I- O prazo de prescrição a que está sujeito o regime de responsabilidade do administrador da insolvência consagrados no art. 59º do CIRE, não é aplicável a ação movida pela massa insolvente em que se pede a condenação do administrador da insolvência no saldo das contas.
II - Trata-se de uma obrigação patrimonial, que decorre da condenação do responsável pela prestação de contas, que administra património alheio, no pagamento do saldo que venha a apurar-se.
III - Tal obrigação está sujeita ao prazo ordinário de prescrição de vinte anos, nos termos do artigo 309.º do Código Civil.
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 1
Juíza Desembargadora Relatora:
Alexandra Pelayo
Juízes Desembargadores Adjuntos:
Pinto dos Santos
Alberto Taveira
SUMÁRIO:
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Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:
I-RELATÓRIO:
MASSA INSOLVENTE DE A..., S.A., com o NIPC ..., com sede na Rua ..., ... ..., vem, por apenso aos autos principais, intentar ACÇÃO DE CONDENAÇÃO COM PROCESSO COMUM contra AA, com domicílio profissional na Av. ..., n.º ..., 8º Dto. Frt., ... V. N. Gaia, pedindo a condenação do Réu a restituir à Autora a quantia global de € 108.144,44 (cento e oito mil, cento e quarenta e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora desde a data da sua destituição (31/05/2011) até efetivo e integral pagamento.
Para tanto e em suma, alegou que o Réu, no âmbito das suas funções de administrador de insolvência recebeu quantias e efetuou pagamentos, por conta e em nome da aqui Autora, até ao dia 31 de Maio do ano de 2011, data em que foi substituído pelo atual administrador de insolvência e aquando da transição para o administrador de insolvência atual, não apresentou o Réu contas do período em que exerceu funções.
Assim, apresentou o atual administrador de insolvência ação de prestação de contas contra o aqui Réu, a qual correu termos no apenso AZ e, tendo o réu apresentado contas, foram as mesmas rejeitadas por não ter sido observado o formalismo previsto no art. 944º, n.º 1 do CPC.
Razão pela qual não restou alternativa ao atual administrador de insolvência senão ele próprio apresentar as contas referentes ao período durante o qual o ora Réu exerceu funções de administrador de insolvência,
Essas contas vieram a ser aprovadas por despacho proferido no apenso BI em 21/09/2022.
Que das contas apresentadas pelo atual administrador de insolvência, resultou um saldo devedor por parte do Réu a favor da Autora de € 108.144,44 (cento e oito mil, cento e quarenta e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos).
Considerando-se os valores constantes do mapa de apresentação de contas, resulta que o Réu deverá proceder à restituição à massa insolvente, os seguintes montantes:
A. € 15.471,31, correspondente ao saldo da conta de gestão da insolvente ainda na sua posse.
B. € 92.673,13, referente à remuneração pela gestão de estabelecimento indevidamente retirada das contas da massa insolvente.
Pelo que é a Autora credora do Réu pela quantia global de € 108.144,44 (cento e oito mil, cento e quarenta e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora desde a datada sua destituição (31/05/2011) até efetivo e integral pagamento.
Citado o Réu apresentou contestação, defendendo-se por impugnação.
Arguiu a prescrição da dívida, alegando em suma que o Réu foi destituído em 31/05/2011. Que a responsabilidade do administrador da Insolvência, nos termos do disposto no artigo 59 n.º 5 in fine do CIRE, prescreve dois anos após a cessação das suas funções
Assim, sempre a presente lide teria de ser intentada até 31/05/2013, sob pena de prescrição.
Acontece que a Autora intenta a presente lide 11 anos e sete meses depois de decorrido o prazo prescricional, pelo que qualquer direito que lhe assistisse estaria prescrito – prescrição que expressamente invoca.
Deduziu ainda pedido reconvencional contra a autora, pedindo a sua condenação e, por conseguinte, ser a Autora condenada a pagar ao Réu a quantia de 94 339.42€
Subsidiariamente, e para o caso da ação ser julgada procedente, pede a compensação do pedido efetuado pela Autora com o pedido reconvencional efetuado pelo Réu.
Respondeu a Autora á exceção da prescrição, alegando que o R. não apresentou, em nenhum momento, contas do período em que exerceu funções de administrador de insolvência, não obstante ter sido diretamente interpelado para tal por diversas vezes (cfr. ap. AZ), o que impossibilitou a Autora de verificar se os movimentos efetuados durante a vigência do R. se encontravam devidamente justificados ou não.
Não está aqui em causa o prazo prescricional previsto no art. 59º do CIRE, uma vez que não está diretamente em causa a responsabilidade civil do anterior Administrador de Insolvência, mas sim a devolução de valores que resultaram como injustificáveis no âmbito da apresentação de contas efetuada pelo atual Administrador de Insolvência face à inércia do aqui Réu, pelo que, a exceção deve ser julgada improcedente.
No despacho saneador, foi admitida a reconvenção, tendo após o tribunal apreciado a exceção da prescrição invocada pelo réu, que julgou improcedente, determinando o prosseguimento dos autos, para julgamento.
Inconformado, o Réu AA, veio interpor o presente recurso, com as seguintes conclusões:
“1. A douta decisão recorrida viola o disposto no artigo 59 do CIRE, bem como os artigos 498º e 309º do CC
2. Em caso algum se aplica o prazo de prescrição previsto no artigo 309 do CC à responsabilidade civil do administrador de insolvência por atos praticados no exercício das suas funções
3. O artigo 59.º, n.º 1, do CIRE estabelece um regime especial de responsabilidade do administrador da insolvência pelos danos causados ao devedor / insolvente e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem.
4. Sempre que estejam em causa danos deste tipo, o regime especial do artigo 59.º o CIRE prevalece sobre o regime geral da responsabilidade delitual contido nos artigos 483.º e s. do CC.
5. Do sumário do acórdão da RE citado na decisão recorrida consta que o disposto no art. 59º do CIRE apenas é aplicável nos casos em que o lesado é o insolvente, ou um credor da insolvência ou da massa insolvente. Sendo qualquer outro o lesado, mesmo que por atos do administrador no exercício das suas funções, aplica-se o regime geral estabelecido nos arts. 483º e segs. do CC.
6. O acórdão referido na douta decisão recorrida contraria de forma inequívoca a possibilidade de recorrer ao prazo de prescrição previsto no artigo 309 CC, ao contrário do defendido na decisão recorrida.”
Não houve resposta ao recurso.
Foi proferido despacho que admitiu o recurso, como apelação, a subir imediatamente em separado e com efeito meramente devolutivo - arts. 629º, 638º, 644º 1 a), 645º 1 a), 647º, todos do Código de Processo Civil e art. 14º, nº5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II-OBJETO DO RECURSO:
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.
A questão decidenda, delimitada pelas conclusões do recurso consiste em saber se ao caso é aplicável o prazo de prescrição de 2 anos estabelecido no art. 59º, nº 5 do CIRE.
III-FUNDAMENTAÇÃO:
Na sentença foram considerados assentes os seguintes factos.
- A presente ação e apenso deu entrada em juízo em 25.11.2024;
- O Reu foi nomeado A.I. na sentença que declarou a insolvência da A..., S.A., proferida em 22.04.2009 (cf. Processo principal).
- Em 31.05.2011 foi proferido despacho a substituir o Dr. AA, como Administrador de Insolvência, pelo Dr. BB (cf. Processo principal).
IV-APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS:
A prescrição extintiva é o instituto de ordem pública por via do qual os direitos subjetivos se tornam inexigíveis, transformando-se em meras obrigações naturais, quando não são exercidos durante o lapso de tempo fixado na lei (cf. art.º 298.º, n.º 1, e 304.º do C Civil).
Em termos processuais, a prescrição traduz-se numa exceção perentória de direito material, de tipo modificativo, por eliminação de um dos elementos do vínculo obrigacional: a exigibilidade da prestação.
O fundamento da prescrição assenta na "negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei; negligência que faz presumir ter ele querido renunciado ao direito, ou pelo menos o torna (o titular), indigno de proteção jurídica (dormientibus non sucurrit ius)."[1]
De modo que, decorrido certo lapso de tempo sem que o titular do direito o exerça, deixa de ter proteção jurídica para o efeito, o que também vai ao encontro da necessidade de evitar a acrescida dificuldade de prova por parte do sujeito passivo da relação jurídica em causa, em razão do decurso do tempo.
Assim, decorrido esse período de tempo, ou seja, completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito, como dispõe o art. 304º, nº 1, do Cód. Civil.
Está em causa apurar se é aplicável à obrigação dos autos o prazo de prescrição do artigo 59º nº 5 do CIRE, que dispõe o seguinte:
“1 - O administrador da insolvência responde pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem; a culpa é apreciada pela diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado.
2 - O administrador da insolvência responde igualmente pelos danos causados aos credores da massa insolvente se esta for insuficiente para satisfazer integralmente os respetivos direitos e estes resultarem de ato do administrador, salvo o caso de imprevisibilidade da insuficiência da massa, tendo em conta as circunstâncias conhecidas do administrador e aquelas que ele não devia ignorar.
3 - O administrador da insolvência responde solidariamente com os seus auxiliares pelos danos causados pelos atos e omissões destes, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos.
4 - A responsabilidade do administrador da insolvência prevista nos números anteriores encontra-se limitada às condutas ou omissões danosas ocorridas após a sua nomeação.
5 - A responsabilidade do administrador da insolvência prescreve no prazo de dois anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, mas nunca depois de decorrido igual período sobre a data da cessação de funções.”
O prazo geral aplicável à responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana é o estabelecido no artigo 498º nº 1 do C.P.C., de três anos, que é reduzido a dois anos, no caso da responsabilidade do administrador da insolvência, pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem.
Referem Luís Carvalho Fernandes e João Labareda[2], que esta redução do prazo, “pode entender-se pela vantagem em garantir estabilidade às situações criadas, a que se associará a presunção de um normalmente rápido conhecimento da lesão pelo atingido neste tipo de situações.”
Está-se aqui perante responsabilidade do administrador de insolvência em resultado da violação funcional dos deveres que lhe incumbem, sendo que os danos causados aos lesados (ao devedor, aos credores da insolvência e aos credores da massa insolvente) regulam-se pelas disposições dos arts. 483º e segs. do CC.
Resta agora saber se estamos no âmbito duma ação de responsabilidade civil, integrada na previsão daquela norma, que visa ressarcir os danos causados no caso á massa insolvente autora, pela inobservância culposa dos deveres do Réus enquanto AI, caso em que a obrigação de indemnizar fica sujeita á prescrição estabelecida no artigo 59º do CIRE.
A nosso ver a resposta é claramente negativa.
Com efeito, basta atentar na causa de pedir e no pedido formulados nesta ação, pela autora – Massa Insolvente de A..., LDA - para se concluir que não estamos perante uma ação de responsabilidade civil, fundada no incumprimento dos deveres funcionais do primitivo administrador da insolvência, aqui réu.
Este não é aqui demandado com vista a ser responsabilizado pelos danos que possa ter causado à insolvente ou aos credores da insolvência ou da massa, ao incumprir o dever de apresentar voluntariamente as contas decorrentes da sua gestão, tal como estava obrigado, na data em que cessou funções.
A prestação de contas pelo administrador judicial deve ter lugar sempre que ocorram cessação de funções, qualquer que seja a sua causa determinante.
Determina o art. 62º nº 1 do CIRE que o administrador de insolvência deverá prestar contas, no prazo de 10 dias subsequentes á cessação das suas funções, qualquer que seja a razão que a tenha determinado.
Nos termos do art.º 62.º, n.º 3, do CIRE, cabe ao Administrador da Insolvência prestar contas da administração dos bens da massa insolvente perante os seus credores, estabelecendo que “As contas são elaboradas em forma de conta-corrente, com um resumo de toda a receita e despesa, incluindo os pagamentos realizados em rateios parciais efetuados nos termos do artigo 178.º, destinado a retratar sucintamente a situação da massa insolvente, e devem ser acompanhadas de todos os documentos comprovativos, devidamente numerados, indicando-se nas diferentes verbas os números dos documentos que lhes correspondem”.
Como resulta desta norma a lei criou um sistema relativamente simples de elaboração das contas, determinando que as mesmas sejam elaboradas em forma de conta corrente, com um resumo de toda a receita e despesa incluindo os pagamentos realizados em rateios parciais efetuados nos termos do art. 178º.
Da mesma resulta que a mesma se destina a retratar sucintamente a situação da massa insolvente.
Assim, impõe-se ao Administrador que faça uma descrição clara e concisa, das receitas obtidas e das despesas que teve de fazer até à ultimação do processo de insolvência. As contas são elaboradas em forma de conta corrente, com um resumo de toda a receita e despesa, destinado a retratar sucintamente a situação da massa insolvente, isto é, há que indicar separadamente como se obteve a totalidade da receita, quais as quantias que se foram recebendo e donde provieram, assim como é forçoso declarar quais as diferentes despesas que se fizeram e a que fim se aplicaram as verbas respetivas.[3]
A omissão da obrigação de prestação de contas pelo administrador de Insolvência, ora réu foi “suprida”, tal como resulta do apenso AZ, já que foi o atual administrador de insolvência quem moveu ação de prestação de contas contra o aqui Réu, e, tendo o réu apresentado contas, foram as mesmas rejeitadas por não ter sido observado o formalismo previsto no art. 944º, n.º 1 do CPC.
Razão pela qual o atual administrador de insolvência apresentou as contas referentes ao período durante o qual o ora Réu exerceu funções de administrador de insolvência, as quais vieram a ser aprovadas por despacho proferido no apenso BI em 21/09/2022.
Nos termos do art.º 671.º, n.º 1, do CPC a mesma passou a ter força obrigatória dentro e fora do processo, não mais podendo ser discutida (salvo nos apertados termos do recurso de revista), sendo que, de acordo com o disposto no art.º 673.º do mesmo diploma legal, a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.
Ora, o que a autora pretende através desta ação é a condenação do Administrador de Insolvência que cessou funções, no saldo aí apurado.
Não obstante o CIRE conter normas específicas para a prestação de contas, podemos afirmar que o objeto da ação especial de prestação de contas encontra-se definido no art.º 941º do CPC, segundo o qual “a ação de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”.
O objeto da ação, é o apuramento e a aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administre bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.
O direito de exigir a prestação de contas está diretamente relacionado com a qualidade de administrador em que alguém se encontra investido quanto a bens que não lhe pertencem ou que não lhe pertencem em regime de exclusividade.[4]
Com efeito, essa atividade de administrador de bens alheios é suscetível de gerar receitas, podendo também impor a realização de despesas; apuradas as receitas e as despesas, verificar-se-á qual o saldo a pagar.
Destina-se tal processo especial a alcançar, por um lado (função puramente declarativa), o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens ou interesses alheios; e, por outro lado (função condenatória), a alcançar a eventual condenação do réu no pagamento do saldo que se venha a apurar.[5]
Pressupõe este, a obrigação de alguém que está sujeito a prestar a outrem contas dos seus atos e tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e despesas realizadas por quem administra bens alheios, e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.
Chegamos assim á natureza da obrigação de prestação de contas, que é, estruturalmente, uma obrigação de informação, que existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias (art.º 573º do CC) e cujo fim é o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efetuadas, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar a situação de crédito ou de débito.[6]
O Professor Alberto dos Reis[7] dizia já que, podia formular-se o princípio geral de que “quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas de tal administração ao titular desses bens ou interesses”.
A obrigação de prestar contas faz parte de um amplo dever de informação a cargo de quem gere o que não é seu, tendo por objeto o apuramento e a aprovação das receitas e despesas realizadas. Existe mesmo um princípio geral de que quem administra bens ou interesses alheios tem de prestar contas ao respetivo proprietário
Mas o escopo da prestação de contas não é apenas informar sobre os montantes recebidos e despendidos, serve também para o titular do respetivo direito aferir o mérito da administração alheia dos seus bens ou interesses.
Trata-se assim de uma obrigação patrimonial, como também resulta do objeto da ação a que alude o citado preceito, ficando o responsável pela prestação de contas sujeito à eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.
Do exposto retira-se que a condenação no saldo das contas aprovadas por sentença transitada em julgado, proferida no apenso BI não assenta em qualquer responsabilidade por danos causados, mas resulta tão-só da gestão das receitas e despesas da massa insolvente, feita pelo AI no âmbito das funções que lhe competiam no exercício dessa função, que até á data da cessação de funções desempenhou.
Como se pode ler no Acórdão do T.R.P. de 08/07/2004[8],“(…) o direito de exigir a prestação de contas está diretamente relacionado com a qualidade de administrador em que alguém se encontra investido quanto a bens que não lhe pertencem ou que não lhe pertencem em regime de exclusividade.
Essa atividade de administrador de bens alheios é suscetível de gerar receitas, podendo também impor a realização de despesas. Do confronto das receitas e despesas decorrerá ou não o apuramento de um saldo que aquele será condenado a pagar.
Atenta o direito que a autora pretende exercer- condenação do Administrador da insolvência cessante no saldo das constas apurado, em resultado da administração que fez do património da massa insolvente, podemos concluir que o estabelecido no art. 59º do CIRE que pressupõe uma ação de responsabilidade civil por danos causados ao devedor e aos credores da insolência ou da massa insolvente, não é aplicável ao caso sub judice, estando o cumprimento da obrigação em causa sujeita ao prazo geral de prescrição estabelecido no art. 309º do CC-
Em face do exposto, impõe-se a improcedência do recurso.
V-DECISÃO:
Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes que compõem este tribunal da relação em julgar improcedente o recurso, confirmado a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Porto, 12.12.2025
Alexandra Pelayo
Pinto dos Santos
Alberto Taveira
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[1] cfr. Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 7ª reimpressão, Almedina, 1987, pag. 445.
[2] CIRE anotado, vol I, reimpressão, Almedina, pg. 275.
[3] cfr. Prof. Alberto dos Reis, in “Processos Especiais”. Vol. I, pág. 316, no que respeita à ação de prestação de contas.
[4] Ver acórdãos da RC de 23.11.2010 (relator Fonte Ramos) e ac. da RG de 07.11.2019 (relator Jorge Teixeira), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[5] Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. II, 2ª ed., 2004, Almedina, p. 192.
[6] cfr. acs. do STJ de 9.02.2006 (relator Araújo Barros) e de 3.02.2005 (relator Salvador da Costa), ambos igualmente acessíveis em www.dgsi.pt
[7] in Processos Especiais, Vol. I, 1982, Coimbra Editora, p. 303
[8] Proferido no P (P0423549, disponível in www.dgsi.pt.