Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
FALÊNCIA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
SALÁRIOS EM ATRASO
HIPOTECA
Sumário
I - Os créditos emergentes de contrato de trabalho, regulados pela Lei n.17/86, de 12 de Junho, abrangem todos os créditos que, no âmbito de um contrato de trabalho, estejam conexionados com a falta de pagamento de salários nas circunstâncias descritas no artigo 1; o artigo 12 dessa Lei não se aplica, assim, a todos os créditos conexionados com um contrato de trabalho, mas tão só aos que têm a ver com o atraso no pagamento dos salários. II - Esses créditos dos trabalhadores, que beneficiam de privilégio imobiliário geral, não gozam de prioridade sobre a hipoteca, uma vez que não lhe é aplicável o regime do artigo 751, mas o do artigo 749 do Código Civil.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I.
A sociedade OFICINAS METALÚRGICAS..., LDA, foi declarada falida em 27 de Dezembro de 1995, por sentença transitada em julgado.
Abriu-se o concurso de credores, tendo sido efectuadas as citações previstas na lei.
Conforme o disposto no art. 188º nº 1 do CPEREF, foram reclamados créditos que não sofreram qualquer contestação, tendo o Sr. Liquidatário emitido parecer no sentido da rectificação de alguns deles, por enfermarem de erro de cálculo.
No saneador foram considerados verificados todos os créditos reclamados, por não terem sido impugnados, corrigindo-se os montantes dos créditos conforme vinha proposto.
De entre os créditos verificados, importa destacar os seguintes, únicos com interesse para apreciação dos recursos interpostos:
1. Crédito..., S.A. (adiante designado CPP), no montante de 24.980.187$70, proveniente de serviços prestados à falida (18.739.933$70) e juros de mora (6.240.254$00);
2. Banco P..., S.A. (adiante designado BPA), no montante de 33.295.854$70, proveniente de serviços bancários prestados à falida (28.969.474$60) e juros de mora (4.326.380$10);
3. União..., S.A. (adiante designado UBP), no montante de 86.447.826$30, proveniente de serviços bancários prestados à falida (66.165.014$30) e juros de mora (20.282.812$00);
4. Aldino..., no montante de 3.348.184$00, proveniente de remunerações (798.184$00) e indemnização (2.550.000$00);
5. Alfredo..., no montante de 3.093.184$00, proveniente de remunerações (798.184$00) e indemnização (2.295.000$00);
6. António..., no montante de 2.831.818$00, proveniente de remunerações (791.818$00) e indemnização (2.040.000$00).
No saneador-sentença os créditos verificados foram graduados nestes termos:
Pelo valor resultante da alienação dos bens a seguir mencionados, será dado, pela ordem indicada, pagamento aos créditos também referidos a seguir, depois de pagas as custas da falência, as despesas da administração aprovadas e a remuneração do administrador, que saem precípuas do produto geral da massa, devendo apurar-se, mediante proporção, qual o quinhão que sairá de cada uma das massas parciais.
A) Pelo produto resultante da venda do prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, telheiro e logradouro, sito no Lugar da..., da freguesia de..., desta comarca, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo...º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Amarante sob o nº..., dar-se-á pagamento:
1º - Aos créditos da reclamante União..., S.A.;
2º - Aos créditos da reclamante Crédito..., S.A.;
3º - Aos créditos da reclamante Banco P..., S.A., até ao montante de Esc. 21.819.168$60.
B) Pelo produto da venda dos maquinismos existentes no aludido prédio urbano e identificados na escritura de fls. 191 e segs., dar-se-á pagamento:
1º - Aos créditos da reclamante Crédito..., S.A.;
2º - Aos créditos da reclamante Banco P..., S.A., até ao montante de Esc. 21.819.168$60.
C) Pelo produto da venda dos maquinismos identificados nos documentos de fls. 178 e segs., e na medida em que os mesmos não estejam abrangidos pela hipoteca mencionada em A) a favor do Crédito..., S.A», dar-se-á pagamento aos créditos do reclamante Banco P..., S.A., até ao montante de Esc. 12.187.273$90.
D) Pelo que vier a sobrar das massas parciais e pelo produto dos demais bens, pagos os créditos, já referidos, que gozem de garantia real, se dará pagamento, rateadamente, aos demais créditos - comuns - reconhecidos.
Discordando desta decisão, dela interpuseram recurso os reclamantes indicados supra sob os nºs 1, 2, 4, 5 e 6, de apelação, tendo concluído assim as suas alegações:
.....
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. MÉRITO DO RECURSO
Na sentença recorrida não foram ponderados, explicitamente, factos com manifesto interesse para a apreciação das questões postas pelos recorrentes e que as respectivas reclamações de créditos já suscitavam.
Tais factos estão provados por documento autêntico, no que se refere aos primeiros recorrentes; os demais não foram simplesmente impugnados.
Devem, em qualquer dos casos, ser aqui considerados - art. 659º nº 3 do CPC.
Por outro lado, a sentença limita-se a singela verificação e graduação dos créditos; não se indicam quaisquer fundamentos, designadamente de direito, para esta.
Aliás, bem vistas as coisas, não se referem sequer as garantias de que gozam os créditos graduados prioritariamente, desconhecendo-se, quanto aos últimos recorrentes, a razão por que não foi aplicada a Lei 17/86, de 12/6, expressamente referida nas respectivas reclamações, mas a que não se faz qualquer menção na sentença.
1. Factos que emergem das reclamações e respectivos documentos não considerados explicitamente na sentença
Os créditos dos três primeiros reclamantes acima indicados estão garantidos por hipotecas voluntárias, registadas em 23.3.87 (UBP), 17.5.89 (CPP) e 17.5.89 (BPA).
Estas duas últimas hipotecas foram constituídas na mesma escritura e assim registadas, e nela interveio a UBP, tendo sido convencionado que esta, ao abrigo do art. 729º do CC, cede ao CPP e ao BPA o seu grau de prioridade apenas para o efeito de a sua hipoteca e as constituídas a favor destes Bancos passarem a vigorar em paridade.
Essas duas hipotecas, para além do imóvel - unidade fabril (comum às três - descrito na CRP de Amarante sob o nº... e inscrito na matriz sob o art....) - abrangem os maquinismos e respectivos acessórios identificados em relação anexa à escritura - fls. 202 e segs.
O crédito do BPA encontra-se ainda garantido por penhor mercantil, um de 21.3.83, pelo montante de 1.499.314$30 e outro de 18.2.85, pelo montante total de 10.687.959$60 (incluindo o valor garantido pelo penhor anterior); os bens dados em penhor são os que constam da relação de fls.181 e 187.
Os créditos dos demais recorrentes emergem de contrato de trabalho e respectiva cessação, a seguir discriminados.
.....
2. Garantias e privilégios dos créditos
Nos termos do art. 686º nº 1 do CC (como todos os preceitos legais adiante citados sem outra menção) a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis ou equiparadas, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou prioridade de registo.
De harmonia com o art. 691º nº 2, na hipoteca de fábricas, consideram-se abrangidos pela garantia os maquinismos e demais móveis inventariados no título constitutivo.
É permitida a cessão do grau hipotecário a favor de qualquer outro credor hipotecário posteriormente inscrito sobre s mesmos bens - art. 729º.
O penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel - art. 666º (arts 397º e segs. do C. Com.).
A Lei 17/86, de 12/6 - Lei dos salários em atraso - dispõe no seu art. 12º que os créditos emergentes de contrato individual de trabalho regulados por essa lei, gozam dos seguintes privilégios (nº 1):
a) Privilégio mobiliário geral;
b) Privilégio imobiliário geral.
A graduação dos créditos far-se-á pela forma seguinte (nº 3):
a) Quanto ao crédito mobiliário geral, antes dos créditos referidos no nº 1 do art. 747º do CC, mas pela ordem dos créditos enunciados no art. 737º do mesmo Código;
b) Quanto ao privilégio imobiliário geral, antes dos créditos referidos no art. 748º do CC e antes dos créditos de contribuições devidas à Segurança Social.
Nos termos do art. 1º nº 1 da Lei 17/86, esta lei rege os efeitos jurídicos especiais produzidos pelo não pagamento pontual da retribuição devida aos trabalhadores por conta de outrem.
Em tudo o que não estiver especialmente previsto pela presente lei aplica-se, subsidiariamente, o disposto na lei geral (nº 2).
Conforme dispõe o art. 3º nº 1 dessa Lei, quando a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongue por período superior a 30 dias sobre a data do vencimento da primeira retribuição não paga, podem os trabalhadores rescindir o contrato com justa causa o suspender a prestação de trabalho ...
E de acordo com o art. 6º, os trabalhadores que optarem pela rescisão unilateral com justa causa do seu contrato de trabalho, nos termos previstos no art. 3º, têm direito a indemnização, de acordo com a respectiva antiguidade, correspondente a um mês de retribuição por cada ano ou fracção ...
Decorre destas normas que os créditos emergentes de contrato de trabalho regulados pela referida Lei abrangem todos os créditos que, no âmbito de um contrato de trabalho, estejam conexionados com a falta de pagamento de salários nas circunstâncias descritas no art. 1º; ou seja, as retribuições em dívida e respectivos juros de mora e a indemnização devida nos termos do art. 6º.
Daí resulta também que o citado art. 12º não se aplica a todos os créditos conexionados com um contrato de trabalho, mas tão só aos que têm a ver com atraso no pagamento de salários.
Esses créditos têm assim um alcance mais restrito do que o previsto no art. 25º da LCT e 737º.
Fora do âmbito do art. 12º ficam, pois, outros créditos emergentes de contrato de trabalho - retribuições e indemnização que não se enquadrem, respectivamente, nos arts. 3º e 6º da referida Lei - que apenas beneficiariam do privilégio previsto no art. 737º.
É este o entendimento dominante [Cfr. Acs. do STJ de 3.3.98, BMJ 475-548, de 9.2.99, CJ STJ VII, 1, 86, de 18.11.99, BMJ 491-233, de 1.3.2001 e de 19.4.2001, CJ STJ IX, 1, 142 e 194. Também o Ac. da Rel. de Coimbra de 23.1.2001, CJ XXVI, 1, 20 e Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 293. Já adoptámos este entendimento no acórdão proferido na Apelação nº 177/01, desta 3ª Secção (www.dgsi.pt - nº conv. 31112).].
Foi entretanto publicada a Lei 96/2001, de 20/8, que, de algum modo, corrobora este entendimento, ao dispor sobre os créditos dos trabalhadores não abrangidos pela Lei 17/87.
Estabelece-se aí, com efeito, para estes créditos privilégios idênticos aos previstos no art. 12º da Lei 17/86, identidade que se estende à respectiva graduação.
Assim, nos termos do art. 4º da nova lei, os créditos não abrangidos pela Lei 17/86 gozam também de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário geral, ainda que os créditos sejam preexistentes à data da entrada em vigor da lei (96/2001) - nº 3.
Contudo, a preferência resultante desses privilégios não prejudica os créditos emergentes da Lei 17/86 e os privilégios anteriormente constituídos com direito a ser graduados antes da entrada em vigor da lei (mesmo nº 3).
A nova lei é, como parece evidente, de aplicação imediata (art. 12º nº 2, 2ª parte) [Cfr. Baptista Machado, Sobre a Aplicação no Tempo do Código Civil, 27; Ac. do STJ de 29.5.80, BMJ 297-278.], encontrando-se já em vigor.
3. Regras a observar na graduação
Já vimos que a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis ou equiparadas, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou prioridade de registo - art. 686º.
O penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel - art. 666º.
Os créditos dos recorrentes trabalhadores beneficiam de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário geral.
O privilégio creditório [Cfr. Antunes varela, Das Obrigações em geral, II, 4ª ed., 554 e segs.] é o direito conferido a certos credores de serem pagos com preferência sobre os demais, em atenção à natureza dos seus créditos, independentemente de registo - art. 733º.
São duas as classes de privilégios reconhecidos por lei: os privilégios mobiliários e os privilégios imobiliários - art. 735º.
Os privilégios mobiliários recaem sobre bens móveis e podem ser gerais ou especiais, consoante incidam sobre todos os móveis do devedor existentes à data da penhora ou de acto equivalente ou apenas onerem os bens móveis de determinada natureza ou origem (cfr. arts. 736º e 737º e 738º a 742º).
Segundo o nº 3 do art. 735º os privilégios imobiliários seriam sempre especiais. Todavia, diplomas avulsos posteriores à publicação do CC, de que é exemplo a citada Lei 17/86, vieram criar privilégios imobiliários gerais.
Questão que se coloca nos autos é a da eficácia dos privilégios creditórios em relação a direitos de terceiros estabelecidos sobre os bens que constituem objecto do privilégio.
A tal propósito, afirma Almeida Costa [Direito das Obrigações, 5ª ed., 824 e 825.], os arts. 749º e 750º fixam as seguintes soluções, quanto aos privilégios mobiliários: tratando-se de privilégio geral, este não vale contra terceiros que sejam titulares de direitos oponíveis ao credor exequente, quer dizer, que não possam abranger-se na penhora; mas, tratando-se de privilégio especial, como a garantia incide sobre bens determinados, o legislador adoptou o critério da prioridade da constituição.
Apura-se, deste modo, que os privilégios mobiliários gerais não conferem aos respectivo titular o direito de sequela sobre os bens em que recaiam (art. 749º). Daí que se devam excluir da categoria das verdadeiras garantias reais das obrigações. Apenas existe algo de parecido com a eficácia própria dos direitos reais, enquanto o titular do privilégio goza de preferência, na execução, relativamente aos credores comuns do devedor.
Pelo que toca aos privilégios imobiliários, determina o art. 751º que são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele; e, em confronto com as outras garantias reais (consignação de rendimentos, hipoteca ou direito de retenção), o privilégio prevalece, ainda mesmo que estas, sendo caso disso, se encontrem registadas e tenham data anterior.
Claro que a referida disciplina só abrange privilégios imobiliários especiais. Foram estes que o legislador do Cód. Civ. teve em conta. Às hipóteses que possam verificar-se de privilégios imobiliários gerais, criadas posteriormente, aplica-se o regime, há pouco indicado, dos correspondentes privilégios mobiliários (art. 749º).
Também não se qualificam, pois, como garantias reais das obrigações. Constituem meros direitos de prioridade que prevalecem, contra os credores comuns, na execução do património debitório.
Em sentido idêntico, Menezes Cordeiro [Direito das Obrigações, 2º Vol., 500 e 501.] refere que os privilégios gerais não atingem as coisas corpóreas objecto da garantia, uma vez que não levam a melhor sobre quaisquer direitos aferidos a essas coisas que, em qualquer momento, se constituam - art. 749º.
Acrescenta o mesmo Autor que a figura do privilégio imobiliário geral foi introduzida na nossa Ordem Jurídica pelo Decreto-Lei nº 512/76, de 16 de junho, em favor das instituições de previdência. Este diploma não indica o regime concreto dos privilégios imobiliários gerais que veio criar. Pensamos, no entanto, que o seu regime se deve aproximar do dos privilégios gerais (mobiliários) que consta do Código Civil. Isto porque, dada a sua generalidade, não são direitos reais de garantia - não incidem sobre coisas corpóreas certas e determinadas - nem, sequer, verdadeiros direitos subjectivos, mas tão só preferências gerais anómalas...
Assim sendo, deve-lhes ser aplicado o regime constante do art. 749º do Código Civil: nomeadamente, eles não são oponíveis a quaisquer direitos reais, anteriores ou posteriores aos débitos garantidos.
É este também o entendimento seguido no Ac. do STJ de 3.4.2001 (Revista nº 652/2001 - 6ª), onde se afirma que o art. 751º contém um princípio geral insusceptível de aplicação ao privilégio imobiliário geral, pelo facto dos privilégios imobiliários gerais não serem conhecidos aquando do início da vigência do actual Código Civil e ainda porque, não estando sujeitos a registo, afectam gravemente os direitos de terceiro.
A entender-se de modo diferente - isto é, interpretando-se o art. 12º da Lei 17/86 no sentido de consagrar um privilégio creditório imobiliário geral oponível a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele, teria de concluir-se que essa norma é inconstitucional, por violação do art. 2º da Constituição, como decidiu já o Tribunal Constitucional nos Acórdãos nºs. 160/2000 e 354/2000 [Publicados no DR II, de 10.10.2000 e 7.11.2000, respectivamente.], para o caso paralelo do privilégio imobiliário geral previsto no art. 11º do DL 103/80, de 9/5.
Como se afirma nesse primeiro Acórdão, essa interpretação, mediante aplicação do regime do artigo 751º do Código Civil, confere ao privilégio imobiliário geral a natureza de verdadeiro direito real de garantia, munido de sequela sobre todos os imóveis existentes no património da entidade devedora das contribuições para a previdência, à data da instauração da execução, e atribui-lhe preferência sobre direitos reais de garantia - a consignação de rendimentos, a hipoteca e o direito de retenção - ainda que anteriormente constituídos.
Este privilégio, com esta amplitude, funciona à margem do registo (já que a ele não está sujeito) e sacrifica os demais direitos de garantia consignados no artigo 751º, designadamente a hipoteca. ...
O princípio da protecção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático, postula um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se poderia moral e razoavelmente contar.
A esta luz, pergunta-se que segurança jurídica, constitucionalmente relevante, terá o cidadão perante uma interpretação normativa que lhe neutraliza a garantia real (hipoteca) por si registada, independentemente de o ter sido em data posterior ao início da vigência das normas em causa.
É que o registo predial tem uma finalidade prioritária que radica essencialmente na ideia de segurança e protecção dos particulares, evitando ónus ocultos que possam dificultar a constituição e circulação de direitos com eficácia real sobre imóveis, bem como das respectivas relações jurídicas - que, em certa perspectiva, possam afectar a segurança do comércio jurídico imobiliário...
Ora, não estando o crédito da segurança social sujeito a registo, o particular que registou o seu privilégio, uma vez instaurada a execução com fundamento nesse crédito privilegiado, ou que ali venha a reclamar o seu crédito, pode ser confrontado com uma realidade - a existência de um crédito da segurança social - que frustra a fiabilidade que o registo naturalmente merece.
Acresce que, não se encontrando este privilégio sujeito a limite temporal e atento o seu âmbito de privilégio «geral» e não existindo qualquer conexão entre o imóvel onerado pela garantia e o facto que gerou a dívida (no caso à segurança social), ao contrário do que sucede com os privilégios especiais referidos nos artigos 743º e 744º do Código Civil, a sua subsistência, com a amplitude acima assinalada, implica também uma lesão desproporcionada do comércio jurídico.
Como parece evidente, estas razões mantêm inteira validade no caso analisado nos presentes autos, quanto ao privilégio imobiliário geral consagrado no art. 12º nº 1 b) da Lei 17/86.
Entende-se, pois, que os créditos dos recorrentes trabalhadores, que beneficiam do privilégio imobiliário geral previsto no art. 12º nº 1 b) da Lei 12/86, não gozam de prioridade sobre a hipoteca, uma vez que não lhes é aplicável o regime do art. 751º, mas o do art. 749º [Revê-se assim a posição que, a este respeito, adoptámos no citado acórdão proferido na apelação 177/01.].
Ainda em relação aos créditos dos recorrentes trabalhadores, importa, face ao que se expôs (anterior ponto 2.), distinguir uma parte que beneficia dos privilégios previstos na Lei 17/86, que têm a ver apenas com salários em atraso.
Estão nessas condições os créditos decorrentes de salários não pagos, férias vencidas em anos anteriores e em Janeiro do ano da cessação do contrato de trabalho e s subsídios de natal dos anos de 1993 e 1994.
Não beneficiam do regime da referida Lei: as quantias referentes a férias, subsídios de férias e de natal proporcionais ao tempo de trabalho prestado em 1995, uma vez que se venceram apenas com a cessação do contrato de trabalho; as indemnizações por despedimento, dado que não foi alegado que a cessação dos contratos tenha ocorrido por rescisão unilateral dos trabalhadores com fundamento na falta de pagamento pontual das retribuições - arts. 3º e 6º da Lei 17/86 (mesmo nas alegações de recurso, estes recorrentes, para além de referirem que os seus créditos resultam de salários em atraso, o que não é inteiramente verdade, continuam apenas a aludir, sem outra concretização, a indemnização pela cessação do contrato).
.....
Na graduação dos créditos importa ter ainda em atenção que o credor hipotecário UBP cedeu o seu grau de prioridade para ser graduado em paridade com os demais credores hipotecários.
Pelo que se disse, essa garantia prevalece sobre os créditos dos trabalhadores, mesmo na parte em que estes beneficiam de privilégio imobiliário geral.
No que respeita aos bens móveis, a sentença não foi impugnada na parte em que atribuiu prevalência à hipoteca, no confronto com o penhor, pelo que, nessa parte, transitou em julgado (art. 684º do CPC).
Estas garantias reais têm preferência sobre o privilégio mobiliário geral de que beneficiam os créditos dos recorrentes trabalhadores (art. 749º) [Cfr., para além dos Autores e Acórdão do STJ citados supra no texto, o Ac. do STJ de 12.10.88, BMJ 380-466.].
De entre os créditos destes, têm prioridade os que beneficiam do regime da Lei 17/86 (arts. 12º nº 3 b) e 4º nº 3 da Lei 96/2001).
4. Graduação dos créditos
As custas da falência, despesas da administração aprovadas e a remuneração do administrador saem precípuas do produto de todas as vendas efectuadas, na proporção dos valores dessas vendas [Cfr. Ac. da Rel. de Lisboa de 26.3.92, CJ XVII, 2, 150.] - arts. 738º, 743º e 746º.
Tendo em atenção as regras indicadas, deve proceder-se à graduação nos seguintes termos:
A) Quanto ao bem imóvel
1. Os créditos hipotecários dos reclamantes UBP, CPP e BPA, em paridade, sendo o do último até ao montante de 21.819.168$60;
2. Os créditos dos recorrentes trabalhadores abrangidos pela Lei 17/86, como se referiu supra ( II. 3.);
3. O remanescente dos créditos desses recorrentes trabalhadores;
4. Demais créditos reconhecidos.
B) Quanto aos maquinismos existentes no aludido prédio, identificados a fls. 202 e segs. (hipoteca):
1. Os créditos hipotecários dos reclamantes CPP e BPA, em paridade, sendo o deste último até ao montante de 21.819.168$60.
2. Os créditos dos recorrentes trabalhadores abrangidos pela Lei 17/86, nos termos referidos;
3. O remanescente dos créditos desses recorrentes trabalhadores;
4. Demais créditos reconhecidos.
C) Quanto aos maquinismos identificados a fls. 181 e 187 (penhor), na medida em que os mesmos não estejam abrangidos pela hipoteca referida em B):
1. O crédito do reclamante BPA, até ao montante de 12.187.273$00;
2. Os créditos dos recorrentes trabalhadores abrangidos pela Lei 17/86, nos termos referidos;
3. O remanescente dos créditos desses recorrentes trabalhadores;
4. Demais créditos reconhecidos.
III. DECISÃO
Em face do exposto, julgam-se procedentes as apelações dos reclamantes Crédito..., S.A. e Banco P..., S.A. e parcialmente procedente a apelação de Aldino... e outros, revogando-se em parte a sentença recorrida, procedendo-se à graduação dos créditos pelo modo acima indicado (supra II. 4.).
Custas pela massa falida.
Porto, 27 de Setembro de 2001.
Fernando Manuel Pinto de Almeida
João Carlos da Silva Vaz
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo