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ACTIVIDADES PERIGOSAS
VEÍCULO DE CIRCULAÇÃO TERRESTRE
DIRECÇÃO EFECTIVA DE VIATURA
RELAÇÃO DE COMISSÃO
Sumário
I - É insuficiente para enquadrar no conceito de actividade perigosa, para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 493º do Código Civil, a mera demonstração das tarefas de carga/descarga de paletes prosseguidas numa obra de construção civil serem desempenhadas por máquina/empilhador que dispõe de “garfos” acoplados na sua parte frontal.
II - Um empilhador tem natureza de veículo de circulação terrestre.
III - Em caso de acidente de viação provocado por máquina/empilhador em poder da locatária, no âmbito de um contrato de aluguer sem manobrador, para efeitos de determinação da direção efetiva do veículo com vista à repartição do risco, nos termos e para os efeitos do art.º 503.º, n.º 1, do CC, deve atender-se aos poderes de facto exercidos por essa locatária e à incidência na esfera do risco envolvida no mesmo acidente.
IV - Não existe uma relação de comissão entre o locador e o locatário de um empilhador, para efeitos de responsabilização daquele como comitente, nos termos do art. 500º do Código Civil, na situação de aluguer sem manobrador, inexistindo entre ambos qualquer vínculo de autoridade e de subordinação correspetivas, nem desenvolvendo o locatário qualquer tarefa por incumbência daquele, utilizando para si, com liberdade e autonomia, a coisa locada.
Texto Integral
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I. Relatório
X – Companhia de Seguros, SA, com sede no Largo …, em Lisboa, pessoa colectiva nº …, instaurou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra 1-Máquinas A, Lda, com sede na Rua … Marco de Canavezes; 2- Y – Companhia de Seguros, S.A, com sede na Rua … Lisboa 3- AF e esposa, Lda, com sede na Rua … marco de Canavezes; 4- ST e Companhia, SA, com sede na … Marco de Canavezes, pedindo a condenação solidária das rés no pagamento da quantia de €6.032,78, acrescida dos respectivos juros moratórios, à taxa supletiva de juros moratórios aplicável aos créditos de empresas comerciais como a Autora e RR, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
Para o efeito e em síntese, alega que despendeu tal quantia peticionada com o pagamento de danos sofridos por um trabalhador na sequência de um embate provocado por uma máquina que manobrava no local.
Mais alegou que tal máquina pertencia à ré Máquinas A, Lda, que a alugou à ré ST e Companhia, SA e que o manobrador da máquina é trabalhador da ré AF, Lda, referindo ainda que a ré Y celebrou com a ré Máquinas A um contrato de seguro através do qual transferiu a sua responsabilidade civil pela circulação e utilização da máquina em causa.
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Regularmente citadas as rés deduziram contestação nos seguintes termos:
A ré Máquinas A, Lda. alegou que alugou uma máquina “bobcat” à ré ST e Companhia, SA, que a levou para a obra onde se encontrava a desenvolver a sua actividade, passando esta a ter o poder de facto sobre ela, usufruindo das respetivas vantagens, controlando em exclusivo o seu funcionamento, tendo a sua direção efetiva, além de que o acidente relatado nos autos ocorreu em virtude da atuação ilícita de um funcionário da 3ª ré, que agia sob as ordens e direção da terceira ré, razão pela qual deve ser absolvida do pedido (cfr. fls. 30 a 41).
A ré ST e Companhia, SA., por sua vez, alegou que o acidente relatado nos autos se deveu à conduta de um trabalhador que exercia a sua actividade sobre as ordens, direção e fiscalização da terceira ré, concluindo pela improcedência da ação quanto a si (cfr. fls. 61 a 65).
A ré Y – Companhia de Seguros, SA. alegou que celebrou com a Máquinas A, Lda. um contrato de seguro de responsabilidade civil exploração, não estando garantidos os danos imputados a empresas a quem sejam alugadas máquinas, para além da sua segurada Máquinas A não ter tido qualquer intervenção no acidente dos autos, pelo que deve ser absolvida do pedido (cfr. fls. 70 a 79).
Posteriormente, foi dado conhecimento nos autos que a ré ST e Companhia, SA. se encontrava em Processo especial de revitalização, pelo que foi determinada a suspensão da instância ao abrigo do disposto no artigo 17º-E, n.º1 do CIRE.
A ré ST e Companhia, SA. foi ulteriormente declarada insolvente, tendo a autora desistido da instância quanto a tal ré.
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Homologada a desistência da instância quanto à ré ST e Companhia, SA, foi de seguida elaborado despacho saneador, no qual se afirmou a validade e regularidade da instância, tendo sido julgada improcedente a exceção de ilegitimidade invocada pela co-Ré Máquinas A, Lda; procedeu-se, ainda, à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova, bem como foram admitidos os meios de prova (cfr. fls. 176 a 179).
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Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento (cfr. actas de fls. 207 a 210, 223 e 224).
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Posteriormente, a Mmª. Julgadora a quo proferiu sentença (cfr. fls. 225 a 242) nos termos da qual, julgando a presente acção parcialmente procedente, decidiu:
«Julgo a presente ação totalmente improcedente por não provada e em consequência absolvo as rés do pedido. Condeno a autora nas custas do processo».
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Inconformada, dela recorre a Autora X – Companhia de Seguros, SA, pedindo que se revogue a sentença recorrida, substituindo-se por acórdão que julgue a ação totalmente procedente e consequentemente condene solidariamente a Ré Máquinas A, Lda e a Ré Seguradora Y, SA no pedido (cfr. fls. 245 a 259).
A terminar as respetivas alegações formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem (1)):
«1ª- A recorrente não se conforma com a douta decisão recorrida, pese embora a sua profícua fundamentação, porquanto entende, salvo o devido respeito, que a ação deveria ser julgada procedente e serem condenadas solidariamente as RR Máquinas A, Lda e Y – Companhia de Seguros, SA no pedido. 2ª- A Autora intentou a ação para ser reembolsada dos valores por si despendidos com um acidente de trabalho de um sinistrado por si segurado, e que foi provocado pelo manobrador de uma máquina tipo empilhador, propriedade da Ré Máquinas A (que havia celebrado um contrato de seguro com a Ré Y, SA através do qual havia transferido a sua responsabilidade civil pela circulação e utilização da dita máquina), e que a havia alugado a mesma à ST e Companhia, SA . 3ª- Como a Mª Juiz do Tribunal a quo refere expressamente na douta sentença, dúvidas não restam, face aos factos provados supra descritos, que a Autora provou a culpa do condutor da máquina nas lesões do sinistrado e consequentemente nos danos causados, havendo, assim, culpa efetiva do condutor do empilhador, sendo desnecessário sequer o recurso à culpa presumida. 4ª - Mais reconhece expressamente a douta sentença que à Autora assiste o direito de ser reembolsada das quantias por si despendidas, apenas restando saber a quem exigir o reembolso pelo evento danoso. 5ª- Salvo o devido respeito, e que é muito, pela douta sentença recorrida, quer subsumindo a situação dos autos no disposto no art. 500º do CC, quer se subsumindo ao disposto no art. 503º do CC, a actividade é sempre perigosa, quer como acidente de circulação terrestre, quer pelo meio utilizado, impondo-se sempre a condenação da Ré Máquinas A, SA enquanto proprietária da máquina/empilhador e que com o recebimento do respectivo aluguer retirava o proveito, e consequentemente da sua seguradora. 6ª- Salvo o devido respeito, não concordamos com a douta sentença por entender que os responsáveis seriam o manobrador e a ré ST, SA, porquanto a situação descrita nos presentes autos é em tudo análoga à situação descrita no Acordão do STJ de 17.06.2010 – proc. Nº 3174/03.5TBGDM.P1.S1 e é em tudo semelhante a um atropelamento ocorrido com um veiculo propriedade de uma empresa rent-a-car conduzido por um locatário, que quem responde é a locadora e respectiva seguradora . 7ª- Ao contrário do referido na douta sentença, salvo melhor opinião, entendemos que foi a coisa/máquina que causou os danos, embora sob a direção humana do manobrador, pelo que tanto se pode enquadrar também no disposto nº 1 do art. 493º e não nº 2, por analogia com os acidentes de viação, em responde o dono do veículo e respectiva seguradora e é o veículo que causou os danos . 8ª- Deveremos aplicar os princípios e ensinamentos imanentes e subjacentes aos acidentes de viação a este tipo de acidentes, sufragando uma visão ampla e actualista dos acidentes de viação e seu regime, abrangendo este tipo de máquinas e equipamentos, cada vez mais usadas em substituição da mão-de-obra humana, e que circulam tanto nas vias públicas, como em locais privados. 9ª- Como se refere expressamente na douta sentença e resulta dos factos provados, o acidente se deveu a culpa exclusiva do manobrador, pelo que como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.06.2010, processo 3174/03.5TBGDM.P1.S1, www.dgsi.pt, por via do disposto no art. 500º do CC a ação deveria ser procedente, pois que in casu o proprietário da máquina – Máquinas A, Lda – agiu por intermédio da locatária e tinha a direção efetiva da mesma e no seu interesse, pois auferia o respectivo proveito com o aluguer da mesma. 10ª- Por isso, salvo o devido respeito, discordamos da douta sentença quando refere que a responsabilidade da Máquinas A só seria viável no caso de ter sido excluída a culpa do manobrador da máquina, pois que a responsabilização da Máquinas A ocorre independentemente de culpa efetiva ou presumida do condutor, dado que do disposto no art. 503º, nº 1 e 3 do CC apenas decorre uma presunção de culpa, não uma desresponsabilização do dono do equipamento. 11ª- E até a própria douta sentença o considera ao invocar a jurisprudência do STJ no assento de 31 de Maio de 1966, o Supremo Tribunal de Justiça assentou o entendimento segundo o qual “o proprietário responsável nos termos do art. 56º, nº 4, do Código da Estrada, é quem efectivamente o seja no momento do acidente, ainda que não esteja registada a sua propriedade”. 12ª- Aplicando estes ensinamentos ao caso concreto, face aos factos provados dúvidas não restam que a máquina era propriedade da Máquinas A,Lda e que esta detinha a sua direção efetiva e interessada porque enquanto proprietária a alugou à ST e Companhia, SA que lhe pagou o respectivo aluguer, e, assim dela retirou o respectivo proveito económico. 13ª- Aliás em certa medida, e salvo o devido respeito, a douta sentença é até contraditória entre os fundamentos e a decisão, pois transcreve os ensinamentos do Prof. Antunes Varela e o Acordão do STJ de 23.10.97 sobre quem tem a direção efetiva do veículo concluindo pela responsabilidade solidária do locatário e locador e que o dono do veiculo ou alugador responde solidariamente pelo dano , não se alcança como conclui que “Como acabamos de expor, não podendo ser assacada qualquer responsabilidade à Máquinas A, Lda. também não poderá ser assacada qualquer responsabilidade à ré Y, SA., com quem havia celebrado um contrato de seguro do ramo RC exploração”. 14ª- Assim, salvo o devido respeito e melhor opinião, sendo a responsabilidade solidária do locatário e do locador, pode e deve ser condenada a locadora Máquinas A, SA e consequentemente a respectiva seguradora para quem havia transferido a sua responsabilidade civil pela actividade de aluguer de máquinas . 15ª- Pelo exposto a douta sentença recorrida fez errada aplicação aos factos provados e interpretação do disposto nos arts 493º, 500º e 503º do CC.
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Contra-alegou a co-Ré Y – Companhia de Seguros, S.A., pugnando pela total improcedência do recurso da Autora (cfr. fls. 262 a 265).
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O recurso foi admitido por despacho de 25 de setembro de 2017 como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 267).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal consistem fundamentalmente em determinar a que título se deve imputar a responsabilidade (civil) pelo acidente de que resultaram os danos que a recorrente indemnizou, nomeadamente nos termos do art.º 493º do Código Civil (doravante, designado por CC), ou, pelo risco, nos termos dos arts. 500º e 503º do mesmo diploma legal.
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III. Fundamentos
2.1) A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1. A Autora exerce a actividade seguradora de exploração de seguros e devidamente autorizada pelas entidades competentes. 2. No exercício da sua actividade celebrou com A – Sociedade de Construções, Lda, com sede na Rua …, Baião, um contrato de seguro obrigatório de acidentes de trabalho, na modalidade de folha de férias, nos termos da legislação em vigor titulado pela apólice nº …; 3. No âmbito do referido contrato de seguro encontrava-se coberto pela garantia da apólice, além de outros, o trabalhador da A, Lda, de nome AM, e com o salário mensal transferido de 496,50 €; 4. A 1ª ré, Máquinas A Lda. dedica-se à actividade de prestação de serviços de aluguer de máquinas e equipamentos para a construção e engenharia civil; 5. A 3ª Ré, AF, Lda, e a 4ª Ré, ST, SA, dedicam-se à actividade de construção civil e obras públicas; 6. A 4ª Ré, ST, SA, procedia em 18 Abril de 2013 à execução de uma obra, no Centro Escolar do Concelho de Vila Real, e na execução da referida obra utilizava uma máquina industrial tipo “Bobecate”, Case, com o nº de ordem 28, que havia alugado à Ré Máquinas A, Lda; 7. Na execução da mesma obra operava também a 3ª Ré AF, Lda, que havia sido sub-contratada pela 4ª Ré ST, SA; 8. E quem operava a dita máquina no dia 18.04.2103, cerca das 16H15m, era RB, trabalhador da Ré AF, Lda; 9. Bem como também trabalhava na dita obra a segurada da Autora, A, Lda, onde dispunha de trabalhadores, designadamente do supra referido AM; 10. Nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidos, o identificado AM encontrava-se a trabalhar dentro de um pavilhão da dita obra; 11. Cerca das 16h15m saiu do interior do dito pavilhão da obra e deslocava-se ao exterior da mesma, atravessando um páteo coberto; 12. Onde se encontrava a operar a dita máquina, manobrada pelo referido RB, a descarregar paletes de material de construção; 13. O referido manobrador, após descarregar uma palete, fez girar a máquina repentinamente; 14. Atingindo com os garfos que a máquina dispõe acoplados na sua parte frontal, o corpo do AM na parte lateral, zona torácica e abdominal, atirando-o ao solo; 15. Devido ao acidente supra relatado foi elaborado o respectivo auto de notícia pela Guarda Nacional Republicana de Vila Real; 16. O operador da máquina manobrava a mesma com total falta de atenção e cuidado pelas pessoas que circulavam à sua volta e naquele espaço, não havendo qualquer sinalização ou vedação. 17. Em consequência do embate o trabalhador da A, Lda, AM sofreu ferimentos, tendo-lhe sido prestados os primeiros socorros no local pelos Bombeiros e INEM; 18. Após o que foi transportado e assistido no Hospital de Vila Real, onde ficou internado, e depois continuou a ser assistido e tratado no Hospital Privado do Porto; 19. As lesões sofridas por este sinistrado ocorreram no tempo e local de trabalho, daí que a A, Lda tenha efectuado à ora Autora a respectiva participação por acidente de trabalho, de forma accionar o contrato de seguro de acidentes de trabalho; 20. Em virtude do acidente de trabalho supra relatado com o trabalhador AM, a autora suportou despesas médico-hospitalares, salários ao sinistrado, transportes e alimentação no total de 6.032,78 €, abaixo descriminadas:
- Salários: 1.000,17 €
- Honorários Consultas/ Cirurgias: 210,00 €
- Despesas médicas: 4.469,96 €
- Elementos auxiliares de diagnóstico: 262,50 €
- Transportes: 52,65 €
- Despesas diversas/alimentação: 37,50 € 21. A Máquinas A, Lda, celebrou com a Ré Y, SA. um acordo denominado “contrato de seguro de responsabilidade civil exploração” titulado pela apólice ..., cujo teor se dá por reproduzido; 22. A ST & Companhia, SA destinava a máquina que alugou executar trabalhos da sua responsabilidade.
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2.2.) E deu como não provados os seguintes factos:
A. O trabalhador referido em 8 dos factos provados agia por conta, sob as ordens, direção e fiscalização da ré AF e esposa, Lda. B. O sinistrado foi operado. C. A 4ª Ré, ST, SA, era a adjudicatária da obra onde operava a máquina. D. A ST & Companhia, SA. cedia a máquina a outras empresas para uso na obra.
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IV. Do objeto do(s) recurso(s)
1. Delimitadas, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir, é o momento de apreciar cada uma delas. 1.1. A Autora instaurou ação declarativa de condenação contra a 1ª ré (Máquinas A, Lda), proprietária e locadora da máquina industrial que embateu no sinistrado, colaborador subordinado duma empresa segurada (A, Lda), com quem a Autora havia celebrado um contrato de acidentes de trabalho, sendo que a referida máquina era, à data, utilizada pela 4ª ré (ST & Companhia, SA), locatária, na execução duma obra de construção civil, e era manobrada por um colaborador da 3ª Ré (AF e esposa, Lda).
Pretende a autora, por via sub-rogatória, que os Réus sejam solidariamente condenados no pagamento das quantias que despendeu em ressarcimento dos danos sofridos pelo sinistrado, colaborador subordinado da sua segurada, no âmbito de processo de acidente de trabalho.
E, em face da sentença absolutória da 1ª instância, pretende com a dedução do presente recurso ver obtida a condenação solidária das RR. Máquinas A, Lda e Y - Companhia de Seguros, SA no pedido.
Ancora essa pretensão na alegação de que a co-Ré Máquinas A agiu por intermédio da locatária ST & Companhia, SA, continuando aquela a deter a direção efetiva da máquina, pois que a utilizava no seu interesse (art. 500º do CC). Mais defende que a responsabilização da Máquinas A ocorre independentemente de culpa efetiva ou presumida do condutor, dado que do disposto no artigo 503.º, n.º 1 do Código Civil apenas decorre uma presunção de culpa, não uma desresponsabilização do dono do equipamento.
Está provado nos autos – e não é questão que ofereça controvérsia – que a A. respondeu, na qualidade de seguradora, com base num contrato de seguro por acidentes de trabalho, pelas consequências danosas que emergiram de um sinistro daquela natureza para um trabalhador da sociedade “A, Lda”. Tendo pago a indemnização a favor do trabalhador sinistrado com base num seguro obrigatório de responsabilidade civil, a A. entende que há terceiros responsáveis pelo acidente e que, por isso, lhe assiste o direito ao reembolso do que pagou, nos termos do art. 17º (2) da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro (que regulamenta o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais) e da cl.ª 29º (3) das Condições Gerais da Apólice Uniforme de Acidentes de Trabalho, aprovadas pela Portaria n.º 256/11, de 05/07.
Reconhece-se ali, nos termos da lei geral, o direito de ação da seguradora ou da entidade empregadora que tenha pago a indemnização para o exercício do direito de sub-rogação contra trabalhadores ou terceiros que tenham dado causa ao acidente e sejam por ele responsáveis.
Os terceiros em causa – no dizer da recorrente – são as Rés, se bem que em sede de recurso delimite essa responsabilidade à 1ª R. e 2ª R.; aquela enquanto proprietária e locadora da máquina que teve intervenção no acidente e a segunda na qualidade de seguradora daquela, para quem havia transferida a responsabilidade civil pela circulação e utilização da mesma; de salientar que a recorrente conformou-se com a absolvição do pedido quanto à 3ª Ré, empregadora do manobrador da dita máquina, e, relativamente à 4ª ré, locatária da máquina que interveio no acidente, a recorrente desistiu da instância quanto à mesma, por entretanto ter sido declarada em situação de insolvência, sendo que a sentença homologatória dessa desistência transitou em julgado; por último, a recorrente não demandou na ação o operador da aludida máquina que deu azo ao acidente.
Resta, assim, indagar se existe concorrência de responsabilidades para a produção do evento que vitimou o sinistrado, isto é, se a par da responsabilidade pelo acidente, caracterizado como acidente de trabalho e no âmbito do qual a Autora reparou os danos por aquele sofridos, coexiste, como esta alega, responsabilidade extracontratual de outros trabalhadores ou de terceiros, nos termos admitidos pelos citados normativos.
Ponderou-se na sentença da 1ª instância a respeito das circunstâncias (fácticas e de direito) em que ocorreu o acidente (e que não merecem contestação em sede de recurso):
– O acidente ocorreu entre uma máquina bobcat e um trabalhador, no interior de uma obra, enquanto a máquina era manobrada por RB, trabalhador da AF, Lda.
– Tal máquina/empilhadora executava trabalhos de carga e descarga de paletes e, quando o seu manobrador fazia girar a máquina, sem que se apercebesse da presença do AM (colaborador da segurada da Autora, A, Lda) do seu lado esquerdo, acabou por embater com os garfos acoplados à máquina na região torácica da vítima, provocando-lhe danos.
– O embate das pás da máquina na região torácica da vítima deveu-se a incúria do condutor, que antes de executar a manobra giratória da empilhadora, que permitia iniciar a marcha para a frente, não se certificou que o podia fazer em segurança sem que embatesse em qualquer obstáculo, incluindo pessoas que por aquele local passassem, como lhe competia.
– A responsabilidade pela produção do acidente deve-se ao manobrador da máquina, que exercia as funções que lhe haviam sido confiadas.
– A dita empilhadora constitui um veículo de circulação terrestre.
– Não deixa de se caracterizar como acidente de viação o acidente ocorrido com uma empilhadora ainda que num espaço de circulação que não seja via de trânsito.
– Tal acidente não está incluído no âmbito de aplicação do Código da Estrada.
O primeiro argumento da recorrente é a da subsunção da situação dos autos ao disposto no art. 493º do CC.
Dispõe o art. 493º do CC:
«1. Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua. 2. Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir».
No n.º 1 do preceito citado «estabelece-se uma importante restrição à responsabilidade. Ela só existe se a pessoa que tem em seu poder a coisa móvel ou imóvel (a caldeira, o paiol, o depósito de combustível ou de artigos de pirotecnia, armas, substâncias radioativas ou insalubres, instrumentos cortantes, etc.) está obrigada a vigiá-la. Pode tratar-se do proprietário da coisa ou animal; mas não tem necessariamente de ser o proprietário (…). É a pessoa que tem as coisas ou animais à sua guarda quem deve tomar as providências indispensáveis para evitar a lesão» (4).
A lei não fornece uma noção do que deve entender-se por “actividade perigosa”, tratando-se de um conceito indeterminado que deve ser concretizado, casuisticamente, segundo as circunstâncias de cada caso, pelo que revestirão especial relevo na densificação daquele conceito legal os contributos fornecidos para doutrina e jurisprudência.
Pires de Lima e Antunes Varela (5) sustentam que “apenas se admite, genericamente, que a perigosidade derive da própria natureza da actividade, como a navegação marítima ou aérea, o fabrico de explosivos, o comércio de substâncias inflamáveis (…) ou da natureza dos meios utilizados (tratamentos médicos com raios x, ondas curtas, etc). É matéria, pois, a apreciar, em cada caso, segundo as circunstâncias”.
Pois bem, no caso dos autos, face à escassa matéria fáctica alegada (e provada) – a 4ª Ré, ST, SA, procedia, em 18/04/2013, à execução de uma obra de construção civil, no Centro Escolar da Zona Sudeste do concelho de Vila Real, utilizando na execução da referida obra uma máquina industrial tipo “Bobecate”, cujo manobrador se encontrava no exterior do pavilhão a descarregar paletes de material de construção, o qual, após descarregar uma palete, fez girar a máquina repentinamente, atingindo com os garfos que a máquina dispõe acoplados na sua parte frontal o corpo de outro colaborador na zona torácica e abdominal, que na altura circulava a pé junto desse local, atirando-o ao solo, manobrando aquele a máquina com total falta de atenção e cuidado pelas pessoas que circulavam à sua volta e naquele espaço, não havendo qualquer sinalização ou vedação –, não é legítimo concluir que a situação concreta retratada nos autos deva ser qualificada como actividade perigosa para efeitos de aplicação do n.º 2 do artigo 493º do Código Civil (6)(7).
Como se salienta na sentença recorrida, o acidente ficou a dever-se à conduta incauta e culposa do manobrador da máquina, e não propriamente devido à maior ou menor perigosidade da máquina.
Aliás, estando reconhecida a culpa efetiva do manobrador da dita máquina na produção do acidente que vitimou o sinistrado, acaba por ser redundante o efeito útil que a recorrente pretende ver obtido com o enquadramento da situação no regime estabelecido no n.º 2 do art. 493º do CC, já que este, em matéria de culpa, se limita a estabelecer a inversão do ónus da prova, presumindo que age com culpa quem exerce uma actividade perigosa.
E ainda que se pudesse reputar de perigosa, a actividade inerente à utilização da referida máquina/empilhador para efetuar cargas e descargas de paletes naquelas circunstâncias, sempre seria arredada da presunção do n.º 2 do artigo 493º do CC, por força do assento n.º 1/80, de 21 de Novembro de 1979, hoje com força de jurisprudência uniformizadora, segundo o qual “o disposto no artigo 493.º, n.º 2 do Código Civil, não tem aplicação em matéria de acidentes de circulação terrestre”, salientando-se não ter sido aduzida qualquer razão válida que imponha que o mencionado assento de 1979 deva, na situação versada nos autos, ser sujeito a uma interpretação restritiva.
O segundo argumento da recorrente estriba-se na alegação de que se mostra verificada a hipótese legal prevista nos arts. 500º e 503º do CC, porquanto in casu o proprietário da máquina (Máquinas A, Lda) agiu por intermédio da locatária (ST, SA), tinha a direção efetiva da mesma e esta era utilizada no seu interesse, auferindo o respectivo proveito com o seu aluguer.
Tendo por objeto os danos causados por veículos no âmbito da responsabilidade pelo risco, prescreve o artigo 503.º do CC que:
«1 – Aquele que tiver a direção efetiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação. 2 – (…). 3 – Aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte; se, porém, o conduzir fora do exercício das suas funções de comissário, responde nos termos do n.º 1».
O preceituado no n.º 1 do citado art.º 503.º faz recair a responsabilidade objetiva pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação, sobre quem detenha a direção efetiva do mesmo e o utilize no seu interesse próprio, independentemente da respetiva titularidade ou domínio jurídico.
Por conseguinte, pressuposto da responsabilidade pelos danos próprios do veículo é a verificação simultânea dos dois requisitos: direção efetiva do veículo e utilização do mesmo no próprio interesse.
A questão de saber se o locador/locatário da máquina/empilhador podem ser considerados comitente/comissário para os efeitos do art. 503º do CC não é essencial para a solução dos autos. Fundamental é, sim, determinar quem tinha na ocasião a «direção efetiva» da máquina causadora do acidente e no «interesse» de quem era a mesma utilizada.
Ora, ter a direção efetiva do veículo significa dispor do poder de facto sobre o mesmo ou exercer controlo sobre o veículo. Por sua vez, o interesse na utilização terá de ser próprio, podendo traduzir-se em vantagens de ordem patrimonial ou não patrimonial, ainda que não necessariamente exclusiva, não se exigindo sequer que se trate de interesse digno de proteção legal.
No ensinamento de Antunes Varela (8):
«A fórmula (…) “ter a direção efetiva do veículo” destina-se a abranger todos aqueles casos (proprietário, usufrutuário, locatário, adquirente com reserva de propriedade, autor do furto do veículo, que o utiliza abusivamente, etc.) em que, com ou sem domínio jurídico, parece justo impor a responsabilidade objectiva a quem usa o veículo ou dele dispõe. Trata-se das pessoas a quem especialmente incumbe, pela situação de facto em que se encontram investidas, tomar as providências adequadas para que o veículo funcione sem causar danos a terceiros. (…) Tem a direção efetiva do veículo a pessoa que, de facto, goza ou usufrui as vantagens dele, e a quem, por essa razão, especialmente cabe controlar o seu funcionamento (vigiar os pneus, luzes do carro, afinar os travões, verificar os pneus, controlar a sua pressão, etc.)».
Acrescenta o citado Autor que (9):
«No caso de aluguer, sendo o veículo conduzido pelo locatário ou às suas ordens, o veículo é utilizado tanto no interesse do locatário, como no do locador, e qualquer deles se pode dizer que tem a direção efetiva do veículo, devendo por isso aceitar-se que ambos respondem solidariamente pelo dano.»
Quanto à repartição e título de responsabilidades, aduz ainda aquele Autor que (10):
«Nos casos em que haja culpa do condutor no acidente, o detentor ou utente pode ser chamado à responsabilidade com um duplo fundamento: a) como detentor do veículo e criador do risco inerente à sua utilização; b) como comitente e, nessa qualidade, garante da obrigação de indemnizar a cargo do comissário. No primeiro caso, há razões para aplicar ao detentor os limites máximos da responsabilidade fixada no art.º 508.º; no segundo, a responsabilidade do comitente cobre toda a obrigação de indemnização do comissário, que não tem limites preestabelecidos.»
Porém, no comentário ao art.º 503.º do Código Civil, Pires de Lima e Antunes Varela, observam que (11):
«Embora a responsabilidade recaia, assim, normalmente sobre o proprietário, este não é responsável se (…) perdeu, por qualquer circunstância, essa direção, como no caso de furto ou de entrega ao promitente-comprador, ao locatário ou, em certas circunstâncias, ao comodatário».
Em sentido convergente, Almeida Costa, a propósito das pessoas responsáveis pelos danos ocasionados por veículos de circulação terrestre nos casos de responsabilidade pelo risco (art. 503.º, n.º 1 do CC), escreve que (12):
«As mais das vezes, o detentor será o proprietário de veículo, ou, inclusive, um usufrutuário ou adquirente com reserva de propriedade. Todavia, pela conjugação dos referidos elementos, a responsabilidade objectiva também pode caber a um locatário ou comodatário, ou a outrem que o haja furtado ou apenas utilizado abusivamente.»
A respeito da hipótese de locação, equacionando se a responsabilidade objetiva recai apenas sobre o locatário ou solidariamente sobre locador e locatário ou, ainda, apenas sobre o locador, o mencionado Autor salienta que a solução do problema dependerá de «(…) saber quem cria o risco e aproveita dele», isto é, «a direção efetiva do veículo e o interesse na sua utilização.», acrescentado que deverá, «portanto, atender-se ao que resulte das circunstâncias de cada situação concreta» (13).
Assim, no caso do contrato de locação, em vez de se enveredar por uma qualificação genérica em termos das obrigações típicas dele decorrentes, fundamental será saber, no contexto de cada situação concreta, em que esfera de direção efetiva do veículo se gera o risco especial que justifica a responsabilidade objectiva (14).
Revertendo ao caso concreto, importa atentar no seguinte circunstancialismo fáctico:
– A 1ª ré, Máquinas A Lda dedica-se à actividade de prestação de serviços de aluguer de máquinas e equipamentos para a construção e engenharia civil;
– A 3ª Ré, AF, Lda, e a 4ª Ré, ST, SA, dedicam-se à actividade de construção civil e obras públicas;
– A 4ª Ré, ST, SA, procedia em 18 de Abril de 2013 à execução de uma obra, no Centro Escolar da Zona Sudeste do Concelho de Vila Real, e na execução da referida obra utilizava uma máquina industrial tipo “Bobecate”, Case, com o nº de ordem 28, que havia alugado à Ré Máquinas A, Lda;
– Na execução da mesma obra operava também a 3ª Ré AF, Lda, que havia sido sub-contratada pela 4ª Ré ST, SA;
– E quem operava a dita máquina no dia 18.04.2103, cerca das 16H15m, era RB, trabalhador da Ré AF, Lda;
– Bem como também trabalhava na dita obra a segurada da Autora, A, Lda, onde dispunha de trabalhadores, designadamente o AM;
– Nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidos, o identificado AM encontrava-se a trabalhar dentro de um pavilhão da dita obra;
– Cerca das 16h15m saiu do interior do dito pavilhão da obra e deslocava-se ao exterior da mesma, atravessando um páteo coberto, onde se encontrava a operar a dita máquina, manobrada pelo referido RB, a descarregar paletes de material de construção;
– O referido manobrador, após descarregar uma palete, fez girar a máquina repentinamente;
– Atingindo, com os garfos que a máquina dispõe acoplados na sua parte frontal, o corpo do AM, na parte lateral, zona torácica e abdominal, atirando-o ao solo;
– O operador da máquina manobrava a mesma com total falta de atenção e cuidado pelas pessoas que circulavam à sua volta e naquele espaço, não havendo qualquer sinalização ou vedação.
– Em consequência do embate o trabalhador da A, Lda, AM sofreu ferimentos, tendo-lhe sido prestados os primeiros socorros no local pelos Bombeiros e INEM;
– Segundo o contrato de aluguer celebrado entre a 1ª ré, Máquinas A Lda e a 4ª ré, ST, SA, cuja cópia consta de fls. 46 (15):
- O local da obra era em Vila Real;
- O início do aluguer é de 26/01/2013;
- O equipamento era composto pelos seguintes acessórios:
- balde, garfos, chave de rodas, pirilampo e bomba massa.
- O equipamento encontra(va)-se em perfeitas condições.
– O aluguer da máquina foi sem manobrador e a máquina destinava-se a ser usada na obra do Centro Escolar Zona Sudeste do concelho de Vila Real, no período de 26/01/2013 a 25/02/201 (31 dias), importando o aluguer no montante de € 1525,20 (16).
– O referido aluguer da máquina sem manobrador, destinando-se a ser usada na mesma obra, foi prorrogado no período de 26/02/2013 a 25/03/2013 (28 dias), sendo o aluguer no montante de € 1377,60 (17).
– O aludido aluguer da máquina sem manobrador, destinando-se a ser usada na mesma obra, foi prorrogado no período de 26/03/2013 a 3/06/2013 (69 dias), correspondendo o aluguer ao montante de € 3.1394,80 (18).
Deste acervo fáctico extrai-se que a máquina industrial tipo “Bobecate”, única interveniente no acidente em causa, à data do acidente, era propriedade da 1ª ré “Máquinas A Lda”, mas que esta tinha cedido à 4ª Ré, ST, SA, o gozo e fruição da aludida máquina, no âmbito de um contrato de aluguer sem manobrador, celebrado no dia 26/01/2013, pelo período inicial de 31 dias, mas que se prolongou até 3/06/2013 (total de 128 dias), para esta a poder utilizar na obra do Centro Escolar Zona Sudeste do concelho de Vila Real.
Trata-se, pois, de um típico contrato de aluguer, por versar sobre uma coisa móvel (art. 1023º do CC), nos termos do qual a 1ª ré se obrigou a proporcionar à 4ª ré o gozo temporário da dita máquina, mediante retribuição (aluguer) - (art. 1022º do CC).
Resulta dos factos provados que a locadora transferiu para a locatária o poder e fruição daquela máquina, ficando esta sujeita às obrigações prescritas no art. 1038º do CC, nomeadamente pagar o aluguer, não aplicar a coisa a fim diverso daqueles a que ela se destina e restituí-la, findo o contrato, no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato.
Não resulta dos autos que esse poder de uso e fruição da dita máquina concedido à locatária apresentasse especiais restrições.
Não obstante a exiguidade do clausulado do contrato aluguer, quer-nos parecer que era a locatária que detinha o núcleo duro do controlo da máquina locada.
É certo que a locadora era ainda titular de um interesse próprio na fruição da máquina locada mercê da renda que retirava desse aluguer, mas a prossecução deste interesse não passava pelo exercício do uso, guarda e conservação da mesma, nem pela manutenção das condições de utilização, que havia atribuído, de forma ampla, para a locatária.
Acresce que, no momento do acidente, a referida máquina era manobrada por um colaborador não da locatária (4ª ré), mas sim da 3ª ré, empresa esta que aquela havia sub-contratado, sendo que a locatária destinava a máquina que alugou a executar trabalhos da sua responsabilidade.
Perante este quadro factual, mesmo admitindo que pudesse, porventura, recair sobre a locadora, enquanto proprietária da dita máquina, a responsabilidade objetiva pelo risco inerente à sua esfera de controlo residual sobre as condições de circulação da mesma, o certo é que, no caso vertente, o circunstancialismo tido por relevante para a ocorrência do acidente – como foi a escolha do manobrador por parte da locatária, recorrendo a um colaborador externo aos seus quadros, sem que se comprove que tenha dado prévio conhecimento desse facto à locadora ou solicitado a sua autorização para efeitos do disposto no art. 1038º, al. f) do CC e a falta de cuidado e de diligência patenteada pelo comissário da locatária na circulação da dita máquina em relação às pessoas que circulavam à sua volta e naquele espaço, corporizadora de culpa efetiva na produção do acidente, não existindo sequer naquele local qualquer sinalização ou vedação –, inculca claramente a ideia de se situar fora do domínio de facto da locadora (por esta não controlar minimamente as concretas condições de circulação da máquina, delegadas pela locatária num colaborador externo, bem como do próprio espaço da obra em que essa utilização da máquina era levada a cabo), inscrevendo-se, sim, na esfera do controlo atribuído à locatária (4ª ré) (19), ou seja, no âmbito da direção efetiva para esta transferida e por ela realmente exercida.
Nestas circunstâncias, conclui-se não ser imputável à 1.ª R., nos termos do n.º 1 do art. 503.º do CC, qualquer responsabilidade pelo risco na produção do acidente.
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Esgotando as hipóteses colocadas no recurso importa, por último, aferir se estão verificados os pressupostos enunciados no art. 500º do CC.
Sob a epígrafe «Responsabilidade do comitente», preceitua o citado normativo:
«1. Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar. 2. A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada. 3. O comitente que satisfizer a indemnização tem o direito de exigir do comissário o reembolso de tudo quanto haja pago, excepto se houver também culpa da sua parte; neste caso será aplicável o disposto no nº 2 do artigo 497.º».
Por força do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do S.T.J., de 30/04/96, "O dono do veículo só é responsável, solidariamente, pelos danos causados pelo respectivo condutor, quando se alegue e prove factos que tipifiquem uma relação de comissão, nos termos do art. 500º, n.º 1, do Código Civil entre o dono do veículo e o condutor do mesmo".
O termo “comissão" não tem aqui o sentido técnico, preciso, que reveste nos arts. 266º e seguintes do Cód. Comercial, mas o sentido amplo de serviço ou actividade desempenhada por conta e sob a direção de outrem, podendo essa actividade traduzir-se num acto isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual, etc.
A comissão pressupõe uma relação de dependência entre o comitente e o comissário, que autorize aquele a dar ordens ou instruções a este.
O sentido amplo do termo "comissão" justifica-se quando se tenha presente o fundamento da responsabilidade do comitente: quem se aproveita dos serviços de outem, assim como recolhe e faz suas as respetivas vantagens, deve igualmente assumir e suportar os prejuízos ocasionados a terceiros na execução de tais serviços (20).
Ou, como diz Antunes Varela, "é mais justo que os efeitos da frequente insuficiência económica do património do comissário recaiam sobre o comitente, que o escolheu e o orientou na sua atuação, do que sobre o lesado, que apenas sofreu as consequências desta" (21).
A relação de comissão implica, como do preceito legal transcrito resulta, a atribuição de uma incumbência, encargo ou tarefa pelo comitente ao comissário, sendo ao primeiro possível dar instruções ao segundo no que se refere ao exercício da função que lhe foi atribuída.
Ora, embora a propriedade faça presumir a direção efetiva, como poder real de facto sobre a supra mencionada máquina, tal não implica necessariamente que quem conduza ou manobre a referida máquina pertença da 1ª ré o faça por conta dessa demandada (por conta de outrem), isto é, que seja seu comissário.
Ou seja, a relação de comissão não se presume, tendo de ser alegados e provados factos que a tipifiquem (22).
Essa alegação e prova competem a quem invoque o direito de indemnização pelos danos, isto é, no caso à recorrente que pretende exercer o direito de sub-rogação (art. 342º, n.º 1 do Cód. Civil).
Ora, entre o locador e o locatário não existe uma relação de comissão. Este não desenvolve qualquer tarefa por incumbência daquele. O locatário recebe do locador uma coisa para a gozar temporariamente no seu interesse próprio (e não do locador), mediante uma retribuição (a renda ou aluguer) --- arts. 1022º, 1023º, 1031º e 1038º, al. a), do Código Civil. O locatário não é subordinado do locador, não há, entre eles, qualquer vínculo de subordinação, não é incumbido de nada por parte do último, antes utiliza para si, com liberdade e autonomia, a coisa locada. Não age por conta e sob a direção do locador (23).
Nesta conformidade, é de concluir que a eventual responsabilidade civil (pelo risco na produção do acidente) da 1ª Ré não pode, igualmente, encontrar alicerce na previsão do art. 500º do Cód. Civil.
Essa conclusão é extensiva à 2ª ré, visto esta ter sido demandada na qualidade de seguradora para a qual aquela havia transferido os riscos da responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao segurado na qualidade ou no exercício da actividade de aluguer de máquinas de construção civil, com e sem manobrador (ficando garantidos apenas os danos legalmente imputáveis ao proponente, excluindo-se os danos imputáveis às empresas para quem estão a laborar).
Em suma, por não se mostrarem verificados os pressupostos dos arts. 493º, 500º e 503º, n.º 1 do CC, relativamente à 1ª e 2º Rés, forçoso será concluir pela confirmação da decisão recorrida, improcedendo as conclusões da apelante.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 667º, n.º 3 do CPC):
I - É insuficiente para enquadrar no conceito de actividade perigosa, para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 493º do Código Civil, a mera demonstração das tarefas de carga/descarga de paletes prosseguidas numa obra de construção civil serem desempenhadas por máquina/empilhador que dispõe de “garfos” acoplados na sua parte frontal. II - Um empilhador tem natureza de veículo de circulação terrestre. III - Em caso de acidente de viação provocado por máquina/empilhador em poder da locatária, no âmbito de um contrato de aluguer sem manobrador, para efeitos de determinação da direção efetiva do veículo com vista à repartição do risco, nos termos e para os efeitos do art.º 503.º, n.º 1, do CC, deve atender-se aos poderes de facto exercidos por essa locatária e à incidência na esfera do risco envolvida no mesmo acidente. IV - Não existe uma relação de comissão entre o locador e o locatário de um empilhador, para efeitos de responsabilização daquele como comitente, nos termos do art. 500º do Código Civil, na situação de aluguer sem manobrador, inexistindo entre ambos qualquer vínculo de autoridade e de subordinação correspetivas, nem desenvolvendo o locatário qualquer tarefa por incumbência daquele, utilizando para si, com liberdade e autonomia, a coisa locada.
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V. Decisão
Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da apelante (art. 527º do CPC).
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Guimarães, 7 de dezembro de 2017
Alcides Rodrigues
Espinheira Baltar
Eva Almeida
1. Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo gralhas evidentes e a ortografia utilizada. 2. Estabelece o citado normativo que: “1 - Quando o acidente for causado por outro trabalhador ou por terceiro, o direito à reparação devida pelo empregador não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos gerais. 2 - Se o sinistrado em acidente receber de outro trabalhador ou de terceiro indemnização superior à devida pelo empregador, este considera-se desonerado da respectiva obrigação e tem direito a ser reembolsado pelo sinistrado das quantias que tiver pago ou despendido. 3 - Se a indemnização arbitrada ao sinistrado ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente, a exclusão da responsabilidade é limitada àquele montante. 4 - O empregador ou a sua seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente pode sub-rogar-se no direito do lesado contra os responsáveis referidos no n.º 1 se o sinistrado não lhes tiver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente. 5 - O empregador e a sua seguradora também são titulares do direito de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que se refere este artigo”. 3. Com a seguinte redação: «Cláusula 29.ª Sub-rogação pelo segurador 1 - O segurador que tiver pago a indemnização fica sub-rogado, na medida do montante pago, nos direitos da pessoa segura contra o terceiro responsável pelo acidente de trabalho, embora o direito de acção judicial dependa do seu não exercício pelo sinistrado no prazo de um ano a contar da data do acidente. 2 - O tomador do seguro responde, até ao limite da indemnização paga pelo segurador, por acto ou omissão que prejudique os direitos previstos no número anterior». 4. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed, Coimbra Editora, 1987, p. 494. 5. Cfr. obra citada, p. 495. 6. Cfr., em sentido idêntico, o Ac RP de 25/09/2014 (relatora Judite Pires), in www.dgsi.pt. 7. Não é igualmente enquadrável na hipótese do n.º 1 do art. 493º do CC. Mas mesmo que o fosse, a sua subsunção seria no caso inútil, já que quem tinha o dever de guarda e de vigilância sobre a dita máquina era a 4ª Ré, locatária, que a utilizava na execução da mencionada obra, e não a 1ª Ré (locadora), sendo que quanto àquela o processo mostra-se já findo por força da homologação da desistência da instância. 8. Cfr. Das Obrigações em Geral, vol. I, 8ª ed., 1989, Almedina, pp. 625/626. 9. Cfr. obra citada, p. 632. 10. Cfr. obra citada, p. 631. 11. Cfr. obra citada, p. 513. 12. Cfr. Direito das Obrigações em Geral, 6ª ed., Almedina, 1994, p. 528. 13. Cfr. Na mesma linha argumentativa, Vaz Serra, in RLJ, ano 109, pp. 154 e segs., conclui que, nas situações de locação ou comodato, a responsabilidade objetiva impende sobre o locatário ou comodatário, e não, em princípio, sobre o locador ou comodante. Dado em locação um veiculo sem condutor é responsável o proprietário caso o acidente seja devido a um vício do veículo e é responsável o locatário caso o acidente seja devido a outra causa. 14. Cfr., nesse sentido, o Ac. do STJ de 26/11/2015 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), in www.dgsi.pt. 15. Esse contrato, bem como as faturas constantes de fls. 47 a 49, serviram de suporte à resposta pelo Tribunal a quo à matéria do item 6 dos factos provados (cfr. motivação de fls. 231). 16. Cfr. fatura n.º 3220, datada de 28/02/2013, cuja cópia consta de fls. 47. 17. Cfr. fatura n.º 3250, datada de 18/04/2013, cuja cópia consta de fls. 48. 18. Cfr. fatura n.º 3269, datada de 4/06/2013, cuja cópia consta de fls. 48. 19. Que, no caso, além de deter a direção efetiva da máquina, é comitente em relação ao manobrador da máquina/empilhador, pelo que em princípio responderia, em sede de responsabilidade objetiva, pelos factos danosos praticados pelo seu comissário (arts. 500º e 503º, n.º 1, ambos do CC), sem prejuízo de poder exigir deste o direito de reembolso (n.º 3 do art. 500º do CC). 20. Cfr. Manuel Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, 1987, pág. 137. 21. Cfr. obra citada, p. 604. 22. Cfr. Acs. do STJ de 07/07/2010 (relator Oliveira Vasconcelos), 03/03/2009 (relator Sebastião Povoas), 18/11/2008 (relator Pires da Rosa), 19/06/2008 (relator Custódio Montes) e de 31/10/2006 (relator Azevedo Ramos), todos in www.dgsi.pt. 23. Cfr. Ac. do STJ de 23/10/1997, BMJ, nº 470, pp. 582 a 589, e Ac. da RG de 8/01/2015 (relator Filipe Caroço), in www.dgsi.pt.