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PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
INTERESSE EM AGIR
Sumário
I - O interesse em agir, que consiste na necessidade de recorrer à tutela do tribunal para satisfação de um direito, constitui um pressuposto processual, cuja falta determina a absolvição do réu da instância. II - Há falta desse interesse, na acção em que se pede a declaração de inexistência ou a anulação de deliberação de sociedade comercial, se o autor vendeu as acções que detinha nessa sociedade.
Texto Integral
Acordam na Secção Cível da Relação do Porto:
José....., advogado, residente na Rua....., ....., e Joaquim..... e mulher, Maria....., residentes na Avenida.........., ....., ....., na presente acção declarativa com processo ordinário proposta contra J....., SA, com sede na Rua Dr......, ....., pedem a declaração de inexistência jurídica ou, subsidiariamente, a anulação de uma deliberação da ré de 26 de Abril de 2000.
Alegando, no essencial, que da parte do conjunto de accionistas identificados no artigo 13.º da petição houve a intenção de impedir que os accionistas identificados no artigo 14.º participassem na assembleia geral, discutindo e votando o ponto único da ordem de trabalhos.
A ré contestou, impugnando os factos.
Findos os articulados, foi proferido o despacho saneador, no qual o Sr. Juiz, por falta de interesse dos autores em agir, absolveu a ré da instância.
Os autores agravaram da decisão, e, admitido que foi o recurso, deduziram alegações, que sintetizaram nas seguintes conclusões:
1.ª O conceito de interesse processual não está consagrado de iure condito no direito processual civil português.
2.ª Segundo a melhor doutrina, a falta do interesse processual significa não ter o demandante razão para solicitar e conseguir a tutela judicial pretendida.
3.ª Os autores transmitiram as acções representativas do capital social da sociedade ré para terceiros.
4.ª A transmissão das acções não teve efeitos retroactivos.
5.ª O art. 271.º do CPC afasta a hipótese de faltar o interesse processual ao transmitente de direito litigioso, consagrando a sua legitimidade para prosseguir com a causa principal após a transmissão desse direito.
6.ª O processo deveria prosseguir, não obstante a transmissão das acções, devendo os cessionários ou adquirentes deduzir a substituição dos autores mediante habilitação para, se assim o entendessem, porem termo a causa por qualquer meio, ou com ela prosseguirem.
7.ª Os autores não foram vencidos nem tiraram proveito do processo.
8.ª Para além das razões de fundo já expostas, não podiam ser condenados em custas, nos termos do art. 446.º do CPC.
9.ª O despacho recorrido violou, entre outros, os arts. 271.º, 26.º, 493.º, 494.º, 495.º, 288.º e 446.º do CPC, bem como a doutrina supra expendida que, por ser unanimemente aceite, é verdadeira fonte de direito.
Terminam, pedindo a revogação do despacho recorrido, ordenando-se prosseguimento do processo.
A recorrida respondeu às alegações, concluindo pela improcedência do recurso e requereu a condenação dos requerentes, como litigantes de má fé, em multa, e indemnização não inferior a € 10 000.
O Sr. Juiz manteve o despacho recorrido.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Adjuntos, cumpre deliberar.
Os recorrentes, nas suas conclusões, circunscrevem o objecto do recurso às questões do interesse em agir (conclusões 1.ª a 6.ª) e da responsabilidade pelas custas.
A 1.ª Instância deu como assentes os seguintes factos, que não foram postos em causa:
1. A ré J....., SA, celebrou um acordo global com os autores, pondo termo aos litígios judiciais existentes entre eles;
2. O acordo foi formalizado através da outorga em 7 de Dezembro de 2001 de um acordo de promessa de compra e venda de acções e de cessão de participações sociais;
3. Para cumprimento de tal promessa, foi outorgado, para além do mais, o contrato de compra e venda de acções, datado de 09/01/2002, onde os accionistas venderam a totalidade da participação social que detinham na sociedade ré J....., SA;
4. Foi acordado entre as partes que as custas em dívida a Juízo em cada um daqueles processos seriam suportadas, respectivamente, pelos autores e pelos réus relativamente a cada um dos pedidos.
Vejamos quanto à questão do interesse em agir.
Este consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial (Manuel Andrade, in Noções...pag. 79), distinguindo-se do interesse directo em demandar, determinante da legitimidade autor.
Pode dar-se o caso de o autor, sendo embora parte legítima, não ter necessidade de recorrer à tutela do tribunal para satisfação do seu direito, quer porque não foi violado, quer porque não se encontra sequer ameaçado.
A doutrina dominante (designadamente, Manuel Andrade, obra citada, pag. 81, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, pág. 253; e Antunes Varela, Manual de Processo Civil, pág. 172) sustenta que o interesse em agir constitui um pressuposto processual. Castro Mendes, Lições, Vol. I, pag. 488, tem opinião contrária, argumentando que a nossa lei contempla mesmo casos de acção inútil, nos arts. 449.º n.º 2 c) e 66.º n.º 2 e n.º 3 do Código de Processo Civil.
Na jurisprudência, a opinião dominante é também no sentido de que o interesse em agir constitui um pressuposto processual (vide entre outros, os acs. STJ de 30/10/84, proc. n.º 071941; 10/12/85, in BMJ 352, pag. 29; e 08/03/2001, proc. n.º 00A3277). Em sentido contrário, o ac. da Relação de Évora, de 20.01.77, sumariado no Bol. Min. Jus. N.º 270, pág. 278, critica o uso da figura do interesse em agir na ausência de regulamentação expressa, porque se prestaria, desde que não convenientemente definida, a que se coartasse a possibilidade que todos devem ter de recurso aos tribunais em defesa dos seus direitos.
No caso dos autos, é patente a falta desse pressuposto, já que a partir do momento em que os autores venderam as suas acções, deixaram de ter qualquer interesse nas deliberações sociais da sociedade ré, de forma a justificar a intervenção dos tribunais.
Os recorrentes asseveram que o art. 271.º do Código de Processo Civil “afasta a hipótese de faltar o interesse processual ao transmitente de direito litigioso, consagrando a sua legitimidade para prosseguir com a causa principal após a transmissão desse direito” (conclusão 5.ª).
Mas não convencem, desde logo porque a transmissão não envolveu um direito litigioso, por isso nem sequer se enquadra naquela hipótese. Depois, o que está em causa não é a legitimidade dos autores para prosseguirem a acção, mas sim a perda do interesse em agir relativamente à anulação da deliberação social.
Por tudo isto, improcedem as conclusões 1.ª a 6.ª
Quanto à questão das custas, os recorrentes consideram que não foram vencidos, nem tiraram proveito do processo (conclusão 7.ª).
Porém, face à decisão tal conclusão não tem o menor fundamento. Com efeito, tendo a ré sido absolvida da instância, a parte vencida são os autores, e não aquela; e por conseguinte são eles os responsáveis pelas custas, de acordo com o art. 446.º n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo Civil.
A questão não tem, pois, razão de ser.
Nestes termos, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se na íntegra o despacho recorrido.
Custas pelos recorrentes.
Porto, 15 de Outubro de 2002
Armindo Costa
Durval dos Anjos Morais
Mário de Sousa Cruz