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ACIDENTE DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO-BASE
CONTRATO DE SEGURO
FOLHA DE FÉRIAS
RECURSO DE APELAÇÃO
CAUÇÃO
PRAZO PEREMPTÓRIO
Sumário
I - A retribuição-base a considerar no cálculo da pensão e das indemnizações devidas ao sinistrado não pode ser inferior à que resulta da lei ou dos instrumentos de regulamentação colectiva. II - Se, após o acidente, a retribuição do sinistrado for retroactivamente aumentada em consequência da alteração salarial operada em sede da regulamentação colectiva aplicável, deve ser esta a retribuição-base a considerar naquele cálculo. III - Numa situação destas, a seguradora deve ser responsável pela reparação do acidente relativamente à retribuição actualizada, apesar de na folha de férias relativamente ao mês do acidente só ter sido declarada a retribuição que o sinistrado efectivamente auferia naquele mês. IV - Tal situação não está prevista no contrato e a respectiva lacuna tem de ser preenchida segundo o critério da vontade presumível das partes e os ditames da boa fé, nos termos do artigo 239 do Código Civil. V - O prazo para prestar caução, para obter o efeito suspensivo no recurso de apelação, é fixado pelo juiz, mas não pode exceder os dez dias. VI - Tal prazo é peremptório e não pode ser prorrogado pelo juiz. VII - Nada obsta a que o recorrente requeira a substituição da caução inicialmente prestada por outra, desde que aquele prazo não seja excedido. VIII - A caução só pode revestir as modalidades previstas no artigo 83 do Código de Processo do Trabalho.
Texto Integral
Acordam na secção social do Tribunal da Relação do Porto:
1. José Augusto ..... participou no tribunal do trabalho de ..... ter sido vítima de um acidente de trabalho no dia 1 de Outubro de 1999, no lugar dos ....., freguesia de ....., concelho de ....., quando trabalhava, exercendo as funções de serralheiro, mediante a retribuição de 96.000$00 por mês, sob as ordens, direcção e fiscalização de M....., Ldª, a qual tinha transferido a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho para a companhia de seguros Companhia de Seguros, S. A. que declinou a responsabilidade pela reparação do acidente, alegando que a lesão por ele apresentada (ruptura do baço) não era consequência do acidente.
Na fase conciliatória do processo que terminou sem acordo, o sinistrado declarou que não aceitava a IPP de 36% que lhe foi atribuída pelo perito médico e que, à data do acidente, auferia o salário anual de 79.050$00 x 14, acrescido de 11.000$00 x 11, mas que a retribuição legal devida era de 84.400$00 x 14, acrescida de 540.$00 x 22 x 11 de subsídio de alimentação. Por sua vez, a entidade patronal declarou que aceitava a existência e a caracterização do acidente como de trabalho, o nexo de causalidade e o resultado do exame médico, que o sinistrado auferia anualmente 79.050$00 x 14 + 11.000$00 x 11 e que toda a sua responsabilidade estava transferida para a companhia de seguros e a companhia de seguros declarou que aceitava a transferência da responsabilidade da entidade patronal relativamente ao salário anual de 79.050$00 x 14 + 11.000$00 x 11, mas que não aceitava pagar ao sinistrado qualquer indemnização ou pensão, por não aceitar a existência e a caracterização do acidente como de trabalho nem o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões.
Devido àquela falta de acordo, o processo passou à fase contenciosa, tendo o sinistrado pedido, na petição inicial, que as rés fossem condenadas na proporção da sua responsabilidade a pagarem-lhe a pensão anual e vitalícia de 275.529$00, a partir de 1 de Março de 2000 e 302.785$00 de indemnização por incapacidade temporária absoluta, 7.905$00 de retribuições perdidas em deslocações a tribunal e 3.270$00 de transportes.
Fundamentou o pedido, alegando que no dia 7 de Outubro de 1999, cerca das 14h45, foi acometido de fortes dores na zona do abdómen, quando estava a carregar portas basculantes, com cerca de 150 Kg cada uma, para um veículo da empresa, tendo sido conduzido ao Centro de Saúde de ....., onde foi encaminhado para o Hospital daquela Vila e depois transferido para o Hospital de ....., em ....., onde lhe foi diagnosticada uma trombose da veia esplénica, que lhe causou ruptura do baço e consequente intervenção cirúrgica para extracção do mesmo. Que em consequência da referida lesão ficou totalmente incapacitado para o trabalho até 29.2.2000 e com uma IPP de 36% a partir daquela data. Que, à data do acidente, auferia o salário mensal de 79.050$00, acrescido de igual quantia a título de subsídio de férias e de Natal e de 11.000$00 de subsídio de alimentação, muito embora, nos termos da legislação laboral aplicada ao sector, lhe fosse devida a retribuição anual de 84.400$00 x 14 + 540$00 x 22 x 11.
Alegou, ainda, que a entidade patronal tinha a sua responsabilidade transferida para a ré seguradora, por via do contrato de seguro titulada pela apólice n.º ....., relativamente ao salário que auferia.
A ré entidade patronal contestou, alegando, em resumo, que os factos apurados nos autos não permitem concluir pela existência de nexo de causalidade entre o trabalho e a lesão e que a sua responsabilidade estava integralmente transferida para a seguradora, uma vez que o salário de 84.400$00 fixado no Anexo I, grau 8, do CCT celebrado entre a AIMMAP e a FETESE, publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 29 de 8/8/99, só foi tornado extensivo à relação de trabalho sub judice pela Portaria de Extensão publicada no BTE, 1.ª Série, n.º 9, de 8/3/2000, que entrou em vigor em vigor 1.3.2000, embora com efeitos retroactivos a 1.8.99.
A ré seguradora contestou, alegando que a ruptura do baço foi devida a doença natural, que a sua responsabilidade era restrita ao salário de 79.050$00 x 14 meses, acrescido de 11.000$00 de subsídio de almoço x 11 meses, que a entidade patronal tinha declarado no mês de Outubro. Alegou, ainda, que não concordava com o coeficiente de IPP de 36% que foi atribuído ao autor no auto de exame de fls. 54, requerendo, por isso, que o mesmo fosse submetido a exame por junta médica.
O autor respondeu às contestações das rés e, de seguida foi proferido despacho saneador e organizada a base instrutória e aberto o apenso para fixação da incapacidade que veio a ser definitivamente fixada em 36%.
Realizado o julgamento e dadas as respostas aos quesitos, foi proferida sentença, absolvendo a ré entidade patronal do pedido e condenando a ré seguradora a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia de 1.374,62 euros, com início em 1.3.200 (calculada com base na retribuição de 84.400$00 x 14 acrescida do subsídio de almoço de 540$00 x 22 x 11), 1.499,76 euros de indemnização por ITA, 16,31 euros de despesas de transporte com deslocações obrigatórias a tribunal, 39,43 euros de tempo perdido com aquelas deslocações e juros de mora.
A ré seguradora interpôs recurso, requerendo a prestação de caução na modalidade de garantia bancária e resumindo as suas alegações nas seguintes conclusões:
1.ª - Da matéria dada como provada resulta que o salário efectivamente pago ao autor e transferido para a seguradora é de 79.050$00 x 14 + 11.000$00 x 11.
2.ª - À data do acidente reportado nos autos esse salário não era inferior ao salário mínimo estabelecido na lei ou em instrumento de regulamentação colectiva do trabalho.
3.ª - Nos termos conjugados do disposto no n.º 1 da Base XXIII e da Base L, ambas da LAT é sobre o salário auferido no dia do acidente que importa ajuizar dos limites objectivos estabelecidos no n.º 6 da Base XXIII.
4.ª - A douta sentença recorrida violou o disposto no art. 12.º do Código Civil, a Base L e a Base XXIII, n.ºs 1 e 6, ambas da LAT.
O Mmo Juiz fixou em 8 dias o prazo para prestação da caução que depois foi prorrogado por mais dois, a pedido da seguradora.
A seguradora veio, então, prestar caução através de seguro-caução emitido pela A.....- Seguros, mas o Mmo Juiz julgou inválida a caução prestada, com o fundamento de que a caução, nos termos do n.º 1 do art. 83.º do CPT, só pode ser prestada por depósito ou por fiança bancária.
Notificada desse despacho, a seguradora veio requerer a prestação da caução através de fiança bancária em substituição do seguro de caução.
O Mmo Juiz indeferiu o requerido, com o fundamento de que de que o seu poder jurisdicional relativamente à prestação da caução se tinha esgotado com a prolacção do despacho anterior, não podendo repetir-se no mesmo processo um acto já julgado inválido, ainda que eventualmente se corrigindo a causa da invalidade e com o fundamento de que o prazo para prestar a caução que é peremptório já estava esgotado.
A seguradora recorreu deste último despacho, resumindo as suas alegações nas seguintes conclusões:
1.ª - Na sequência do douto despacho de fls. 245, a ora agravante requereu a substituição da modalidade de caução julgada inválida por outra modalidade válida.
2.ª - Tal requerimento deu entrada em juízo antes do trânsito em julgado daquele despacho.
3.ª - No despacho recorrido, de fls. 264, o Mmo Juiz “a quo” não ponderou que a substituição da modalidade de caução não corresponde ou equivale a requerer nova prestação de caução.
4.ª - A caução oferecida por meio de garantia bancária é válida e foi tempestivamente prestada.
5.ª - O despacho recorrido viola o disposto no art. 83.º, n.º 1, do CPT.
Não houve contra-alegações e o Mmo Juiz sustentou o despacho recorrido.
Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela improcedência de ambos os recursos.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2. Os factos
Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
a) No dia 7 de Outubro de 1999, pelas 14.15 horas, o sinistrado José Augusto ..... trabalhava nas instalações da ré M....., Ld.ª, com sede no lugar de ....., em ....., da comarca de ..... .
b) Por contrato entre ambos celebrado, aquela ré admitiu o sinistrado a trabalhar para si, tendo este a categoria profissional de “serralheiro de 2.ª” e pagando-lhe aquela o salário mensal de 79.050$00, acrescido de subsídios de férias e de Natal de igual montante, pagando-lhe ainda o subsídio de refeição de 11.000$00 por mês, onze meses no ano.
c) Por contrato de seguro que para o efeito celebraram e a que se refere a apólice n.º ....., aquela ré transferiu para a ré “Companhia de seguros, S. A.” a sua responsabilidade infortunística relativamente ao sinistrado e à retribuição acima referida ((79.050$00x14) + (11.000$00x11)).
d) Na data referida em a), o sinistrado foi conduzido ao Centro de Saúde de ....., tendo sido posteriormente encaminhado para o Hospital daquela localidade e daí transferido para o Hospital de ..... .
e) Neste Hospital foi-lhe diagnosticada uma trombose da veia esplénica que causou ruptura do baço e que determinou que o sinistrado fosse submetido a uma intervenção cirúrgica para extracção do baço – laparatomia com esplenectomia.
f) O sinistrado teve alta hospitalar em 12.10.99 e após esta data foi seguido nos serviços clínicos da ré “Companhia de Seguros, S. A.”, no Centro Médico de ....., desta cidade de ..... e no D.M.I. do ..... .
g) O sinistrado não recebeu de nenhuma das rés qualquer importância a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária que sofreu.
h) Na tentativa de conciliação a que se procedeu, como consta do auto de fls. 68 a 70, cujo teor se dá aqui por reproduzido integralmente, a ré Companhia de Seguros, S.A. não aceitou a existência e caracterização do acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o mesmo, entendendo que o sinistrado foi acometido de doença natural (e não doença profissional, como por manifesto lapso se diz na sentença) e não aceitou pagar ao sinistrado qualquer pensão ou indemnização, nem qualquer outra importância.
A ré entidade patronal aceitou a existência e caracterização do acidente como de trabalho e o nexo de causalidade entre as lesões e o mesmo e não aceitou pagar ao sinistrado qualquer pensão ou indemnização, por entender ter transferido para aquela companhia de seguros toda a sua responsabilidade.
i) O sinistrado nasceu em 23 de Agosto de 1974.
j) No dia e hora referidos em a), o sinistrado estava a carregar portas basculantes para um veículo da ré M....., Ld.ª, cumprindo ordens que lhe foram dadas nesse sentido.
l) Cada uma daquelas portas pesava cerca de 150 Kg.
m) O sinistrado efectuava aquele trabalho com o auxílio de um colega que estava em cima do veículo e de outro que se encontrava no solo, junto de si.
n) Este e o sinistrado levantavam cada uma das portas em força e moviam-na para o interior do veículo, apoiado numa das extremidades da mesma.
o) O sinistrado empurrava cada uma das portas com o seu tronco.
p) Foi depois de terem procedido ao carregamento de cerca de 16 portas que o sinistrado foi acometido de fortes dores na zona do abdómen.
q) Essas dores impossibilitaram-no de continuar a trabalhar.
q) Por via das lesões referidas em e), o sinistrado esteve totalmente impossibilitado de trabalhar desde a data referida em a) até 29.2.2000.
r) Em Agosto de 2000, ainda derivado daquelas lesões, o sinistrado sofreu uma infecção.
s) Essa infecção obrigou ao seu internamento no Hospital de ....., durante quatro dias.
t) O sinistrado sofre ainda oscilações de temperatura, tendo de ser medicado.
u) O sinistrado gastou 3.270$00 nas deslocações que teve de fazer a este tribunal.
v) E por ter de vir ao tribunal deixou de ganhar 7.905$00.
x) A trombose da veia esplénica e a consequente ruptura do baço referidos em e) resultaram do esforço desenvolvido pelo sinistrado na execução da tarefa acima descrita na alíneas de j) a o).
*
A decisão proferida na 1.ª instância sobre a matéria de facto não foi impugnada. Todavia, importa que a redacção da alínea c) seja alterada, por não traduzir fielmente o tipo de contrato de seguro que foi celebrado entre as rés que foi inequivocamente um contrato de seguro na modalidade de folhas de férias, como consta dos documentos de fls. 13, 14, 100, 103, 105 e 107.
A redacção daquela alínea passará a ser a seguinte:
c) A ré M....., Ld.ª celebrou com a ré “Companhia de Seguros, S.A.” um contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de folhas de férias, titulado pela apólice com o n.º 70.994, tendo aquela declarado, na folha de férias relativa ao mês de Outubro/99, que o sinistrado auferia 79.050$00 de retribuição e 11.000$00 de subsídio de refeição.
3. Do recurso de apelação
O objecto do recurso restringe-se a duas questões:
- saber qual a retribuição que deve servir de base de cálculo ao valor da pensão e da indemnização devidas ao sinistrado;
- saber se a seguradora é a única responsável pela reparação do acidente.
3.1 A retribuição-base
Nos termos da Base XXIII da Lei n.º 2.127, na vigência da qual o acidente ocorreu, “as indemnizações e pensões serão calculadas com base na retribuição auferida no dia do acidente, se esta representar a retribuição normalmente auferida pela vítima” (n.º 1), mas “em nenhum caso a retribuição poderá ser inferior à que resulte da lei, de despacho de regulamentação do trabalho ou de convenção colectiva” (n.º 6).
Está provado que, à data do acidente, o sinistrado auferia mensalmente a quantia de 79.050$00, acrescida de 11.000$00 de subsídio de alimentação. Acontece, porém, que no BTE n.º 29, 1.ª Série, de 8.8.99, foram publicadas alterações ao CCT celebrado entre a AIMMAP-Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal e a FETESE-Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços. Uma dessas alterações dizia respeito às tabelas salariais e segundo essas tabelas à categoria profissional do sinistrado passou a corresponder a retribuição mensal de 84.800$00 mensais, acrescida de 550$00 por dia, a título de subsídio de alimentação. Por sua vez, no BTE n.º 9, 1.ª Série, de 8.3.2000, foi publicada uma Portaria de Extensão das alterações àquele CCT as quais passaram, então, a ser aplicáveis à relação laboral sub judice. Aquela portaria atribuiu eficácia retroactiva às tabelas salariais, ao estabelecer que as mesmas produziriam efeitos a partir de 1.8.99.
O Mmo Juiz entendeu que a pensão e a indemnização devidas ao sinistrado deviam ser calculadas com base na retribuição que resultava da aplicação daquela portaria e não com base na retribuição que o sinistrado efectivamente auferia à data do acidente e fundamentou tal decisão no disposto no n.º 6 da Base XXIII.
A recorrente não põe em causa a aplicação daquela Portaria de Extensão à relação de trabalho sub judice, o que significa que nesta parte a decisão recorrida transitou em julgado, mas discorda do entendimento que foi perfilhado pelo Mmo Juiz, com a seguinte fundamentação:
«A Base XXIII da LAT estabelece, no seu n.º 1, que as indemnizações e pensões serão calculadas com base na retribuição auferida no dia do acidente, e, no n.º 6, que em caso algum a retribuição poderá ser inferior à que resulte da lei, de despacho de regulamentação do trabalho ou de convenção colectiva.
Da concatenação das duas regras resulta, salvo melhor opinião, que será sobre o salário auferido no dia do acidente – 7.10.1999, no caso dos autos – que importa ajuizar dos limites objectivos estabelecidos no n.º 6 daquele precito legal.
Ora, em 7.1.0.99 o salário auferido pelo Autor não era inferior ao que resultava da lei. Só passou a sê-lo após a entrada em vigor da Portaria de Extensão, em 13.3.2000. E note-se que, nos termos do seu n.º 2, o pagamento das diferenças salariais resultantes da eficácia retroactiva conferida pela P.E. venceram-se em Abril.2000, podendo ser pagas em prestações.
O entendimento a que se chega na sentença recorrida de que a eficácia retroactiva da P.E. abrange o montante salarial a ter em conta para efeitos do cálculo das pensões devidas por acidente anterior à sua entrada em vigor, viola o disposto no art. 12.º do Código Civil.
Assim o salário a ter em conta deverá ser aquele que o Autor efectivamente auferia, à data do acidente.»
Será que a recorrente tem razão?
Entendemos que não. O art. 12.º do CC consagra o princípio tradicional da não retroactividade das leis, mas admite expressamente que lhes seja atribuída eficácia retroactiva: «A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.»). No que diz respeito aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, incluindo as portarias de extensão, a lei reconhece que podem atribuir eficácia retroactiva às tabelas salariais (artigos 13.º e 29.º, n.º 7, do DL n.º 519-C1/79, de 29/12). Ora, tendo a Portaria de Extensão atribuído efeitos retroactivos, a partir de 1.8.99, às tabelas salariais fixadas no referido CCT, é evidente que a retribuição a considerar para efeitos do cálculo da pensão e da indemnização só podia ser a que resultava daquelas tabelas. Por força daquela retroactividade, a retribuição devida ao sinistrado, a partir daquela data, passou a ser aquela, para todos os efeitos, incluindo para efeito do disposto no n.º 6 da Base XXIII.
A recorrente não impugna a eficácia retroactiva das tabelas salariais, entende, apenas, que essa retroactividade não abrange o disposto no n.º 6 da Base XXIII., mas tal interpretação, salvo o devido respeito, não pode ser considerada pelo intérprete, por não ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (art. 9.º, n.º 2, do CC). A portaria de extensão não faz qualquer restrição nesse sentido e o n.º 6 da Base XXIII também não comporta uma tal interpretação. Nos termos daquele n.º 6, «em caso algum a retribuição poderá ser inferior à que resulte da lei, de despacho de regulamentação do trabalho ou de convenção colectiva.» A interpretação perfilhada pela recorrente só teria algum sentido se no n.º 6 se dissesse que a retribuição não poderia ser inferior à que resulte da lei ... em vigor à data do acidente. Como isso não acontece, não há razões para restringir os efeitos da retroactividade da portaria, dado que no caso em apreço ainda não havia efeitos produzidos a salvaguardar.
Improcede, por isso, o recurso nesta parte.
3.2 Da responsabilidade da seguradora
A questão da responsabilidade da seguradora resulta do facto de a retribuição declarada na folha de férias relativa ao mês do acidente ter sido a retribuição que o sinistrado realmente auferia à data do acidente e não a retribuição a que passou a ter direito por força da portaria de extensão já referida.
O Mmo Juiz, apoiando-se no acórdão da RL de 11.1.95 (CJ, I, 171) e nos acórdãos da RP de 13.7.87 e de 12.10.97 (CJ, 4, 268 e 273), entendeu que a seguradora era a única responsável pela reparação do acidente, com o fundamento de que a entidade patronal havia declarado a totalidade da retribuição que efectivamente pagava ao sinistrado, não podendo, por isso, ser acusada de ter violado o contrato de seguro nem a Base L da LAT.
A recorrente entende que a sua responsabilidade deve limitar-se à retribuição declarada na folha de férias (79.050$00 + 11.000$00 de subsídio de refeição). Vejamos quem tem razão.
À primeira vista parece que a razão está do lado da recorrente, uma vez que o contrato de seguro celebrado entre as rés revestia a modalidade de prémio variável e, como é sabido, nesta modalidade de seguro, a seguradora só responde, em regra, em relação aos trabalhadores e salários declarados nas folhas de férias que o segurado está obrigado a enviar-lhe até ao dia 15 do mês seguinte a que dizem respeito. É o que decorre do disposto nos artigos art. 4.º, n.º 2, b), 10.º, 12.º e 16.º da Apólice Uniforme do seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, aprovada pela Norma n.º 22/95-R do Instituto de Seguros de Portugal, publicada no DR, III Série, de 20.11.95 e em vigor à data do acidente (a apólice uniforme actualmente em vigor foi aprovada Norma n.º 12/99, de 30/11 e publicada no DR, II Série) e da Base L da Lei n.º 2.127, de 3.8.65.
Com efeito, nos termos do art. 4.º, n.º 2, al. b), daquela Apólice Uniforme diz-se que o seguro é de prémio variável “quando a apólice cobre um número variável de pessoas seguras, com salários seguros também variáveis, sendo considerados pela seguradora as pessoas e os salários identificados nas folhas de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador de seguro”.
E nos termos do art. 10.º, n.º 1, “a determinação do salário seguro, ou seja, do valor na base do qual são calculadas as responsabilidades cobertas por esta apólice, é sempre da responsabilidade do tomador de seguro, e deverá corresponder, tanto na data de celebração do contrato como em qualquer momento da sua vigência, a tudo o que a lei considera como elemento integrante do salário, incluindo o equivalente ao valor da alimentação e da habitação, quando a pessoa segura a estas tiver direito, bem como outras prestações em espécie ou dinheiro que revistam carácter de regularidade, e ainda os subsídios de férias e de Natal”.
E nos termos do art. 12.º, “no caso de o salário ou ordenado declarado ser inferior ao mínimo legal ou ao efectivamente pago, ou não havendo declarações da qualidade de menores de 18 anos ou de aprendiz ou tirocinante, e respectivos salários de equiparação, o tomador do seguro responderá pela parte excedente das indemnizações e pensões e proporcionalmente pelas despesas de hospitalização, assistência clínica, transportes, despesas judiciais e de funeral e todas as demais despesas realizadas no interesse do sinistrado”.
Por sua vez, nos termos da Base L da Lei n.º 2.127, de 3.8.65, “quando o salário declarado, para efeito do prémio de seguro, for inferior ao real, a entidade seguradora só é responsável em relação àquele salário. A entidade patronal responderá neste caso pela diferença e pelas despesas efectuadas com a hospitalização, assistência clínica e transportes, na respectiva proporção”.
Perante as disposições legais referidas, é inequívoco que a seguradora, no contrato de seguro na modalidade de prémio variável, também designado por seguro de folhas de férias, só responde relativamente aos trabalhadores e aos respectivos salários que o segurado tiver indicado nas folhas de férias e compreende-se porquê.
Todavia, daquelas disposições legais também resulta que isso só acontece quando o tomador do seguro dolosa ou negligentemente declare salário inferior ao mínimo legal ou ao efectivamente pago e não foi isso o que no caso em apreço aconteceu. A ré entidade patronal declarou a totalidade da retribuição que, à data do acidente, era devida ao sinistrado. Quando a folha de férias relativa ao mês do acidente foi enviada à seguradora, a retribuição indicada estava correcta e se não tem sido posteriormente alterada, com efeitos retroactivos, é óbvio que a seguradora seria a única responsável pela reparação do acidente.
A questão surge porque, posteriormente ao acidente, a retribuição foi alterada com efeitos retroactivos. Trata-se, por isso, de um caso que a LAT e a Apólice Uniforme não prevêem e que deve ser resolvido com recurso ao disposto no art. 239.º do C.C. que prevê o critério geral que deve ser adoptado na integração das lacunas da declaração negocial e cujo teor é o seguinte:
«Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta».
Ora, como resulta do normativo em causa, na falta de disposição especial, o intérprete deve atender, em regra, à vontade presumível dos declarantes, mas, se por esse via chegar a uma solução contrária aos princípios da boa fé, deve dar prevalência à solução que melhor salvaguarde aqueles princípios (A. Varela, Código Civil anotado, vol. I, anotação ao art. 239.º). E sendo assim, como entendemos que é, não temos dúvidas em afirmar que a vontade presumível das rés teria sido a de atribuir à seguradora toda a responsabilidade pela reparação do acidente, se tivessem previsto a situação em apreço. Com efeito, o objectivo do contrato foi transferir para a seguradora a totalidade da responsabilidade da entidade patronal por acidentes de trabalho. Essa foi a vontade das partes. A seguradora aceitou essa transferência e a entidade patronal, declarando o salário que efectivamente pagou ao sinistrado, cumpriu com as obrigações decorrentes do contrato. Se a situação em apreço tivesse sido por elas prevista, a seguradora teria certamente aceitado assumir nesses casos a totalidade da responsabilidade, uma vez que posteriormente iria cobrar o prémio relativo ao aumento salarial verificado. Não faria sentido e atentaria mesmo contra as regras da boa fé contratual (artigos 227.º e 762.º do CC) fazer recair sobre a entidade patronal parte da responsabilidade pela reparação do acidente, só porque não foi capaz de prever o aumento salarial que veio a ser fixado seis meses depois do acidente e ainda por cima com efeitos retroactivo.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
4. Do recurso de agravo
Como já foi referido, a seguradora requereu a prestação de caução para que o recurso de apelação fosse recebido com efeito suspensivo. Veio prestar essa caução através de seguro-caução, mas tal caução foi julgada inválida pelo Mmo Juiz com o fundamento de que tal forma de caução não estava prevista no n.º 1 do art. 83.º do CPT. Notificada desse despacho, a seguradora veio requerer a prestação da caução através de fiança bancária em substituição do seguro-caução, mas tal pedido também foi indeferido pelo Mmo Juiz, com os fundamentos de que de que o seu poder jurisdicional se tinha esgotado com a prolacção do despacho anterior, de que não pode repetir-se no mesmo processo um acto já julgado inválido e de que o prazo para prestar a caução era peremptório já estava esgotado.
A recorrente interpôs recurso daquele segundo despacho, alegando que o que estava em causa era a substituição e não a prestação de caução. A recorrente não o diz expressamente, mas o que ela implicitamente quer dizer é que tratando-se de substituição da caução não há que levar em conta o prazo estabelecido no n.º 2 do art. 83.º do CPT, mas, salvo o devido respeito, não tem razão. Vejamos porquê.
Nos termos do citado art. 83.º, a apelação tem efeito meramente devolutivo, sem necessidade de declaração, mas o apelante pode obter o efeito suspensivo se, no requerimento de interposição de recurso, requerer a prestação de caução da importância em que foi condenado por meio de depósito efectivo na C......., ou por meio de fiança bancária. Requerida a prestação de caução através de alguma daquelas modalidades, o juiz fixará prazo para o requerente prestar a caução, mas tal prazo não pode exceder os 10 dias e se a caução não for prestada no prazo fixado, a sentença poderá ser desde logo executada.
Trata-se de um prazo judicial peremptório, por ser um prazo que fixa o período dentro do qual um acto pode ser realizado (A. Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pag. 63). Nos termos do art. 147.º, n.º 1, do CPC, os prazos judiciais marcados por lei só são prorrogável nos casos nela previstos e o art. 83.º do CPC não prevê essa possibilidade, o que se compreende atentas as preocupações de celeridade processual subjacentes ao CPT. Isso significa que a caução tem de ser prestada impreterivelmente no prazo que o juiz fixar e que não pode exceder os 10 dias. A lei não proíbe que a caução inicialmente fixada possa ser substituída por outra, mas entendemos que quer a prestação da caução quer a sua eventual substituição têm de ser feitas dentro daquele prazo limite. Doutro modo, estaríamos a dar ao recorrente um prazo superior ao legal, frustando assim os objectivos de celeridade já referidos. Ora, no caso em apreço, quando a recorrente requereu a “substituição” da caução já aquele prazo havia decorrido há muito.
De qualquer modo, ainda que se entendesse que a substituição da caução podia ser requerida para além daquele prazo, o recurso não podia ser julgado procedente, uma vez que a substituição requerida não passa de uma falsa substituição. Com efeito, tendo sido julgada inválida a prestação da caução inicialmente oferecida, é evidente que não havia nenhuma caução para substituir.
5. Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar provimento a ambos os recursos.
Custas pela recorrente.
PORTO, 25 de Novembro de 2002
Manuel Joaquim Sousa Peixoto
João Cipriano Silva
Adriano Marinho Pires (Votei vencido pelas seguintes razões:
1) O preceituado na Base L da Lei nº 2127, de 3/8/65, vale do mesmo modo, quando o salário declarado for inferior ao devido, por força da Lei ou de regulamentação colectiva de trabalho, e este for superior ao salário real (Tomás Resende, anotação 4, fls. 84 de “Acidentes de Trabalho” – 2ª edição), ou seja, a Seguradora só responde pelo salário declarado, e à entidade patronal cabe a diferença entre o declarado e devido por força da Portaria de extensão do contrato colectivo;
2) O contrato se seguro celebrado pela patronal com a Seguradora era na modalidade de “Seguro a prémio variável”, com definição no art. 4º nº 2 b) das Condições Gerais da Apólice Uniforme de Seguro de Acidentes de Trabalho para trabalhadores por conta de outrem, aprovada pela Norma nº 22/95-R do Instituto de Seguros de Portugal, publicada no Diário da República de 20-11-1995 – III Série; no seu art. 10º nº 1 estipula que a determinação do salário seguro é sempre da responsabilidade do tomador do seguro, e, no seu art. 12º, que, no caso de o salário declarado ser inferior no mínimo legal ou do efectivamente pago, o tomador do seguro responderá pela parte excedente das indemnizações e pensões...
3) As obrigações da Seguradora são as constantes da apólice por força do disposto nos arts. 426º e 427º do Código Comercial, aí definindo o seguro como um contrato sujeito à forma escrita, de cuja apólice deve constar, normalmente, a quantia segurada (§ único, nº 6), e a sua natureza e valor (nº 3);
4) Perante os factos provados sob o nº 3, a Seguradora apenas é responsável pela retribuição, de 79.050$00x14+11.000$00x11. E por isso dava provimento ao recurso, revogando a sentença numa parte).