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GERENTE
NOMEAÇÃO
ACÇÃO ESPECIAL
SÓCIO
CITAÇÃO
Sumário
Não existindo órgão da sociedade (gerência) em funcionamento, não tem o tribunal de mandar citar o outro sócio para os termos da acção especial de nomeação de gerente requerida por um deles.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
Anabela..... intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de....., a presente acção especial de nomeação de gerente contra:
- Aníbal....., pedindo que fosse nomeado gerente da sociedade “C....., L.da” Manuel....., mediante a remuneração de Esc. 80.000$00 mensais, nomeação e funções de gerência a serem mantidas até que a situação da sociedade se mostre regularizada através da nomeação de novo gerente.
Alegou, para tanto, em resumo, que a sociedade tem um capital de 1.000.000$00, dividido em duas quotas de 500.000$00, pertencendo uma delas ao Requerido e a outra a César....., ficando a gerência afecta a ambos os sócios, sendo necessária para obrigar a sociedade a assinatura de ambos os sócios; por morte do sócio César, a quota deste foi adjudicada à Autora, viúva daquele, pelo que o Requerido e a Autora são os únicos sócios da referida sociedade; sucede que, em 10/01/00, o Requerido notificou a Autora da sua renúncia à gerência, pelo que a sociedade se encontra sem representação e gerência.
Procedeu-se, sem audição do Requerido, à inquirição das testemunhas arroladas pela Autora, após o que se verteu nos autos despacho que, julgando a acção procedente, nomeou gerente da referida sociedade Manuel....., mediante a remuneração mensal de Esc. 80.000$00, nomeação e funções de gerência por ele a serem mantidas até que a situação da sociedade se mostre regularizada através da nomeação de novo gerente, nos termos contratuais ou com alteração da forma de obrigar a sociedade.
Inconformado com o assim decidido, interpôs o Requerido recurso para este Tribunal, o qual foi recebido como de apelação e efeito suspensivo.
Alegou, oportunamente, o apelante, o qual finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:
1.ª - “O Réu nunca foi citado para os termos da acção especial de nomeação de Gerente e, por isso, ficou privado de exercer o direito do contraditório, de se pronunciar, contestando, e oferecer a sua prova quanto aos factos alegados, de se pronunciar sobre a pessoa a indicar para o exercício da Gerência ... Direitos esses que lhe assistiam, enquanto sócio e titular de uma quota de 50% de capital da empresa;
2.ª - O Tribunal “A Quo” não deu cumprimento ao disposto nos art.ºs 3.º n.ºs 1 a 4 e 3.ºA, do C. P. Civil, violando o princípio do contraditório e da igualdade das partes, que são princípios fundamentais do Processo Civil – Ac. RC. de 06/12/1974; BMJ., 242.º - 365; Parecer da Comissão Constitucional n.º 18/81: Pareceres da Comissão Constitucional, 17.º - 14 e ss., Ac. Trib. Const. n.º 434/87, de 04/11/1987: BMJ., 371.º - 160;
3.ª - O Tribunal Constitucional tem entendido (vid., por todos, e entre outros, o Ac. n.º 516/93, de 26/10/93: BMJ., 430.º - 179) que os princípios da igualdade das partes e do contraditório, se bem que não estejam autonomamente consagrados na Constituição, possuem dignidade constitucional, por derivarem em última instância, do princípio do Estado de Direito e constituírem emanações directas do princípio da igualdade;
4.ª - Assim, sendo certo que, em processo civil o princípio do contraditório é a regra, este só deve ser sacrificado na menor medida possível e apenas nos casos expressamente contemplados na lei. O dever de fundamentar as decisões não se compadece com a denominada «decisão implícita» e, menos ainda, com a «decisão implícita que aceite implicitamente os fundamentos invocados pela parte»;
5.ª - Não sendo a presente Acção uma Providência Cautelar, não lhe é aplicável o regime de excepção previsto no art.º 385.º n.º 1 do C. P. Civil, e, de qualquer modo, ainda que o fosse (o que se contempla por raciocínio dialéctico), facto é que o Tribunal nem sequer fundamentou ou justificou, os motivos que determinaram a não citação do Requerido;
6.ª - Verifica-se, no caso dos Autos, a nulidade de falta de citação prevista nos preceitos conjugados dos art.ºs 194.º al. a) e 195.º n.º 1 al. a), do C. P. Civil, sendo nulo todo o processado após a Petição Inicial;
7.ª - Ao decidir nos termos da douta Sentença em recurso, o Tribunal “A Quo” violou o disposto nos art.ºs 3.º n.ºs 1 a 4, 3.ºA, 1484.º n.º 1 do C. P. Civil, e 253.º n.º 3 do C. S. Comerciais, por não estar reunido o condicionalismo para a nomeação de gerente ali previsto”.
Contra-alegou a apelada, pugnando pela manutenção do julgado.
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O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, nos termos do disposto nos artºs 684º, n.º3, e 690º, n.º 1, do C. de Proc. Civil.
De acordo com as apresentadas conclusões, a questão a decidir por este Tribunal é apenas a de saber se o Requerido, ora apelante, deveria ser citado para os termos da presente acção.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
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OS FACTOS
No despacho recorrido, foram dados como provados os seguintes factos:
1.º - Por escritura pública outorgada no dia -/06/199- e exarada a fls. -- e -- v.º do Livro n.º-- – C do Cartório Notarial de....., foi constituída a sociedade comercial por quotas com a firma C....., L.da, com sede no lugar de....., freguesia de...., concelho de.......;
2.º - Tal sociedade adoptou para seu objecto a reparação de máquinas e cunhos cortantes, tendo sido subscrito um capital social de Esc. 1.000.000$00, através de duas quotas de Esc. 500.000$00 cada, uma pertencente ao sócio Aníbal..... e a outra ao sócio César.....;
3.º - A gerência da sociedade ficou afecta a ambos os sócios, sendo bastante a assinatura de qualquer deles, nos serviços de mero expediente e nos actos de constituição de simples mandato judicial, os outros actos que envolverem responsabilidade para a sociedade só a vincularão quando assinados em conjunto pelos dois gerentes;
4.º - Na sequência da morte do sócio César....., a quota deste foi adquirida e adjudicada à viúva, a ora Autora, através da partilha efectivada no inventário com o processo n.º --/--, que correu termos pelo -.º Juízo do Tribunal de....., cuja transmissão se encontra registada;
5.º - Em 10/01/2000, o R. Aníbal, através de notificação judicial avulsa, notificou a A. da renúncia à gerência, que se tornou eficaz a partir do dia 18/01/2000 e que se encontra registada;
6.º - Face à renúncia do R. à gerência da sociedade, a Autora diligenciou a marcação de uma Assembleia Geral para 7/02/2000, no sentido de se alterar a forma de representação e obrigar a sociedade, à qual o R. não compareceu;
7.º - Também não compareceu à nova Assembleia Geral marcada pela Autora para o dia 20/03/2000, para o mesmo efeito;
8.º - Manuel..... é uma pessoa profissionalmente ligada ao sector metalúrgico, da confiança da Autora, sendo um cidadão de reconhecida probidade, honestidade e sã formação moral e cívica.
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O DIREITO
A questão colocada pelo apelante à consideração deste Tribunal é, como supra ficou referido, apenas a de saber se teria ele de ser citado para os termos da presente acção. Defende o apelante que tal citação se impunha, em obediência ao princípio do contraditório. Mas, salvo o devido respeito, não assiste razão ao apelante. Vejamos.
Não se ignora que o princípio do contraditório constitui um dos princípios basilares do nosso direito processual civil. Dispõe, com efeito, o art.º 3.º, n.º 1, do C. de Proc. Civil, que o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição. Só nos casos excepcionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida (n.º 2 do mesmo preceito).
Ora, a presente acção configura um dos casos especiais em que a lei dispensa a citação dos requeridos, nomeadamente a dos sócios da sociedade.
A nomeação de gerente pelo tribunal encontra-se prevenida no art.º 253.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais, segundo o qual, faltando definitivamente um gerente cuja intervenção seja necessária por força do contrato para a representação da sociedade, considera-se caduca a cláusula do contrato, caso a exigência tenha sido nominal; no caso contrário, não tendo a vaga sido preenchida no prazo de 30 dias, pode qualquer sócio ou gerente requerer ao tribunal a nomeação de um gerente até a situação ser regularizada, nos termos do contrato ou da lei.
“O gerente nomeado pelo tribunal acresce aos gerentes designados pelos sócios e tem os mesmos poderes de administração e de representação, mas não os tem superiores aos daqueles; designadamente, ele insere-se no sistema de gerência plural que o contrato de sociedade tiver criado, não tendo poderes disjuntos, a não ser para a representação passiva, como todos os gerentes” (Raúl Ventura, Sociedades por quotas, vol. 3.º, 51).
O processo conducente à nomeação de gerentes, nos termos daquele preceito, encontra-se aflorado no art.º 1484.º do C. de Proc. Civil. Segundo o seu n.º 1, nos casos em que a lei prevê a nomeação judicial de titulares de órgãos sociais, ou de representantes comuns dos contitulares de participação social, deve o requerente justificar o pedido de nomeação e indicar a pessoa que reputa idónea para o exercício do cargo. Antes de proceder à nomeação, o tribunal pode colher as informações convenientes, e, respeitando o pedido a sociedade cujo órgão de administração esteja em funcionamento, deve este ser ouvido (n.º 2 do mesmo artigo).
Este n.º 2 é claro no sentido de apenas se tornar necessária a audição do órgão de administração da sociedade que esteja em funcionamento.
Nos demais casos, não se torna necessário ouvir quem quer que seja, nomeadamente os sócios da sociedade. O tribunal, após colher as informações que tiver por conveniente, decide.
Foi o que sucedeu no caso presente, em que não existia órgão da sociedade em funcionamento. Não existindo tal órgão em funcionamento, por o apelante ter renunciado à gerência da sociedade (v. itens 4.º, 6.º e 7.º), não tinha o mesmo que ser ouvido, como bem o entendeu o Tribunal recorrido.
Aliás, tratando-se, como se trata, de um processo especial de jurisdição voluntária, nas providências a tomar o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna (art.º 1410.º do C.P.C.).
Não tinha, pois, o Tribunal “a quo” de mandar citar o apelante para os termos da presente acção, por não ser legalmente necessária a sua audição, pelo que também não carecia o mesmo Tribunal de justificar o motivo pelo qual não ouviu o apelante, já que essa audição não está legalmente prevista. O Tribunal recorrido limitou-se a seguir os trâmites previstos na lei para a acção em causa e a decidir de acordo com os factos que considerou provados. De acordo com tais factos, nenhuma dúvida se levanta quanto ao acerto da decisão proferida.
Improcedem, assim, as conclusões do apelante, pelo que a decisão recorrida terá de manter-se.
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DECISÃO
Nos termos expostos, decide-se julgar a apelação improcedente e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Porto, 26 de Junho de 2001
Emídio José da Costa
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Gonçalves Vilar