INVENTÁRIO
SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
RELAÇÃO DE BENS
RECLAMAÇÃO
LEGITIMIDADE
EXEQUENTE
Sumário

No inventário para separação de meações, requerido pelo cônjuge do executado nos termos previstos no artigo 825 do Código de Processo Civil, o credor exequente tem legitimidade para reclamar da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Nos autos de Inventário Facultativo para Separação de Meações n.º ../.. que correm os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca da...... e em que é requerente Joaquina..... e cabeça de casal João....., por despacho de 4.06.99, certificado a fls. 14 e 21 dos presentes autos, foi ordenada a notificação da credora, H....., Lda. da relação de bens, nos termos dos arts.1348º, nº1 e 1406º, nº1, al. c) do Cód. Processo Civil.
Notificada da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, a credora H....., Lda., veio reclamar dessa mesma relação nos termos constantes do requerimento certificado a fls. 14 e 22 a 25 dos presentes autos.
Pronunciando-se sobre tal requerimento, a meritíssima Juíza a quo proferiu o despacho certificado a fls. 14 , 30 e 31, no qual, considerando não ser o credor exequente interessado no processo de inventário e , por isso, estar-lhe vedada a possibilidade de lançar mão do disposto no art. 1348º, nº1 do C. P. Civil, decidiu não admitir o requerimento por esta apresentado, ordenou o seu desentranhamento dos autos e condenou aquela nas custas do incidente, fixando em ½ a taxa de justiça.
Notificada deste despacho, a H....., Lda. solicitou aclaração do mesmo, na sequência do que foi proferido o despacho certificado a fls. 14 e 34 dos presentes autos, no qual se esclareceu resultar da conjugação do disposto nos arts.1327º, nº3, 1406º, nº1 1e 1404º, nº.3 do C. P. Civil, que o credor só é admitido a intervir nos autos de inventário para separação de meações nas questões relativas á verificação e satisfação dos seus direitos, nos termos consignados no art. 1406 do C. P. Civil.
Não se conformando com aquele despacho, dele interpôs recurso de agravo a credora e exequente, H......, Lda., que foi admitido como de agravo, a subir em separado no momento em que se convoque a conferência de interessados e com efeito devolutivo.
Apresentou as suas alegações, terminando com as seguintes conclusões que se transcrevem:
“1ª- No processo de inventário para separação de meações instaurado por aplicação do dispositivo do art. 825º do C. Proc. Civil, regem os termos gerais do processo de inventário dos arts. 1326º a 1396º e os especiais dos arts. 1404º e 1406º (cfr. 1404º, nº3, ex vi 1406º, nº1).
2ª- O conteúdo do art. 1327º, nº3 é integralmente aplicável no âmbito do previsto no art. 1406º, podendo o exequente, nomeadamente, ser admitido a intervir em todas as questões relativas à verificação e satisfação dos seus direitos, e não só a reclamar da escolha do cônjuge, nos termos da alínea c) do nº1 deste ultimo preceito.
3ª- Em conformidade, tendo sido notificado nos termos e para os efeitos do art. 1348º do C. Processo Civil., pode sem dúvida reclamar dos vícios de excesso, omissão ou inexactidões relevantes da relação de bens.
4ª- Com o devido respeito, deve o douto despacho ser revogado, por violação dos preceitos citados nas conclusões supra.”
O cabeça de casal, João....., contra-alegou, pugnando no sentido de ser mantido o despacho recorrido.
A Mmª Juíza sustentou o despacho recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
FUNDAMENTAÇÃO:
Das conclusões formuladas pela recorrente, as quais delimitam o objecto do recurso (arts. 684º, nº3 e 690º do C.P.C), tem-se que a questão a resolver no âmbito do presente recurso consiste em saber se no inventário para separação de meações o credor exequente tem legitimidade para reclamar da omissão de bens na relação apresentada pelo cabeça de casal.
De harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 825º do C. Processo Civil, na redacção dada pelo Dec.- Lei n.º 329-A/96, de 12/12, em vigor desde 1/1/97, o exequente que dispuser de título apenas quanto a um dos cônjuges, mas pretender executar bens comuns do casal, deve, ao nomear tais bens à penhora, pedir a citação do cônjuge do executado, para requerer a separação de bens.
Nos termos dos nº. 2 e 3 do mesmo artigo, se for apresentado pedido de separação de bens, cujo requerimento é autuado por apenso á execução, ou junta certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, a execução fica suspensa até à partilha.
O meio competente para a separação judicial de bens é o processo de inventário, com as especialidades dos arts. 1404º a 1408º do C. P. Civil [Vide, Lopes Cardoso, in, Manual da Acção Executiva, págs. 344 e segs. e 354, e Partilhas Judiciais, I vol., 3º ed., pág. 376.]. Ou seja, um processo especial de inventário, aberto só ao cônjuge do executado, para descrição e partilha apenas dos bens comuns, com o efeito de suspender a execução até à partilha.
E as especialidades, resultantes da conjugação dos supra citados artigos, traduzem-se no seguinte:
a)- O credor exequente tem o direito de promover o andamento do inventário- al,. a) do n.º1 do art. 1406º;
b)- Não podem ser aprovadas dívidas que não estejam devidamente documentadas- al. b) do n.º 1 do art. 1406º ;
c)- O cônjuge do executado tem o direito de escolher os bens com que há-de ser formada a sua meação- al. c), 1ª parte, do nº. 1 do art. 1406º ;
d)- Se o cônjuge do executado não fizer uso do direito de escolha, ou desistir dela após a segunda avaliação , as meações são adjudicadas por meio de sorteio- nº. 3 do art. 1406º ;
e)- Se o cônjuge do executado fizer uso do direito de escolha o credor exequente pode reclamar contra a escolha e o juiz se a julgar atendível ordenará segunda avaliação dos bens que lhe pareçam mal avaliados- al. c), segunda parte, do nº. 1 e nº. 2 do art. 1406º.
À parte estas especificidades, em tudo o mais que seja compatível, observar-se-ão, nos termos do nº 3 do citado art.1404º, as disposições referentes ao processo dito comum de inventário.
Vejamos, então, se, tal como qualquer interessado no inventário instaurado com a finalidade prevista no art. 1326º do C. P. Civil. e nos termos do nº. 1 do art.1348º do mesmo diploma legal, o credor exequente tem também o direito de reclamar contra a relação de bens apresentada pelo cônjuge cabeça-de-casal , acusando a falta de bens que devam ser relacionados, requerendo a exclusão de bens indevidamente relacionados, por não fazerem parte do acervo a dividir, ou arguindo qualquer inexactidão na descrição dos bens, que releve para a partilha.
Apesar de se ter por assente que o inventário para separação de meações, previsto no art. 825º do C. P. Civil, destina-se à defesa dos interesses patrimoniais do cônjuge do executado, permitindo-lhe salvaguardar a sua meação nos bens comuns, e decorre apenas entre os dois cônjuges , cremos que neste tipo de inventário o credor exequente não pode deixar de ser equiparado a um “interessado”.
E compreende-se que assim seja.
É que neste tipo de processo, são também contemplados os interesses patrimoniais do credor exequente.
Essa protecção evidencia-se, com maior clareza, nos direitos que lhe são expressamente concedidos pela alínea a) – de “promover o andamento do inventário” - e pela alínea c) – de “reclamar contra o direito de escolha”, exercido pelo cônjuge do executado - , ambas do n.º 1 do citado art. 1406º, a fim de, por um lado, não ser prejudicado com a demora da partilha, já que a execução fica suspensa até esta se efectuar para (nº3 do art. 825ºdo C. P. Civil) e de, por outro, assegurar uma justa avaliação dos bens a partilhar.
Mas, a necessidade de evitar situações de conluio entre os dois cônjuges e de garantir uma partilha justa e equitativa de todos os bens comuns do casal, ainda em defesa dos interesses do credor exequente, impõe, a nosso ver, uma interpretação menos rígida da lei e no sentido de que a intervenção deste não se pode cingir somente ao exercício daqueles dois enunciados direitos, sendo-lhe também permitido sindicar a actividade do cabeça-de-casal.
Na verdade, os direitos que lhe são concedidos pelas supra citadas alíneas a) e c) só ganham conteúdo útil se esta actividade for consentida ao credor.
É que, como se diz no Acórdão desta mesma Relação de 8-5-2000 [In, CJ., Ano XXV, Tomo III- 2000, pág. 177.], de nada serve ao credor promover o andamento do inventário, fiscalizando a passividade dos cônjuges na tramitação do processo, ou reclamar contra o direito de escolha exercido pelo cônjuge do executado, se ambos os cônjuges conluiados omitirem na relação de bens os que lhes aprouver.
Assim, diremos que a própria literalidade dos citados preceitos legais bem como esta razão de ser levam-nos a concluir que no processo de inventário para separação de meações, o credor exequente, apesar de não ser interessado directo na partilha, na medida em que não pode promover a instauração do processo de inventário, é também ele um “interessado” ainda que indirecto na partilha.
Assim sendo e por força do disposto no n.º 3 do art. 1404 do C. P. Civil, impõe-se, relativamente ao mesmo, a observância do estabelecido no art. 1348º do citado diploma legal, devendo, pois, ser notificado para sindicar a relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal e para, querendo, reclamar dela nos termos aí definidos.
Aliás, sempre se dirá que, a idêntico resultado se chegaria ainda por outra via, nomeadamente por força do disposto no art. 1327º, n.º3 do C. P. Civil, aplicável ex vi o citado n.º3 do art. 1404º.
É que à semelhança do que acontece com o credor da herança e pelas razões supra referidas, ao credor exequente sempre seria de garantir a intervenção nas questões relativas à verificação e satisfação dos seus direitos, as quais abarcam seguramente o direito de sindicar a relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal, podendo, por conseguinte, reclamar dos vícios de excesso, omissão ou inexactidões relevantes da relação de bens.
No caso dos autos, foi a exequente, H....., Lda., notificada, nos termos do art. 1348º do C. P. Civil.
E, na sequência dessa notificação, veio, atempadamente, reclamar da relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal, pedindo a intimação do cabeça-de-casal para o seguinte:
“I- A relacionar o crédito da exequente tal como emerge do processo executivo do qual este inventário é apenso;
II- A relacionar os bens e direitos que constituem as verbas n.º 4, 5, 6, 12, 14 e 29 do primeiro requerimento de nomeação de bens à penhora;
III- A relacionar os bens que constituem as verbas n.º 1 e 2 do segundo requerimento de nomeação de bens à penhora;
IV- A relacionar o direito emergente do contrato promessa subjacente à execução, referente à aquisição do edifício d’ “.......”;
V- A identificar devidamente as dívidas (e respectivos titulares) a que se referem as três verbas do passivo da relação de bens, devendo apresentar de imediato os documentos que as titulam e provam”.
Porém, a Mma. Juíza a quo, por entender que a notificação feita ao credor exequente da relação de bens visa apenas dar-lhe conhecimento da marcha do processo e do seu estado processual e não permitir-lhe qualquer intervenção, fora dos casos contemplados nas alíneas a) e c) do n.º 1 do art. 1406º do C. P. Civil, não admitiu o requerimento apresentado pela ora agravante e ordenou o seu desentranhamento dos autos.
Daí o despacho recorrido ter violado o disposto nos arts. 1404º, n.º3, 1348º,1327, n.º3, todos do C. P. Civil, devendo, por isso, ser revogado.
DECISÃO:
Pelo exposto, concede-se provimento ao agravo e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que aprecie e decida a pretensão da credora exequente e ora agravante, H....., Lda. exarada no requerimento em causa.
Custas a cargo do cônjuge executado (art. 446º, n.º1 do C. Processo Civil) [Vide a este propósito, Lopes Cardoso in ob. citada, vol. III, pág. 327.9.
Porto, 29 de Novembro de 2001
Maria Rosa Oliveira Tching
Eurico Augusto Ferreira de Seabra
Norberto Inácio Brandão