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CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
ALCOOLÉMIA
EXAME
EXAME SANGUÍNEO
PRAZO
DESOBEDIÊNCIA
Sumário
A fixação do prazo de duas horas para o presumível infractor se submeter à análise quantitativa do teor de álcool no sangue, referido no artigo 5 n.1 alínea b) do Decreto-Lei n.114/94, de 3 de Maio, tem como objectivo que o resultado desse exame seja obtido o mais próximo possível da hora em que foi realizado o primeiro exame, pois à medida que o tempo passa a alcoolémia diminui. Portanto, sendo o exame realizado após o decurso do prazo de duas horas quem beneficia é o arguido, mas o exame é válido. Provado que o arguido se negou a submeter-se ao exame em analisador quantitativo, tendo-se posto em fuga, depois de ter efectuado exame através de analisador qualitativo que acusou uma TAS de 3,5 g/l, mas, contactado mais tarde pela GNR, acabou por se sujeitar à pesquisa de álcool no sangue através de analisador quantitativo, cerca de 3 horas depois do primeiro exame, vindo a acusar uma TAS de 2,7 g/l, há que concluir ter incorrido no crime de condução em estado de embriaguez do artigo 292 do Código Penal, mas já não no crime de desobediência a que se refere o artigo 158 n.3 do Código da Estrada pois, embora tardiamente, acabou por realizar o pretendido teste.
Texto Integral
Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto.
RELATÓRIO
No Processo Comum Singular nº ../.. do -º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de....., o arguido Delfim....., foi submetido a julgamento, tendo sido condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez previsto e punido nos Artºs 292º, 14º nº 1, 26º e 69º nº 1 a) do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 1.000$00 (4,99 Euros); e pela prática de um crime de desobediência previsto e punido nos Artºs 348º nº 1 a) CP e 158º nº 3 do Código da Estrada, na pena de 80 dias de multa à mesma taxa diária.
Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 160 dias de multa à taxa diária de 1.000$00, o que perfaz a quantia de 160.000$00 (798,08 Euros), ou subsidiariamente 106 dias de prisão.
Foi ainda o arguido condenado na proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 10 meses, nos termos do Artº 69º nº 1 a) CP e 145º do Código da Estrada.
Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença e em cuja motivação produziu as seguintes conclusões:
“1ª Os factos apurados apenas preenchem a prática, pelo arguido, de um crime de desobediência, previsto e punido pelos artº 348º nº l, alínea a) do Código Penal e 158º nº3 do Código da Estrada.
2º Os testes de pesquisa de álcool efectuados ao arguido não merecem credibilidade, o que resulta até de se considerar que o arguido se recusou a efectuá-los na altura própria.
3ª A terem-se como válidos os testes, então deixaria de haver crime de desobediência, por recusa à respectiva efectuação.
4ª O recorrente deve ser condenado apenas pela prática de tal crime de desobediência, em pena de multa e de inibição de conduzir substancialmente inferiores às que lhe foram aplicadas em resultado dos dois crimes considerados, indevidamente, no Tribunal "a quo".
5ª Foram violados os artigos 77º nº 1 e 2, 71º e 292º do Código Penal e 158º e 159º do Código da Estrada” .
Respondeu o MP, pugnando pela manutenção da douta sentença.
Nesta instância o Exmº Procurador Geral Adjunto conclui igualmente que o recurso não merece provimento.
Foi dado cumprimento ao disposto no Artº 417º nº 2 CPP.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, após a realização da audiência levada a cabo com a observância do formalismo legal como da acta consta.
FUNDAMENTOS
É a seguinte a matéria de facto dada como provada:
“1º- No dia 19 de Junho de 2000, pelas 18h00, ao km 77 da A3, sentido sul/norte, ....., nesta comarca, o arguido, sendo portador de uma taxa de álcool no sangue superior a 2,7 g/l, tripulou o veículo automóvel ligeiro de mercadorias matriculado com o nº CF-..-...
2º- Tal taxa resultou da ingestão voluntária de bebidas alcoólicas por parte do arguido.
3º - Nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas, o arguido foi abordado pelo Fernando..... e pelo Fernando M..... que o instaram a submeter-se aos exames necessários à pesquisa de álcool no sangue, nomeadamente ao exame em analisado quantitativo.
5º- O arguido sujeitou-se à pesquisa no analisador qualitativo.
6º- De seguida, confrontado com o resultado desta -TAS de 3,50 g/1- não só negou submeter-se ao exame em analisador quantitativo como não permitiu de modo algum que essa pesquisa fosse efectuada, naquele momento, pondo-se em fuga; contactado de novo por aqueles Fernando..... e Fernando M..... por volta das 21h30 só então se sujeitou à pesquisa de álcool no sangue mediante analisador quantitativo, a qual apurou uma TAS de 2,7 g/1.
7º- O Fernando..... e o Fernando M..... eram, à data dos factos, respectivamente, o cabo nº... e o soldado nº...., ambos em serviço na GNR - Brigada de Trânsito -, Destacamento de....., Sub-Destacamento de.....; estavam no local acima referido devidamente uniformizados, em serviço, no exercício de funções que lhes haviam sido distribuídas e determinadas superiormente no interior da corporação policial de que fazem parte.
8º- O arguido levou a cabo esta conduta com manifesto desrespeito pela obrigação, que sobre si impendia, de se sujeitar aos exames de pesquisa de álcool no sangue e pela ordem que nesse sentido lhe foi dada, ordem que sabia proveniente de autoridade, proferida no âmbito e exercício das funções e de acordo com a lei.
9º- O arguido, quando se sentou ao volante do referido veículo, sabia estar sob o efeito do álcool admitindo, desde logo, que a TAS pudesse ser igual ou superior a 1,20 g/l.
10º- Indiferente, porém, a tal situação, com ela se conformando, não se coibiu de tripular o veículo na situação supra descrita, sabendo não o poder fazer.
11º- Por tal motivo se recusou a submeter-se às pesquisas com aparelho quantitativo que lhe foram ordenadas, visando assim subtrair-se à fiscalização policial e ao subsequente procedimento criminal.
12º- Sabia proibidas as suas condutas.
13º- O arguido está socialmente integrado, exerce a profissão de acordeonista e exerce a profissão de comerciante
14º- O arguido foi condenado pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez nos autos de processo sumário nº../.. que correu seus termos no Tribunal Judicial dos....., como resulta do documento junto a fls. 36 a 48.”
Factos não provados
“Todos os factos constantes da contestação apresentada pelo arguido que estejam em contradição total com os factos dados como provados e constantes da acusação”.
Fundamentação da decisão de facto:
“Ao dar-se a matéria de facto dada como provada e não provada o Tribunal formou a sua convicção com base no depoimento das testemunhas constantes da acusação e ouvidas em julgamento as quais na qualidade de agentes autuantes, intervieram directamente nos factos depondo de forma séria, sendo os seus depoimentos coincidentes, convencendo-se o Tribunal da verdade dos factos.
Quanto à situação económica e familiar do arguido bem como quanto ao seu passado criminal o Tribunal formou a sua convicção com base no depoimento das testemunhas arroladas pelo arguido que sendo conhecidas deste depuseram de for séria.
Quanto ao resto levou-se em consideração todos os documentos juntos aos autos”.
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Conforme decorre da análise das conclusões da motivação, com o presente recurso pretende-se apenas o reexame da matéria de direito (Artº 403º e 412º nºs 1 e 2 e 428º nº 1 CPP).
Deste modo há que considerar definitivamente fixada a matéria de facto atrás descrita, a menos que ocorra qualquer dos vícios referidos nas diferentes alíneas do nº 2 do Artº 410º do referido Código, cujo conhecimento é oficioso, e que, no caso vertente, desde já se dirá não se vislumbrarem.
Assim sendo há que analisar tão só as questões suscitadas pelo recorrente nas suas conclusões.
A saber:
- Qualificação jurídica dos factos provados.
- Medida da pena.
Passemos então á sua análise.
1.- Da qualificação jurídica dos factos provados.
Defende o recorrente que os factos apurados apenas preenchem a prática, pelo arguido, de um crime de desobediência, previsto e punido pelos artº 348º nº l, alínea a) do Código Penal e 158º nº3 do Código da Estrada ou, a terem-se como válidos os testes de pesquisa de álcool, então deixaria de haver crime de desobediência, por recusa à respectiva efectuação e restaria apenas o crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo Artº 292º CP.
Vejamos.
Conforme se alcança da factualidade provada o arguido conduzia o seu veículo automóvel no dia 19 de Junho de 2000, pelas 18h00, ao km 77 da A3, sentido sul/norte, ....., comarca de....., e tendo sido submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue através do analisador qualitativo acusou uma TAS de 3,50 g/1.
Confrontado com tal resultado não só negou submeter-se ao exame em analisador quantitativo como não permitiu de modo algum que essa pesquisa fosse efectuada, naquele momento, pondo-se em fuga e, tendo sido contactado de novo pelos mesmos agentes da BT da GNR por volta das 21h30, sujeitou-se então à pesquisa de álcool no sangue mediante analisador quantitativo, o qual apurou uma TAS de 2,7 g/1.
Resulta desde logo do exposto que quando foi efectuada esta segunda pesquisa de álcool já haviam decorrido 3 horas e meia sobre a hora a que fora realizada a primeira.
Será tal exame válido?
Parece-nos que a resposta não poderá deixar de ser afirmativa.
Na verdade estabelece o Artº 5º nº 1 b) do Dec. Lei 114/94 de 3 de Maio que: “Quando seja detectado, por análise qualitativa, um teor de álcool no sangue superior aos limites legalmente estabelecidos, o agente da autoridade notificará o presumível infractor para se submeter a análise quantitativa, no prazo de duas horas, em local especificado na notificação”.
Sucede porém que o facto do exame vir a ter lugar já após o decurso das duas horas, em virtude do arguido se ter posto em fuga, não releva
É que a fixação do referido prazo para realização do exame quantitativo tem como objectivo que o resultado desse exame seja obtido o mais próximo possível da hora em que foi realizado o primeiro exame, pois, como é sabido, à medida que o tempo passa a alcoolémia diminui.
Na verdade os valores de concentração de álcool no sangue após a sua ingestão decrescem em função do tempo a uma velocidade que varia em função dos factores individuais e metabólicos.
Significa isto que sendo o exame realizado após o decurso do prazo de duas horas, quem beneficia é o arguido.
Deste modo, sendo o arguido portador de uma taxa de álcool no sangue superior a 2,7 g/l, cometeu o mesmo o crime de condução em estado de embriaguez, p e p. pelo Artº 292º CP.
E terá cometido também o crime de desobediência por que foi condenado ?
Preceitua o Artº 158º nº 3 CE que “Quem recusar submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas como estupefacientes ou psicotrópicas, para as quais não seja necessário o seu consentimento nos termos dos nºs 2 e 3 do artº 159º, é punido por desobediência”
Entendeu-se na sentença recorrida que “ao recusar-se a submeter-se ao teste de alcoolémia não cumpriu uma ordem emitida por uma autoridade policial no exercício legítimo das suas funções.”
Pois bem o que se nos oferece dizer quanto a esta matéria é que não pode deixar de se considerar contraditório que o Mmº Juiz, por um lado tenha considerado provado o resultado da taxa de alcoolémia alcançada através da análise quantitativa e, consequentemente condenado, e bem, o arguido por conduzir em estado de embriaguez, e por outro lado tenha condenado o arguido em crime de desobediência por se recusar a submeter ao teste de alcoolémia.
É evidente que tal raciocínio não pode considerar-se correcto.
A prática do crime de desobediência a que alude o Artº 158º CE pressupõe que tenha havido recusa “em submeter-se às provas” e o que no caso vertente acontece é que o arguido acabou por realizar o pretendido teste.
Ora tendo o arguido efectuado a análise em causa, não pode depois ser também punido pela prática de um crime de desobediência.
A punição pelo crime de condução em estado de embriaguez exclui a aplicação do Artº 158º CE.
A não ser assim, teríamos que o arguido que se recusa aos exames cometia apenas um crime de desobediência, mas aquele que inicialmente se recusa mas que acaba por cumprir o dever legal de aceitar efectuá-los, cometeria dois crimes. Não pode ser.
A punição por um crime exclui o outro.
2.- Medida da pena
Pretende o recorrente que a pena aplicada seja substancialmente inferior à que lhe foi aplicada em resultado dos dois crimes.
Vejamos.
Conforme resulta dos factos dados como provados, o arguido ao conduzir o seu veículo ligeiro de mercadorias com uma taxa de alcoolémia de 2,7 gr/litro, praticou um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo Artº 292º CP.
O referido crime é punível com prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
Acresce a pena acessória de proibição de conduzir prevista no Artº 69º nº 1 a) CP.
O Mmº Juiz optou por aplicar ao arguido a pena de 100 dias de multa á taxa diária de 1.000$00 e dez meses de proibição de conduzir.
Como é sabido para graduar quer a pena principal quer a pena acessória deve atender-se à culpa, às exigências de prevenção (geral e especial), bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido (Artº 71º do CP).
Assim sendo e tendo em consideração as exigências de prevenção geral – frequência com que as infracções relacionadas com a condução sob o efeito do álcool são praticadas e a sua forte influência na elevada taxa de sinistralidade rodoviária com milhares de vítimas e elevados danos patrimoniais - , o grau de ilicitude do facto, que assume relativa gravidade (o arguido apresentava uma taxa de 2,7 g/l, que excede o mínimo previsto no Artº 292º CP – 1,2 g/l);
Considerando igualmente ter o arguido agido livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;
Considerando ainda o facto de ter já sido anteriormente condenado em 99.03.12, pela prática de crime relacionado com a condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 1.000$00, por conduzir com uma taxa de alcoolémia de 2,94 g/l, o que leva a concluir não ter produzido aquela condenação qualquer efeito quanto à alteração do seu comportamento;
E considerando ainda que o arguido se encontra socialmente integrado, exercendo as profissões de comerciante e acordeonista;
E, por último, tendo igualmente presente que relativamente à pena acessória, esta tem, além do mais, um carácter dissuasor, com vista a evitar que os condutores ingiram elevadas quantidades de álcool.
Entendemos que a sentença recorrida não é passível de censura, no que concerne á fixação do número de dias da pena de multa - 100 dias -, a qual se mostra equilibradamente fixada.
E o mesmo se dirá relativamente à pena acessória que foi fixada.
Com efeito preceitua-se no Artº 69º nº 1 a) do Código Penal que:
“É condenado na proibição de conduzir veículos motorizados por um período fixado entre 1 mês e 1 ano quem for punido por crime cometido no exercício daquela condução com grave violação das regras do trânsito rodoviário [redacção vigente à data da prática dos factos.
A medida abstracta foi elevada com a redacção introduzida pela Lei 77/2001 de 13/7, para um período de três meses a três anos]”.
Como vimos, o legislador, consciente do contributo que a condução sob o efeito do álcool constitui para a alta sinistralidade rodoviária, entendeu que a condução sob esse efeito, acima de taxa de 1,2 g/l, é conduta que viola de forma muito grave e perigosa as regras de trânsito rodoviário (Cfr. Artº 147º i) do Código da Estrada).
Daí que ao arguido, para além da pena prevista no Artº 292º CP, se aplique ainda a pena acessória prevista no citado Artº 69º nº 1 a) do mesmo diploma.
Assim tendo em consideração as circunstâncias já referidas e a elevada taxa de alcoolémia de que o arguido era portador, entende-se como muito equilibrada a sanção que lhe foi fixada em dez meses
No que concerne à fixação do quantitativo correspondente a cada dia de multa obedece o mesmo ao disposto no Artº 47º nº 2 CP – cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 200$00 (1 Euro) e 100.000$00 (498,80 Euros) - e em que releva exclusivamente a situação económico-financeira e os encargos pessoais do condenado.
Quanto a este ponto, atentas as profissões exercidas pelo arguido atrás já referidas, entende-se correcto o quantitativo diário fixado - 1.000$00 (4,99 Euros).
Conclui-se, assim, pela procedência parcial do recurso.
DECISÃO
Por todo o exposto, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso e, consequentemente:
a) Absolvem o arguido da prática do crime de desobediência p. e p. pelo Artº 348º nº 1 a) CP.
b) Confirmam a condenação do arguido pela prática em autoria material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto e punido nos Artºs 292º e 69º nº 1 a) do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 4,99 E (quatro euros e noventa e nove cêntimos), o que perfaz a quantia de 498,80 E (quatrocentos e noventa e oito euros e oitenta cêntimos) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de dez meses.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em duas Ucs (Artº 87º nº 1 b) CCJ).
Notifique.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (Artº 94º nº 2 CPP).
Porto, 24 de Abril de 2002.
Joaquim Manuel Esteves Marques
António Manuel Clemente Lima
José Maria Tomé Branco