DELIBERAÇÃO SOCIAL
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
ALTERAÇÃO
LEGITIMIDADE ACTIVA
NULIDADE
PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
ASSEMBLEIA GERAL
CONVOCATÓRIA
FALTA
EFEITOS
Sumário

I - Segundo o artigo 273 n.6 do Código de Processo Civil, é permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, desde que tal não implique a convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
II - As deliberações sociais contidas na acta de 11 de Junho de 2001 - sobre o relatório de gestão e contas do exercício de 2000; aplicação do resultado líquido do exercício do mesmo ano; apreciação geral da administração da sociedade - nada têm a ver com as tomadas na assembleia geral posterior, de 12 de Julho de 2001, cuja acta acolhe deliberações tais como: redução do capital social da Ré; supressão do direito de preferência da accionista X; aumento do capital social da Ré; alteração de vários artigos do pacto social; alteração de membros dos órgãos sociais...
III - Portanto trata-se de relações jurídicas distintas pelo que não é de admitir a pretendida modificação simultânea da causa de pedir e do pedido.
IV - Qualquer interessado, mesmo estranho à sociedade - o que nem é o caso do autor, que é titular de uma participação na sociedade dominante da Ré - pode instaurar acção de anulação de deliberações sociais, justificando para tanto o seu interesse traduzido na utilidade que para si deriva da procedência do pedido.
V - Se as deliberações sociais estão feridas de nulidade é esta invocável, nos termos do artigo 286 do Código Civil, a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.
VI - Tratando-se de uma assembleia não convocada e dado que a única accionista não estava regularmente representada - em reunião do conselho de gerência foram nomeados dois gerentes para representar a sociedade - a deliberação tomada é nula.
VII - O artigo 376 n.1 do Código das Sociedades Comerciais, respeitante à assembleia geral anual, dispõe que os accionistas reúnem em assembleia geral para deliberar sobre o relatório de gestão e as contas do exercício, quando a assembleia seja o órgão competente para o efeito (alínea a)), sobre a proposta de aplicação de resultados (alínea b)), e proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade (alínea c)). Para tanto deve o conselho de administração pedir a convocação da referida assembleia geral (n.2).
VIII - Faltando o pedido de convocação por parte do conselho de administração e sendo o objecto da assembleia constituído por matérias de gestão ou pelas matérias contidas no artigo 376 n.1 do Código das Sociedades Comerciais como sucedeu no caso, o conteúdo das deliberações tomadas a esse propósito deixa de estar, pela sua natureza, sujeito a deliberação dos sócios, integrando o vício previsto no artigo 56 alínea c) do Código das Sociedades Comerciais - nulidade.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I - Artur..., intentou na comarca de Castelo de Paiva a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra “Auto Viação..., S.A.”, com sede em..., Castelo de Paiva, pedindo:
- que sejam declaradas nulas as deliberações sociais tomadas na Assembleia da R., referentes à aprovação dos documentos de prestação de contas relativos ao exercício do ano civil de 2000, contidas na acta com data de 11.06.01.
Alega em síntese que:
a R. é uma sociedade anónima, cujo capital é detido por uma única accionista, a sociedade “As...– Transportes Rodoviários..., L.da.”;
o capital social desta última, no valor de 100.000.000$00 está distribuído por 22 sócios, um dos quais é o A., que detém duas quotas, no valor global de 19.447.500$00;
no dia 11.06.2001, teve lugar uma assembleia de sócios da R., que não foi precedida da necessária convocatória, onde estiveram presentes dois sócios-gerentes da “As....”, em representação dessa sociedade, sem que lhes tivessem sido concedidos poderes para o efeito;
acresce que os assuntos constantes da ordem de trabalhos referida nessa acta não podiam ter sido decididos numa assembleia universal;
o balanço e contas referentes ao exercício de 2000, aprovados na referida assembleia geral não merecem qualquer credibilidade, por não revelarem a verdadeira situação patrimonial da R. em 31.12.00, antes se inserem num objectivo ofensivo dos bons costumes, já que os administradores da R. que intervieram naquela assembleia pretendem propor a redução do seu capital social, com o pretexto de que todas as sociedades dominadas pela “As...” se encontram numa situação de falência técnica, para depois apresentarem um balanço da sociedade dominante com uma situação líquida negativa; tudo com a finalidade de posteriormente, proporem novo aumento do capital social da R, pois que dois dos administradores da R. celebraram em Fevereiro de 2000 um contrato promessa de cessão de quotas da sociedade dominante a favor dum terceiro, em condições que visam dificultar ou mesmo impedir o exercício do direito de preferência dos demais sócios da “As...” nessa aquisição, direito que lhes assiste nos termos do respectivo pacto social.
A R. contestou, excepcionando a ilegitimidade do A e a caducidade do direito de propor a presente acção, impugnando a factualidade por este aduzida na petição. Alega ainda que é verdadeira a acta donde constam as deliberações ora em crise, quer quanto às assinaturas, quer quanto à vontade da accionista, quer quanto às deliberações tomadas, e que as contas aprovadas reflectem a realidade da empresa. Mais alega que os vícios apontados pelo A. não podem conduzir ao efeito jurídico por si pretendido. Alega também que a accionista da R., sendo a única, estava regularmente representada sem necessidade de poderes especiais, tanto mais que à data, o conselho de gerência da “As...” e o conselho de administração da R. eram compostos pelas mesmas pessoas.
O A. apresentou réplica, na qual ampliou o pedido e a causa de pedir formulado nos presentes autos, pois que além da declaração de nulidade das deliberações sociais tomadas na assembleia da R., contidas na acta com a data de 11.06.01, de acordo com o pedido formulado na p.i., pretende também, agora, que seja declarada a nulidade das deliberações sociais tomadas pela R., constantes da acta n.º 16, datada de 12.07.2001, ou subsidiariamente, que sejam anuladas tais deliberações.
Tal ampliação não foi admitida pelos Sr. Juiz a quo.
Inconformado, veio o Autor agravar de tal despacho, apresentando alegações e respectivas conclusões.
Nas contra-alegações a Ré pugna pela confirmação do decidido.
O Sr. Juiz sustentou o seu despacho.
A Ré apresentou tréplica.
Seguindo os autos seus termos, decidiu-se pela legitimidade do autor, e proferiu-se saneador-sentença no qual se decidiu:
- julgar improcedente a excepção de caducidade do direito de acção;
- julgar a presente acção procedente, e em consequência,
- declarar nulas as deliberações tomadas na assembleia da R., contidas na acta com data de 11.06.01, referentes à aprovação dos documentos de prestação de contas relativos ao exercício do ano civil de 2000.
Inconformada a Ré veio apelar, apresentando alegações e respectivas conclusões.
Contra-alegando o apelado defende a manutenção da sentença proferida.
Corridos os vistos cumpre decidir.
II – Factos apurados, por acordo das partes, ou através dos documentos juntos aos autos:
1. A R. “Auto Viação..., S.A.” é uma sociedade anónima, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Castelo de Paiva, sob o n.º ..., com o capital social de 50.000.000$00, cujo objecto é o exercício da indústria de transportes;
2. Esse capital é integralmente detido por uma única accionista, a sociedade comercial por quotas “As... – Transportes Rodoviários..., L.da.”, cujo objecto social é a aquisição e gestão de empresas e projectos a elas pertencentes, prestação de serviços e exploração da indústria de transportes de passageiros e cargas, turismo e agências de turismo.
3. Esta sociedade está matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Baião sob o n.º ..., e tem um capital social de 100.000.000$00, distribuído por 22 sócios;
4. O A. possui duas quotas no capital social da “As...”, sendo uma no valor de 14.062.500$00 e outra no valor de 5.385.000$00, correspondentes a 19,447% do capital;
5. Em 11.06.01, a R. dispunha de um Conselho de Administração, composto por 5 membros, um dos quais era o A., e de um Conselho Fiscal, composto por 3 membros;
6. Na mesma data, a gerência da “As...” era exercida por 7 elementos, um dos quais era o A., que era titular de um direito especial à gerência;
7. No dia 11.06.01, entre as 09h e 30m e as 12h e 25m, o A., na qualidade de administrador da R. e de gerente da “As...”, participou numa reunião do Conselho de Gerência desta última, durante a qual foi analisado o relatório de gestão e demais documentos de prestação de contas, não só da R., como de outras sociedades participadas pela “As...”;
8. Dessa reunião, foi lavrada uma acta, donde consta o seguinte:
“ O Sr. Artur... vota contra a nomeação de qualquer gerente para representar esta empresa na Assembleia Geral de Aprovação de Contas das empresas (...) Auto Viação..., pelas razões invocadas no texto que se anexa.
O Sr. Pinto... disse que vota no Sr. António Esteves para o efeito e que se propõe a ele próprio.
O Sr. Mário... e o Sr. Armando.... subscrevem igual votação;
Ficam assim nomeados, por maioria, o Sr. António Esteves e o Sr. Pinto.... para representar esta empresa para o efeito mencionado no ponto 1.”
9. Do livro de actas da R., consta uma acta com o seguinte teor:
“Acta n.º 15
Aos onze dias do mês de Junho do ano de dois mil e um, pelas quinze horas (...) reuniu a Assembleia Geral Ordinária da Sociedade Anónima Auto Viação..., S.A., (...), encontrando-se presente a única accionista As...- Transporte Rodoviários..., L.da., aqui representada pelos seus gerentes Sr. António Esteves e o Sr. Pinto..., nomeados para o efeito conforme a acta do Conselho de Gerência de 11.06.2001, a mesma manifestou expressamente a vontade de, sem observância das formalidades legais prévias, ao abrigo do preceituado nos artigos cinquenta e quatro, número um, in fine, e dois, e trezentos e setenta e três, número um, ambos do Código das Sociedades Comerciais, constituir a Assembleia Geral Anual e deliberar sobre a seguinte ordem de trabalhos:
Ponto Primeiro: Deliberar sobre o Relatório de Gestão e as Contas do Exercício de 2000;
Ponto Segundo: Deliberar sobre a proposta de aplicação do Resultado Líquido do Exercício de 2000;
Ponto Terceiro: Proceder à apreciação geral da Administração e Fiscalização da Sociedade.(...).
A Presidente, verificando os factos anteriormente descritos – presença da única accionista da Sociedade e vontade, efectivamente manifestada de constituir a Assembleia Geral Anual e deliberar sobre os mencionados pontos – declarou-a constituída e, na imediata sequência, aberta a sessão.
Presentes ainda os membros do órgão de Fiscalização da Sociedade.
De seguida, a Presidente submeteu imediatamente à apreciação e discussão, no quadro do primeiro ponto da ordem de trabalhos (...).
A Presidente,(...), pôs à votação o Relatório de Gestão e as Contas do Exercício de 2000, o qual votado, foi aprovado por unanimidade.
Passando-se ao segundo ponto da ordem de trabalhos, ou seja, deliberar sobre a proposta de aplicação do Resultado Líquido do Exercício de 2000.
Também por unanimidade foi aprovada a proposta feita pelo Conselho de Administração no Relatório de Gestão, como segue: Resultados Transitados: 18.518.342$00.
Relativamente ao terceiro ponto da ordem de trabalhos, ou seja, proceder à apreciação geral da Administração e Fiscalização da Sociedade, por unanimidade foi aprovado um voto de louvor a estes dois órgãos sociais.
Nada mais havendo a tratar a Presidente (...), declarando pelas quinze horas e vinte e cinco minutos encerrada a reunião.
Para constar se lavrou a presente acta que, depois de lida pelos membros da mesa, (...) vai ser por eles assinada, bem como pelos representantes da accionista única.(...)”;
10. A assembleia realizada no dia 11.06.2001 não foi precedida de qualquer convocatória;
11. O conselho de administração da R. não solicitou a convocação da referida assembleia.
III – Mérito dos recursos:
Como é sabido, as conclusões delimitam em regra as conclusões das alegações – cfr. arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do Código do Processo Civil (CPC).
Deve dizer-se, por outro lado, que o tribunal de recurso tem de conhecer as questões relevantes que lhe são colocadas, não tendo de conhecer as razões ou fundamentos em que as partes ancoram as suas pretensões.
A – Quanto ao agravo do Autor:
São as seguintes as conclusões das alegações do Autor:
1ª- Padecendo de nulidade as deliberações sociais de 11.07.2001, devem igualmente ser declaradas nulas todas as deliberações sociais daquela dependentes e com aquela conexas, designadamente as de alteração do pacto social, de redução do capital seguida de aumento e de supressão do direito de preferência da única sócia da Ré.
2ª- A ampliação da causa de pedir e do pedido com fundamento em factos supervenientes e conexos e dependentes das deliberações de 11.06.2001 declaradas nulas, devem consequentemente ser declaradas inválidas.
Conclui pedindo que seja reparado o presente agravo e, em consequência, modificada a decisão proferida, e ora em apreço, declarando-se nulas e inválidas as deliberações sociais subsequentes às tomadas na assembleia realizada no dia 11.06.2001 e daquelas dependentes.
Comecemos, pois, por este recurso, agravo, nos termos do art. 710º, 1 do (Código do Processo Civil) CPC.
Como se viu, este recurso decorre de não se ter aceite a ampliação na réplica do pedido e da causa de pedir, por forma a que além da declaração de nulidade das deliberações sociais tomadas na assembleia da R., contidas na acta com a data de 11.06.01, de acordo com o pedido formulado na p.i., se pretendia que fosse declarada a nulidade das deliberações sociais tomadas pela R., constantes da acta n.º 16, datada de 12.07.2001, ou subsidiariamente, que sejam anuladas tais deliberações.
O Sr Juiz fundamentou a sua decisão, no essencial, como segue:
Nos termos do disposto no art.º 467, n.º 1, al. d) do C.P.C. , na petição com que propõe a acção, deve o autor expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção, e formular o pedido. A petição inicial há-de assim traduzir um facto jurídico concreto (causa de pedir) e tirar dele, como conclusão, um efeito de direito que o autor impetra lhe seja reconhecido (pedido) – Rodrigues Bastos, in C.P.C. Anot., I Vol., Pág. 253.
Ora, uma vez citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, pedido e causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei: é o que se extrai do princípio da estabilidade da instância, consignado no art.º 268º do C.P.C..
Nos termos do art.º 272º do C.P.C., “havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1ª ou em 2ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito”.
No caso concreto, não existindo acordo entre as partes, a pretendida modificação da instância há-de obedecer às condições previstas no art.º 273º do C.P.C..
Assim, sem prejuízo do regime da alegação de factos supervenientes, apenas na réplica será admissível a alteração ou ampliação da causa de pedir, a não ser que a modificação seja consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor (n.º 1).
Idêntico regime está previsto para a alteração ou ampliação do pedido, que apenas terá lugar no mesmo articulado. O autor poderá, além disso, em qualquer altura, reduzir o pedido, ou ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo (n.º 2).
Ademais, será ainda admitida a modificação simultânea da causa de pedir e do pedido, desde que tal alteração não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida (n.º 6).
E continua:
Como vimos, na petição inicial, o autor pede unicamente que sejam declaradas nulas as deliberações sociais da R., constantes da acta datada de 11.06.01. Para tanto, invoca uma série de vícios que, no seu entender afectam a validade das deliberações tomadas, sendo essa a causa de pedir onde sustenta a sua pretensão.
Já na réplica, o autor modifica simultaneamente o pedido e a causa de pedir. Além do pedido inicialmente formulado, que mantém, pretende agora que se sejam declaradas nulas ou, subsidiariamente, anuladas as deliberações sociais da R. constantes da acta de 12.07.01, invocando para o efeito outros vícios que invalidam tais deliberações.
(...).
Na verdade, a modificação operada pelo autor não constitui, como refere, uma mera ampliação da causa de pedir e do pedido, consubstanciando antes uma alteração objectiva simultânea, que nos remete para uma relação jurídica em tudo distinta da descrita na petição inicial. Desta, apenas se mantêm idênticas as partes.
(...)
O que, à face da lei, se nos afigura inadmissível é que o autor, invocando factos distintos dos que constam da petição inicial, queira agora impugnar a validade de deliberações, também elas distintas, que inevitavelmente implicam a convolação da relação jurídica para uma outra, diversa da controvertida.
E citando Lebre de Freitas, in C.P.C. anot., I Vol. Pág. 487, refere que o n.º 6 do art.º 273º do C.C. carece de ser interpretado no sentido de permitir a modificação simultânea, não só quando alguns dos factos que integram a nova causa de pedir coincidem com factos que integram a causa de pedir originária, mas também quando, pelo menos, o novo pedido se reporta a uma relação material, dependente ou sucedânea da primeira.
Ora, a relação jurídica invocada em sede de réplica, não tem qualquer conexão com a primeira, que não seja a da identidade dos sujeitos, e o facto de um dos vícios que afecta a validade das deliberações ser, em abstracto, comum a ambas as assembleias – a sua falta de convocação.
(...).
Sufragamos a decisão do Sr juiz a quo.
De facto, o artigo 273º, nº 6 do CPC, parte aqui relevante, estatui que “é permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, desde que tal não implique a convolação para relação jurídica diversa da contravertida.”
Ora, no caso concreto, as deliberações contidas na acta de 11/06/01, junta a fls. 34, já acima aludidas - deliberação sobre o relatório de gestão e as contas do exercício de 2000; deliberação sobre aplicação do resultado líquido do exercício de 2000; proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade -, não se conjugam em termos relevantes para a pretendida admissão e ampliação do pedido, porquanto se trata de relações jurídicas diferentes da controvertida (ou seja das constantes da acta de fls. 34).
Basta para chegar a essa conclusão, que a acta nº 16 de 12/07/01 de fls 116, acolhe deliberações tais como:
- Redução do capital social da Ré;
- Supressão do direito de preferência da accionista As...;
- Aumento do capital social da Ré;
- Alterar vários artigos do pacto social;
- Alteração de membros dos órgãos sociais, etc.
Pelo exposto entendemos que não é viável legalmente abarcar na mesma acção, em sede do aludido nº 6 do art. 273º do CPC, as questões diversas acolhidas nas aludidas actas porquanto se trata de relações jurídicas distintas, sem que se revelem dependentes ou sucedâneas das primeiras (v. acta de fls. 34, versus acta de fls. 116).
Não é, pois, de admitir, a pretendida modificação simultânea da causa de pedir e do pedido.
Improcede, pois, o recurso de agravo.
B – Quanto à apelação da Ré:
São as seguintes as respectivas conclusões:
1) o recorrido é parte ilegítima para instaurar este processo, mas, mesmo que tivesse legitimidade, à data da instauração da acção, já tinha ocorrido a caducidade para a instauração do processo;
2) O A recorrido não é sócio da recorrente, nem tem qualquer interferência directa ou indirecta com a realização de assembleias gerais da recorrente nem com as deliberações sociais tomadas em assembleia geral da recorrente.
3) O artigo 56º do Código das Sociedades Comerciais indica os casos em que são nulas as deliberações dos sócios e nenhum dos casos apontados integra os elementos que o A recorrido verte do seu articulado inicial.
4) A aprovação de contas está sujeita a deliberação dos sócios e as contas apresentadas nesta assembleia geral da Ré, foram aprovadas por unanimidade;
5) O conteúdo das deliberações tomadas, não é ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais;
6) As deliberações tomadas na assembleia geral da Ré de 11-06-2001 não são nulas nem são anuláveis, pois as deliberações tomadas não violam disposições da lei nem do contrato de sociedade, não são apropriadas para satisfazer o propósito ou vantagens de um dos sócios para si ou para terceiros em prejuízo dos outros sócios, pois a sociedade tem um único sócio e foram precedidas do fornecimento ao sócio dos elementos mínimos de informação pois o único sócio da sociedade ao aprovar por unanimidade as deliberações, teve que o fazer por estar e sentir-se informado.
7) O Sr. Juiz a quo na sentença que proferiu violou o disposto nos artigos 54º, 373º do CSC e 26º do CPC
Conclui pedindo que seja revogada a sentença proferida e substituída por outra que julgue a acção improcedente com as consequências legais.
Temos, assim, que as questões aqui a conhecer são as seguintes, e a tratar por esta ordem:
- Ilegitimidade do Autor;
- Caducidade da acção;
- Validade das deliberações aqui em apreço.
Na apreciação de tais questões seguiremos de perto, no essencial, as posições assumidas pelo Sr. Juiz a quo, quanto às questões em causa, por com elas concordarmos, acrescentando-lhes alguns contributos, designadamente, de ordem doutrinária.
Vejamos:
- Quanto à invocada ilegitimidade do Autor :
O Sr. Juiz decidiu bem, como passa a referir-se, seguindo de perto a sua exposição.
Nos termos do disposto no art.º 57º, n.º 1, do C.S. Comerciais, o órgão de fiscalização da sociedade deve dar a conhecer aos sócios, em assembleia geral, a nulidade de qualquer deliberação anterior, a fim deles a renovarem, sendo possível, ou de promoverem, querendo, a competente declaração judicial de nulidade.
Caso os sócios não renovem a deliberação ou a sociedade não seja citada para a referida acção no prazo de dois meses, deve o órgão de fiscalização promover a declaração judicial de nulidade da referida deliberação (n.º 2).
O preceito em análise confere, por isso, legitimidade processual para a referida acção a qualquer dos sócios, ou ao órgão de fiscalização, subsidiariamente.
É efectivamente verdade que a R. dispõe de um órgão de fiscalização, circunstância que na sua opinião, seria suficiente para atribuir a competência (legitimidade) para instaurar a acção de declaração nulidade de deliberações sociais, apenas aos sócios ou ao conselho fiscal.
Esse não é o melhor entendimento que resulta da lei.
É que, como refere Pinto Furtado, in Deliberações dos Sócios, Pág. 357, a propósito do indicado preceito, “O código reportou-se unicamente ao âmbito social, mas para além deste, é aplicável ainda, sem dúvida alguma, o direito comum – e assim temos que, em face do disposto no art.º 286 do C.C. para o negócio jurídico, a nulidade da deliberação é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente para o Tribunal.
Estes aspectos do regime legal da nulidade não foram reproduzidos para as deliberações dos sócios, mas evidentemente, não podem considerar-se afastados pelas particularidades de regime levadas ao C.S. Comerciais.”.
Assim, qualquer interessado, mesmo estranho à sociedade – o que de todo não é o caso do A., que é titular de uma participação na sociedade dominante da R., correspondente a 19,447 % do seu capital social –, poderia instaurar a referida acção, justificando para tanto o seu interesse, como fez, traduzido na utilidade que para si deriva da procedência do pleito ( art.º 26º, n.º 2 ).
Em reforço de tal decisão, haja em vista o estudo de Carlos Olavo in CJ, 1998, T 3, pág. 21 e segs., maxime 27, e Direito Comercial de Pupo Correia, 7ª ed., 596 e Brito Correia, Direito Comercial, Deliberação dos Sócios, 1997, pág. 273.
Improcede, assim esta questão.
- Quanto à caducidade do direito de acção:
Alegou a Ré que o prazo de 30 dias para instaurar a acção de anulação, fixado no art.º 59, n.º 2 do C. S. Comerciais, havia já decorrido quando o A. propôs a presente acção, no que se refere às deliberações contidas na acta de 11.06.01.
Como abaixo se verá, entende-se haver um vício consistente na nulidade das deliberações sociais da Ré, contidas na aludida acta.
Nesta perspectiva e nos termos do disposto no art.º 286º do C.C., “A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.”.
Na falta de disposição especial que estabeleça outro regime para a invocação da nulidade das deliberações sociais, tem-se por aplicável esta disposição à acção onde seja pedida a declaração de nulidade de deliberações sociais. Neste sentido, Pinto Furtado, op. cit., pág. 286: em qualquer tempo, e sem jamais haver prescrição ou prazo de caducidade para o efeito, será admissível a propositura de uma acção de declaração de nulidade, por quem para tal esteja legitimado pelo prejuízo que a deliberação lhe cause (citação feita pelo Sr. Juiz).
Também, no mesmo sentido, Direito Comercial de Pupo Correia, 7ª ed., 596, loc. citado, e Brito Correia, loc. e obra citada.
Improcede, assim esta questão.
- Quanto à invocada validade das deliberações tomadas na assembleia do dia 11.06.01
Preceitua o art.º 56º, n.º 1, do C.S.C., na parte aqui com interesse, que são nulas as deliberações dos sócios tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados al. a); cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios al. c); cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios (al. d).
Por regra, a reunião de uma assembleia geral é, naturalmente, precedida da convocação dos que a ela devam comparecer. Daí que as deliberações tomadas numa assembleia não convocada sejam, também por princípio, nulas. A excepção tem em vista as chamadas assembleias universais, previstas no art.º 54º, n.º 1 do C.S.C., onde se lê que em qualquer tipo de sociedade, podem os sócios reunir-se em assembleia geral, sem observância de formalidades prévias, desde que todos os sócios estejam presentes e todos manifestem a vontade de que a assembleia se constitua e delibere sobre determinado assunto.
Já no n.º 3 do mesmo preceito se pode ler que o representante de um sócio só pode votar em deliberações tomadas nos termos do n.º 1 se para o efeito estiver expressamente autorizado.
A Ré defende a validade das deliberações em causa baseando-se no n.º 1 do art.º 54º, considerando que a única accionista da R. (As...) estava presente na assembleia de 11.06.01.
Assenta tal tese numa acta da reunião do seu conselho de gerência, na qual teriam sido nomeados, a fim de representar a sociedade “para o efeito mencionado no ponto 1” os gerentes António Esteves e Pinto Lopes.
Porém (aparte a bondade de tal instrumento, posto em causa pelo A), não se pode retirar dele que tal accionista “manifestou a vontade” de, sem observância das formalidades prévias, ao abrigo dos art.os 54º, n.º 1, in fine e 373º, n.º 1 do C.S.C., , constituir a Assembleia Geral Anual e deliberar sobre determinados pontos.
É que, como bem refere o Sr. Juiz, uma coisa é nomear dois gerentes da accionista da R. para que a representem numa assembleia geral de aprovação de contas; coisa bem diferente é que esses poderes de representação sejam exercidos numa assembleia universal, não sendo legítima a interpretação de que os dois gerentes nomeados pudessem, por si só, munidos de um instrumento de representação como aquele que é invocado, manifestar a vontade de dispensar formalidades prévias em ordem à realização de uma assembleia não convocada.
Ora o n.º 3 do art.º 54º preceitua que o representante de um sócio só votar em deliberações tomadas nos termos do nº 1 se para o efeito estiver expressamente autorizado, o que aqui não ocorre.
Assim tratando-se de uma assembleia não convocada, a única accionista (As...) não estava regularmente representada.
Tal nulidade decorrente da falta de convocação da assembleia poderia ser suprida, por renovação da deliberação, com efeitos retroactivos, o que não foi feito – cfr. art.62º, 1 do CSC – cfr. Direito das Sociedades de Oliveira Ascensão, vol. IV, 298 e segs., e Pupo Correia, loc. citado pág. 596, e Brito Correia, 274, bem como Ac. do STJ de 14/1/94, BMJ, 442, 144.
Acresce que a assembleia deliberou sobre o relatório de gestão e as contas do exercício de 2000, sobre a proposta de aplicação do resultado líquido do exercício de 2000, e sobre a apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade.
Os accionistas deliberam sobre as matérias que lhes são expressamente atribuídas pela lei ou por contrato e sobre as que não estejam compreendidas nas atribuições de outros órgãos da sociedade; sobre matérias de gestão da sociedade, só poderão deliberar a pedido do órgão de administração (cfr. art.º 373º, n.º 2 e 3 do C.S.C.), sob pena de violação do preceito imperativo do art.º 406º do C.S.C (v. STJ, ac. de 11/01/01, CJ, I, 63), por violação do princípio da especialidade – cfr. Pupo Correia, loc. citado, pág. 595.
É que são cometidos ao conselho de administração, entre outros assuntos de administração da sociedade, as deliberações sobre relatórios e contas anuais.
Dispõe o art.º 376º, n.º 1 do C.S.C., respeitante à assembleia geral anual, que os accionistas reúnem em assembleia geral para deliberar sobre o relatório de gestão e as contas do exercício, quando a assembleia seja o órgão competente para o efeito (al. a), sobre a proposta de aplicação de resultados (al. b), e proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade (al. c). Para tanto, deve o conselho de administração pedir a convocação da referida assembleia geral (n.º2).
Ora no caso concreto faltando o pedido de convocação por parte do conselho de administração, e sendo o objecto da assembleia constituído por matérias de gestão, ou pelas matérias contidas no art.º 376º, n.º 1 do C.S.C., como foi o caso, o conteúdo das deliberações tomadas a esse propósito deixa de estar, pela sua natureza, sujeito a deliberação dos sócios, assim integrando o vício previsto no art.º 56º, al. c) do C.S.C. (propendendo também para a solução da nulidade, prevista embora na al. d) do mesmo preceito, Pinto Furtado, op. cit., pág. 319).
Improcedem, por conseguinte, as conclusões das alegações e este recurso.
IV - Decisão:
Nega-se provimento ao agravo;
Confirma-se a sentença recorrida.
Custas do agravo pelo A. agravante, e da apelação pela Ré apelante.
Porto, 10 de Outubro de 2002.
José Viriato Rodrigues Bernardo
João Luís Marques Bernardo
António José Pires Condesso