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RECLAMAÇÃO
DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE
IRRECORRIBILIDADE
Sumário
I – Decorre do art. 630º/1 do C.P.Civil de 2013 que o legislador exclui a recorribilidade dos despachos de mero expediente e dos proferidos no uso legal de poder discricionário, despachos cujo conceito se encontra estabelecido no art. 152º/4 do C.P.Civil de 2013. II - Os despachos de mero expediente configuram despachos que dizem respeito à tramitação do processo, sem tocarem nos direitos ou deveres das partes, ou seja, visam apenas a regular (com respeito pela lei) os termos do processo e, por isso, não são susceptíveis de ofender direitos processuais das partes ou de terceiros. III - O despacho recorrido, proferido pelo Tribunal a quo em 13/05/2025, não constitui uma verdadeira decisão sobre qualquer pretensão da Recorrente (nomeadamente, sobre a constante do requerimento de 23/04/2025), porque nada acrescentou ou modificou à situação jurídica da Recorrente já definida em antecedente despacho, sendo que, meramente para efeitos da ulterior tramitação dos autos e até orientação da secretaria perante expediente recebido de Tribunal Superior (e até já depois de ter sido elaborado termo de dispensa da conta em 24/04/2025), se limitou a declarar que nada mais havia a ordenar.
ACORDAMOS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES,
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1. RELATÓRIO
1.1. Da Decisão Reclamada
Nos autos principais de insolvência, na data de 06/12/2017, foi decretada a insolvência do Requerente AA.
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No apenso de liquidação (Apenso D), na data de 16/05/2023, e relativamente ao requerimento da Requerente BB (datado de 01/04/2023 e com a ref. citius «45080212»), foi proferido o seguinte despacho: “Arguindo os Requerentes a existência de um crédito alegadamente fundado em contrato-promessa de compra e venda celebrado com o devedor e relativo a imóvel entretanto apreendido para a massa insolvente, crédito aquele relativamente ao qual reclamam ainda existir um direito de retenção, o meio próprio para o exercício da respectiva pretensão, por via judicial, é a proposição de ação de verificação ulterior de créditos, nos termos previstos no art.º 146.º do CIRE, por apenso aos autos da insolvência, e dentro dos prazos ali previstos. Pelo exposto, concluindo-se não ser este o meio próprio para o exercício da pretensão deduzida, vai a mesma liminarmente indeferida. (…)”.
Na data de 03/06/2023, a Requerente BB interpôs recurso de apelação da referida decisão proferida em 16/05/2023, recurso que deu origem ao apenso K.
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No apenso K, na data de 19/12/2023, foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação de Guimarães, que julgou improcedente este recurso interposto e confirmou o despacho recorrido.
Na data de 09/01/2024, a Requerente BB interpôs recurso de revista do referido acórdão proferido em 19/12/2023, o qual não foi admitido por decisão singular de 04/03/2024, tendo sido admitida reclamação para o STJ desta decisão singular (cfr. despacho datado de 08/04/2024).
Na data de 25/05/2024, foi proferida decisão singular pelo Supremo Tribunal de Justiça que manteve o despacho de não admissão do recurso interposto em 09/01/2024.
Tendo a Requerente BB reclamado para a conferência (requerimento datado de 18/07/2024), na data de 17/09/2024, foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação e confirmou a decisão singular de 25/05/2024.
Na data de 16/12/204, a Requerente BB veio reclamar «do indeferimento do recurso interposto com efeito suspensivo, da decisão proferida para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça», tendo sido proferida, na data de 24/12/2024, decisão singular pelo Supremo Tribunal de Justiça, que indeferiu a reclamação «para o presidente do STJ, porquanto apenas nos casos de o acórdão ter resolvido uma questão de competência relativa tal recurso é admissível».
Tendo a Requerente BB reclamado para a conferência (requerimento datado de 09/01/2025), na data de 28/01/2025, foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação e confirmou a decisão singular de 24/12/2024.
Na data de 18/02/2025, a Requerente BB veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional relativamente ao acórdão de 28/01/2025.
Na data de 20/03/2025, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu decisão singular que indeferiu a interposição do referido recurso para o Tribunal Constitucional.
Na data de 03/04/2025, o Supremo Tribunal de Justiça informou este Tribunal da Relação de Guimarães que «foi proferido novo acórdão em 28-01-2025, tendo a reclamante interposto recurso para o Tribunal Constitucional, que por despacho de 20-03-2025, não foi admitido, encontrando-se os autos a aguardar o trânsito de referido despacho».
Na data de 10/04/2025, o Supremo Tribunal de Justiça informou este Tribunal da Relação de Guimarães do trânsito em julgado.
Na data de 11/04/2025, foi proferida decisão singular por este Tribunal da Relação de Guimarães a determinar a descida definitiva à 1ª instância do presente apenso K.
Na data de 22/04/2025, pelo Tribunal de 1ª instância, foi proferido o seguinte despacho: “Acórdão e decisões que antecedem: Tomei conhecimento”.
Na data de 30/04/2025, por determinação deste Tribunal da Relação de Guimarães, foi junto a este apenso K, o seguinte expediente:
- requerimento da Requerente BB datado de 23/04/2025 e dirigido «aos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça», com o seguinte teor - “não se conformando com a douta decisão proferida, em 24-03-2021, vem após notificação da mesma, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 72º, 75º, 75ºA da Lei 28/82 de 15 de Novembro, que subirá imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, para o que vem apresentar a sua motivação. Invoca o justo impedimento, conforme declaração médica que junta como documento nº um, para apresentar as Alegações e Motivações, logo que a sua saúde o permita”;
- e decisão singular proferida por este Tribunal da Relação de Guimarães, em 25/04/2025, com o seguinte teor - “Os autos baixaram já definitivamente desta Relação, cujo poder jurisdicional se esgotou, na sequência da certidão do STJ junta aos autos em 10 de abril de 2025, referência ...48 que certifica o trânsito em julgado do acórdão na data de 3 de abril de 2025. Assim, remeta-se o expediente ao tribunal de 1ª instância”. Na data de 13/05/2025, pelo Tribunal de 1ª instância, foi proferido o seguinte despacho: “Expediente que antecede: Visto. Atento o teor do despacho já proferido a 20.03.2025, nada a determinar”. Na data de 03/06/2025, a Requerente BB interpôs recurso de apelação da referida decisão proferida em 13/05/2023[2], recurso que deu origem ao presente apenso Q.
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Neste apenso Q, na data de 01/07/2025, foi proferido despacho de não admissão do recurso interposto pela Requerente BB em 03/06/2025, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e se transcreve parcialmente: “Uma vez que o despacho em crise se limita a confirmar decisão anterior, sendo por isso entendido como um despacho de mero expediente ou, pelo menos, proferido no uso de um poder discricionário do juiz, não é legalmente admissível o respectivo recurso em face do disposto no art.º 630.º, n.º 1 do CPC, assim não se admitindo o recurso ora interposto...”.
Deste despacho de não admissão do aludido recurso, na data de 17/07/2025, a Requerente BB deduziu a reclamação prevista no art. 643º/1 do C.P.Civil de 2013, pugnando por «a) Que seja admitida a presente reclamação; b) Que se revogue o despacho de indeferimento do recurso; c) E que o recurso interposto em 03 de junho de 2025 seja admitido e processado nos seus termos legais», e alegando os seguintes fundamentos, ainda que sem formular conclusões:
“1 - O recurso interposto visava a apelação, da decisão proferida, nos autos de processo acima identificado, que no referido despacho indeferiu o justo impedimento invocado pela requerente e ora recorrente. 2 - Contudo, o tribunal a quo entendeu que o despacho em crise se limita, a ser de mero expediente ou, pelo menos, proferido no uso de um poder discricionário do juiz,”, “a decisão não era recorrível” 3 - Tais fundamentos não colhem, uma vez que: O recurso deveria ter sido admitido; pois o prazo foi respeitado, a parte tem legitimidade para o efeito, decisão é recorrível nos termos do art. 629.º CPC, etc. O despacho recorrido não é de mero expediente nem do âmbito do poder discricionário do juiz, 4 - Com o indeferimento injustificado do recurso, é violado o direito fundamental ao recurso e à tutela jurisdicional efetiva, consagrados no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa”.
Não foi apresentada resposta à reclamação.
Na data de 24/10/2025, foi proferida decisão singular pelo relator com o seguinte decisório: “Face ao exposto, decide julgar-se improcedente a presente reclamação apresentada pela Recorrente, ora Reclamante BB contra a decisão proferida pelo Tribunal a quo na data de 01/07/2025 (não admissão do recurso) e, consequentemente, mais se decide manter tal decisão”.
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1.2 Da Reclamação para a Conferência
Inconformada com a decisão singular, a Requerente BB deduziu reclamação para a conferência nos termos do art. 652º/3 do C.P.Civil de 2013, alegando que: “1. A decisão ora reclamada não constitui despacho de mero expediente, pois incide sobre a admissibilidade de um recurso e, consequentemente, sobre o exercício do direito fundamental de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. 2. Trata-se de uma verdadeira decisão jurisdicional, porquanto decide uma questão de direito que afeta diretamente o direito da Reclamante a ver reapreciada uma decisão judicial, e não um simples ato de gestão processual interna. 3. O artigo 652.º, n.º 3 do CPC estabelece expressamente que das decisões do relator cabe reclamação para a conferência, exceto nos casos de despachos de mero expediente ou quando a lei disponha de outro modo, o que não se verifica no caso em apreço. 4. Assim, a decisão singular que julgou improcedente a reclamação do artigo 643.º do CPC deve ser submetida à conferência, para que três juízes da Relação se pronunciem sobre a matéria, assegurando-se o direito de defesa e o princípio da colegialidade das decisões jurisdicionais. 5. A posição defendida na decisão singular não é seguida unanimemente pela jurisprudência, Pois 6. A jurisprudência tem afirmado, de forma constante, que decisões singulares que julgam improcedentes reclamações do artigo 643.º do CPC não são de mero expediente, podendo ser objeto de reclamação para a conferência, nos termos do artigo 652.º, n.º 3 do CPC: – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-03-2021 (Proc. 105/17.0T8PVZ-A.P1-S1): “A decisão singular do relator que julga improcedente a reclamação de não admissão de recurso (art. 643.º CPC) não é de mero expediente, porquanto se pronuncia sobre o direito ao recurso e, nessa medida, admite-se reclamação para a conferência.” – Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-01-2022 (Proc. 3495/19.1T8VIS-A.C1): “A decisão do relator que indefere reclamação apresentada ao abrigo do art. 643.º CPC tem natureza jurisdicional, e não de mero expediente, podendo ser objeto de reclamação para a conferência (art. 652.º, n.º 3 CPC).” – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-07-2020 (Proc. 1074/16.1T8MAI-A.P1): “As decisões que recusam a admissão de recurso ou mantêm decisão de não admissão não são atos de expediente, mas atos de julgamento sobre a admissibilidade do recurso, abrangidos pelo regime do art. 652.º, n.º 3 CPC.” 7. Assim, à luz da lei e da jurisprudência citada, deve reconhecer-se que a decisão singular em causa tem conteúdo jurisdicional e, por isso, é suscetível de reclamação para a conferência. Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, requer que a presente reclamação seja admitida e apreciada pela conferência, nos termos do artigo 652.º, n.º 3 do CPC, e, em consequência, seja revogada a decisão singular reclamada, com a admissão do recurso interposto em 03/06/2025, garantindo-se o direito da Reclamante à tutela jurisdicional efetiva.”
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Não foi apresentada resposta à reclamação.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
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2. OBJECTO DA RECLAMAÇÃO E QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos do art. 652º/3 do C.P.Civil de 2013, a parte que se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão, devendo o relator submeter o caso à conferência. Perante a configuração prevista neste preceito legal, a parte pode limitar-se a manifestar a vontade de que a matéria em causa seja levada à conferência: a lei prevê simplesmente que a parte prejudicada requeira que sobre o despacho em causa «recaia um acórdão», sem exigir qualquer justificação/fundamentação para essa iniciativa, sendo que o facto de ter sido proferido despacho sobre qualquer questão processual ou material delimita suficientemente o objecto do posterior acórdão, dispensando outros desenvolvimentos[3], tanto mais que, como se decidiu no Ac. do STJ de 17/10/2019[4], “As reclamações apresentadas ao abrigo do disposto no art. 652.º, n.º 3, do CPC, não podem servir para aditar novos fundamentos ou questões”.
Neste “quadro”, o objecto da “reclamação para a conferência” é delimitado pelo âmbito do despacho do relator que não admitiu o recurso e, por via disso, é apenas uma a questão que incumbe apreciar e decidir por esta conferência: o recurso interposto pela Requerente é admissível, devendo ser revogada a decisão singular de não admissão do recurso?
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3. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos que revelam para a presente decisão são os que se encontram descritos no relatório que antecede.
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4. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Na decisão singular, da qual agora se reclama para a presente conferência, o Relator consignou a seguinte fundamentação: «Prescreve o art. 630º/1 do C.P.Civil de 2013: “Não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário”. Decorre deste preceito que o legislador exclui a recorribilidade dos despachos de mera expediente e dos proferidos no uso legal de poder discricionário, despachos cujo conceito se encontra estabelecido o art. 152º/4 do C.P.Civil de 2013: “Os despachos de mero expediente destinam-se a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes; consideram-se proferidos no uso legal de um poder discricionário os despachos que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador”. Atento o teor deste normativo, os despachos de mero expediente têm uma finalidade - prover o andamento regular do processo - e um pressuposto - não interferir no conflito de interesses entre as partes -, os quais determinam que se apresentem como despachos inócuos do ponto de vista da decisão, julgamento, aceitação ou reconhecimento do direito (atente-se, no entanto, que a sua irrecorribilidade observam a lei, podendo os mesmos ser objecto de impugnação, nos termos gerais, com fundamento na sua ilegalidade)[5]. Configuram despachos que dizem respeito à tramitação do processo, sem tocarem nos direitos ou deveres das partes, ou seja, visam apenas a regular (com respeito pela lei) os termos do processo e, por isso, não são susceptíveis de ofender direitos processuais das partes ou de terceiros[6]. Referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[7] que “os despachos de mero expediente compreendem: a) Os despachos internos, proferidos no âmbito das relações hierárquicas estabelecidas com a secretaria, de que são exemplo as ordens que o juiz a esta dirija (cf. art. 157-2); b) Os despachos que digam respeito à mera tramitação do processo, não tocando em direitos das partes ou de terceiros, de que são exemplo os que se limitem a fixar datas para a prática de actos processuais (arts. 151, n.ºs 1 e 3, 591-2, 478-1 e 507-1)”. Atendendo novamente ao teor do citado art. 154º/2, constituem despachos proferidos no uso legal de poder discricionário aqueles que são proferidos livremente pelo juiz ao abrigo de uma norma que, perante certo circunstancialismo, lhe confere uma ou mais alternativas de opção, devendo o juiz escolher em seu prudente arbítrio e tendo em atenção os fins do processo civil (justa resolução do litígio que é proposto)[8]. Caracterizam-se, por um lado, por estarem dependentes da ponderação da necessidade que sobre a oportunidade da sua prolação o Juiz faça e, por outro lado, por não prosseguirem qualquer juízo sobre a questão jurídica da causa, sendo que a determinação que deles emana em nada afecta o posicionamento das partes na lide, distanciando-se dos interesses em debate na acção[9]. Como se dá nota no Ac. desta RG de 16/09/2021[10], “o Juiz executa um despacho discricionário quando é livre de o fazer ou não e quando o seu conteúdo se não imiscui na apreciação jurisdicional de eventuais interesses postos em litígio pelos litigantes no pleito - poder discricionário quer dizer poder absolutamente livre, subtraído a quaisquer limitações objectivas ou subjectivas”. Por último, importa atentar que, como se explica no Ac. da RC de 12/10/2021[11], “é por vezes difícil esclarecer se determinado despacho envolve um momento discricionário - de apreciação, e não de decisão”, donde se deverá concluir que “não será verdadeira decisão a que não interfere no conflito de interesses entre as partes ou com o interesse ou o direito de terceiro interveniente dos autos (cf. o art.º 152º, n.º 4 do CPC), quer se trate, por exemplo, de despacho atípico que integra o relacionamento entre o juiz e a secretaria judicial, quer de despacho que incida sobre matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador, quer de despacho que em nada bole/interfere (acrescenta ou modifica) com a situação jurídica ou o interesse (os direitos ou as obrigações das partes ou de terceiros) definidos em anterior despacho decisório”. Revertendo ao caso em apreço, verifica-se que o despacho proferido em 13/05/2025, relativamente ao qual a Requerente interpôs o recurso (através de requerimento de 03/06/2025), tem apenas o seguinte conteúdo: “Expediente que antecede: Visto. Atento o teor do despacho já proferido a 20.03.2025, nada a determinar”. No despacho de não admissão do recurso (proferido na data de 01/07/2025), e ora reclamado, o Tribunal a quo considerou que o despacho datado de 13/05/2025 não era recorrível porque «se limita a confirmar decisão anterior, sendo por isso entendido como um despacho de mero expediente ou, pelo menos, proferido no uso de um poder discricionário do juiz». Ora, analisando a escassa motivação que a Recorrente (ora Reclamante) aduziu para sustentar a presente reclamação, é inquestionável que a mesma se mostra absolutamente insusceptível de contrariar o entendimento do Tribunal a quo no sentido da irrecorribilidade do despacho em causa. Com efeito: - por um lado, a Recorrente invoca que o despacho recorrido «indeferiu o justo impedimento invocado pela requerente e ora recorrente», o que não corresponde à realidade já que, como resulta do seu conteúdo (supra transcrito), em nenhum momento o Tribunal a quo se pronunciou (apreciou) o alegado «justo impedimento» e/ou emitiu qualquer determinação (comando) no sentido do seu indeferimento; - por outro lado, embora invoque que «não colhem os fundamentos de que o despacho em crise se limita, a ser de mero expediente ou, pelo menos, proferido no uso de um poder discricionário do juiz», a Recorrente nunca concretiza um único fundamento ou argumento no sentido de justificar a razão pela qual o despacho recorrido não é de mero expediente e/ou proferido no uso de um poder discricionário (aliás, na sua motivação, a Recorrente nem sequer contraria o fundamento invocado pelo Tribunal a quo no sentido de que o despacho recorrido «se limita a confirmar decisão anterior»); - por outro lado ainda, embora invoque que «a decisão é recorrível nos termos do art. 629.º CPC, etc.», para além de não concretizar esta alegação completamente genérica e abstracta, a Recorrente olvida que a questão a suscitar na reclamação não é o preenchimento dos requisitos previstos naquele art. 629º, mas sim se o despacho recorrido se enquadra (ou não) nos despachos irrecorríveis elencados no art. 630º/1; - e, por fim, a alegação de que «o indeferimento injustificado do recurso viola o direito fundamental ao recurso e à tutela jurisdicional efetiva, consagrados no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa», é, em si mesma, irrelevante porque em nada contende com a previsão do art. 630º/1, acrescendo que nenhum sistema legal comporta em si, realisticamente, a possibilidade ilimitada de interposição de recurso de toda e qualquer decisão judicial, sendo necessário estabelecer limites à possibilidade de interposição de recurso, sem que tal consubstancie, de imediato e sem mais, uma violação do princípios constitucionais consagrados no art. 20º da C.R.Portuguesa. Nestas circunstâncias, conclui-se que a (escassa) motivação aduzida na reclamação é completamente inadequada a contrair a natureza irrecorrível (do despacho datado de 13/0/2025) que foi afirmada no despacho reclamado, o que, por si só, conduz à improcedência da pretensão reclamatória. Apesar disso, sempre importa afirmar que, embora não se possa subscrever no segmento em que se refere «ter sido proferido no uso de um poder discricionário do juiz», o despacho reclamado merece a nossa concordância no segmento em que o Tribunal a quo qualifica o despacho recorrido como «de mero expediente». Concretizando. Na presente reclamação, a Recorrente omite, de forma tão expressa quanto incompreensível, que o despacho recorrido não incidiu sobre qualquer pretensão directa e concreta que tenha formulado perante o Tribunal a quo, mas sim sobre o expediente que foi remetido à 1ª instância por este Tribunal da Relação de Guimarães e cujo conteúdo consta do relatório que antecede mas que se volta a reproduzir para melhor compreensão. Tal expediente integra: - um requerimento da Requerente BB datado de 23/04/2025 e dirigido «aos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça» (e não ao Tribunal de 1ª instância), com o teor “não se conformando com a douta decisão proferida, em 24-03-2021, vem após notificação da mesma, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 72º, 75º, 75ºA da Lei 28/82 de 15 de Novembro, que subirá imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, para o que vem apresentar a sua motivação. Invoca o justo impedimento, conforme declaração médica que junta como documento nº um, para apresentar as Alegações e Motivações, logo que a sua saúde o permita”[12]; - e uma decisão singular proferida por este Tribunal da Relação de Guimarães, em 25/04/2025, com o teor “Os autos baixaram já definitivamente desta Relação, cujo poder jurisdicional se esgotou, na sequência da certidão do STJ junta aos autos em 10 de abril de 2025, referência ...48 que certifica o trânsito em julgado do acórdão na data de 3 de abril de 2025. Assim, remeta-se o expediente ao tribunal de 1ª instância”. Daqui resulta, com clareza meridiana, que foi este despacho (decisão singular) datado de 25/04/2025 deste Tribunal da Relação de Guimarães, e não o despacho recorrido, que apreciou a pretensão que a Recorrente (ora Reclamante) formulou (naquele requerimento de 23/04/2025) quer no sentido de recorrer da decisão singular do STJ (datada de 20/03/2025) para o TC, quer o sentido de invocar justo impedimento, sendo que, pronunciando-se sobre tal pretensão, considerou que estava esgotado o respectivo poder jurisdicional em razão de ter ocorrido o trânsito em julgado precisamente daquele despacho (decisão singular) do STJ proferido em 20/03/2025 (referindo-se que o trânsito em julgado deste despacho acarretou necessariamente o trânsito em julgado da decisão da qual se pretendia recorrer para o TC, ou seja, o acórdão proferido em 28/01/2025). Portanto, foi o despacho (decisão singular) datado de 25/04/2025 deste Tribunal da Relação de Guimarães que decidiu a pretensão que a Recorrente (ora Reclamante) formulou no requerimento de 23/04/2025, decisão esta que consistiu em já não ser possível conhecer da mesma em razão de ter ocorrido o trânsito em julgado precisamente do despacho (decisão singular) relativamente à qual se pretendia recorrer (novamente) para o TC (invocando-se um justo impedimento para a prática tempestiva deste acto) e, por via disso, estar esgotado o respectivo poder jurisdicional. Por conseguinte, e sem nos pronunciarmos sobre a existência de fundamento legal de uma pretensão de interposição de um recurso para o TC relativamente a uma decisão do STJ que não admitiu a interposição de um recurso para o mesmo TC e/ou de uma pretensão de invocação de um justo impedimento sem sequer alegar que a Recorrente (advogada em causa própria) não pôde constituir mandatário para a representar nos autos durante o eventual impedimento e/ou alegar a data em que cessou o mesmo, dúvidas não existem que foi o despacho (decisão singular) datado de 25/04/2025 deste Tribunal da Relação de Guimarães, ao decidir que já não era legalmente possível conhecer da pretensão formulada no requerimento de 23/04/2025, que integra um efectiva e concreta decisão e, por isso, pode ter ofendido um eventual direito processual da Recorrente (eventual direito a interpor novo recurso para o TC e invocar o justo impedimento para a prática de tal acto). Ora, apesar de integrar uma decisão (consistente em não ser possível conhecer a pretensão em causa) relativamente a um interesse processual suscitado pela Recorrente, esta não suscitou a sua reforma nem arguiu quaisquer vícios (cfr. arts. 613º e ss. do C.P.Civil de 2013), e dele também não interpôs recurso, pelo que transitou em julgado (cfr. art. 628º do C.P.Civil de 2013). É neste enquadramento (omitido pela Recorrente na sua reclamação) que surge o despacho recorrido, proferido pelo Tribunal a quo em 13/05/2025: este despacho, precisamente emitido na sequência do despacho (decisão singular) datado de 25/04/2025 deste Tribunal da Relação de Guimarães, limita-se a dar nota da tomada de conhecimento do expediente em causa («visto»), e porque jamais poderia contrariar uma decisão de Tribunal Superior (aquele despacho datado e 25/04/2025), mais se limita a referir que, em face do teor da decisão singular do STJ proferida em 20/03/2025 (não admissão do recurso para o TC), decisão esta que este Tribunal da Relação de Guimarães considerou transitada e como implicando o esgotamento do poder jurisdicional, nada mais a havia a apreciar («atento o teor do despacho já proferido a 20.03.2025, nada a determinar»). Deste modo, o despacho recorrido, proferido pelo Tribunal a quo em 13/05/2025, não constitui uma verdadeira decisão sobre qualquer pretensão da Recorrente (nomeadamente, sobre a constante do requerimento de 23/04/2025), porque nada acrescentou ou modificou à situação jurídica da Recorrente já definida em antecedente despacho (decisão singular datada de 25/04/2025 deste Tribunal da Relação de Guimarães - em face do transito em julgado da decisão do STJ da qual se pretendia recorrer para o TC, esgotou-se o poder jurisdicional relativamente à pretensão daquele requerimento de 23/04/2025), sendo que, meramente para efeitos da ulterior tramitação dos autos e até orientação da secretaria perante expediente recebido de Tribunal Superior (e até já depois de ter sido elaborado termo de dispensa da conta em 24/04/2025), se limitou a declarar que nada mais havia a ordenar, aliás em expresso cumprimento daquele antecede despacho (decisão singular) datado de 25/04/2025 deste Tribunal da Relação de Guimarães (como, aliás, se procurou esclarecer no despacho reclamado - «uma vez que o despacho em crise se limita a confirmar decisão anterior»). Sendo este o “quadro” do despacho recorrido, proferido pelo Tribunal a quo em 13/05/2025, temos necessariamente que concluir, em face do disposto no citado art. 152º/4, 1ª parte, que o despacho recorrido apenas consubstancia um despacho de mero expediente e, em consequência, enquadra-se no disposto no nº1 do citado art. 630º, apresentando-se como irrecorrível, pelo que, nos termos do art. 652º/1b) do C.P.Civil de 2013, não podia ser admitido, tal como bem se decidiu no despacho ora reclamado (proferido em 01/07/2025). Consequentemente e sem necessidade de outras considerações, deverá a presente reclamação ser julgada improcedente, mantendo-se o despacho recorrido. Nota final: como bem resulta dos vários apensos dos autos principais (nomeadamente, H a N), esta reclamação é mais uma das inúmeras que esta Recorrente tem vindo a deduzir no processo, numa conduta de constante suscitação de incidente processuais, que lhe são sucessivamente indeferidos”.
Salvo o devido respeito, o alegado pela Requerente/Reclamante quer no seu requerimento de reclamação contra o despacho do Tribunal a quo que não admitiu o recurso, quer no seu requerimento da presente reclamação para a conferência, é absolutamente insusceptível de colocar em causa o entendimento (e respectiva fundamentação) perfilhado pelo relator (e que supra se transcreveu na íntegra), o qual merece integral acolhimento desta Conferência.
Quanto aos fundamentos invocados no requerimento da presente reclamação para a conferência:
- nos pontos nºs. 1 e 2 do, alega-se que «a decisão ora reclamada não constitui despacho de mero expediente, pois incide sobre a admissibilidade de um recurso» e que «se trata de uma verdadeira decisão jurisdicional, porquanto decide uma questão de direito que afeta diretamente o direito da Reclamante a ver reapreciada uma decisão judicial, e não um simples ato de gestão processual interna», o que se mostra ininteligível: como resulta do teor da decisão singular, a decisão que foi qualificada como sendo um «despacho de mero expediente» foi o despacho proferido pelo Tribunal a quo em 13/05/2025, relativamente ao qual a Requerente/Reclamante interpôs o recurso; não existe, portanto, qualquer questão sobre se a decisão singular é ou não de mero expediente (caso o fosse, nem teria sido admitida a presente reclamação para a conferência);
- as alegações dos pontos nºs. 5 a 7 também se mostram ininteligíveis, já que a Requerente/Reclamante volta a insistir que a decisão singular não é de mero expediente (invocando-se até vários arestos que se pronunciam nesse sentido) e mais defende que a mesma tem conteúdo jurisdicional, quando, como já se explicou, não existe qualquer questão sobre a natureza da decisão singular;
- e as alegações dos pontos nºs. 3 e 4 são irrelevantes já que a Requerente/Reclamante limita-se a reproduzir as previsões constantes dos arts. 652º/3 e 643º do C.P.Civil de 2013.
Portanto, no requerimento da presente reclamação para a conferência não é deduzido um único fundamento que pudesse contrariar a natureza de despacho de mero expediente que a decisão singular atribuiu ao despacho recorrido.
Nestas circunstâncias e sem necessidade de demais considerações, impõe-se concluir que inexiste qualquer fundamento legal para, no contexto dos autos, deferir a presente pretensão da Requerente/Reclamante uma vez que, pelas razões explanadas na decisão singular, o despacho recorrido (datado de ) não é recorrível.
Consequentemente, deverá improceder a ressente reclamação para a conferência e manter-se integralmente a decisão singular do relator.
Improcedendo a reclamação, porque ficou vencida, deverá a Requerente/Reclamante suportar as respectivas custas (art. 527º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013), devendo a taxa de justiça ser fixada em 3 (três) UCs (art. 7º/4 do R.C.Processuais), tudo sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.
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5. DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a presente reclamação para a conferência deduzida pela Requerente/Reclamante e, em consequência, em manter a decisão singular do Relator.
Custas da reclamação pela Requerente/Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.
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Guimarães, 17 de Dezembro de 2025.
(O presente acórdão é assinado electronicamente)
Relator – Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício; 1ª Adjunta - Susana Raquel de Sousa Pereira; 2º Adjunto - Fernando Manuel Barroso Cabanelas.
[1]A presente decisão é redigida segundo a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, mas respeita-se, no caso das transcrições, a grafia utilizada nos textos originais. [2]Embora no requerimento de interposição do recurso, a Recorrente indique que a decisão de que pretende recorrer foi proferida em «15/05/2025», trata-se de um manifesto lapso de escrita já que inexiste qualquer despacho proferido nessa data e o único despacho proferido antes da interposição do recurso foi na data de 13/05/2025 [3]António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ªedição actualizada, Almedina, p. 302. [4]Juíza Conselheira Maria do Rosário Morgado, proc. nº8765/16.1T8LSB.L1.S2, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj. [5]Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, in In Código de Processo Civil Anotado - vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, 3ªedição, p. 207. [6]Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 249. [7]In Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, Artigos 1.º a 361.º, 324. [8]Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in obra referida, p. 325. [9]Cfr. Alberto dos Reis, in obra referida, p. 252. [10]Juíza Desembargadora Maria dos Anjos Nogueira, proc. nº1386/21.9T8VNF-A.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg. [11]Juiz Desembargador Fonte Ramos, proc. nº55711/17.1YIPRT-B.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc. [12]Embora neste requerimento datado de 23/04/2025, se indique que a decisão de que pretende recorrer (de novo para o TC) foi proferida em «24/03/2021», trata-se de mais um manifesto lapso de escrita já que inexiste qualquer decisão do STJ proferida nessa data, sendo que a única decisão singular proferida pelo Tribunal Superior antes do requerimento em apreço foi na data de 20/03/2025 (a qual indeferiu a interposição de recurso para o TC), conforme resulta do relatório que antecede.