora em Imóveis que incidiu sobre o prédio urbano - casa de habitação - como descrito em 3 acima - fs. 10.
6 - Em 9 de Maio de 1996 Alfredo..... na Repartição de Finanças de..... Declaração para Inscrição ou Alteração de Inscrição de Prédios Urbanos na Matriz, declarando a casa de habitação como prédio novo, antes inscrito sob o artigo ----º e que as obras foram concluídas em 30.04.96. Ao prédio novo foi atribuído o artigo ----º, tendo sido eliminado o anterior 1432º - fs. 12 a 16.
7 - O prédio de que o descrito em 1 foi desanexado era um prédio rústico e foi adquirido como tal por Joaquim..... que pela Ap. ---- fez inscrever autorização de loteamento, com constituição de 20 lotes - fs. 25 vº.
Aplicando a estes factos o Direito
Acto fundamental da execução na medida em que dela dependem todos os actos posteriores do processo executivo, a penhora consiste na apreensão judicial de bens que constituem objecto de direitos do executado ou que são eles próprios direitos (bens patrimoniais incorpóreos, como direitos de crédito).
São efeitos jurídicos da penhora:
I - Transferência para o Tribunal dos poderes de gozo que integram o direito do executado, com perda da posse - quando a haja (e não haverá posse a transferir quando é penhorado, por exemplo, o direito a uma universalidade, para quem entenda ser insusceptível de posse uma universalidade) - que passa a ser exercida pelo Tribunal, através do depositário.
Mesmo quando penhorado um crédito ou um direito potestativo, ou o direito a celebrar certo contrato, o poder de emitir a declaração de vontade respectiva passa para o Tribunal (820º CC).
II - Ineficácia relativa dos actos dispositivos subsequentes - perdidos com a penhora os poderes de gozo, o executado mantém os poderes de disposição, mas os actos de disposição ou oneração posteriores à penhora e sem prejuízo das regras do registo são ineficazes em relação à execução (819º CC) e não só, como diz a lei, em relação ao exequente, pois também o são em relação ao Tribunal (custas), aos credores reclamantes e ao comprador dos bens (824º CC).
São unânimes os Doutores na interpretação da norma do art. 819º, especialmente no tocante aos efeitos da penhora.
A penhora não retira ao executado a propriedade dos bens, a qual só cessará pelos futuros actos executivos, como decorre do próprio princípio da livre disposição jurídica do direito.
A propriedade é mantida no executado como que apenas para o efeito de não ter que ser retransmitida na emergência de os actos executivos se tornarem desnecessários, e para que os bens possam circular livremente.
Se, quanto à disposição material dos bens, o princípio é o de indisponibilidade absoluta, quanto à disposição, jurídica, ... rege o princípio oposto da livre disponibilidade do direito, apenas com a limitação da ineficácia dos respectivos actos, para com a execução, independentemente de declaração judicial, isto é, tendo-se os actos como válidos e eficazes em todas as direcções menos em relação à execução, para a qual são havidos como se não existissem (tanquam non essent) - 819º.
A regra tem aplicação indistintamente a todos os actos de disposição (ou cessão), translativos ou constitutivos, sejam de direitos reais de gozo ou de garantia, ou extintivos do crédito (compensação, novação, renúncia, perdão, etc.
Compreende, ainda, as próprias constituições de direitos de carácter não real, como locações ou semelhantes [Anselmo de Castro, Acção Executiva..., 1970,150 e ss, maxime 155.].
Lebre de Freitas [A Acção Executiva à luz do Código Revisto, 2ª ed., 214 e ss.] atribui à penhora um triplo efeito:
A transferência para o tribunal dos poderes de gozo que integram o direito do executado;
A ineficácia relativa dos actos dispositivos do direito subsequentes;
A constituição de preferência a favor do exequente.
III - Função de direito real de garantia e consequente preferência do exequente - 822º, nº 1, CC: salvo nos casos especialmente previstos na lei, o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer credor que não tenha garantia real anterior.
Estando, como está, a penhora de imóveis sujeita a registo - art. 2º, nº 1, n), do CRP, naturalmente que a penhora primeiramente registada prevalece sobre a que, relativamente ao mesmo bem se lhe seguir - 6º do CRP - e a sua eficácia em relação a terceiros depende do registo, por este se determinando a respectiva antiguidade, nos termos dos art. 838º, nº 4, e 871º, nº 1, do CPC.
Objecto da Penhora e da execução são todos os bens do devedor que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda - art. 821º CPC que remete para os art. 601º a 603º, 817º e 833º do CC.
Enquanto que a lei civil (204º e 205º) distingue entre coisas móveis e imóveis, a lei processual regula separadamente a penhora de imóveis, a de móveis e a de direitos - 838º a 847º, 848º a 855º e 856º a 863º, respectivamente.
Não obstante a tripartição legal do objecto da penhora (penhora de bens imóveis, penhora de bens móveis, penhora de direitos), ela não se deixa, rigorosamente, classificar em penhora de coisas e penhora de direitos (...) nem, quando estão em causa créditos ou bens imateriais, deixa de ser uma penhora para passar a caracterizar uma mera substituição subjectiva numa relação jurídica e, portanto, nas consequências, prováveis ou possíveis, dessa relação (...). A penhora actua, em qualquer caso, sobre um bem (o que explica a constituição do direito real de garantia, nem sempre acompanhado duma transferência de posse), enquanto objecto da afectação própria do direito subjectivo (de onde deriva a ineficácia relativa dos actos de disposição ou oneração subsequentes à penhora, bem como dos actos extintivos do direito de crédito). A classificação legal, que divergências de regime impõem, não resiste à consideração de que em dois dos seus ter-mos (penhora de bens imóveis e penhora de bens móveis) está em causa o direito de propriedade plena e exclusiva ou um direito real menor que acarrete a posse efectiva e exclusiva da coisa, enquanto o terceiro (penhora de direitos) respeita a todos os outros tipos de situação [Lebre de Freitas, A Acção Executiva à luz do Código Revisto, 1997, 172, nota 4.].
A penhora de imóveis é feita mediante termo no processo, pelo qual os bens se consideram entregues ao depositário; o termo deve, além de identificar exequente e executado, indicar todos os elementos necessários para a efectivação do registo que tem por base certidão do respectivo termo, a extrair oficiosamente pela Secretaria que a remete ao Exequente, com vista à realização do registo da penhora - art. 838º, n.os 3 e 4, do CPC.
Tem assim lugar uma transferência de posse meramente jurídica, à qual se pode seguir a tradição material da coisa por acto judicial[Ibidem, 200.].
Não tem o Exequente que averiguar a situação concreta do imóvel a penhorar, antes se deve bastar com os elementos constantes do registo, seja da descrição seja das inscrições, pois é com base na certidão do termo de penhora, lavrado na Secretaria, que se procederá ao registo da penhora.
Daí que seja fundamental a coincidência dos elementos identificativos constantes do termo de penhora e da descrição registral. É que se o registo provisório de penhora por o bem penhorado estar inscrito a favor de pessoa diferente do executado pode ser remediada por recurso ao processo prevenido no art. 119º do CRP, já os elementos da descrição apenas são oficiosamente actualizados quando a alteração conste de documento expedido por entidade competente para comprovar o facto ou lavrado com intervenção da pessoa com legitimidade para pedir a actualização - art. 90º, nº 1, do CRP.
Integrante do princípio da legalidade - art. 68º do CRP - é o poder-dever de o Conservador verificar especialmente a identidade do prédio, a legitimidade dos interessados, a regularidade formal dos títulos e a validade dos actos dispositivos nele contidos.
De cada prédio é feita uma descrição distinta, descrição que tem por fim a identificação física, económica e fiscal dos prédios, com os elementos necessários a tal identificação - art. 79º, n.os 1 e 2, e 82º do CRP; o registo de autorização para loteamento dá lugar à descrição de todos os lotes de terreno destinados à construção - 80º, nº 3; descrições subordinadas apenas as prevê a lei - art. 81º e 83º - para a propriedade horizontal e direito de habitação periódica; os elementos das descrições podem ser alterados, completados ou rectificados por averbamento - 88º, nº 1 e 89º; as descrições devem ser inutilizadas apenas nas hipóteses previstas no nº 2 do art. 87º, em nenhuma delas se contando a implantação de edifício em lote de terreno para construção.
O regime processual da penhora deve-se mais a considerações de ordem prática, ao modo de realização da penhora, do que a uma tipologia rigorosa dos bens seu objecto; e nem coincide com a repartição das coisas em imóveis ou móveis que nos dá o Código Civil.
Com efeito, nos termos dos art. 204º e 205º do CC, as coisas são imóveis - as elencadas nas al. a) a e) do nº 1 do art. 204º - ou móveis - 205º, nº 1: são móveis todas as coisas não compreendidas no artigo anterior.
Quanto a direitos, ou são inerentes aos imóveis ditos nas al. a) a c) do nº 1 do art. 204º [(al. d) deste nº 1)] ou caem na previsão geral do nº 1 do art. 205º.
Daí que não possamos manter estáticos os conceitos que de prédios rústicos e urbanos nos dá a lei substantiva, esquecendo leis fiscais e administrativas que qualificam tais imóveis diferentemente e a própria lei processual que regula da mesma forma a penhora de imóveis, sejam eles prédios rústicos, urbanos, mistos ou terrenos para construção.
Muito embora, de harmonia com as mais abalizadas opiniões, o conceito de prédio, para efeitos de registo, seja o resultante da lei civil (v. art. 204º, n.° l, do Cód. Civil), todavia a prática registral adoptou a divisão dos prédios em rústicos, urbanos e mistos, consagrada na lei fiscal (v. actual art. 5º, nº 2, do Código da Contribuição Autárquica).
Assim, à semelhança do que sucede no direito fiscal, para efeitos de registo o prédio é misto sempre que seja formado por parte rústica e parte urbana ...
A classificação dos terrenos para construção resulta do Código da Contribuição Autárquica, que reputa como tal os «terrenos, situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedido alvará de loteamento, aprovado projecto ou concedida licença de construção [Isabel Pereira Mendes, Código do Registo Predial, 7ª ed., 50.]...
Não interessa saber se um lote de terreno para construção, penhorado de acordo com os elementos de identificação constantes do registo predial, é ou não um prédio, rústico ou urbano, como a lei civil o define.
Apesar de não caber em qualquer das duas categorias de prédios a que se refere o nº 2 do art. 204º do CC, ninguém duvida que se trata de imóvel, sujeito a penhora nos termos das leis substantiva e processual, objecto de descrição autónoma como prédio urbano no Registo Predial.
É certo que no conceito civilístico e no ensinamento do Prof. Oliveira Ascensão [Direitos Reais, edição da Faculdade de Direito de Lisboa, 1974, 114.] não há prédio urbano sem aderência a uma determinada porção de terreno ... e que esta porção de solo sobre que o edifício assenta não é um prédio rústico. Após a implantação do prédio urbano perdeu autonomia, uma vez que a sua função específica foi absorvida pela participação num novo conjunto.
A questão em apreço não é essa. O que se trata aqui é que um Exequente, o Banco... embargado, penhorou e fez registar a penhora de um imóvel tal como descrito no Registo Predial, nada na lei lhe impondo prévia observação do imóvel penhorando para ver se nele estava implantada alguma construção.
Se a descrição registral tem por fim a identificação física, económica e fiscal dos prédios - art. 79º do CRP - quem recorre ao registo predial deve poder contar com a segurança que é seu fim último - art. 1º do mesmo Código.
Ora, foi precisamente sobre o prédio descrito sob o nº 01------ que incidiu e foi registada a penhora do Banco...., em 19 de Maio de 1998, sendo certo que a anotação e averbamento de construção da casa só veio a ocorrer mais de um ano depois, em Julho e Outubro de 1999.
Sobre o mesmo imóvel foi registada a penhora da Embargante, primeiro provisória por dúvidas e depois definitiva, coincidentemente com as datas da Anotação e Averbamento da construção implantada no terreno que desde 1991 está descrito como prédio urbano.
É evidente que o imóvel penhorado pelo Banco..... e pela Embargante é o mesmo, de nada valendo o argumento retirado do diferente artigo matricial antes e depois da construção, o maior ou menor valor matricial desta, enfim, qualquer alteração física ou jurídica do imóvel não constante do registo antes da penhora.
Se fosse como quer a Embargante, os direitos dos credores ficavam na total dependência dos devedores que fariam ou não averbar as construções na descrição predial dos seus imóveis conforme melhor conviesse aos seus interesses, sabido que os averbamentos às descrições só podem ser pedidos pelo proprietário definitivamente inscrito ou com a sua intervenção - art. 38º do CRP.
Do exposto se vê a sem razão da Embargante. Ao contrário do que a Agravante conclui, a sua penhora e a anterior do Banco..... incidiram e foram registadas sobre o prédio descrito no registo predial sob o nº 01-----, freguesia de....., concelho de....., ambas de acordo com a descrição ao tempo vigente, não interferindo na validade do registo ou da penhora posterior averbamento de construção. A descrição registral manteve-se a mesma, o imóvel é o mesmo e não deixou de existir pelo facto de nele ser efectuada construção não averbada à data da feitura e registo da penhora.
O registo não é nulo já que se não verifica qualquer omissão ou inexactidão - al. c) - nem outra causa de nulidade, como previsto no art. 16º do CRP.
A penhora do Banco..... existiu e subsiste, como de fs. 26 vº se vê, não sendo os embargos de terceiro meio próprio para, ao menos com os invocados fundamentos, obter a declaração de sua inexistência e consequente levantamento.
Improcede tudo o concluído e não foi violado o disposto no art. 354º do CPC.
Os embargos de terceiro que antes da revisão processual de --/-- eram processo especial apenas dirigido à defesa da posse - 1037º a 1043º CPC - são agora - 351º, nº 1 - um incidente de oposição a qualquer acto ordenado judicialmente, de apreensão ou entrega de bens, que ofenda a posse ou qualquer direito incompatível com a diligência ordenada, direito de que seja titular quem não é parte na causa.
O conceito de terceiro - agora quem não é parte na causa - é o mesmo que antes [Miguel Mesquita, 102.]: é aquele que não interveio no processo ou no acto jurídico de que emana a diligência judicial nem representa quem foi condenado no processo ou no acto se obrigou. O próprio condenado ou obrigado pode deduzir embargos de terceiro quanto aos bens que, pelo título da sua aquisição ou pela qualidade em que os possuir, não devam ser atingidos pela diligência ordenada.
É fundamental saber quando é que o direito a defender por embargos de terceiro é incompatível com a penhora (ou outra diligência judicialmente ordenada) porque só então são admissíveis os embargos.
Partindo do fim a que a penhora se destina e que é a posterior venda executiva do bem penhorado, será incompatível com a penhora todo o direito de terceiro que possa impedir a realização dessa venda, como acontece com o direito de propriedade plena ou direitos reais menores (usufruto), neste caso se a penhora se não limitasse à nua propriedade;
Também os titulares de direitos reais de garantia (credor pignoratício, ou com direito de retenção) apesar de terem posse em nome próprio, não poderão embargar de terceiro porque a sua posse não é, em regra, ofendida pela penhora; reclamando o seu crédito na execução - art. 865º e ss do CPC - aí verão o seu interesse satisfeito[Ib., 146 e ss.]. As garantias reais não são incompatíveis com a execução para pagamento de quantia certa - op. cit., 153.
Por maioria de razão e expressa disposição da lei - art. 871º do CPC - uma penhora (direito real de garantia que não confere qualquer posse ao penhorante) jamais é incompatível com o direito de terceiro credor a, na execução do património do devedor, penhorar o bem antes penhorado.
Os embargos de terceiro credor que pretende o levantamento de penhora sobre bem por si mais tarde penhorado estão votados a total insucesso e devem ser liminarmente indeferidos.
Decisão
Termos em que acordam os da Relação negar provimento ao agravo e confirmar a decisão recorrida, com custas pela Agravante, por vencida - art. 446º, n.os 1 e 2, do CPC.
Porto, 15 de maio de 2001
Afonso Moreira Correia
Albino de Lemos Jorge
Rui Fernando da Silva Pelayo Gonçalves