ARRENDAMENTO RURAL
SUB-ARRENDAMENTO
NULIDADE
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
SENHORIO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I - Nos casos em que os senhorios e subarrendatários não tenham celebrado os contratos de arrendamento (directo) prescritos na parte final do n.5 do artigo 24 do Decreto-Lei n.201/75, de 15 de Abril, os contratos de subarrendamento total ou parcial, anteriores ou posteriores a este diploma, mantêm-se não se considerando abrangidos pela sanção da inexistência, como ela é descrita no artigo 24, mas continuam sujeitos à declaração de nulidade, nos termos que decorrem, primeiramente do artigo 1078 do Código Civil, e, em seguida, do artigo 36 da Lei do Arrendamento Rural.
II - No caso de subarrendamento, o senhorio, para obter a restituição do objecto da locação depois de resolvido o contrato de arrendamento, deve lançar mão, não da acção de despejo, mas da acção de reivindicação.
III - Tendo o contrato de subarrendamento perdurado até à declaração da sua nulidade, o senhorio não tem direito a qualquer indemnização, quer a título de responsabilidade civil, quer a título de enriquecimento sem causa.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

No Tribunal Judicial da Comarca de...., posteriormente remetido para o Tribunal de...., Francisco....., viúvo, residente na Rua....., freguesia de....., concelho de....., instaurou acção declarativa sob a forma ordinária contra Albina....., também viúva, residente no lugar de....., freguesia....., concelho de....., pedindo:
a) o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio identificado no art. 1º da p. i.;
b) o reconhecimento que faz parte integrante desse prédio as leiras que identifica nas alíneas a), b) e c) do art. 9º desse articulado;
c) a condenação da Ré a restituir-lhe essas leiras, livres de pessoas e coisas; e
d) a condenar-se a Ré ao pagamento de uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelos prejuízos resultantes da ocupação ilegítima das ditas leiras.
Para tanto alegou, em síntese, ser dono e legítimo possuidor do prédio que
identifica, denominado C....., destinado a cultura, pastagem e mato, que adquiriu por escritura pública de 10 de Maio de 1968 ao anterior proprietário. Há mais de trinta anos que ele e antepossuidores vem extraindo desse prédio todas as suas potencialidades e nele fez ou autorizou que fizessem obras de beneficiação, tudo à vista de todos, de forma ininterrupta, sem oposição de ninguém e na convicção de exercer direitos sobre coisa que lhe pertence. Desse prédio fazem parte integrante três leiras, que descrimina, que estavam arrendadas. Porém, há cerca de 5 anos, ele e o seu caseiro puseram termo ao respectivo contrato de arrendamento rural, por mútuo acordo, e só, então, soube que essas três leiras estavam subarrendadas verbalmente à Ré, há cerca de 12 anos. Como nunca autorizou tal subarrendamento e nunca a Ré lhe pagou qualquer renda, logo lhe reclamou a entrega dessas leiras mas diz não as entregar só o fazendo por ordem do Tribunal. Com tal recusa a Ré está a causar-lhe prejuízos em quantia difícil de quantificar, de momento, pelo que deve ser fixada em execução de sentença.
Juntou três documentos e procuração forense.
Regularmente citada veio a Ré a contestar dizendo não por em causa o direito de propriedade do A. sobre as leiras em causa, só que lhe foram sublocadas há mais de 40 anos, passando a cultivá-las, desde então, pagando de renda 12 alqueires de milho. O dono dessas leiras era à data o Dr. P....., que sabia da referida sublocação e que a autorizou. Também o A., após a compra, tomou conhecimento dessa sublocação, que reconheceu e autorizou, recusando-se, contudo, a receber as rendas. Alegou que com a publicação do DL 201/75, de 15 de Abril, a sublocação transformou-se em arrendamento directo, nos termos do seu art. 24º, n.º 5. Sendo certo que desses terrenos colhe todos os géneros agrícolas que necessita, pelo que a ser-lhes tirados põe em causa a sua sobrevivência. Assim, porque o que A. pretende é a denúncia do contrato de arrendamento, há erro na forma de processo, donde dever ser absolvida do pedido, salvo no que respeita ao reconhecimento do direito de propriedade do A. que aceita.
No mesmo articulado requereu a Ré que lhe fosse concedido o apoio judiciário, na modalidade de isenção de preparos e de custas, por não ter possibilidades económicas para arcar com as despesas da acção.
Houve réplica na qual o A. manteve o que alegou na petição inicial, mantendo ser este o processo correcto para obtenção do direito a que se arroga.
Foi ordenada uma conferência com fins conciliatórios mas nela as partes não chegaram a qualquer acordo.
No despacho de fls. 56 foi concedido à Ré o benefício do apoio judiciário na modalidade que pedira.
Seguiu-se o despacho saneador no qual foi declarada a validade e regularidade da instância, a capacidade e legitimidade das partes, e seleccionada a matéria de facto já provada e a controvertida com interesse para a decisão da causa.
Houve reclamação do A. à especificação que foi indeferida.
Apresentadas e recebidas as provas, realizou-se o julgamento com observância de todo o formalismo legal, tendo o Tribunal Colectivo respondido ao questionário do modo que consta do acórdão de fls. 85, 86 e 87. Não houve reclamações dos Srs. Advogados contra deficiências, obscuridades, contradições ou falta de fundamentação das respostas.
De seguida, foi elaborada a douta sentença de fls. 90 a 107 (inc.) que julgou a acção parcialmente procedente e provada que reconheceu ao A. o direito de propriedade sobre o prédio do art. 1º da p. i., que dele fazem parte integrante as leiras referidas em 5 da matéria de facto dada por provada e condenou a Ré a restituir-lhe a leira aludida na alínea a) desse ponto 5, em tudo o mais absolvendo a Ré do pedido.
Não se conformou o A. com esta sentença pelo que dela interpôs recurso que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo - v. fls. 111.
Também a Ré interpôs recurso de apelação, mas subordinado, assim recebido, com o mesmo modo de subida . V. fls. 134.
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Nas suas alegações de recurso o apelante principal formulou as seguintes conclusões:
1ª - Reconhecido como está o direito de propriedade do autor sobre as leiras em causa (descritas no ponto 5º b) e c) da matéria de facto), a Ré só poderia afastar o dever de as restituir ao Autor se demonstrasse situação jurídica que lhe conferisse a posse ou detenção das leiras que devesse ser respeitada pelo proprietário.
2ª - Os contratos de subarrendamento que a Ré invocou para tanto são nulos, por terem violado a proibição legal decorrente do art. 1078º, n.º 2 do Cód. Civil, em vigor ao tempo de celebração desses contratos e ao caso aplicável, ou são, pelo menos, ineficazes em relação ao senhorio (Autor), que não os autorizou, nem deles tinha sequer conhecimento.
3ª - Não pode a Ré prevalecer-se do preceituado no art. 24º, n.ºs 4 e 5, do D.L. n.º 201/75, de 15 de Abril, por este diploma ter sido afastado pelo art. 53º da Lei 76/77, de 29 de Setembro, sem que antes o Autor e a Ré tivesse celebrado o contrato de arrendamento (directo) previsto na última parte do referido n.º 5 do art. 24º, sendo as disposições da Lei 76/77, pelo seu art. 44º (parcialmente alterado pelo art. 3º da Lei n.º 76/79, de 3 de Dezembro) mandadas aplicar retroactivamente, mesmos aos próprios processos pendentes.
4ª - Por tais razões, a acção deve ser julgada procedente também quanto às mencionadas duas leiras, nos termos que foram peticionados, uma vez que os respectivos contratos de subarrendamento continuam, pelo que se disse, sujeitos à declaração de nulidade, nos termos que decorrem, primeiramente, do citado art. 1078º do Cód. Civil, e, em seguida, do art. 36º da dita Lei n.º 76/77, estando esses contratos, noutra perspectiva, feridos de ineficácia relativamente ao senhorio (Autor e aqui apelante).
5ª - Face à matéria de facto provada, tem de se concluir que a Ré ocupou e fruiu as três leiras em causa sem título que, como vimos, legitimasse a sua detenção perante o Autor.
6ª - Por essa razão, deverá a R. ser condenada a pagar ao Autor o valor do uso de que legitimamente beneficiou - de acordo com as regras do enriquecimento sem causa (art. 473º do Cód. Civil) - desde o momento em que ela se recusou, injustificadamente, a entregar as leiras ao Autor até ao momento em que tiver lugar essa entrega.
7ª - Como não ficou apurado o montante do enriquecimento da Ré, há que relegar a sua liquidação para execução de sentença (art. 661º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil).
8ª - Não obsta a isso o art. 474º do Cód. Civil, porque não se mostra que a intromissão da R. nos bens do Autor tivesse causado a este danos que envolvessem responsabilidade civil, para além do enriquecimento sem causa.
9ª - Por outro lado, apesar do Autor entender que os factos por si alegados integravam um caso de responsabilidade civil e não de enriquecimento sem causa, nada impede que o Tribunal, na falta de dano reparável, ordene a restituição do montante do enriquecimento (cf. citado art. 473º do Cód. Civil), ao abrigo do art. 664º, 1ª parte, do Cód. Proc. Civil.
10ª - Na douta decisão recorrida violou-se, por erro de interpretação da aplicação, entre outros, o art. 24º, n.ºs 4 e 5 do Dec. Lei 201/75, conjugado com os art.s 53º, 36º e 44º da Lei n.º 76/77, o art. 1078º, n.º 2 do Cód. Civil (em vigor à data da celebração dos contratos de subarrendamento das leiras descritas no ponto 5, b) e c) da matéria de facto), o art. 475º do mesmo código, e o art. 664º, 1ª parte, do Cód. Proc. Civil.
Finaliza no sentido de que deve ser revogada a sentença na parte recorrida, sendo julgada a acção também procedente nesta parte, sendo a alínea d) do pedido, pela indemnização do uso das três leiras, de acordo com as regras do enriquecimento sem causa.
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A Ré/Apelada contra alegou estas alegações pugnando pela improcedência deste recurso e manutenção da sentença recorrida na parte a ele respeitante.
E apresentou as suas alegações do seu recurso subordinado que terminou com as conclusões seguintes:
I - Foi dado por provado que a leira em questão foi subarrendada à Recorrente sem consentimento do respectivo dono, há cerca de vinte anos, com referência a Maio de 1998 - resposta ao quesito quarto.
II - Tal subarrendamento teria sido legitimado, ou não, consoante tivesse ocorrido, ou não, antes da entrada em vigor do D.L. n.º 201/75.
III - O Tribunal não deu como provado que tal subarrendamento tenha ocorrido após a entrada em vigor do referido diploma legal.
IV - Todavia, o Tribunal fundamentou a sua decisão de condenar a Recorrente na restituição da leira em causa, num facto não provado, consistente em partir do princípio de que o subarrendamento ocorreu já depois de Abril de 1975, facto, repete-se, não dado por provado.
V - Ocorreu contradição, deficiência e obscuridade entre a decisão e os seus fundamentos, não se tendo dado por provado, nem a data certa do subarrendamento, nem sequer os limites temporais dentro dos quais teria o mesmo ocorrido.
VI - Torna-se necessário esclarecer os limites temporais em que ocorreu o subarrendamento em causa.
VII - Foi violado o disposto pelo Art. 24º do D.L. n.º 201/75.
VIII - Deve ser revogada a decisão proferida na parte em Recurso e substituída por outra que declare anulada a decisão e ordene a repetição do julgamento quanto à questão em Recurso, ordenando-se a formulação dos quesitos necessários ao esclarecimento da data exacta ou dos limites temporais em que ocorreu o subarrendamento.
O Mer.mo Juiz limitou-se a ordenar a remessa dos autos a esta Relação.
Neste Tribunal foi mantida a espécie e feitos dos recursos interpostos e colhidos os vistos dos Ex.mos Colegas Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir.
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Na sentença recorrida foram dados por provados os seguintes factos:
1. O Autor, Francisco....., adquiriu a António....., por escritura pública de compra e venda lavrada em 10 de Maio de 1968, o prédio rústico denominado “C....., sito no lugar de..... ou ... da freguesia de....., a cultura, pastagem e mato, a confrontar do norte com José Francisco da Mota e estrada, do sul com Francisco....., do nascente com Joaquina..... e outros e do poente com Guilherme..... e Casa....., descrito na Conservatória do Registo Predial de..... sob os n.ºs ----, ---- e ---- e inscrito no art. ---º da matriz - docs. fls. 6 a 35.
2. O Autor, por si e antepossuidores, há mais de 30 anos que vem extraindo do referido prédio todas as suas utilidades, já que, por intermédio do caseiro e do agregado familiar deste, sempre cultivou e colheu os frutos ali produzidos (sob a forma de renda), autorizou e fez obras de beneficiação como o arranjo de ramadas, pagou e continua a pagar as contribuições e impostos que sobre esse mesmo imóvel recaiem.
3. Este modo de actuar do Autor sobre o dito prédio tem sido à vista de toda a gente, de forma ininterrupta, sem oposição de quem quer que seja e com a convicção de quem exerce poderes sobre coisas que lhe pertence, sem lesar ou ofender direitos ou interesses alheios.
4. Tal prédio encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial em nome do Autor, sob a inscrição n.º ---.
5. Do citado prédio fazem parte integrante três parcelas de terreno, com as seguintes caracterizações:
a) uma leira a cultura com a área de cerca de 800 m2, que confronta de nascente com terras que foram de Amadeu..... e pelos demais lados com o prédio de que faz parte;
b) uma leira a cultura com a área de cerca de 350 m2, que confronta de todos os lados com o prédio de que faz parte;
c) uma leira a cultura com ramada, com a área de cerca de 500 m2, que confronta do nascente com Joaquim..... e dos demais lados com a restante parte do prédio de que faz parte.
6. Desde há mais de 30 anos ininterruptos que o Autor, por si e antepossuidores, vem extraindo todas as utilidades das leiras acabadas de identificar, já que por intermédio de caseiro e familiares as vem cultivando e colhendo os frutos (sob a forma de renda), fazendo ou autorizando obras de beneficiação e pagando as respectivas contribuições e impostos.
7. Esta actuação vem sendo feita à vista de toda a gente, sem a oposição de ninguém, com a convicção de quem exerce poderes sobre coisa que lhe pertence, sem lesar ou ofender direitos ou interesses alheios.
8. É a Ré Albina..... quem está na posse das leiras referidas em 5., cultivando-as e colhendo os respectivos frutos.
9. Há cerca de 5 anos o Autor e o seu caseiro puseram termo ao contrato de arrendamento rural por mútuo acordo, tendo-lhe este entregue as terras que cultivava.
10. O Autor só aquando do facto descrito em 9. É que soube que as leiras identificadas em 5, estavam a ser cultivadas pela Ré.
11. O caseiro do Autor havia entregue à Ré essas leiras para que ela as cultivasse ...
12. ... mediante a entrega da Ré ao caseiro do Autor de determinada contrapartida em géneros ali produzidos.
13. O arrendatário das leiras entregou-as à Ré passando esta a cultivá-los com os mais diversos produtos e delas recolhendo os respectivos frutos, sendo-o há cerca de 30 anos a leira referida em 5., al. b), há cerca de 24 anos a leira descrita em 5., al. c) e há cerca de 20 anos a leira aludida em 5., al. a).
14. A Ré pagava 3 alqueires de milho por cada uma das leiras referidas em b) e c) do ponto 5. e 6 alqueires de milho pela leira mencionada em a).
15. Desde o facto referido em 9. que o Autor vem reclamando da Ré a entrega das leiras referidas em 5.
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São, em princípio, as conclusões das alegações de recurso dos recorrentes que delimitam o âmbito e o objecto dos seus recursos - art. 684º, n.º 2 e 3 e art. 690º, n.º 1 do CPC.
E dado que as conclusões dos recorrentes Autor e Ré são, entre si, contraditórias sobre as mesmas questões serão apreciadas em simultâneo.
Temos, pois, que a primeira questão a decidir será da validade dos contratos de subarrendamento verbal celebrados entre o caseiro do prédio em questão e a Ré.
Resultou provado que eles foram celebrados, com referência à data do julgamento, e respeitantes às leiras do ponto 5 da matéria de facto dada por provada que a da al. a) o terá sido há cerca de 20 anos, a da al. b) há cerca de 30 anos e a da al. c) há cerca de 24 anos.
Por virtude da publicação do Dec. Lei n.º 201/75, de 15 de Abril, e do seu art. 24º a proibição do subarrendamento que já vinha na mente do legislador, embora ainda admitido no art. 1078º, n.º 1 do Cód. Civil, veio a ser proibido, não só total, mas também parcial.
E vamos reproduzir a nota 6 ao art. 13º da lei do Arrendamento Rural de autoria do Cons. Aragão Seia, Manuel Costa Calvão e Cristina Aragão Seia, 3ª Ed., da Almedina:
“O artigo 24º do Decreto-Lei n.º 201/75 tinha já proibido o subarrendamento, não só total, mas também parcial, na área do arrendamento rural, salvo se o rendeiro ou sub-rendeiro fosse o Instituto de Reorganização Agrária. E, aplicando retroactivamente os termos da proibição, não só considerou inexistentes os contratos de subarrendamento ou de cessão anteriores, como, contraditoriamente com a tese da inexistência, colocou os sub-rendeiros na posição jurídica dos arrendatários, independentemente da celebração do contrato com os senhorios, ao mesmo tempo que obrigou sub rendeiros e senhorios a assinar novo contrato no prazo de noventa dias.
Esta acumulação de ofensas aos bons princípios da ordem jurídica foi afastada pelo artigo 53º da Lei n.º 76/77, cujas disposições o art. 44º manda aplicar aos próprios processos pendentes.
Isto quer dizer, praticamente, que nos casos em que os senhorios e subarrendatários não tenham celebrado os contratos de arrendamento (directo) prescritos na parte final do n.º 5 do artigo 24ª do Decreto-Lei n.º 201/75, os contratos de subarrendamento total ou parcial, anteriores ou posteriores a este diploma, se mantêm, não se considerando abrangidos pela sanção da inexistência, como ela é descrita no artigo 24º, mas continuam sujeitos à declaração de nulidade, nos termos que decorrem, primeiramente do artigo 1078º do Código Civil, e, em seguida, do artigo 36º da Lei do Arrendamento Rural. - Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, C. C. Anotado, 4ª ed., II, 441.
Temos nos autos que as três leiras foram subarrendadas sem autorização expressa do, então, senhorio, já proibido nos termos do art. 1078º do CC.
E, “... o sub-rendeiro que explore efectivamente a terra substituirá automaticamente o rendeiro nas condições estipulada no respectivo arrendamento, que passará a valer como contrato de arrendamento directo entre senhorio e sub-rendeiro, independentemente, mas sem prejuízo da assinatura de novo contrato, dentro do prazo de noventa dias, a contar da entrada em vigor do presente diploma, o que constitui obrigação recíproca de um e outro” - n.º 5 do art. 24º do Dec. Lei n.º 201/75.
Acontece nos autos que nunca foi celebrado, e referente a qualquer das leiras, esse contrato de arrendamento referido na parte final do citado preceito, que nem obrigatório passou a ser, mas sim ‘para permitir melhor discriminação dos direitos e deveres entre os contratantes.
Tais contratos primitivos de subarrendamento, anteriores e posteriores a esse D.L 201/75, mantiveram-se porque, como atrás se referiu, não foram abrangidos pela sanção da inexistência desse art. 24.
Assim sendo, tais contratos continuaram sujeitos à declaração de nulidade, quer ao abrigo do art. 1078º do C.C quer pelo art. 36º da Lei do Arrendamento rural que revogou os preceitos contidos nesse Código sobre tal matéria.
Ora, foi precisamente com este fim que o Autor deduziu a presente acção contra a Ré: “c) Condenar-se a R. a restituir as referidas leiras ao A. deixando-as livres de pessoas e coisas”.
Resolvido o contrato de arrendamento com o rendeiro de todo o prédio, em que sucedeu ao vendedor, por via amigável, interessava-lhe terminar com os contratos de subarrendamento com a Ré. Para este efeito socorreu-se da declaração de nulidade através da presente acção, que é de reivindicação.
Provada como está a posse e propriedade do Autor sobre o prédio em causa assiste-lhe o direito de exigir do possuidor, aqui a Ré como detentora de um contrato anulável, como o é o de sublocação, a sua restituição livre de pessoas e coisas, nos termos do art. 1311º, n.º 1 do Cód. Civil.
“No caso de subarrendamento, o senhorio, para obter a restituição do objecto da locação depois de resolvido o contrato de arrendamento, deve lançar mão, não da acção de despejo, mas da acção de reivindicação.” - ac. R.L., de 26/2/1996, B. M. J. 454 - 791.
Assim o fez o Autor/Apelante, pelo que nesta parte deve proceder o seu pedido. Procedendo as quatro primeiras alegações e parte da conclusão 10ª das suas alegações de recurso.
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Pretende também este Apelante que, em conformidade com a alínea d) do seu pedido, a Ré seja condenada a pagar-lhe uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelos prejuízos resultantes da ocupação ilegítima das referidas leiras. E citou o ac. do STJ, de 23/03/1999, in CJ-ASTJ- VII, t. I, pág. 172.
Não é hipótese idêntica à dos autos.
Como atrás se referiu, os contratos verbais de sublocação perduraram no tempo até que o senhorio requereu a declaração da sua nulidade, o que só agora aconteceu com a proposição da presente acção.
Como bem ficou dito na sentença recorrida, da ocupação que Ré vem fazendo das leiras, nada foi, em concreto, alegado na petição inicial.
Porém tal pedido, quer a título de responsabilidade civil, quer a título de enriquecimento sem causa não poderá proceder pela simples razão de que a ocupação e exploração das leiras pela Ré era titulada, voltando a dizermos que os contratos de subarrendamento perduraram até à declaração da sua nulidade, obtida através desta acção. Pelo que nenhuma obrigação de indemnizar pende sobre a Ré que exercia o seu citado direito.
Consequentemente, improcedem as conclusões 5ª a 9ª e parte da 10ª das alegações de recurso em apreço.
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Do atrás decidido resulta, necessariamente, a improcedência de todas as conclusões do recurso subordinado da Ré, também apelante. Efectivamente perdeu todo o interesse a determinação das datas das celebrações dos contratos de subarrendamento rural entre o caseiro e a Ré, nomeadamente o que respeita à al. a) do ponto 5 da matéria de facto dada por provada.
E também se diga que no julgamento dos autos se terá procurado determinar o mais possível a data da celebração desses contratos, de modo a fugir à locução “há cerca de”. Se foi usada foi por não ser possível conseguir maior determinação, tanto mais tratando-se de contrato verbal ocorrido, o mais recente, há cerca de 20 anos. Donde resultar evidente desnecessidade de anular o julgamento efectuado para tal fim. Outra questão seria a do ónus da prova, mas que não se põe nos presentes recursos.
Donde se concluir pela total improcedência da apelação subordinada da Ré.
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Nestes termos, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação do Autor revogando-se a sentença recorrida substituindo a sua alínea C) da condenação do modo seguinte: Condena-se a Ré a restituir ao Autor as leiras aludidas nas alíneas a), b) e c) do ponto cinco da matéria de facto.
Em tudo o mais se confirmando tal sentença, com a consequente absolvição do pedido restante.
E julga-se improcedente o recurso da Ré.
Custas na proporção do vencimento atendendo-se a que a Ré litiga com o benefício do apoio judiciário.
Porto, 15 de maio de 2001
Rui Fernando da Silva Pelayo Gonçalves
Manuel António Gonçalves Rapazote Fernandes
Cândido Pelágio Castro de Lemos