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TÍTULOS DE CRÉDITO
PRINCÍPIOS DA INCORPORAÇÃO
LITERALIDADE
AUTONOMIA E ABSTRACÇÃO
CONVENÇÕES EXTRA-CARTULARES
LETRA DE FAVOR
ABUSO DE DIREITO
Sumário
1- Os títulos de créditos caracterizam-se pelos princípios de incorporação, literalidade, autonomia e abstração, pelo que, nas relações mediatas prevalecem essas características, exceto se ao adquirir a letra, o adquirente tenha procedido conscientemente em detrimento de devedor.
2- Procede conscientemente em detrimento do devedor, o portador da letra, que no momento em que a adquire, tem conhecimento dos vícios anteriores que a afetam, designadamente, dos vícios que emergem das convenções extra-cartulares e que podiam ser opostos legitimamente pelo devedor a quem transmitiu aquela letra ao portador, e este, ainda assim, aceitou adquiri-la, com a consciência de que privava esse devedor dos meios de defesa que este podia legitimamente opor ao transmitente da letra.
3- Uma letra de favor tem um causa – o favor.
4- Quem aceita uma letra de favor, quer contrair, e contrai, ainda que por favor, uma obrigação cambiária, pelo que não pode opor a exceção de favor ao portador da letra, exceto se este for o favorecido.
5- Não atua em abuso de direito, o banco que executa uma letra, exigindo do aceitante o pagamento da quantia titulada por essa letra (dez mil euros), de que é legítimo portador, por a ter adquirido ao sacador, numa operação de desconto, ainda que esta letra seja a reforma de uma letra anterior, de que aquele banco também era legítimo portador, titulando a quantia de doze mil euros, sacada e aceite pelos mesmos sacador e aceitante da primeira letra, e que anteriormente recebeu um cheque, titulando a quantia de seis mil euros, em cujo verso constava que essa quantia se destinava à reforma da referida letra de doze mil euros e esse banco não destinou esses seis mil euros ao abatimento dos doze mil euros titulados por essa última letra, mas apenas dois mil euros, imputando os restantes quatro mil euros ao cumprimento de outras obrigações vencidas da sacadora da letra.
6- Qualquer banco médio, mesmo que tivesse recebido ordens da sacadora ou do aceitante da letra que titulava os apontados doze mil euros, para imputar os seis mil euros titulados pelo cheque nessa letra de doze mil euros, que se visse confrontado com uma letra posterior, destinada a reformar a primeira, titulando a quantia de dez mil euros, sacada e aceite pelos mesmos sujeitos que sacaram e aceitaram aquela letra de doze mil euros, teria legitimamente concluído que, apesar daquela ordem, sacador e aceitante decidiram coisa diversa e que, consequentemente, dos seis mil euros titulados pelo cheque, apenas seriam de abater nos doze mil euros titulados pela primeira letra, dois mil euros, tanto assim que sacaram e aceitaram um letra titulando dez mil euros para reformar a letra de doze mil euros.
Texto Integral
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.
I. RELATÓRIO.
Recorrente: António. Recorrido: Banco X, S.A.
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Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa, que BANCO X, S.A., instaurou contra MB – Comércio de Materiais de Construção Civil, S.A. e António, veio o último deduzir oposição à execução, mediante embargos de executado, alegando, em síntese, que a letra dada à execução foi subscrita para reforma de uma outra, no valor de 12.000,00 euros, que se vencera em 12/11/2012;
Essa letra de 12.000,00 euros era já reforma de outras, com origem numa letra no valor de 15.000,00 euros, datada de 20/03/2012 e vencida em 10/07/2012, a qual foi aceite pelo oponente a título de favor, a pedido de um seu amigo, Abílio, conforme declaração por este emitida junta aos autos a fls. 9;
Acontece que, aquando do vencimento da letra de 12.000,00 euros em 12/11/2011, o oponente abordou aquele seu amigo dando-lhe conta que a existência de “aceite” seu junto do banco naquele valor o estava a prejudicar, ao que o amigo lhe respondeu que iria reformar a letra, pagando metade do valor por esta titulado;
Nessa sequência, esse seu amigo assinou o cheque de fls. 10, no valor de 6.000,00 euros, no qual inscreveu como beneficiário “MB, Lda.” e em cujo verso escreveu “reforma da letra de António de 12.000,00 euros c/ venc. 12.11.2012”, cheque este que foi depositado em 20/11/2012 na conta da “MB;
Nessa altura, o oponente assinou no lugar do aceitante, uma letra, que poderá ser a letra exequenda, na qual foi inscrito o valor de 6.000,00 euros;
Compulsada a assinatura constante da letra exequenda, apesar da mesma ser similar à do oponente, este denota ténues diferenças, pelo que invoca a falsidade da assinatura nela aposta;
O oponente fez chegar ao exequente um cheque, no valor de 6.000,00 euros, para reforma da letra de 12.000,00 euros e constando expressamente desse cheque que aqueles 6.000,00 euros se destinavam a reformar aquela letra;
Cabendo ao devedor a imputação do cumprimento e constando expressamente desse cheque que aqueles 6.000,00 euros que titulava se destinavam a reformar a letra de 12.000,00 euros, não podendo a valor transferido através daquele cheque ser destinado a outro fim, impõe-se reduzir o valor em débito à quantia de 6.000,00 euros;
Acresce que o exequente é co-responsável pelo facto da reforma operada ter sido feita para o valor de 10.000,00 euros em vez dos 6.000,00 euros, ao ter disponibilizado na conta da sacadora a totalidade do valor inscrito no cheque, quando no próprio cheque e talão de depósito constava que aqueles 6.000,00 euros se destinavam à reforma da letra de 12.000,00 euros aceite pelo oponente.
Concluiu, pedindo que caso não se venha a provar a autenticidade da assinatura aposta na letra exequenda como sendo do oponente, que se julgue procedente a oposição e se ordene o arquivamento da execução.
Subsidiariamente, pediu que caso se venha a provar a autenticidade daquela assinatura, se reduza a execução ao valor de 6.000,00 euros e juros, julgando-se a extinção parcial da dívida decorrente do pagamento, seja pelo reconhecimento do direito do oponente a receber o valor de 4.000,00 euros que o exequente recebeu ou permitiu que terceiros recebessem, através do depósito feito na conta da “MB”, com menção de que se destinava a reformar letra de 12.000,00 euros, sendo tal valor abatido ao montante em débito, por compensação que expressamente se comunica pretender operar.
Recebida liminarmente a oposição, o exequente contestou, impugnando a factualidade alegada pelo oponente, sustentando que o último aceitou a letra dada à execução, no montante de 10.000,00 euros, emitida em 12/11/2012 e vencida em 17/02/2013, sacada por “MB, Lda.”, que a endossou ao exequente, que a apresentou a pagamento na data do respetivo vencimento, altura em que essa letra não foi paga;
Alega que o oponente não lhe pode opor as convenções extra-cartulares que tem com a sacadora da letra dada à execução uma vez que a exequente é estranha a essas relações extra-cartulares, adquiriu a letra de boa-fé, por endosso válido feito pela sacadora “MB” e por o oponente se posicionar em relação àquela exequente no âmbito das relações mediatas;
Sustenta não ser verdade que o depósito efetuado, no valor de 6.000,00 euros, tenha sido amortizado no valor da responsabilidade ora executada, sendo certo que no talão de depósito do cheque não se menciona a que se destina o montante depositado de 6.000,00 euros;
Conclui pela improcedência dos embargos e requereu a realização de exame pericial à letra e assinatura do oponente constante da letra dada à execução.
Admitidos os requerimentos de prova e realizada a perícia à assinatura do oponente, teve lugar a audiência final.
Após, seguiu-se a prolação de sentença, que julgou a oposição totalmente improcedente por não provada, ordenando o prosseguimento da execução, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:
“Pelo exposto, julgo os presentes embargos de executado totalmente improcedentes, por não provados, em consequência do que determino o normal prosseguimento da execução que estes autos constituem apenso”.
Inconformado com o assim decidido, o oponente veio interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões:
1- A alegada assinatura do Embargante, aposta na letra exequenda, não é da sua autoria. 2- Foi acordada com o Banco X a reforma de letra de 12.000 Euros, vencida, com amortização de 6.000 Euros e subscrição de nova letra de 6.000 Euros. 3- Foi entregue no Banco X letra de 6.000 Euros e o cheque cuja cópia foi junta, no mesmo valor de 6.000 e com indicação no verso, do fim a que se destinava. 4- Foi por incúria/abuso do Banco X que parte do valor do cheque de 6.000,00 euros foi penhorado e utilizado em proveito do Banco X. 5- Não é devido qualquer valor pelo Apelante ao Banco X. 6- A ser devido algum valor, seria sempre de descontar o valor de 4.000 € que apenas por factos imputáveis ao Banco X não foram amortizados na dívida.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação, as questões que são colocadas à apreciação deste tribunal resumem-se ao seguinte:
a- se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na fixação da matéria de facto dada como provada sob os pontos 1º (na parte “consta aposta a assinatura do aqui embargante”), 3º (na parte em que consta “aceite e assinada pelo executado António”), 5º (na parte em que considera o apelante como aceitante), 17º (na parte em que consta “aceite pelo executado António”) e 19º (na parte em que refere o embargante como aceitante); b- se aquele tribunal incorreu em erro de julgamento ao não dar como provado ter sido acordado com o Banco X a reforma de letra de 12.000 Euros, vencida, com amortização de 6.000 Euros e subscrição de nova letra de 6.000 Euros; e- se esse tribunal incorreu em erro de direito ao julgar a oposição improcedente e ao determinar o prosseguimento da execução.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
O tribunal a quo deu como provados e não provados os factos que se passam a transcrever:
1- Foi apresentada à execução de que estes autos constituem um apenso, o documento junto a fls. 13, denominado “letra”, contendo, além do mais, os seguintes dizeres:
- Importância – 10.000,00 €;
- Vencimento: 2013-02-17;
- Local e Data de Emissão: Vila Verde 2012-11-12;
- No rosto e de forma transversal, no espaço destinado ao “Aceite”, consta aposta a assinatura do aqui embargante com os dizeres “ António”;
- No verso, por baixo da firma da executada aposta por um carimbo com os dizeres “MB - Comércio de Materiais de Construção, Ldª., A Gerência”, encontra-se aposta uma assinatura. 2- Esta letra foi sacada pela sociedade aqui executada, MB, LDA, cujo representante legal apôs, nessa qualidade, a sua assinatura no rosto dessa letra e ao seu lado direito. 3- E foi a mesma letra aceite pelo aqui também executado António, que igualmente apôs a sua assinatura, no rosto dessa letra, no lugar destinado ao aceite, atravessadamente e do lado esquerdo. 4- Antes do seu vencimento, esta letra foi endossada pela referida sociedade sacadora ao Banco aqui exequente, com a cláusula "sem despesas" e no âmbito de operação bancária de desconto de letras pela qual o Banco adiantou àquela sacadora a respetiva importância previamente ao seu vencimento. 5- Chegada que foi a data deste vencimento e apresentada a letra em causa para pagamento à sociedade sacadora e ao aceitante, não veio ela a ser paga por estes ou por quem quer que seja, total ou parcialmente, e nem sequer em data posterior a essas apresentação e a esse vencimento. 6- A presente execução funda-se em letra de câmbio, conforme consta da mesma subscrita para reforma de outra no valor de 12.000 € que se vencera em 12.11.2012. 7- Sendo que esta letra era já reforma de outras, com origem numa letra no valor de 15.000 €, datada de 20.03.2012 e vencida em 10.07.2012. 8- Esta letra inicial foi aceite pelo oponente a título de favor, a pedido de um seu amigo, Abílio. 9- E atenta a natureza "de favor", foi emitida pelo sacador a declaração junta sob Doc. 2, com a petição de embargos. 10- Sucede que aquando do vencimento da letra de 12.000 €, 12.11.2012, o oponente abordou o seu amigo Abílio dando-lhe conta de que a existência de "aceite" seu no banco e naquele valor o estava a prejudicar, pelo que o mesmo lhe disse que se iria reformar a letra pagando metade. 11- Foi assim assinado pelo mesmo Abílio um cheque no valor de 6.000 €, cuja cópia junta sob Doc. 3, com a petição de embargos. 12- No qual foi inscrito o nome "MB, Lda." no local destinado ao beneficiário e em que foi escrito no verso:
"Ref. da letra de 12.000 €
C/ VENC. 12.11.2012 do aceitante António". 13- Este cheque foi depositado em 20.11.2012 na conta da MB no banco exequente. 14-Também nessa altura o oponente assinou no lugar do aceitante, uma letra. 15- O Banco aqui exequente é legítimo portador, como endossado, da letra de câmbio dada à execução, da importância de € 10.000,00, emitida em 12.11.2012 e vencida em 17.02.2013. 16- Esta letra foi sacada pela sociedade executada, MB, LDA, cujo representante legal apôs, nessa qualidade, a sua assinatura no rosto dessa letra e ao seu lado direito. 17- E foi a mesma letra aceite pelo também executado António, que igualmente apôs a sua assinatura, no rosto dessa letra, no lugar destinado ao aceite, ou seja, atravessadamente e do lado esquerdo. 18- Antes do seu vencimento, esta letra foi endossada pela referida sociedade sacadora ao Banco aqui exequente, com a cláusula "sem despesas" e no âmbito de operação bancária de desconto de letras pela qual o Banco adiantou àquela sacadora a respetiva importância previamente ao seu vencimento. 19- Chegada que foi a data deste vencimento e apresentada a letra em causa para pagamento à sociedade sacadora e ao aceitante, não veio ela a ser paga por estes ou por quem quer que seja, total ou parcialmente, e nem sequer em data posterior a essas apresentação e a esse vencimento.
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Não resultaram provados quaisquer outros factos para além dos supra exarados.
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B- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
B.1.1-Da impugnação da matéria de facto em geral.
Antes de entrarmos na impugnação da matéria de facto deduzida pelo apelante, suscita-se a questão prévia de saber se este cumpriu com os ónus que sobre si impediam nessa sede e se, consequentemente, estão recolhidas as condições processuais indispensáveis para que esta Relação possa conhecer dessa impugnação da matéria de facto.
Como é sabido, com a reforma introduzida pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, ao CPC, o legislador introduziu o registo da audiência de discussão e julgamento, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes o duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, de modo que a alteração da matéria de facto, que no anterior regime processual era excecional, passou a ser uma função normal da Relação.
Nessa operação, foi propósito do legislador, que o tribunal de segunda instância realize um novo julgamento em relação à matéria de facto impugnada, assegurando um efetivo duplo grau de jurisdição, sendo isto que resulta expressamente do estatuído no art. 662º, n.º 1 do CPC, quando nele se expressa que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento supervenientes impuserem decisão diversa.
Como vem sendo repetidamente afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, na sequência daquelas alterações, são de rejeitar todas as interpretações minimalistas do enunciado art. 662º que, refugiando-se nas dificuldades relacionadas com a audição dos depoimentos testemunhais captados sem registo de imagem, com prejuízo do princípio da imediação (prejuízo esse que, aliás, é uma realidade), se limitam a fazer um controlo meramente formal da fundamentação vertida pelo tribunal a quo, assim como aquelas que se limitam a fundamentar, de forma genérica, sem referência aos concretos meios de prova e a conectá-los entre si e com as regras da experiência comum, por forma a demonstrar o acerto ou desacerto da decisão proferida pelo tribunal a quo em relação à matéria impugnada em sede recursória.
Na verdade, o desiderato do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto pressupõe um novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada e “somente será alcançado se a Relação, perante o exame e análise crítica das provas produzidas, a respeito dos pontos de facto impugnados, puder formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das prova, sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova, princípio este que tido por absoluto, transformaria este duplo grau de jurisdição em matéria de facto, numa garantia praticamente inútil”(1).
Resulta do que se vem dizendo que perante as regras positivas enunciadas na atual lei processual civil, tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto, a Relação deve proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo, nessa tarefa, considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da primeira instância.
Como verdadeiro tribunal de substituição, a Relação aprecia livremente as provas produzidas, segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil).
Nessa sua livre apreciação, a Relação não está condicionada pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª instância, e não a apreciação que a 1ª instância fez dessa mesma prova, podendo na formação dessa sua convicção autónoma, recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o juiz da primeira instância (2).
Não obstante o que se acaba de enunciar, não foi propósito do legislador que o julgamento a realizar pela Relação em sede de matéria de facto se transformasse na repetição do julgamento realizado em Primeira Instância, sequer admitir recursos genéricos, e daí que tenha rodeado o recurso da impugnação da matéria de facto à imposição ao recorrente de determinados ónus, que enuncia no art. 640º do CPC., destinados a obstar que o recurso da matéria de facto se transforme numa repetição dos julgamentos e a rejeitar a admissibilidade de recurso genéricos, contra a errada decisão da matéria de facto, tendo “o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de factos controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, pelo que se mantém o entendimento que, como tribunal de 2ª instância que é, este deverá ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto (3), estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação.
Acresce que tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões, também ao recorrente é imposto, como correlativo do princípio da auto-responsabilidade e dos princípios estruturante da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu o tribunal a quo em decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus, indicar não só a matéria que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, se impunha que tivesse sido proferida e os concretos meios de prova que reclamam essa solução diversa.
Deste modo é que o art. 640º, n.º 1 do CPC, estabelece que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Depois, caso os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 662º).
Note-se que, conforme acima ficou dito, cumprindo a exigência de conclusões nas alegações a missão essencial da delimitação do objeto do recurso, fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem, é entendimento jurisprudencial uniforme que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados.
Já quanto aos demais ónus, os mesmos, porque não têm aquela função delimitadora do âmbito do recurso, mas se destinam a fundamentar o recurso, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações.
Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes (4), sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.
O cumprimento dos referidos ónus tem, como alerta Abrantes Geraldes, a justificá-la a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão e, bem assim o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações. É que só na medida em que se conhece especificamente o que se impugna e qual a lógica de raciocínio expandido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a parte contrária a poder contrariá-lo em sede de contra-alegações.
A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos referidos princípios de auto-responsabilização, de cooperação, lealdade e boa-fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo” (5).
Por último, precise-se que porque se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
A alteração da matéria de facto só deve, assim, ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância. O que se acaba de dizer encontra sustentação na expressão “imporem decisão diversa” enunciada no n.º 1 do art. 662º, bem como na ratio e no elemento teleológico desta norma.
Deste modo, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” (6).
B.1.2- Da impugnação da matéria de facto em concreto operada pelo apelante.
Em sede de conclusões, o apelante não indica quais os concretos pontos da matéria de facto que impugna, mas limita-se a escrever que “a alegada assinatura do embargante, aposta na letra exequenda, não é da sua autoria”.
No entanto, em sede de motivações de recurso, no ponto 67º, o apelante alega “Dever ser alterada a matéria de facto constante do facto 1, na parte “consta aposta a assinatura do aqui embargante”, e no facto 3 (aceite e assinada pelo executado António), 5, na parte em que considera o apelante como aceitante, 17 (aceite pelo executado António) e 19, na parte em que refere o embargante como aceitante, face à prova já indicada”.
Desempenhando as conclusões o papel essencial, fundamental ou fulcral de delimitar o objeto do recurso e por isso, como acima ficou dito, devendo nelas o apelante indicar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, não tendo o apelante, no caso, indicado, nas conclusões, os concretos pontos que considera incorretamente julgados, especificando-os, mas fazendo apenas essa indicação nas motivações, é manifesto que o apelante não cuidou em cumprir, de forma devida, isto é, exemplar, o referido ónus legal.
No entanto, ao escrever expressamente, na conclusão 1ª, que “A alegada assinatura do Embargante, aposta na letra exequenda, não é da sua assinatura”, afigura-se-nos que embora não tivesse cumprido, reafirma-se, de forma exemplar aquele ónus, o apelante fê-lo ainda de forma suficiente, posto que é indesmentível que qualquer declaratário médio que se visse confrontada com o teor dessa conclusão 1ª, concluiria que o apelante nela impugna todos os pontos da matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo em que deu como assente que a assinatura que se mostra aposta na letra dada à execução como sendo da autoria do apelante é, efetivamente, do punho deste, isto é, impugnou:
- o ponto 1º dos factos provados, na parte em que nele se dá como assente: “no rosto e de forma transversal, no espaço destinado ao “Aceite”, consta aposta a assinatura do aqui embargante”; - o ponto 3º dos factos provados, na sua integralidade (veja-se que este ponto não contem outra matéria para além da questão da assinatura aposta na letra dada à execução pelo oponente no lugar destinado ao aceite);
- o ponto 5º dos factos provados, na parte em que considera o apelante como aceitante;
- o ponto 17º dos factos provados (verifica-se em relação à matéria vertida neste ponto o já referido em relação ao ponto 3º dos factos dados como provados); e
- o ponto 19º dos factos provados, na parte em que considera o apelante como aceitante.
Face ao teor daquela conclusão 1ª, qualquer declaratário normal também concluiria que, na perspetiva do apelante, aquela factualidade assim dada como provada, perante a prova que foi produzida, devia ter sido dado como não provada, pugnando nesse sentido.
Resulta do que se vem dizendo, que não obstante o apelante não tenha cumprido de forma exemplar os ónus enunciados no art. 610º, n.º 1, als. a) e c) do CPC, ainda o fez de forma suficiente, pelo que, do ponto de vista do cumprimento destes concretos ónus, não existe impedimento processual a que esta Relação reaprecie a matéria de facto dada como provada nos referidos pontos supra identificados.
Incumbe agora verificar se o apelante também deu cabal cumprimento aos ónus enunciados no art. 640º, n.ºs 1, al. b) e 2 do CPC.
A propósito destes concretos ónus, a jurisprudência tem operado a distinção entre ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso em sede de impugnação da matéria de facto, onde os requisitos impostos à parte se encontram ligados ao mérito ou demérito da pretensão, e ónus secundários, que se prendem com os requisitos formais.
Quanto aos requisitos primários ou fundamentais de delimitação do recurso, onde inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e a falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados e falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, requisitos estes sobre que versam o n.º 1 do art. 640º do CPC, a jurisprudência tem considerado que aquele critério de rigor se aplica de forma estrita, não admitindo quaisquer entorses, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de algum desses ónus por parte do recorrente se impõe rejeitar o recurso.
Já no que respeita aos ónus da impugnação secundários, que são os enunciados no n.º 2 daquele art. 640º, em que se consagra a obrigação do recorrente, quando os meios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas que tenha sido gravada, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, a jurisprudência considera que embora a observância desse ónus deva ser apreciado à luz de um critério de rigor, não convém exponenciar esse critério ao ponto de ser violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador” (7).
Sustenta-se que se está perante meros requisitos de forma, destinados a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência, pelo que o cumprimento desse ónus tem de ser “interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não se justificando a imediata e liminar rejeição do recurso quando, apesar de a indicação do recorrente não for totalmente exata e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento” (8).
Como se lê no acórdão do STJ, cujo excerto se acaba de transcrever e infra identificado, “na interpretação da norma que consagra este ónus de indicação exata a cargo do recorrente que impugna prova gravada, não pode deixar de se ter em consideração a filosofia subjacente ao atual CPC, acentuando a prevalência do mérito e da substância sobre os requisitos ou exigências puramente formais, carecidos de um interpretação funcionalmente adequada e compaginável com as exigências resultantes do princípio da proporcionalidade e da adequação – evitando que deficiências ou irregularidades puramente adjetivas impeçam a composição do litígio ou acabem por distorcer o conteúdo da sentença de mérito, condicionado pelo funcionamento de desproporcionadas cominações ou preclusões processuais”.
Acontece que não obstante ser entendimento unânime do S.T.J., no sentido de que aquele ónus de impugnação secundário tem de ser apreciado à luz de um critério de proporcionalidade, sendo de rejeitar a impugnação da matéria de facto quando não exista dificuldade relevante na localização pelo tribunal dos excertos da gravação em que a parte tenha fundado a sua impugnação, já existe discordância sobre as concretas condições que têm de se encontrar observadas para que à luz do enunciado critério de proporcionalidade se considere estar cumprido minimamente esse critério, de modo a não levar à rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto.
No Ac. do STJ. de 09/07/2015, proferido no Proc. 284040/11.0YIPRT.G1.S1, considerou-se que “tendo o apelante, nas suas conclusões de recurso (i) identificado os pontos de facto que considerava mal julgados, por referência aos quesitos da base instrutória, (ii) indicado o depoimento das testemunhas, que entendeu mal valorados, (iii) fornecido a indicação da sessão no qual foram prestados e do início e termo dos mesmos, apresentado a sua transcrição, (iv), bem como referido qual o resultado probatório que no seu entender deveria ter tido lugar, relativamente a cada quesito e meio de prova, tanto bastava para que a Relação tivesse procedido à reapreciação da matéria de facto, ao invés de a rejeitar” (9).
No entanto, já outros entendem que o cumprimento daquele ónus por referência ao princípio da proporcionalidade não se basta com a indicação do início e termo dos depoimentos em que se funda o recurso, sequer com a apresentação da transcrição integral desses depoimentos, mas exige a indicação da concreta passagem ou passagens da gravação em que se funda o recurso (início e termo do excerto ou excertos em relação aos depoimentos que o recorrente considere relevantes) ou a transcrição desse excerto ou excertos.
Neste último sentido pronuncia-se o Ac. STJ. de 14/09/2006, Proc. n.º 06B1998, onde se lê que: “Deve ser rejeitado o pedido de alteração da matéria de facto formulado na apelação que se refira unicamente aos depoimentos de determinadas testemunhas, mas omita os concretos pontos gravação das declarações daquelas que impunham uma decisão diversa sobre os trechos da matéria de facto impugnada”.
Também no Ac. do STJ. de 19/01/2016, Proc. n.º 3326/10.4TBLRA.C1.S1, pondera-se que “a falta de indicação exata e precisa do segmento da gravação em que se fundamenta o recurso, nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 640º do CPC não implica, só por si a rejeição do pedido de impugnação sobre a decisão da matéria de facto, desde que o recorrente se reporte à fixação eletrónica/digital e transcreve os excertos que entenda relevantes de forma a permitir a reanálise dos factos e o contraditório”.
Ainda no Ac. do STJ. de 19/02/2015, Proc. 405/09.1TMCBR.C1.S1, escreve-se que “… que a apresentação das transcrições globais dos depoimentos não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640º do Cód. Proc. Civil”.
Sem se perder de vista que o ónus enunciado no n.º 2 do art. 640º é meramente processual, destinando-se a facilitar a localização pelo tribunal ad quem, mas também pelo recorrido, dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação, habilitando o último a exercer cabalmente o seu direito de defesa em sede de contra-alegações e a apreender o raciocínio seguido nessa impugnação pelo recorrente por referência a esses concretos elementos probatórios, e que a filosofia subjacente ao atual CPC acentua a prevalência do mérito e da substância sobre os requisitos ou exigências meramente formais, reclamando que se interprete o art. 640º, n.º 2, al. a) de forma funcionalmente adequada atento o fim a que se destina, o que reclama o apelo ao princípio da proporcionalidade na apreciação do cumprimento daquele ónus, sendo de rejeitar toda e qualquer interpretação do enunciado normativo no sentido de impor o indeferimento do recurso da matéria de facto como decorrência automática do incumprimento do ónus prescrito naquele preceito legal, propendemos para este segundo entendimento.
Com efeito, de contrário, não só estaríamos a fazer tábua rasa daquele art. 640º, n.º 2 do CPC, que é expresso no sentido de impor ao recorrente a indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, ou em alternativa, proceder à transcrição das mesmas, falando, aliás, em “transcrição de enxertos” de depoimento ou depoimentos que o recorrente “considere relevantes”, quando o art. 9º, n.º 3 do CPC, estabelece que na fixação do sentido e alcance da lei, o interprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como estaríamos a minorar os princípios da auto-responsabilidade das partes que, em sede de recurso, independentemente do valor da causa, têm de estar representadas por técnico habilitado com os indispensáveis conhecimentos jurídicos – advogado -, além de se estar a restringir, minorando-os, os deveres de cooperação, lealdade e boa-fé processuais a que se encontram adstritas as partes e, inclusivamente, se poder fazer perigar os direitos de defesa do recorrido, que desconheceria quais os concretos e específicos fundamentos probatórios em que o recorrente funda a sua impugnação e o raciocínio por ele seguido a partir desses fundamentos, por forma a poder cabalmente defender-se, em sede de contra-alegações, carreando para os autos outros excertos de depoimentos daquela e/ou de outras testemunhas ou partes que sustentariam o julgamento feito pelo tribunal a quo.
Deste modo, não pudemos deixar de sufragar a posição jurisprudencial que sustenta que ao cumprimento do ónus enunciado no art. 640º, n.º 2, al. a) do CPC, não basta ao recorrente que pretenda atacar a decisão quanto aos concretos pontos da matéria de facto dados como provados e/ou não provados pelo tribunal a quo indicar o início e o termos dos depoimentos que, na sua perspetiva, impõem solução diversa, sequer a transcrição integral desses depoimentos, mas antes reclama que aquele indique a concreta passagem em que funda o seu recurso, indicando o início e termo do(s) excerto(s) dos depoimentos das partes e/ou testemunhas que impõem essa solução diversa ou proceda à transcrição desse(s) excerto(s).
No caso presente, para sustentar a sua posição, para além de indicar o relatório pericial efetuado à sua assinatura pelo Departamento de Biologia da Faculdade de Ciências da Universidade P, o apelante indica os depoimentos das testemunhas Jorge, Abílio e Carlos, sendo que nos pontos 51º a 57º e 59º a 61º das motivações de recurso, não procede propriamente à transcrição dos depoimentos destas concretas testemunhas, mas, em discurso indireto, relata aquilo que por elas terá sido afirmado em audiência final e faz uma análise crítica desses depoimentos.
No entanto, já no ponto 58º das motivações de recurso aquele apelante procede à transcrição de um excerto do depoimento da testemunha Abílio e no ponto 62º dessa mesma peça procede à transcrição de excertos do depoimento da testemunha Carlos, indicando, inclusivamente, as passagens da gravação em que foram prestados esses excertos de depoimentos.
Embora se imponha reconhecer que, mais uma vez, o apelante, também em sede de cumprimento do ónus enunciado no n.º 2 do art. 640º do CPC, não foi indiscutivelmente criterioso no cumprimento desse ónus com o enunciado e descrito procedimento, dentro do enunciado princípio da proporcionalidade que deve presidir à apreciação do cumprimento deste concreto ónus, entendemos que o mesmo acautela suficientemente as finalidades prosseguidas pelo legislador com a respetiva imposição ao apelante e à salvaguarda do princípio do contraditório que assiste à apelada, pelo que, igualmente, do ponto de vista do cumprimento pelo apelante do ónus enunciada naquele n.º 2 do art. 640º do CPC, inexiste, na nossa perspetiva, obstáculo processual à apreciação da impugnação da matéria de facto feita pelo apelante.
B.1.3- Da impugnação da matéria de facto constante dos pontos 1º, 3º, 5º, 17º e 19º.
O apelante pretende que, reponderada a prova produzida, se dê como não provada a matéria vertida naqueles pontos 1º, 3º, 5º, 17º e 19º dos factos dados como provados pelo tribunal a quo quando neles dá como assente que a assinatura que se encontra aposta na letra dada à execução, no lugar destinado à aposição do aceite, é do punho do apelante, sustentando que na perícia realizada a essa assinatura os peritos concluíram ser “provável a verificação da hipótese de a escrita da assinatura contestada de António (…) ser do seu punho”, pretendendo que “o provável” está mais próximo do “não é possível formular conclusão do que da probabilidade próxima da certeza científica”.
Sustenta, ainda, no que respeita ao depoimento da testemunha Jorge, que este referiu que a MB usava muito o desconto de letras para apoiar a tesouraria e que se encontra assente que esta era experiente a descontar letras para apoiar a tesouraria, concluindo, assim o apelante, a partir destes dados, que a MB estava na mira da busca de eventuais falsificadores de assinaturas, facto este que o tribunal a quo terá descurado, tanto mais que a testemunha Abílio referiu que, na altura, já não confiava na MB e nunca lá deixava nada porque a sua desconfiança era muita.
Quanto à testemunha Abílio, o apelante refere que este Abílio garantiu que o apelante apenas assinou à sua frente a letra que depois obrigou o pessoal da “MB” a preencher por completo, e que era uma letra de 6.000,00 euros, nenhuma outra tendo o apelante assinado.
Em relação à testemunha Carlos, o apelante refere que embora este, inicialmente, tivesse reiterado que não se conseguia lembrar de qualquer letra de 6.000,00 euros, no final já admitiu a existência desta e referiu que tinha sido pedida nova letra de maior valor, relatando, contudo, que não foi à sua frente que o apelante assinou a letra.
Finalmente, no que respeita à testemunha Jorge, o apelante refere que este relatou que não acompanhou o assunto.
Conclui, assim, o apelante que inexiste prova que permita concluir que a assinatura que se encontra aposta na letra dada à execução, no lugar do aceite, tenha sido feita pelo seu punho.
O tribunal a quo fundamentou aquelas suas respostas na fixação da matéria em análise nos seguintes termos:
“A convicção do Tribunal, relativamente à matéria fáctica provada, baseou-se na conjugação de toda a prova produzida, em sede de audiência de Discussão e Julgamento; na análise dos documentos juntos aos autos a fls. 13 dos autos de execução ordinária (cópia certificada da letra dada à execução), encontrando-se o original junto a fls. 94 destes autos, a fls. 8 (cópia da letra inicial e que deu origem a reformas posteriores), a fls.9 (declaração assinada pelo gerente da MB na qual declara que a letra com o valor de €15.000,00 foi aceite de favor pelo Sr. António, aqui embargante), fls. 10 (cópia de frente e verso do cheque no valor de €6.000,00 sacado por Abílio à ordem de MB), fls.11 (talão de depósito do referido cheque, junto pelo embargante), fls. 26 (talão de depósito do referido cheque, junto pela exequente), relatório pericial junto a fls. 85 a 93.
Mais se baseou o Tribunal nos depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas, como infra se referirá.
O teor do relatório pericial referido foi atendido atentos os especiais conhecimentos técnicos e científicos de quem subscreveu o mesmo, mostrando-se este devidamente fundamentado, não havendo, pois, razões para divergir do juízo técnico-científico nele exarado.
Nesta matéria, note-se que, em sede de conclusões do dito relatório pericial, é referido que «…somos levados a concluir que as características exibidas por António, na escrita das assinaturas genuínas, se encontram na da assinatura contestada, pelo que se considera como provável a verificação da hipótese de a assinatura contestada ser do punho de António…».
Ora, a par das expressões usadas pela entidade pericial em causa em sede de conclusões do seu relatório pericial, donde resulta que tal expressão significa uma acentuada probabilidade de ter sido o embargante a produzir, pelo seu próprio punho, a assinatura questionada nestes autos, a própria impugnação feita pelo embargante na sua oposição mediante embargos de executado – cfr. fls. 4 dos presentes autos – arts. 8 e 9 da referida peça processual e o depoimento da testemunha Jorge, o qual afirmou que o executado se deslocou ao Banco e nunca pôs em questão a sua assinatura - serviram para auxiliar o Tribunal na formação da convicção no sentido da genuinidade da assinatura do embargante.
Assim, sendo, da forma supra descrita, o Tribunal formou a sua convicção no sentido de ter sido o aqui embargante a realizar, pelo seu punho, a assinatura posta em causa nos autos, entendendo, deste modo, que a exequente respeitou o ónus da prova que sobre si incumbia – com o relevante contributo do supra aludido relatório pericial, atentos os especiais conhecimentos técnicos e científicos de quem subscreveu tal relatório pericial.
Dos depoimentos testemunhais produzidos resultou que a letra aqui dada à execução é reforma de uma outra no valor de €12.000,00 a qual, por sua vez já era reforma de uma letra inicial de €15.000,00; resultou ainda que, se tratava de uma “letra de favor”; mais resultou, do depoimento da testemunha Abílio, amigo do embargante que, aquando do vencimento da letra de €12.000,00 - 12.11.2012, o embargante abordou o seu amigo Abílio dando-lhe conta de que a existência de "aceite" seu no banco e naquele valor o estava a prejudicar, pelo que o mesmo lhe disse que se iria reformar a letra pagando metade, pelo que foi assinado pelo mesmo Abílio um cheque no valor de 6.000 €, no qual foi inscrito o nome "MB, Lda." no local destinado ao beneficiário.
Decorre ainda dos documentos juntos bem como dos depoimentos das testemunhas arroladas pela exequente que este cheque foi depositado em 20.11.2012 na conta da MB no banco exequente.
Decorre do verso do cheque mencionado que o mesmo refere:
"Ref. da letra de 12.000 €
C/ VENC. 12.11.2012 do aceitante António".
Decorre dos depoimentos das testemunhas funcionários da exequente que, o montante titulado no referido cheque, após ter sido depositado na conta da MB não foi “canalizado” para a reforma da letra de €12.000,00 supra referida, tendo sido destinado ao pagamento de outros encargos e penhoras da S.S., tendo apenas os restantes €2.000,00 sido afectos a tal fim.
Afirmaram as referidas testemunhas que não tomaram conhecimento de que tal cheque seria para esse fim, como consta do seu verso, já que, do talão de depósito nada consta nesse sentido e se tal tivesse sido falado com os funcionários do Banco exequente, tal menção teria de ser feita no referido talão, “maquinograficamente”, o que não existe, sendo que os funcionários não são obrigados a ver o verso do cheque, sendo certo que o sacador não avisou da alegada finalidade do cheque em causa.
Todas as testemunhas ouvidas foram auxiliar da formação da convicção, na medida em que depuseram de uma forma que nos pareceu sincera, autêntica e coerente; relataram os factos de que tinham conhecimento, nada mais.
Por fim, o documento junto pelo embargante, que foi impugnado pela exequente, não foi atendido, dado tratar-se de mera cópia de um talão de depósito do cheque de €6.000,00, cópia essa com o mesmo valor do documento junto pela exequente referente ao mesmo depósito e no qual nada consta relativamente à alegada reforma da letra de €12.000,00 e perante a circunstância da menção agora em causa aí ser manuscrita, contrariamente aos demais dizeres do mesmo, pelo que o seu teor não mereceu relevo do Tribunal”.
Analisada a fundamentação que se acaba de transcrever e confrontada a mesma com a prova documental e pericial junta aos autos e, bem assim com o depoimento prestado pela testemunha Abílio, amigo do oponente, que disse ser “parceiro comercial” da sacadora da letra dada à execução – a “MB” –, no âmbito da empresa de que o depoente é sócio-gerente, vendendo-lhe produtos e arranjando ambas as sociedades “clientes uma à outra”, e que afirmou que, no âmbito dessas relações comerciais, dadas as dificuldades económico-financeiras por que a “MB” passava, ele, Abílio aceitou várias letras de favor sacadas pela última para que esta pudesse fazer face às referidas dificuldades de tesouraria com que se confrontava, até que, em determinada altura, porque já não pudesse aceitar mais letras de favor sacadas pela “MB”, pediu ao oponente para aceitar uma letra de favor, sacada pela “MB”, titulando a quantia de 15.000,00 euros, letra essa que afirmou tratar-se da letra de favor junta aos autos a fls. 8, concretizando que aquele Abílio não podia satisfazer mais esses pedidos da “MB” para que aceitasse mais letras de favor sacadas pela última, sob pena dele, Abílio, colocar em risco a sobrevivência da sua própria empresa, tal era o peso dos compromissos financeiros que já tinha assumido, com esses aceites de favor prestados em benefício da “MB”, pedido esse que o oponente dispôs-se a satisfazer, aceitando a letra de fls. 8, sacada pela “MB”, titulando a quantia de 15.000,00 euros, mediante a emissão pela última da declaração junta aos autos a fls. 9, em que a “MB” reconhece, além do mais, que o oponente prestou-lhe esse aceite a título de “favor”, letra essa que o depoente referiu ter sido, posteriormente, reformada por uma letra de 12.000,00 euros, facto este que é corroborado pelo teor da letra dada à execução, junta aos autos a fls. 90, onde se lê: “Ref. da letra de 12.000,00 euros, c/venc. 12.11.2012”, também sacada pela “MB” e aceite pelo aqui oponente, o que é confirmado pelos depoimentos das restantes testemunhas que depuseram em audiência final e é confessado pelo próprio oponente nos arts. 1º a 5º da petição de oposição à execução, letra última esta que, referiu, ter sido posteriormente reformada por uma outra letra, também aceite pelo oponente, mediante o saque pelo depoente Abílio de um cheque de 6.000,00 euros, emitido a favor da “MB”, destinado a pagar parcialmente aquela letra de 12.000,00 euros, versão dos factos esta que é corroborada pelo teor do cheque junto aos autos a fls. 10 e 131 a 134, e que também é aceite pelo próprio oponente, António, nos pontos 5º e seguintes da petição de oposição à execução, pretendendo aquele Abílio que esta última letra sacada pela “MB” e que o oponente aceitou “por favor”, titulava a quantia de 6.000,00 euros (diferencial entre a letra de favor aceite pelo oponente de 12.000,00 euros e a quantia titulada pelo cheque sacado pelo depoente, junto aos autos a fls. 10 e 131 a 134), não se tratando, pois, da letra dada à execução, a qual titula a quantia de 10.000,00 euros (cfr. fls. 94), bem como os prestados pelas testemunhas Carlos e Jorge, estes funcionários do banco exequente, Banco X, onde exercem as funções de gestor de contas, incluindo da “MB”, uma primeira conclusão se impõe extrair, a qual seja, que o tribunal a quo, naquela fundamentação que acima se exarou, teve em consideração a totalidade da prova produzida.
A segunda conclusão que se impõe extrair é que naquela fundamentação, o tribunal a quo não incorreu em qualquer infidelidade em relação à prova documental, pericial e testemunhal produzida nos autos, que analisamos e ouvimos na sua integralidade.
A terceira e última conclusão que se impõe extrair é que reponderada toda aquela prova produzida, não podemos deixar de subscrever aquela fundamentação e, por conseguinte, dar como provada e não provada a matéria assim julgada pelo tribunal a quo, como se passa a demonstrar, até para descanso do apelante e para lhe relembrar determinados aspectos que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, aquele não levou em devida consideração nas críticas que faz ao tribunal a quo quando pretende que, reponderada a prova produzida, se conclua pela não prova de que foi ele quem assinou, pelo seu punho, o aceite que se encontra aposto na letra dada à execução.
Vejamos.
É absolutamente pacífico nos autos, porque a prova documental e testemunhal é toda ela unânime nesse sentido, que a “MB” se debatia com dificuldades de tesouraria, dificuldades essas que, no dizer da testemunha Jorge, eram “históricas”, ou seja, permanentes, e que, para suprir essas dificuldades permanentes de tesouraria, aquela vinha a recorrer ao saque sistemático de letras, que Abílio aceitava, letras essas que aquela “MB” descontava e que nas datas dos respetivos vencimentos, reformava, umas vezes, parcialmente, pagando parte da quantia tituladas por essas letras e sacando novas letras de reforma respeitante à quantia não liquidada, que aquele Abílio aceitava, outras vezes, reformando integralmente as letras anteriormente por si sacadas e aceites pelo identificado Abílio por letras de reforma (vide depoimentos de Abílio, Carlos e Jorge, que são unânimes a afirmar estes factos, os quais se mostram concordantes com o teor dos documentos de fls. 8 a 10 e com a letra dada à execução, junta aos autos a fls. 90 (cópia) e 94 (original).
É igualmente pacífico nos autos que, a determinada altura, por via daquelas dificuldades de tesouraria da “MB”, esta sacou uma letra de 15.000,00 euros, com data de emissão em 20/03/2012 e de vencimento em 10/07/2012, letra essa que o oponente António aceitou, apondo-lhe a sua assinatura no lugar destinado ao aceite, posto que, para além desta matéria ser confirmada pelo identificado Abílio, é corroborada pelo teor da fotocópia dessa letra, junta aos autos a fls. 8, pelo teor da declaração de fls. 9 e pelo próprio oponente nos arts. 1 e ss. da petição de oposição mediante embargos, onde confessa ter aceite a letra de 15.000,00 euros sacada pela “MB” .
Também é absolutamente pacífico nos autos que, aquando do aceite dessa letra pelo opoente António, a "MB” emitiu a declaração de fls. 9 (as testemunhas Carlos e Jorge corroboram que os aceites são de favor, não porque aqueles e/ou o banco exequente tivessem tomado conhecimento desse facto na altura contemporânea da data em que os mesmos tiverem lugar, mas porque, posteriormente, estando a letra dada à execução já em incumprimento, apareceu na agência Abílio, referindo que o aceite desta letra tinha sido prestado por favor pelo oponente, assim como os aceites das anteriores letras reformadas tinham sido prestadas por favor do oponente, queixando-se aquele Abílio que a letra reformada devia ser de 6.000,00 euros, em vez de dez mil euros, isto por via do cheque de fls. 10, altura em que Carlos refere que o banco teve conhecimento que a “MB” em relação àquele cheque não tinha feito “as coisas como devia”).
É também absolutamente pacífico nos autos que esta letra de 15.000,00 euros, sacada pela “MB” e aceite pelo opoente, veio, posteriormente a ser reformada por uma outra letra, sacada pela “MB” e aceite pelo oponente, titulando a quantia de 12.000,00 euros, com data de vencimento em 12/11/2012, dado que estes factos são confirmados pelas testemunhas Abílio, Carlos e Jorge (nos termos já referidos) e, sobretudo, pelo teor da letra dada à execução, junta aos autos a fls. 94, onde se encontra inscrito “Ref. da letra de 12.000,00 euros c/ venc. 12.11.2012”.
Ainda é absolutamente pacífico nos autos que a testemunha Abílio sacou um cheque a favor da “MB”, sobre a sua conta, aberta na Banco A, titulando a quantia de 6.000,00 euros, com data de emissão em 19/11/2012, cheque este que foi apresentando pela “MB” junto do Banco X, em 20/11/2012, que uma vez apresentado à compensação em 21/11/2012, foi pago, sendo aqueles 6.000,00 euros depositados na conta da “MB”, destinando-se este cheque a pagar parcialmente a referida letra de 12.000,00 euros e a reformá-la por outra letra, uma vez que estes factos são corroborados pelas testemunhas Abílio, Carlos e Jorge, e são sobretudo confirmados pelo teor do cheque de fls. 10, do oficio da C.G.D. de fls. 131 a 134, em cujo verso se encontra escrito “Ref. da letra de 12.000,00 euros c/VENC. 12.11.2012 do aceitante António”, e pelos talões de depósito deste cheque de fls. 11 e 26 (prova documental esta que é objetiva, contrariamente à prova testemunhal, que conforme resulta das regras da experiência comum, é a mais falível de todas provas).
É igualmente pacífico nos autos que caída a quantia de 6.000,00 euros na conta da “MB”, esta não foi destinada na sua integralidade ao pagamento parcial da dívida titulada por aquela letra de 12.000,00 euros, mas apenas 2.000,00 euros, uma vez que os restantes 4.000,00 euros foram utilizados pelo Banco X para satisfazer outras obrigações da “MB”, dado que estes factos são confirmados unanimemente pelas testemunhas Abílio, Carlos e Jorge, referindo aquele Carlos que parte desses 4.000,00 euros foram destinados ao cumprimento de uma penhora da Segurança Social sobre a “MB”.
Finalmente é absolutamente pacífico nos autos que, nessa sequência, a “MB” sacou uma nova letra destinado a reformar a anterior letra, que titulava os apontados 12.000,00 euros, nova letra essa onde o oponente apôs a sua assinatura no lugar destinado ao aceite, dado que esta matéria é corroborada pelo depoimento prestado por Abílio, Carlos e Jorge e se mostra conforme à circunstância de ter sido sacada pela “MB” a letra dada à execução de fls. 94, com data de emissão de 12/11/2012 (data esta que era a data de vencimento da letra de 12.000,00 euros”), letra esta dada à execução onde, relembra-se, está inscrito “Ref. da letra de 12.000,00 euros c/VENC. 12.11.2012”, e onde consta, no lugar destinada ao aceite uma assinatura com sendo da autoria do punho do oponente.
Sendo toda a prova produzida consentânea no sentido de que, na sequência da emissão do cheque de fls. 10 (131 a 134) pela testemunha Abílio, cheque este que toda a prova produzida é igualmente concordante entre si no sentido de ter sido entregue pela testemunha Abílio à “MB” para pagamento parcial do valor titulado pela letra de 12.000,00 euros, e sendo, ainda, toda a prova produzida concordante entre si no sentido de que este cheque foi apresentado a pagamento junto do banco exequente Banco X pela “MB” e que na sequência deste cheque a “MB” sacou uma letra, a qual foi aceite pelo oponente António, destinada a reformar aquela anterior letra que titulava a quantia de 12.000,00 euros, a questão que se suscita nos autos é a de se saber se esta última letra que a “MB” sacou e que o oponente aceitou titulava a quantia de 6.000,00 euros, conforme a testemunha Abílio sustenta ter acontecido; se antes titulava a quantia de 10.000,00 euros, isto é, se se trata da letra dada à execução, junta aos autos a fls. 94; se eventualmente, tendo a “MB” inicialmente sacado uma letra de 6.000,00 euros, aceite pelo oponente, perante o destino dado aos 6.000,00 euros titulados pelo cheque de fls. 10, comunicado pelo Banco X a impossibilidade de reformar aquela anterior letra de 12.000,00 euros, por aquela eventual letra titulando 6.000,00 euros, a “MB” sacou a letra dada à execução de fls. 94, titulando a quantia de 10.000,00 euros e o oponente aceitou esta letra, sendo restituída a letra de 6.000,00 euros pelo Banco X à “MB”, ou se, inclusivamente, tendo a “MB” sacado aquela letra dada à execução, falsificou o aceite que nela se encontra aposto como sendo do punho do aqui oponente.
A este propósito, a testemunha Abílio referiu que a única letra que o oponente aceitou e que foi sacada pela “MB”, titulava a quantia de 6.000,00 euros, não tendo o oponente aceite outra letra que não fosse a que titulava os referidos 6.0000,00 euros, deixando implícito, no seu depoimento, que o aceite que se encontra aposto na letra dada à execução como sendo da autoria do oponente, teria sido falsificado pela “MB”.
Por sua vez, é certo que conforme refere o apelante nas suas alegações, a testemunha Carlos referiu que a única letra que viu, foi a letra dada à execução de fls. 94, titulando 10.000,00 euros, letra essa que se encontra aceite pelo oponente, esclarecendo, contudo, que não viu o oponente a apor, nessa letra, a sua assinatura, pelo que aquele não pode afirmar se essa assinatura que se mostra aposta na letra dada à execução no lugar destinado ao aceite foi efetivamente nela aposta pelo punho do oponente.
No entanto, menos certa é a alegação do apelante quando pretende que não obstante aquele Carlos tenha começado por afirmar que apenas viu a letra de 10.000,00 euros, terminou o seu depoimento admitindo a existência de uma letra de 6.000,00 euros.
Na verdade, conforme resulta do registo áudio do depoimento do identificado Carlos, o que aquele referiu é que apenas tinha visto a letra titulando a quantia de 10.000,00 euros. Perante as insistências dos advogados, o referido Carlos referiu que já não tinha presente o caso concreto e que era possível que, na altura, a “MB” tivesse apresentado uma letra de 6.000,00 euros, facto este de que aquele não tem memória, esclarecendo, no entanto, que se inicialmente essa letra de 6.000,00 euros foi apresentada, então porque o banco exequente não podia reformar a letra de 12.000,00 euros pela de 6.000,00 euros, dado o destino do dinheiro titulado pelo cheque, onde se contava, inclusivamente, uma penhora da Segurança Social, essa letra de 6.000,00 euros foi restituída à “MB”, que entregou ao banco exequente a letra dada à execução, titulando a quantia de 10.00,00 euros.
A testemunha Carlos limitou-se, pois, não a admitir ou a confirmar a existência da letra de 6.000,00 euros, mas a levantar uma mera hipótese perante as insistências dos advogados, deixando claro que não se lembrava de qualquer letra de 6.000,00 euros.
De igual modo não podemos, de forma alguma, ter o depoimento de Carlos, sequer de Jorge, como inconsistentes, posto que inconsistente são, manifesta e indiscutivelmente, o depoimento prestado pela testemunha Abílio em audiência final e a versão dos factos apresentada pelo oponente, em sede de petição de oposição à execução, quando pretendem “candidamente” que andaram a aceitar letras de favor em benefício da “MB”, fazendo-o o oponente a pedido do identificado Abílio, por relações de amizade que mantinha com o último, hipóteses estas que não se antolha como razoáveis aceitar-se à luz das regras da experiência comum.
É que essas mesmas regras da experiência comum demonstram que, em regra, as pessoas e, principalmente, os comerciantes, não assumem encargos financeiros, designadamente, não aceitam letras de favor gratuitamente, isto é, sem contrapartidas ou desinteressadamente, sobretudo, letras de favor sacadas por sociedades que se debatem com permanentes dificuldades de tesouraria, como era comprovadamente o caso da “MB”, em que o risco de terem de assumir essas obrigações que aceitaram, se mostra extremamente elevado, sobretudo, no casos de letras, que, como se sabe (e os comerciantes não o ignoram), como títulos de crédito que são, beneficiam das características da literalidade, incorporação, abstração e autonomia.
Quando concordam em aceitar letras de favor sacadas por uma sociedade, os terceiros, designadamente, os comerciantes, que se dispõem a aceitar essas letras por favor, é porque existem fortes razões, designadamente, interesses económicos relevantes, que justificam esse seu procedimento, interesses esses que prosseguem e que lhes trazem vantagens económicas. Os terceiros e, sobretudo, os comerciantes, não são manifestamente instituições de solidariedade social.
Em síntese, a versão dos factos apresentada por Abílio e pelo aqui oponente está manifestamente “muito mal contada”, posto que tiverem de existir fortes razões para Abílio ter aceite, por favor, letras sacadas pela “MB”, que não apenas as relações comerciais que existiam entre esta sociedade e a empresa/sociedade de que aquele Abílio era sócio-gerente, e a relação de amizade que ligava o oponente ao identificado Abílio e o pedido deste para o oponente aceitar letras de favor sacadas pela “MB”.
De resto, este tribunal não pode deixar de estranhar que tendo-se disposto a aceitar a letra de 15.000,00 euros, sacada pela “MB”, pretensamente a pedido do seu amigo, Abílio, que já não podia aceitar mais letras sacadas pela última, tal a dimensão dos encargos já aceites por este Abílio em benefício da “MB”, sob pena daquele Abílio poder fazer perigar o seu próprio negócio – ou seja, Abílio não podia aceitar mais encargos, sob pena de poder fazer perigar o seu negócio, mas o oponente já o podia, e dispôs-se, fazê-lo?! -, a MB, tivesse emitido e entregue ao oponente a declaração de fls. 9. É que essa declaração salvaguardava o oponente nas suas relações com a “MB” (relações imediatas), mas manifestamente não o salvaguardava nas relações com terceiros, designadamente, perante um banco junto de quem essa letra fosse descontada (relações mediatas), pelo que, neste contexto, impõe-se questionar sobre quais os concretos objetivos prosseguidos pela “MB” e pelo oponente (mas também pela testemunha Abílio) com a emissão da declaração de fls. 9.
Não se pode igualmente deixar de estranhar o depoimento de Abílio quando refere que sabendo que a “MB” não ia pagar, abordou o oponente, dizendo-lhe que ia pagar metade da letra de 12.000,00 euros sacada pela “MB” e aceite pelo oponente e dando-lhe a assinar (o aceite) um nova letra de 6.000,00 euros, destinada a substituir a quantia titulada pela anterior letra de 12.000,00 euros, que permaneceria em dívida (veja-se que esta tese não se mostra conforme à alegada pelo oponente no ponto 5º da petição de oposição à execução, onde alega ter sido ele, oponente, que abordou Abílio, dando-lhe nota que tendo aceite a dita letra de 12.000,00 euros, sacada pela “MB” e que estava a ser prejudicado junto do banco por via dessa aceite) e pretenda ter sacado, conforme sacou, o cheque de fls. 10, titulando a quantia de 6.000,00 euros, destinado a pagar parcialmente a quantia titulada pela referida letra de 12.000,00 euros, sustentando que se dirigiu à “MB”, onde entregou esse cheque ao respetivo sócio-gerente, Rui, obrigando-o a escrever, no verso desse cheque os dizeres que dele constam, ou seja, a menção “Ref. da letra de 12.000,00 euros c/VENC. 12-11-2012, do aceitante António”.
É que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, mais fácil e lógico seria que aquele Abílio tivesse inscrito esses dizeres no verso desse cheque e, inclusivamente, tivesse depositado esse cheque, em vez de o entregar na “MB” e de exigir ao sócio-gerente desta que escrevesse no verso desse cheque aquela menção.
Mais uma vez, salvo o devido respeito, a versão dos factos apresentada por Abílio e pelo oponente está “muito mal contada”, posto que tiveram de existir outras razões que justificam todo este procedimento de Abílio e do oponente.
A propósito do talão de depósito do cheque, junto aos autos a fls. 11 e 26, as testemunhas Carlos e Jorge referiram que quando alguém vai fazer um depósito de um cheque, o caixa limita-se a ver a frente do cheque e a verificar se, no respetivo verso, se encontra aposto o endosso e o número da conta onde o cheque deve ser depositado, não se preocupando com os demais dizeres que eventualmente constam do verso desse cheque, designadamente com a referência constante do verso do cheque de fls. 10 (131 a 134) - “Ref. da letra de 12.000,00 euros c/VENC. 12-11-2012, do aceitante António” -, relatando que quando o dinheiro titulado pelo cheque tem uma finalidade específica, o caixa, em regra, não toma a iniciativa de perguntar ao depositante, mas é este – o depositante - que terá de comunicar ao caixa que aquele dinheiro titulado pelo cheque deverá ter determinado destino concreto e específico, posto que se não o fizer, o caixa nada consigna a propósito dessa finalidade específica no talão de depósito. Já se ocorrer por parte do depositante essa comunicação ao caixa, dizendo-lhe que o dinheiro daquele cheque destina-se a determinada finalidade específica, o caixa dispõe de um campo, no sistema informático, onde consigna essa finalidade específica, saindo no talão de depósito que imprime a menção a essa finalidade específica.
Confrontados com os talões de depósito de fls. 11 e 26, os identificados Carlos e Jorge referiram que o talão de depósito que consta do banco é o de fls. 26 e que o talão de fls. 11 é o talão de depósito que é entregue ao cliente, ou seja, no caso, à “MB”, sendo que depois de receber este talão de depósito do caixa, alguém manuscreveu, nesse talão, “Reforma da letra de António de 12.000,00 euros c/VENC. 12-12-2012”, facto esse que o depositante não comunicou ao caixa posto que, se o tivesse feito, essa menção sairia impressa no talão de depósito.
Precise-se que basta a mera análise do talão de depósito de fls. 11 para se concluir que a versão dos factos apresentada pelos identificados Carlos e Jorge se mostra conforme à verdade factual efetivamente acontecida, posto que a referida menção manuscrita que se encontra aposta no talão de depósito de fls. 11 surge precisamente aposta, no espaço desse talão, que se situa ente os dizeres impressos no mesmo, não se antolhando, consequentemente, como razoável aceitar-se que Rui, sócio-gerente da “MB”, tivesse manuscrito esses dizeres, no referido talão de depósito, ainda antes dos dados que neles se encontram impressos terem neles sido impressos pelo caixa. É que se assim fosse, só por mera casualidade, essa menção manuscrita surgiria aposta no talão de depósito entre os espaços impressos.
Acrescente-se que longe do depoimento de Abílio colocar em crise a autoria da assinatura do oponente que se encontra aposta na letra dada à execução no lugar destinada a assinatura do aceitante, aquele acaba por confirmar a autenticidade dessa assinatura, quando se confronta a sua versão dos factos com as regras da experiência comum.
Com efeito, além de todas as enunciadas incongruências e apesar de pretender que o oponente apenas aceitou uma letra sacada pela “Matriarca”, que titulava a quantia de 6.000,00 euros, é o próprio Abílio que refere que, em determinada altura, o oponente António, veio ter com ele, “todo chateado”, dizendo-lhe “que afinal a letra era de dez mil euros”, ficando aquele depoente, Abílio, também “todo chateado” porque ele tinha emitido e entregue à “MB” um cheque de 6.000,00 euros, pelo que se dirigiu ao Banco X.
Ora, a ser certa a versão dos factos apresentada por Abílio em audiência final e se o oponente lhe apareceu, como afirma ter acontecido, “todo chateado”, comunicando-lhe que a letra era “afinal de dez mil euros”, então impera concluir que, contrariamente ao pretendido por Abílio, o oponente não apôs a sua assinatura na letra quanto nela já se encontrava inscrita a quantia de seis mil euros, mas fê-lo quando, naquela letra, ainda não tinha inscrita a quantia que titulava, posto que se essa quantia já estivesse inscrita na referida letra quando o oponente a aceitou, designadamente, quando nela já se encontrava inscrita a quantia de seis mil euros, não se descortina motivo plausível para tanto surpresa da parte do oponente, vindo, “todo chateado”, comunicar a Abílio que a letra era “afinal de dez mil euros”, sequer para este Abílio também ficar surpreendido e chateado com a circunstância da letra titular dez mil euros em vez de seis mil euros.
Acrescente-se que Abílio, no seu depoimento, não refere que o oponente, aquando daquela abordagem e comunicação, lhe tivesse referido que a assinatura que se encontrava aposta nessa letra, no lugar destinado ao aceite, não fosse da sua autoria, mas limita-se a referir que o oponente lhe comunicou (e era esse o motivo para aquele oponente estar “todo chateado”) que a letra “afinal era de dez mil euros”.
Consentaneamente com o depoimento de Abílio, a testemunha Carlos confirma que o identificado Abílio veio, efetivamente, falar consigo à agência bancária do banco exequente onde Carlos exercia funções, e nunca lhe disse que a assinatura do oponente que se encontrava aposta na letra dada à execução, não fosse da autoria do oponente, mas apenas se queixava que ele, Abílio, tinha entregue um cheque de seis mil euros à “MB”, destinada a liquidar a letra que titulava os 12.000,00 euros, e que, consequentemente, a nova letra devia ser de seis mil euros e não dez mil euros, concretizando o identificado Carlos que foi aí que ele e o banco, sua entidade empregadora, tomaram conhecimento que as letras aceites pelo oponente e que vieram a ser reformadas, eram de favor e, quanto ao cheque e à nova letra (a dada à execução), que a “Matriarca não tinha feito as coisas como devia”.
Igualmente, a testemunha Jorge refere que o oponente, em determinada altura, deslocou-se ao banco e que também nunca lhe referiu que a assinatura aposta na letra dada à execução não fosse da sua autoria.
Deste modo, em face de tudo o quanto se vem explanando, verificando-se que o oponente, sequer Abílio, nunca afirmaram que a assinatura aposta na letra dada à execução, no local destinado ao aceite, não fosse da autoria daquele, queixando-se apenas que o valor dessa letra devia ser de seis mil euros e não de dez mil euros, por via do pagamento do cheque sacado por Abílio e entregue à “MB”, titulando a quantia de seis mil euros, dando, por conseguinte, com dado adquirido e certo que essa assinatura era efetivamente do oponente, inclusivamente, nada dizendo em contrario quando foi interpelado pelo banco exequente para que pagasse (vide depoimentos de Carlos e Jorge nesse sentido, sendo que as regras da experiência comum demonstram que a primeira reação que um cidadão médio teria tido, perante semelhante interpelação de um banco, caso a autoria da assinatura aposta na letra, no lugar do aceite, não fosse da sua, era a de imediato, acusar essa falsificação, o que o oponente manifestamente não fez, até porque, de contrário, teria junto aos autos, essa comunicação dirigida ao banco exequente, acusando essa alegada falsificação da sua assinatura aposta na letra dada à execução), conectado com o teor do exame pericial de fls. 85 a 110, onde os senhores peritos concluem ser “provável” que aquela assinatura seja efetivamente do aqui oponente, concretizando, inclusivamente, as razões que não lhes permitiram ir mais além desse grau – o facto de a letra se encontrar perfurada no local onde se encontra aposta a assinatura contestada, inviabilizando, a quase total observação da escrita do nome “Sousa”, dificultando, assim, o exame à partida” – e concluindo que “a observação da escrita das assinaturas genuínas e a da contestada revela, nos seus elementos gerais, semelhanças” e num “exame comparativo de pormenor, analisadas todas as letras e conexões, revela, igualmente, semelhanças”, impera concluir que aquela assinatura que se encontra aposta na letra dada à execução, no lugar destinada ao aceite, foi efetivamente nela aposta pelo aqui oponente.
Resulta do que se vem dizendo que, na improcedência dos fundamentos de recurso aduzidos pelo apelante, mantêm-se inalteradas as respostas dadas pelo tribunal a quo à matéria vertida nos pontos 1º, 3º, 5º, 17º e 19º dos factos dados como assentes.
B.1.4-Do erro de julgamento do tribunal a quo ao não dar como provado ter sido acordado com o Banco X a reforma de letra de 12.000 Euros, vencida, com amortização de 6.000 Euros e subscrição de nova letra de 6.000 Euros.
Sustenta o apelante que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao não dar como provado ter sido acordado com o Banco X a reforma da letra de 12.000,00 euros vencida, com amortização de 6.000,00 euros e subscrição de nova letra de 6.000,00 euros.
A existência do invocado acordo entre Banco X (exequente) e “MB” e/ou o oponente, no sentido de que entre eles ficara acordada a reforma da letra de 12.000,00 euros vencida, com amortização de 6.000,00 euros e a subscrição de nova letra de 6.000,00 euros, consubstancia a alegação por parte do oponente de factos extintivos da obrigação exequenda que o exequente banco X vem exercer nos autos contra o exequente e oponente António.
Como factos essenciais de exceção invocada pelo oponente em relação à obrigação exequenda, nos termos do disposto no art. 5º, n.º 1 e 572º, al. c) do CPC, cumpria ao oponente alegar a existência daquele invocada acordo na petição da oposição à execução, sob pena de, nos termos do disposto no art. 573º, n.º 1 do CPC, não o poder fazer posteriormente, sequer o tribunal poder dar como provada a existência desses factos, ainda que os mesmos viessem a quedar-se como provados na sequência da prova produzida ao longo da instrução da causa, designadamente, em audiência final, sob pena de incorrer em violação do princípio do dispositivo.
Ora, compulsada a petição de oposição à execução apresentada pelo oponente, verifica-se que este jamais nela alega e existência de um acordo, celebrado entre o Banco X e o oponente e/ou a “MB”, nos termos do qual aqueles tivessem acordado a reforma da letra de 12.000,00 euros vencida, com amortização de 6.000,00 euros e a subscrição de nova letra de 6.000,00 euros, mas antes o que o oponente alega é que, “aquando do vencimento da letra de 12.000,00 euros, em 12/11/2012, o oponente abordou o seu amigo Abílio, dando-lhe conta de que a existência de aceite no banco e naquele valor o estava a prejudicar, pelo que o mesmo lhe disse que se iria reformar a letra pagando metade” (art. 5º), tendo sido “assim assinado pelo mesmo Abílio um cheque, no valor de 6.000,00 euros, cuja cópia facultada pela Banco A se junta sob Doc. 3, no qual foi inscrito o nome de MB, Lda., no local destinado ao beneficiário em que foi escrito no verso” (art. 6º), cheque este que “foi depositado em 20.11.2012 na conta da MB, no banco exequente, cfr. talão de depósito junto sob Doc. 4, de onde consta também a menção expressa e que o valor de tal depósito se destinava a: “Reforma da letra de António de 12.000,00 euros c/ venc. 12.11.2012” (art. 7º), e que “nessa altura o oponente assinou, no lugar do aceitante, uma letra que poderá ser a exequente, mas tem ideia que na altura foi logo inscrito o valor de 6.000,00 euros” (art. 8º), concluindo que o facto da “reforma ter sido feita para 10.000,00 euros em vez de 6.000,00 euros como previsto, constitui burla manifesta com prejuízo óbvio do oponente” (art. 11º) e que “cabendo ao devedor a imputação do cumprimento – art. 783º do CC – e, sobretudo, constando expressamente do cheque que aqueles 6.000,00 euros se destinavam a reformar determinada letra, não podia o valor transferido através do cheque ser destinado a outro fim” (art. 12º), impondo-se “reduzir o valor em débito ao montante de 6.000,00 euros, pois o exequente recebeu 6.000,00 euros para abater à letra de 12.000,00 euros, sendo impossível invocar outro débito/letra, porquanto a letra exequenda refere exactamente a mesma letra de 12.000,00 euros com vencimento a 12.11.2012” (art. 13º), até porque “é obvio que só com a intervenção do próprio exequente foi possível o sucedido, violando o banco e grosseiramente o dever lateral de respeito pelos interesses de terceiros, quando admite disponibilizar numa conta valores que não estavam a ser afetos ao fim a que se destinava, e que constava do próprio título e do talão de depósito, pelo que o exequente é co-responsável pelo facto de a reforma operada ter sido feita para o valor de 10.000,00 euros e não 6.000,00 euros e de ter permitido a disponibilização na conta da sacadora da totalidade do valor inscrito no cheque, para fim específico diverso” (arts. 14º e 15º da petição de oposição à execução).
Em síntese, naquela petição de oposição à execução, o oponente não alega a existência do invocado pretenso acordo, mas apenas a violação por parte do banco exequente de obrigações laterais que, enquanto banqueiro, se lhe impunham e que, na sua perspetiva, o obrigavam a ter reparado na menção manuscrita que se encontra aposta no verso do cheque de fls. 10 e no talão de depósito desse cheque, e a dar o destino aos seis mil euros titulados por esse cheque, que se encontra mencionado nessa menção manuscrita aposta no verso desse cheque e no referido talão de depósito.
E não tendo o exequente alegado, em sede de petição de oposição à execução, a existência de qualquer acordo celebrado entre o Banco X e o oponente e/ou a “MB”, nos termos do qual aqueles tivessem acordado a reforma da letra de 12.000,00 euros vencida, com amortização de 6.000,00 euros e a subscrição de nova letra de 6.000,00 euros, mas apenas a existência de violação dos sobreditos deveres laterais por parte do banco exequente, ainda que esse pretenso acordo tivesse ficado provado nos autos, é indiscutível que o tribunal a quo, sequer este tribunal, jamais podia, ou pode, dar a matéria integrativa desse pretenso acordo como provada, sob pena de incorrer em violação do disposto nos arts. 5º, n.º 1, 572º, al. c) e 573º do CPC, improcedendo, por conseguinte, o invocado fundamento recursório suscitado pelo recorrente.
Precise-se que não fora o impedimento processual acabado de enunciar, aquela pretensão do apelante nunca podia obter provimento, uma vez que conforme decorre do que acima se deixou explanado, a prova produzida não corrobora a existência do invocado acordo alegadamente celebrado entre o Banco X e o opoente e/ou a “MB”, mas antes o que demonstra é precisamente o contrário, forçando a que se conclua que por razões que apenas a testemunha Abílio, a “MB” e/ou o oponente podiam esclarecer, o primeiro andou a aceitar letras de favor sacadas pela “MB”, o mesmo acontecendo com o aqui oponente; o identificado Abílio sacou o cheque de fls. 10, titulando a quantia de 6.000,00 euros, onde, ao que afirma, obrigou o sócio-gerente da “MB” a apor a menção manuscrita que se encontra aposta no verso desse cheque, onde se menciona “Ref. da letra de 12.000,00 euros, c/vencimento 12.11.2012 do aceitante António”; este oponente aceitou nova letra sacada pela “MB”, titulando a quantia de 10.000,00 euros; o cheque de fls. 10 foi apresentado no banco exequente para ser depositado na conta da “MB”, sem que tivesse provado terem sido dadas quaisquer instruções ao banco exequente para que a quantia de seis mil euros que titulava se destinasse a amortizar a letra de favor de 12.000,00 euros (vide talão de depósito de fls. 26), tendo, posteriormente, a “MB” ou terceiros, após ter recebido esse talão de depósito do caixa do banco exequente, manuscrito os dizeres que se encontram apostos nesse talão, junto aos autos a fls. 11, eventualmente, ao arrepio do oponente e/ou de Abílio. É isto e só isto que a prova produzida evidencia (vide fundamentos probatórios supra enunciados e analisados).
Antes de avançarmos para os erros de direito que o oponente assaca à sentença recorrida, cumpre referir que aquele, nos pontos 17º e 18º das motivações de recurso, sustenta que a letra dada à execução tem como data de emissão o dia 12/11/2012, concluindo que “a letra se mostra falsificada também quanto à própria data de emissão, o que o banco exequente não podia deixar de notar”.
Esta questão não foi suscitada pelo recorrente em sede de conclusões, e como tal não faz parte do tema decidendum deste recurso, posto que, conforme acima ficou dito, são as conclusões de recurso que delimitam as questões que são submetidas ao tribunal superior.
Ora, não tendo essa questão sido suscitada pelo recorrente em sede de conclusões, mas tão-somente em sede de motivações, a mesma não faz parte do objeto do recurso.
No entanto, precise-se que não fora esse impedimento, e caso a questão da alegada falsificação da data de emissão que se encontra aposta na letra dada à execução tivesse sido suscitada pelo apelante em sede de conclusões, nunca este tribunal podia conhecer dessa questão, por se tratar de questão nova, não suscitada pelo apelante junto do tribunal a quo, conforme era seu ónus fazer, suscitando-a em sede de petição de oposição à execução ou caso dela tivesse, posteriormente, conhecimento, mediante a apresentação de articulado superveniente, o que tudo não cuidou em fazer, o que sempre impediria que o presente Tribunal da Relação dela pudesse conhecer. É que, como é consabido, os recursos destinam-se a reapreciar as questões de facto e de direito que foram submetidas ao tribunal a quo e que por ele foram decididas, e não a apreciar questões novas, não suscitadas junto do tribunal recorrido, como é o caso.
B.1.5- Do erro de direito em que incorreu o tribunal a quo.
Sustenta o apelante que o tribunal a quo incorreu em erro de direito ao julgar a presente oposição improcedente, na medida em que havia acordado com o apelado a reforma da letra, ao receber o pagamento de 6.000,00 euros, através de cheque, pelo que cabia ao último definir como proceder para que fosse respeitado o acordado e o fim a que fora destinado aquele pagamento, concluindo que apenas com a negligente atuação do pessoal do Banco X foi possível o desvio de 4.000,00 euros, que foram pagos através do cheque.
Mais alega que existe abuso de direito da parte do banco exequente ao reclamar daquele a quantia exequenda, quando recebeu uma letra de 6.000,00 euros e um cheque do mesmo valor para amortizar outra letra vencida, no valor de 12.000,00 euros, e quando não tomou as devidas cautelas para que se concretizasse aquela reforma, nomeadamente, permitindo que parte do valor entregue para a amortização daquela letra de 12.000,00 euros fosse penhorado e utilizando em seu proveito outra parte desse dinheiro para satisfazer encargos com débitos da “MB” para com o banco, que sabia poder vir a nunca cobrar, facto este que acarreta, na sua perspetiva, a inexigibilidade do valor de quatro mil euros por parte do banco exequente, concluindo que este, ao deduzir esse pedido, excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes, atuando em manifesto abuso de direito.
O título executivo que serve de fundamento à presente execução é a letra de câmbio que se encontra junta aos autos a fls. 94, emitida em 12/11/2012, e com data de vencimento em 17/02/2013, titulando a quantia de 10.000,00 euros, sacada por “MB, Lda.” e aceite pelo aqui oponente, letra essa que, antes do seu vencimento, foi endossada ao banco exequente, com a cláusula “sem despesas”, no âmbito de uma operação bancária de desconto de letras, pela qual o banco adiantou àquela “MB, Lda.”, a respetiva importância previamente ao seu vencimento e que, chegada que foi a data do seu vencimento e apresentada para pagamento àquela sacadora e ao oponente, este enquanto aceitante dessa letra, não foi paga (cfr. doc. de fls. 94 e pontos 1 a 5 dos factos provados).
A letra de câmbio integra-se na categoria dos títulos de crédito e como tal constitui indiscutivelmente título executivo nos termos do art. 703º, al. c) do CPC.
Trata-se de um título de crédito à ordem, sujeito a determinadas formalidades, enunciadas no art. 1º da Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças (doravante LULL), pelo qual uma pessoa (sacadora) ordena a outra (sacado) que pague a si ou a terceiro (tomador) uma determinada importância em dinheiro (10).
A letra de crédito nasce com o “saque”, o qual traduz uma declaração unilateral e abstrata, feita pelo emitente do título (o sacador), declaração essa que corporiza ao mesmo tempo uma ordem de pagamento dirigida ao sacado, para que este pague uma determinada quantia ao tomador ou à ordem deste e, implicitamente, uma promessa de pagamento do próprio sacador perante o tomador e os sucessivos portadores da letra, de que o sacado aceitará e pagará aquela letra e, ainda, que caso tal não aconteça, que ele próprio, sacador, honrará esse pagamento (art. 9º da LULL).
Por sua vez, o aceite é o negócio jurídico cambiário, de natureza unilateral e abstrato, pelo qual o sacador aceita a ordem de pagamento que lhe foi dirigida pelo sacador e se obriga a pagar a letra no seu vencimento ao tomador ou à ordem deste.
Significa isto, que o sacado não fica obrigado a pagar a quantia titulada pela letra com o saque, só porque o sacador lhe deu essa ordem e prometeu ao tomador que este iria aceitar essa ordem: o sacado só fica vinculado cambiariamente e, consequentemente, obrigado a pagar a quantia titulada pela letra na data do respetivo vencimento perante o tomador ou os sucessivos portadores da letra a quem esta venha a ser endossada, pelo aceite. É assim que o art. 28º da LULL proclama que “o sacado obriga-se pelo aceite a pagar a letra à data do vencimento (n.º 1) e que caso não a venha a pagar na data do respetivo vencimento, o portador, mesmo no caso de ser ele o sacador, tem contra o aceitante um direito de ação resultante da letra em relação a tudo o que poder ser exigido nos termos dos arts. 48º e 49º (n.º 2).
Por sua vez, o endosso é o ato cambiário que opera a circulação regular da letra. Ele constitui uma nova ordem de pagamento que acresce ao saque e daí o dizer-se que “o endosso é um novo saque”, emitida pelo portador atual em favor do novo portador (11).
O endosso constitui uma declaração unilateral, aposta na letra ou numa folha ligada a esta em anexo (alongamento), ou, no caso de endosso em branco, no verso da letra (art. 12º da LULL), pela qual o tomador ou qualquer portador da mesma transmite a letra e todos os direitos dela emergentes a um terceiro (endossado) (12).
O endosso, desde que puro e simples, tem uma função translativa uma vez que tem o efeito de transmitir a propriedade do título e de todos os direitos dele emergentes para o endossado, incluindo os de apresentar a letra a aceite, cobrá-la no seu vencimento ou endossá-la, de novo, a terceiro – art. 14º da LULL.
O endosso legítima, assim, a posse do endossado, no sentido de que, sendo a legitimação do portador de uma letra aferida pela existência de uma série ininterrupta de endossos, aquele se presumirá como sendo o seu titular legitimo (efeito de legitimação) – art. 16º -, o que significa que “o endossado fica plenamente habilitado ao exercício dos direitos cambiários, exigindo o pagamento da letra ou transmitindo-o, não lhe podendo ser opostas quaisquer eventuais irregularidades das posses dos anteriores portadores, salvo em caso de má-fé ou culpa grave” (13).
Já o desconto bancário é o contrato pelo qual o banqueiro entrega ao seu cliente, uma determinada quantia, em troca de um crédito, ainda não vencido, sobre um terceiro (14), titulado por um título de crédito.
Sujeitos da relação contratual de desconto bancário são unicamente o banqueiro e o beneficiário do desconto, pelo que realizado o contrato e vencido o crédito descontado sem que o terceiro tenha pago, é sobre o beneficiário que impende a obrigação de restituição do capital mutuado ao banco.
No entanto, envolvendo o desconto bancário um título de crédito, nomeadamente, uma letra, a entrega e a subsequente detenção dessa letra pelo banco, faculta-lhe, nos termos dos arts. 47º e 48º da LULL, o direito de exigir o pagamento do direito cambiário incorporado nesse título dos sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas.
Como se escreve no Assento do STJ, n.º17/94, de 11/10/94, (15) “o desconto é, na sua complexidade, um contrato entre o sacador ou, menos frequentemente, um portador por endosso do título cambiário (…) e uma entidade bancária, através do qual aquele legitimo portador, entrega tal título ao banco, antes da data do respetivo vencimento, a troco do recebimento do respetivo valor. O banco adquire uma posição que beneficia de regras de um endosso não escrito, como beneficiário não determinado no título”. Através desse contrato o cliente cedeu ao banco um título (letra) que incorpora um direito cambiário sobre um terceiro. Esse terceiro não interveio nesse contrato de desconto, não assumindo, pois, qualquer obrigação para com o banco descontador, mas tendo aquele contrato de desconto envolvido a transmissão para o banco do título que incorpora o direito cambiário assumido pelo terceiro, esse terceiro é responsável perante o portador da letra pelo pagamento incorporado pelo título cambiário.
Acresce precisar que embora o direito cartular pressuponha uma relação jurídica prévia – a relação subjacente ou fundamental, que justifica a emissão do título -, os títulos de créditos, caracterizam-se por uma disciplina jurídica própria, destinada a promover a respetiva circulação e a tutelar os terceiros, portadores desses títulos, de boa-fé que, em consequência dessa circulação, venham a entrar na posse do título cambiário.
Deste modo, os títulos de crédito caracterizam-se pelo princípio da incorporação da obrigação no título, o que significa que o título (o documento) tem uma função constitutiva do direito cartular que incorpora, sendo o documento (o título) necessário para exercitar o direito literal e autónomo nele mencionado – o título representa o direito, sendo a titularidade do documento que decide a titularidade do direito nele mencionado; o documento é o principal, sendo o direito seu acessório.
Acresce que o direito incorporado no título é um direito literal, uma vez que o conteúdo e a extensão do direito cambiário é definido pelo texto do título.
Pelo princípio da literalidade, põe-se, assim, em relevo que a existência, validade e persistência da obrigação cambiária não podem ser contestadas com o auxílio de elementos estranhos ao título e que o conteúdo, extensão e modalidade da obrigação cartular são os que a declaração objetivamente define a revela (16).
Além do direito cambiário se reger pelos princípios da incorporação e da literalidade, trata-se ainda de um direito autónomo e abstrato, o que significa que o possuidor do título adquire o direito que o título incorpora e anuncia de um modo originário, isto é, independentemente da relação jurídica fundamental ou subjacente, em relação à qual é autónomo e independentemente, não lhe sendo, por isso, oponíveis os vícios que porventura existam e que emirjam da relação subjacente ou fundamental.
A causa ou relação fundamental ou subjacente é separada do negócio cambiário (abstração) e este é vinculante para os obrigados cambiários independentemente dos possíveis vícios da sua causa e, por isso, se tornem inoponíveis ao portador mediato e de boa-fé as exceções cambiais: falta, nulidade ou ilicitude da relação fundamental, exceptio inadimplenti contractus, etc., porque decorrem de uma convenção extra-cartular, exterior ao negócio cambiário (17).
No entanto, como é sabido, os princípios da incorporação, da literalidade, da autonomia e da abstração que vimos enunciando apenas são válidos nas denominadas relações mediatas, mas já não nas relações imediatas.
Com efeito, nas relações imediatas, isto é, naquelas em que o credor e o devedor do título são igualmente os sujeitos da relação subjacente (18), o título cambiário não chegou a entrar em circulação, pelo que não existem razões para se proteger a circulação do título, sequer eventuais terceiros de boa-fé que tenham entrado na posse do título por via das sucessivas transmissões daquele.
Nas relações imediatas, o título cambiário perde as suas características de literalidade, autonomia e abstração, pelo que qualquer das partes pode apelar às relações extra-cartulares que estiverem na origem do título cambiário e invocar contra o portador do título que contra ele pretenda exercer o direito cambiário, eventuais exceções resultantes da relação causal que tenha por sujeito aqueles sujeitos cartulares que concomitantemente o são da relação subjacente ou fundamental (19).
Pelo contrário, nas relações mediatas, isto é, naquelas em o título está na posse de pessoas estranhas às convenções extra-cartulares, existem interesses de terceiro em jogo, que importa tutelar, pelo que, nessas relações, prevalecem os enunciados princípios da autonomia, da abstração e da literalidade da relação cambiária, não podendo os obrigados cambiários invocar exceções fundadas nas extra-cartulares emergentes de relações causais estranhas ao portador do título, exceto se estes terceiros tiverem agido conscientemente em detrimento do devedor. É assim que o art. 17º da LULL estatui que “as pessoas acionadas em virtude de uma letra não podem opor as exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador, ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor”.
A propósito da última parte deste normativo, a jurisprudência tem seguido, queremos que pacificamente, o entendimento sufragado por Ferrer Correia, segundo o qual, confrontado o art. 17º com o art. 16º logo se alcança que o pressuposto necessário, segundo aquele preceito da oponibilidade da exceção não é a simples má-fé: conhecimento de vício anterior. Mais se exige, além do simples conhecimento, que o portador tenha agido, ao adquirir o título, com a consciência de estar a causar um prejuízo ao devedor, isto é, quando tenha conhecimento da existência e legitimidade das exceções que o devedor poderia opor ao seu endossante.
Nas relações mediatas, à oposição das exceções pelo obrigado cambiário fundadas nas relações extra-cartulares contra o portador legitimo do título, não basta, pois, o mero conhecimento, por parte do portador do título do facto que fundamenta a exceção à data em que o adquiriu, mas o portador deve ter sabido da existência e legitimidade desse meio de defesa e, também, que da transmissão da letra para aquele resultaria ficar o devedor privado desse meio de defesa contra aquele que transmitiu a letra para o seu atual portador. Se o portador acreditar justificadamente, dadas as circunstâncias do caso, que o devedor renunciara à exceção em face do seu endossado, então é certo que o conhecimento da mesma exceção não envolve aquela consciência de causar um prejuízo que segundo o art. 17º constitui elemento decisivo (20).
Revertendo ao caso em análise, nele o oponente veio arguir a falsidade da assinatura que se encontra aposta na letra dada à execução, no lugar destinado ao aceite, sustentando que apesar desta apresentar similitudes com a sua assinatura, apresenta ténues diferenças, quiçá decorrentes daquela assinatura não ter sido ali aposta pelo mesmo, pelo que ilide a autenticidade dessa assinatura.
Sendo a letra um documento particular, perante aquela defesa apresentada pelo oponente, arguindo a falsidade da assinatura que se encontra aposta na letra dada à execução, no lugar destinada à oposição do aceite, apesar do banco exequente lhe imputar a autoria dessa assinatura, nos termos do n.º 2 do art. 374º do CC., é sobre o banco exequente que impende o ónus da prova em como essa assinatura foi efetivamente feita pelo punho do executado e oponente António (21).
Acontece que conforme se vê dos factos apurados sob os pontos 1, 3, 5, 17 e 19, o banco exequente logrou fazer prova, conforme era seu ónus fazer, de que a assinatura que se encontra aposta na letra dada à execução, titulando a quantia de dez mil euros, com data de vencimento em 17/02/2013, no lugar destinado à aposição do aceite, foi efetivamente feita pelo punho do oponente e executado António, improcedendo, consequentemente, este fundamento de oposição e de recurso.
Sustenta o oponente que a letra dada à execução é reforma de uma outra letra, titulando a quantia de 12.000,00 euros, que, por sua vez, era já reforma de outras, com origem numa letra no valor de 15.000,00 euros, datada de 20/03/2012, vencida em 10/07/2012, letra esta que aquele aceitou a título de favor, a pedido de um seu amigo, Abílio, tendo, na altura desse aceite, a sacadora “MB”, emitido a declaração de fls. 9.
Mais alega que, aquando do vencimento dessa letra de 12.000,00 euros, em 12/11/2012, o oponente abordou esse seu amigo Abílio, dando-lhe conta que a existência de “aceite” seu no banco e naquele valor o estava a prejudicar, afirmando-lhe esse seu amigo que iria reformar a letra, pagando metade da mesma, na sequência do que assinou e entregou um cheque, no valor de 6.000,00 euros, no qual foi inscrito o nome da “MB, Lda.”, no local destinado ao beneficiário, e em cujo verso foi escrito: “reforma da letra de António de 12.000,00 euros, c/ venc. Em 12/11/2012”, cheque este que foi depositado em 20/11/2012, na conta da “MB”, pretendendo que igual menção – “Reforma da letra de António de 12.000,00 euros c/ venc. 12/11/2012” – foi consignado no talão de depósito desse cheque, e que, na altura, aceitou uma letra titulando 6.000,00 euros, respeitante à restante quantia de 12.000,00 euros titulado pela letra assim reformada, que permanecia em dívida, mas que em vez de imputar aquela quantia ao pagamento daquela letra de 12.000,00 euros, o banco exequente apenas imputou 2.000,00 euros ao pagamento da mesma, com o que o banco exequente terá violado grosseiramente o dever lateral de respeito pelos interesses de terceiros, quando disponibilizou numa conta valores que não estavam a ser afetos ao afim a que se destinavam e que constava do próprio titulo e de talão de depósito.
Conforme decorre da matéria que se quedou como provada sob os pontos 6 a 14, o oponente logrou fazer prova que a letra dada à execução funda-se em letra de câmbio, conforme consta da mesma, subscrita para reforma de outra, no valor de 12.000,00 euros, que se vencera em 12/11/2012, a qual era já reforma de outras, com origem numa letra no valor de 15.000,00 euros, datada de 20/03/2012 e vencida em 10/07/2012, a qual foi aceite pelo oponente a título de favor, a pedido de um seu amigo, Abílio, e que, atenta a natureza “de favor, a “MB” emitiu a declaração junta sob Doc. 2, com a petição de embargos.
O oponente também provou que, aquando do vencimento da letra de 12.000,00 euros, em 12/11/2012, o oponente abordou o seu amigo Abílio, dando-lhe conta de que a existência de “aceite” seu no banco e naquele valor o estava a prejudicar, pelo que esse seu amigo lhe disse que se iria reformar a letra, pagando metade.
O oponente logrou ainda provar que, nessa sequência, foi assinado pelo mesmo Abílio um cheque, no valor de 6.000,00 euros, junto como Doc. 3, com a petição de embargos, no qual foi inscrito o nome de “MB, Lda.” no local destinado ao beneficiário e em cujo verso foi escrito “Ref. da letra de 12.000,00 euros, c/venc. 12.11.2012 do aceitante António”, o qual foi depositado em 20/11/2012, na conta da “MB” do banco exequente, tendo também, nessa altura, o oponente assinado, no lugar do aceitante, uma letra.
O oponente não logrou fazer prova, conforme era seu ónus fazer (art. 342º, n.º 2 do CC), que no talão de depósito daquele cheque tivesse sido inscrita a menção “Reforma da letra de António de 12.000,00 euros c/ venc. 12/11/2012”, sequer que a letra que aceitou, titulasse a quantia de 6.000,00 euros.
A letra dada à execução titula a quantia de 10.000,00 euros, foi emitida em 12/11/2012, tem data de vencimento 17/02/2013, tem inscrita que se destina a “Ref. da letra de 12.000,00 euros, c/ venc. 12/11/2012” e, como acima ficou dito, foi aceite pelo oponente, que nela apôs a sua assinatura no lugar destinado ao aceite.
Essa letra, na relação entre portador (banco exequente) e aceitante (executado e oponente), situa-se indiscutivelmente no domínio das relações mediatas, pelo que entre eles vigoram, em pleno, os princípios da incorporação, da literalidade, da autonomia e da abstração, não sendo lícito, consequentemente, ao oponente deduzir em relação ao banco exequente as exceções que tenha, fundadas na relação subjacente ou fundamental que estabeleceu com a “MB”, ou seja, nas relações extra-cartulares, a não ser que alegue e prove que o banco exequente tinha conhecimento, na data em que descontou aquela letra à “MB” e, consequentemente, recebeu desta, por endosso, a letra dada à execução, a existência dessas exceções que o oponente podia opor à “MB” e que ao adquiri-la, por endosso, o banco exequente tinha consciência que privava o oponente dessas exceções que podia opor à “MB”.
Em relação à circunstância do oponente ter aceite a letra dada à execução e, bem assim as letras de reforma antecedentes, desde a letra inicial, que titulava a quantia de 15.000,00 euros, por mero favor, não podemos deixar de subscrever integralmente as considerações jurídicas explanadas na sentença recorrida.
Na verdade, como afirma Ferrer Correia, na letra de favor, embora não exista uma responsabilidade do favorecente para com o favorecido, tal não significa que a obrigação cambiária seja destituída de causa; a subscrição foi feita por uma causa: o próprio favor prestado pelo oponente à sacadora (a “MB”). Consequentemente, o favorecente (oponente) não pode opor ao portador (banco exequente), que não foi parte na convenção de favor, a exceção de favor (art. 17º da LULL), designadamente, que subscreveu a letra não pensando vir a pagá-la. Terá de o fazer porque a obrigação cambiária é abstrata, independentemente da causa que ficou fixada na convenção extra-cartular, e ao opor o aceite na letra, ainda que por favor, criou e assumiu uma obrigação cambiária que terá de cumprir (22).
Quem assina uma letra de favor aceita contrair, e contrai, uma obrigação cambiária, pelo que não pode opor o favor a terceiro, titular da letra, exceto caso este seja o favorecido.
Neste sentido, já no longínquo ano de 1996 se pronunciou o STJ (23), onde ponderou que “o facto de uma assinatura de favor não traduzir uma responsabilidade do favorecente para com o favorecido não implicará uma exceção invocável por aquele contra terceiro portador que não tenha tido qualquer tipo de intervenção no acordo de favorecimento, embora tenha conhecimento da situação existente. É legítimo, portanto, concluir-se que, ainda que terceiros conheçam a convenção extra-cambiária entre o firmante de favor e o favorecido, podem sempre exigir àquele o pagamento da letra, porque não devem ser considerados, só por esse motivo, possuidores de má-fé”.
Sustenta o apelante ter ficado acordado com o exequente Banco X a reforma da letra de 12.000,00 euros vencida, com amortização de 6.000,00 euros titulados pelo cheque de fls. 10 e a subscrição de nova letra de 6.000,00 euros, pretendendo que ao aceitar descontar à “MB” a letra dada à execução, titulando a quantia de dez mil euros, e consequentemente, ao aceitar receber, por endosso, dessa “MB” a referida letra, titulando a quantia de dez mil euros, o exequente violou aquele pretenso acordo.
Acontece que, como acima ficou dito, o oponente não alegou (e, consequentemente, não pode provar – art. 342º, n.º 1 do CC) a existência daquele pretenso acordo que invoca ter sido celebrado com o banco exequente, pelo que falece este invocado fundamento de recurso.
Finalmente, pretende o oponente que aquele cheque de fls.10, titulando a quantia de 6.000,00 euros, foi sacado por Abílio, para operar a reforma da letra de 12.000,00 euros, que aquele tinha aceite e que tinha data de vencimento de 17/02/2013, conforme menção inscrita, aposta no verso desse cheque, sustentando que só com a intervenção do banco exequente foi possível que aquela quantia de 6.000,00 euros, titulada por esse cheque, não fosse integralmente abatida nos 12.000,00 euros titulados pela letra, pretendendo que o exequente é co-responsável pelo facto da reforma da letra operada tivesse sido feita para o valor de 10.000,00 euros e não de 6.000,00 euros e de ter permitido a disponibilização na conta da “MB” da totalidade do valor inscrito no cheque, para fim específico diverso, pretendendo que ao reclamar agora daquele os 10.000,00 euros, quando não tomou as devidas cautelas para que se concretizasse tal reforma, permitindo, nomeadamente, que parte do valor entregue para amortização fosse penhorado e utilizado em seu proveito próprio para satisfazer encargos da “MB” para consigo, o banco exequente atua em abuso de direito, excedendo os limites impostos pela boa-fé e os bons costumes, mas antecipe-se, desde já, sem razão.
Com efeito, não podemos deixar de subscrever a posição do tribunal a quo, quando refere que “o nó górdio da questão está em saber se a entrega do supra referido cheque foi para operar a reforma da letra no valor de 12.000,00 euros e se o banco exequente, ao não o ter feito, imputando tão só para o seu pagamento 2.000,00 euros que sobraram depois de ter feita a imputação da quantia a outros pagamentos, não agiu corretamente e com a devida diligência”.
A este respeito, cumpre referir para além dos argumentos aduzidos pelo tribunal a quo, que o levaram a concluir pela improcedência da invocada defesa de exceção aduzida pelo oponente, deparamo-nos com um factor decisivo, que nos leva a concluir pela inexistência de qualquer violação por parte do banco exequente das obrigações que lhe eram impostas enquanto banqueiro para com o oponente, incluindo a inexistência de qualquer situação de abuso de direito.
Na verdade, o cheque de 6.000,00 euros, foi emitido em 19/11/2012 e, consequentemente, em data posterior à data de vencimento, em 12/11/2012, da letra aceite pelo oponente, titulando a quantia de 12.000,00 euros.
Apesar de no verso desse cheque constar a menção “Ref. da letra de 12.000,00 euros c/venc. 12.11.2012 do aceitante António”, o oponente não alegou e, consequentemente, não provou, conforme era seu ónus fazer, que na altura em que foi depositado esse cheque junto do banco exequente, tivessem sido dadas ordens expressas ao último para abater os seis mil euros titulados por esse cheque na quantia titulada pela referida letra de 12.000,00 euros, que já então se encontrava vencida, sequer provou que tal ordem tivesse ficado expressa no talão de depósito desse cheque.
Mais. O oponente aceitou a letra dada à execução, sacada pela “MB”, apondo nela a sua assinatura no lugar destinado ao aceite.
Esta letra titula a quantia de dez mil euros.
Neste contexto, é manifesto que mesmo que o oponente e/ou a “MB” tivessem dado ordens ao banco exequente para que fosse abatida à letra de 12.000,00 euros, os apontados 6.000,00 euros titulados pelo cheque (o que não se encontra, sequer alegado), perante um letra, como é o caso da letra dada à execução, em que se escreve que a mesma é “reforma da letra de 12.000,00 euros, com vencimento em 12/11/2012”, mas que titula 10.000,00 euros (e não os 6.000,00 euros, como era pressuposto que acontecesse caso os 6.000,00 euros fossem integralmente abatidos aos 12.000,00 euros da letra reformada), e verificando o banco exequente que o oponente aceitou esta letra sacada pela “MB” titulando a quantia de 10.000,00 euros, onde expressamente se consigna que esta letra se destina à reforma daquela outra letra já vencida, de 12.000,00 euros, a única conclusão que o banco exequente podia ter extraído deste situação, assim como qualquer homem médio que se deparasse com semelhante situação, é que não obstante aquela anterior ordem para que descontasse integralmente os 6.000,00 euros titulados pelo cheque no valor da letra de 12.000,00 euros (reafirma-se, ordem esta indemonstrada), “MB” e oponente (aceitante) acabaram entre eles por acordar algo diverso, e que, consequentemente, desses 6.000,00 euros titulados pelo cheque, apenas seria para abater 2.000,00 euros no valor da letra de 12.000,00 euros, destinando-se os restantes 4.000,00 euros a abater nas demais obrigações da “MB”, posto que, de contrário, certamente que o oponente não teria aceite a letra dada à execução, sacada pela “MB”, titulando a quantia de dez mil euros.
Pretender o contrário, quando se aceitou a letra dada à execução, a qual titula a quantia de dez mil euros, é que configuraria manifesto abuso de direito por parte do oponente.
Resulta do que se vem dizendo, improcederem todos os fundamentos de recurso invocados pelo oponente, impondo-se a confirmação da sentença recorrida.
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Decisão:
Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação totalmente improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas pelo apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
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Guimarães, 18 de dezembro de 2017
(Dr. José Alberto Moreira Dias)
(Dr. António José Saúde Barroca Penha)
(Dra. Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha)
1. Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI. 2. Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1, in base de dados da DGSI. 3. António Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 4ª ed., 2017, pág. 153. 4. ob. cit., pág. 155. 5. Abrantes Geraldes, in ob. cit., pág. 159. No mesmo sentido vide Acs. S.T.J. de 18/11/2008, Proc. 08A3406; 15/09/2011, Proc. 1079/07.0TVPRT.P.S1; 04/03/2015, Proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2; 01/10/2015, Proc. 824/11.3TTLSB. L1. S1; 26/11/2015, Proc. 291/12.4TTLRA.C1; 03/03/2016, Proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1; 11/02/2016; Proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1, todos in base de dados da DGSI. 6. Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609. 7. Abrantes Geraldes, in ob. cit., págs. 160 e segs. 8. Ac. STJ. 29/10/2015, Proc. n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, in base de dados. 9. Base da dados da DGSI, pronunciando o Ac. STJ, de 29/10/2015, Proc. 233/09.4TBVNG.G1.S1, 10. Ferrer Correia, in “Lições de Direito Comercial”, págs. 421. No mesmo sentido Pinto Furtado, in “Títulos de Crédito”, Almedina, págs. 107, onde define a letra como “o escrito datado e assinado, que leva a denominação de “letra”, através do qual uma pessoa ordena incondicionalmente a outra que pague, em dado momento, a si ou à sua ordem, determinada quantia”, acrescentando a fls. 109, que “a letra não é, porém, um simples escrito vulgar: é um título de crédito, na mais estrita e genuína aceção da palavra, podendo mesmo ser apontado como o seu arquétipo, porque constitui o mais evoluído e completo dos títulos de crédito, extremamente adequado à circulação, que fazendo-se por endosso, pois é, naturalmente, um título à ordem, vai inscrevendo no seu texto os nomes de sucessivos transmissários a transmitentes”. 11. Pinto Furtado, ob. cit., pág. 162. 12. Engrácia Antunes, “Os Títulos de Crédito – Uma Introdução”, Coimbra Editora, 2ª ed., 2012, pág. 71. 13. Engrácia Antunes, ob. cit., pág. 84. 14. Menezes Cordeiro, “Manuel de Direito Bancário”, Almedina, 1999, pág. 543. 15. DR. I Série de 03/12/1994. 16. Ferrer Correia, “Lições de Direito Comercial, Letra de Câmbio”, vol. III, pág. 40. 17. Ferrer Correia, ob. cit., págs. 47, 48 e 65. 18. Pinto Furtado, ob cit., pág. 191. 19. Ac. STJ. de 13/04/2011, Proc. 2093/04.2TBSTB-A.L1.S1; RL de 12/01/2012, Proc. 8318/05.0TBCSC-A.L1.6, sendo que já no Assento do STJ. de 27/11/1964, DR, Iª Série, de 19/12/1964, já se fixara jurisprudência no sentido de que “no domínio das relações imediatas, pode-se discutir se as obrigações cambiárias, como a resultante do aval, teria ou não natureza comercial”. 20. Ferrer Correia, “Direito Comercial”, vol. III, págs. 72 e 73. 21. Ac. STJ. de 07/10/2003, Proc. 04B660; RL de 29/06/2004, Proc. 2205/2003-7; RG. de 10/11/2016, Proc. 37/12.7TBVVD.A.G1; de 10/09/2013, Proc. 2969/12.3TBBRG-A.G1, todos in base de dados da DGSI. 22. Ferrer Correia, ob. cit. pág. 50 e 51. 23. Ac. STJ. 28/05/1996, BMJ, 457º, pág. 393.