1. A escusa de juiz, prevista no artigo 43.º do Código de Processo Penal, apenas pode ser deferida quando exista motivo sério e grave suscetível de gerar desconfiança objetiva quanto à imparcialidade do julgador.
2. A imparcialidade, enquanto garantia de processo equitativo, é aferida segundo um duplo critério: subjetivo (presunção de isenção pessoal do juiz) e objetivo (aparência externa de imparcialidade apreciada pelo cidadão comum), conforme jurisprudência consolidada do TEDH e do Supremo Tribunal de Justiça.
3. A circunstância de um magistrado intervir em diversos julgamentos relativos ao mesmo arguido, embora por factos distintos, não constitui, por si só, fundamento bastante para escusa; exige-se a demonstração de risco concreto de pré-juízo ou de aparência de pré-juízo.
4. No caso concreto, a juíza requerente integrou o coletivo que, por acórdão transitado em 18-08-2025, condenou o arguido pela prática de violência doméstica e violação de domicílio contra a mesma ofendida, tendo a decisão valorado elementos factuais e relacionais que constituem também matéria enquadradora dos factos a apreciar no novo processo.
5. A proximidade temporal entre os factos dos dois processos, a identidade de intervenientes, a previsível necessidade de reconstituição da dinâmica relacional prévia e o facto de a pendência do novo processo ter sido expressamente ponderada na graduação da pena do processo anterior constituem circunstâncias objetivas aptas a suscitar, do ponto de vista externo, dúvida fundada sobre a imparcialidade da julgadora.
6. Verifica-se, assim, um motivo sério e grave, idóneo a abalar a confiança pública na imparcialidade do tribunal, impondo-se o deferimento do pedido de escusa.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Acordam, em conferência, os Juízes da Relação de Coimbra:
…, Juiz de Direito, a exercer funções no Juízo Central Criminal …, veio apresentar pedido de escusa com vista a não intervir na audiência de julgamento, enquanto Juiz Adjunta, (em substituição do Mmº Juiz Dr. … a quem foi concedida escusa), a realizar no âmbito do processo comum coletivo n.º 66/24.8GAPPS, do Juiz 1 daquele Juízo Central Criminal, com base, e em síntese, nos seguintes fundamentos:
- nos presentes autos o arguido … encontra-se acusado da prática, em concurso real e efetivo, de um crime de Violência doméstica agravado [artigo 152º/1, alíneas b) e c), n.º2, alínea a), nº 4, nº 5 e nº 6 do Código Penal, de um crime de Violação de domicílio ou perturbação da vida privada [artigo 190.o, nº 1 e 3 do Código Penal], de um crime de Violação na forma tentada [artigos 164º, nº1, alínea a), nº 2, alínea a), nº 3, 22º, nº 1 e 2 e 23º do Código Penal e de um crime de Condução de veículo em estado de embriaguez [artigos 292.o, n! 1e 69.0, nº 1, alínea a) do Código Penal], alegadamente cometidos num período temporal compreendido entre setembro e outubro de 2024, sendo ofendida …, ex-companheira do arguido ….
- a ora signatária também já interveio como Juiz Adjunta no julgamento que decorreu no processo comum coletivo nº 82|23.7GAPPS, por referência ao mesmo arguido … (presidido pelo Mmo Juiz … a quem foi já deferida a escusa), no âmbito do qual o mesmo arguido foi condenado, por acórdão transitado em julgado em 18-08-2025, pela prática, em concurso real e efetivo, de um crime de Violência doméstica e de um crime de Violação de domicílio, por factos cometidos entre maio de 2023 e janeiro de 2024 também contra a mesma ex-companheira …, numa pena única de 2 anos e 10 meses.
- os hiatos temporais em causa em ambos os processos (processo comum coletivo nº 82/23.... e nos presentes autos) são ténues, conforme resultou da prova produzida neste último processo, de tal forma que já nesse processo se deu conta da pendência dos presentes autos nº 66/24.8GAPPS, circunstância que foi ponderada na motivação da pena aplicada, na deliberação tomada pelo Coletivo de Juízes, do qual a ora signatária fez parte.
Ciente de que a situação retratada não configura o fundamento do impedimento previsto no art 40º, do Código Processo Penal, afigura-se-nos contudo que, pelos mesmos fundamentos que presidiram ao deferimento do pedido de escusa deferido ao Mmº Juiz …, também a intervenção da ora signatária como Juiz Adjunta nos presentes autos, poderá consubstanciar a escusa contemplada no nº 4 do artigo 43º do Código de Processo Penal, considerando, conforme já referido, o hiato temporal dos factos, a sua similitude, os meios probatórios e a formação da convicção que conduziu à deliberação coletiva que culminou com a última condenação no julgamento anterior, no qual a ora signatária igualmente interveio.
Tal circunstância, poderá perante o arguido e a comunidade em geral, gerar motivo sério, grave e adequado a afetar a objetividade e a imparcialidade da ora signatária, se vier a intervir no novo julgamento em que é agora chamada a participar.
Neste sentido, remete-se para os Doutos Fundamentos invocados no Acórdão proferido por apenso aos presentes autos (cfr incidente de escusa processo no 66/24.8GAPPS-A) que ora se replicam, por no nosso modesto entender, se aplicarem, do mesmo modo, à situação da ora signatária.
Nestes termos, pelos fundamentos invocados, ao abrigo do disposto no art 45º, do Código de Processo Penal, peticiona-se ao Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que a ora signatária seja dispensada de intervir nos autos como Juiz Adjunta (em substituição do Mmº Juiz Dr. …).
O pedido de escusa em causa veio instruído com certidão contendo a acusação pública e a decisão instrutória proferidas no processo n.º 66/24.8GAPPS, assim como o acórdão, transitado em julgado, que a requerente subscreveu como adjunta na sequência do julgamento no qual participou na mesma qualidade no âmbito dos autos n.º 82/23.....
O pedido de escusa é tempestivo (art. 44º do C.P.Penal), sendo este Tribunal o competente para o conhecimento do mesmo (art. 45º, nº 1, al. a) do C.P.Penal).
Considerando o teor dos elementos com que se mostra instruído o pedido de escusa, não se revela necessária a produção de outras provas.
A questão a decidir é a de saber se a factualidade apresentada pela requerente constitui “motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”, que obrigue à sua escusa de intervir no processo como adjunta.
Cumpre apreciar e decidir.
Consideram-se provados, por documentos, os seguintes factos:
2.1. Nos presentes autos o arguido … encontra-se acusado da prática, em concurso real e efetivo, de um crime de Violência doméstica agravado [artigo 152º/1, alíneas b) e c), n.º2, alínea a), nº 4, nº 5 e nº 6 do Código Penal, de um crime de Violação de domicílio ou perturbação da vida privada [artigo 190.o, nº 1 e 3 do Código Penal], de um crime de Violação na forma tentada [artigos 164º, nº1, alínea a), nº 2, alínea a), nº 3, 22º, nº 1 e 2 e 23º do Código Penal e de um crime de Condução de veículo em estado de embriaguez [artigos 292.º, nº1 69º nº 1, alínea a) do Código Penal], alegadamente cometidos num período temporal compreendido entre setembro e outubro de 2024, sendo ofendida …, ex-companheira do arguido ….
2.2. A Requerente também já interveio como Juiz Adjunta no julgamento que decorreu no processo comum coletivo nº 82/23...., por referência ao mesmo arguido … (presidido pelo Mmº Juiz … a quem foi já deferida a escusa), no âmbito do qual o mesmo arguido foi condenado, por acórdão transitado em julgado em 18-08-2025, pela prática, em concurso real e efetivo, de um crime de Violência doméstica e de um crime de Violação de domicílio, por factos cometidos entre maio de 2023 e janeiro de 2024 também contra a mesma ex-companheira …, numa pena única de 2 anos e 10 meses.
2.3. Os hiatos temporais em causa em ambos os processos (processo comum coletivo nº 82/23.... e nos presentes autos) são ténues, conforme resultou da prova produzida neste último processo, de tal forma que já nesse processo se deu conta da pendência dos presentes autos nº 66/24.8GAPPS, circunstância que foi ponderada na motivação da pena aplicada, na deliberação tomada pelo Coletivo de Juízes, do qual a ora signatária fez parte.
2.4. Com base nestes mesmos fundamentos foi concedida escusa neste Tribunal da Relação ao Mº Juiz …, na sequência do que, por efeito da substituição legal, cabe à aqui requerente intervir como adjunta no julgamento em substituição daquele.
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III. Cumpre apreciar:
O art. 43º do C.P.Penal preconiza:
“1 - A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
2 - Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.º 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40º.
3 - A recusa pode ser requerida pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis.
4- O juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando se verificarem as condições dos n.ºs 1 e 2;
5 - Os actos processuais praticados por juiz recusado ou escusado até ao momento em que a recusa ou a escusa forem solicitadas só são anulados quando se verificar que deles resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo; os praticados posteriormente só são válidos se não puderem ser repetidos utilmente e se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo”.
A questão da suspeição do juiz relaciona-se com o princípio constitucional da independência dos tribunais, consagrado no art. 203º da Constituição da República Portuguesa, e a imparcialidade da administração da justiça está intimamente associada ao princípio do juiz natural, consagrado no art. 32º, nº 9, da Constituição da República Portuguesa (segundo o qual “nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”), o qual pressupõe que o juiz que intervém no processo é aquele que deve intervir de acordo com as regras da competência legalmente definidas para o efeito, com base em critérios de distribuição aleatória, só podendo, em circunstâncias graves, ser-lhe retirada uma causa que, no cumprimento da lei, lhe tenha sido atribuída para decisão.
Tal princípio fundamental só pode ser afastado a título excecional, quando a imparcialidade do juiz natural for justificadamente posta em causa, por outros princípios ou regras de valor igual ou superior, que a ponham em crise, como acontece sempre que, aos olhos da comunidade, o juiz natural deixa de surgir como capaz de assegurar a realização de um julgamento objetivo e imparcial, tal como é garantido pela Constituição da República Portuguesa (cfr. arts 32º, nº 1, 203º e 216º).
O legislador estabeleceu regras que permitem o afastamento do juiz natural, designadamente a que está prevista no mencionado art. 43º, consagrando o seu nº 4 a possibilidade de o próprio juiz, verificando-se qualquer das condições previstas nos n.ºs 1 e 2, poder pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir.
Resulta do mencionado preceito legal que a escusa de um juiz para pedir o seu afastamento numa determinada causa deve ocorrer quando a sua intervenção corra o risco de ser considerada suspeita, não por qualquer motivo, mas por se verificar fundamento que seja sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
Nessa medida, “as causas susceptíveis de constituir fundamento de recusa ou escusa, não se encontram taxativamente fixadas na Lei (contrariamente ao que acontece com os impedimentos de juiz fixados nos arts. 39.º e 40.º), limitando-se o Código a utilizar uma cláusula ampla e aberta que engloba qualquer “motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz” – art. 43.º, nº 1 e 4, estando, por isso, o juízo sobre a imparcialidade do juiz dependente das circunstâncias do caso concreto”[1].
Como bem refere o Acórdão do STJ de 08.11.2018, Proc. nº 30/15.8TRLSB.S1-D: “num processo de escusa ou recusa não há qualquer disputa entre partes, sujeitos ou intervenientes processuais. O que se discute é a posição de um juiz perante um determinado processo, se está ou não condições de apreciar a questão sub judice com objectividade e imparcialidade ou se, independentemente de tal facto, a sua intervenção processual poderá ou não suscitar perante a comunidade graves suspeitas de falta de imparcialidade”.
“A jurisprudência do TEDH (Mouraz Lopes, A Tutela da Imparcialidade Endoprocessual no Processo Penal Português, Coimbra Editora, 2005, pág. 86 e segs.), apoiada no art. 6.º n.º1 , da CEDH e no artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem - que a jurisprudência portuguesa tem seguido (Assim, vide, entre outros, o Ac. STJ de 20.10.2010, processo 140/10.8YFLSB, acessível em www.dgsi.pt.) - tem vindo a defender que a imparcialidade do tribunal deve ser avaliada numa perspetiva subjetiva, ou seja no sentido de determinar o que pensa o juiz que intervém num tribunal, no seu foro interior nessa circunstância e se ele esconde qualquer razão para favorecer algumas das partes; e numa perspetiva objetiva, ou seja relativa às aparências suscetíveis de serem avaliadas pelos destinatários da decisão como provocando o receio de risco da existência de algum prejuízo ou preconceito que possa ser negativamente considerado contra si (A importância das aparências ou da exteriorização da função jurisdicional é evidenciada no adágio anglo-saxónico “justice must not only be done; it must also be seen to be done”. O exercício de facto de determinadas funções, como as de juiz, impõem em absoluto uma total transparência no exercício dessas funções. Não basta ser, é preciso parecer, cfr. Mouraz Lopes, ob. e loc. cit.)” (Acórdão deste TRG de 20.02.2018, Proc. nº 28/18.4YRGMR)
Conforme refere, a este propósito, Paulo Pinto de Albuquerque in “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos”, Volume I, pág.151 e 152: “a imparcialidade pode ser apreciada de acordo com um teste subjetivo ou um teste objetivo … o teste subjetivo da imparcialidade visa apurar se o juiz deu mostras de um interesse pessoal no destino da causa ou de um preconceito sobre o mérito da causa … o teste objetivo da imparcialidade visa determinar se o comportamento do juiz, apreciado do ponto de vista do cidadão comum, pode suscitar dúvidas fundadas sobre a sua imparcialidade”.
Tem-se entendido que a imparcialidade subjetiva se presume até prova em contrário enquanto que, relativamente à imparcialidade objetiva, o elevado grau de generalização e de abstração na formulação de conceitos apenas pode ser testado na análise, em concreto, das funções e dos atos processuais do juiz.
No caso em apreço está em causa “o teste objetivo” que, segundo o Acórdão do STJ de 01.03.2023, Proc. nº 122/13.8TELSB-BQ.L1-A.S1, “se exprime na célebre formulação do sistema inglês justice must not only be done: it must be seen to be done, (“a justiça não deve apenas ser feita: deve ser vista como sendo feita”), enfatiza a importância das «aparências», como tem sublinhado a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, a propósito da definição do conceito de «tribunal imparcial» constante do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos”.
É manifesto, como vimos, que a seriedade e gravidade do motivo ou motivos causadores do sentimento de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz, só podem conduzir à sua recusa ou escusa quando objetivamente consideradas, efetuado um juízo casuístico, concreto e ponderado, de saber se o motivo adiantado preenche ou não aquela cláusula geral, determinando a desconfiança pública de imparcialidade.
Quando o juiz formula um pedido de escusa o que está em causa é a possibilidade do não reconhecimento público da sua imparcialidade sendo certo que a seriedade e a gravidade do motivo ou motivos causadores do sentimento de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz só são suscetíveis de conduzir à recusa ou escusa do juiz quando objetivamente consideradas.
Transpondo para o caso vertente as considerações expostas, temos a situação da Requerente que, tendo participado como adjunta num Tribunal Coletivo que julgou e, através de acórdão transitado em julgado em 18 de Agosto de 2025, condenou um arguido pela prática, em concurso efetivo, de um crime de violência doméstica e um crime de violação de domicílio, em função de factualidade predominantemente praticada sobre a ex-companheira entre Maio de 2023 e Janeiro de 2024, irá integrar, desta feita como Juiz Adjunta, num outro julgamento relativo ao mesmo arguido, pela prática, em concurso efetivo, de dois novos crimes de violência doméstica e violação de domicílio, assim como de um crime tentado de violação, alegadamente perpetrados sobre a mesma ex-companheira, e ainda um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, atinentes a um lapso temporal decorrido entre Setembro e Outubro de 2024.
Como se compreende, a circunstância de o magistrado judicial proceder a mais do que um julgamento penal relativo a um dado arguido, por factos diversos, ainda que suscetíveis de configurarem o mesmo ilícito penal, não deve traduzir, por si só, e como princípio de análise, uma fonte séria, ponderosa e justificada de desconfiança quanto à imparcialidade do julgador (podendo até perguntar-se a quantos dos muitos magistrados judiciais que denodadamente exercem o seu múnus funcional na área criminal isso não aconteceu – e acontece – ao longo das respetivas carreiras…).
O ponto é que, como bem se consignou na decisão que incidiu sobre o pedido de escusa suscitado pelo Mº Juiz …, de quem a Requerente é substituta legal, que aqui tem plena aplicação “ lidamos nós in casu com imputações de (além do mais) violência doméstica, traduzidas em “pedaços de vida” inerentes ao arguido e à sua ex-companheira bastante próximos em termos temporais. Com a particularidade de, como todos sabemos, carecerem esses mesmos “pedaços de vida” – e, para o que ora nos interessa, o “pedaço de vida” em causa na audiência a realizar – da mais que provável análise de uma dinâmica relacional prolongada no tempo, a que certamente se acederá mediante um inevitável exercício de flashback factual enquadrador –, correndo-se o (bem provável) risco de, nos autos n.º 66/24.8GAPPS, virem a “pisar-se terrenos” fácticos já antes objeto de atenção no julgamento ocorrido no processo n.º 82/23...., designadamente, por exemplo, os que se referem às razões do terminus do relacionamento entre ambos os envolvidos (cfr. teor da acusação e pronúncia – designadamente o seu ponto 4 – lavradas nos autos n.º 66/24.8GAPPS e do acórdão prolatado no processo n.º 82/23....)”.
Ora, na senda do que foi decidido no pedido de escusa atrás referido, o contexto relacional mais pregresso entre arguido e ex-companheira, tratado no identificado processo n.º 82/23...., fez também parte da base de valoração da decisão condenatória – em prisão efetiva – dirigida àquele, e emanada do Coletivo então presidido pelo Meritíssimo Juiz ali requerente no qual a Requerente participou como adjunta (sendo até que, como perpassa da motivação de facto e direito da aludida decisão condenatória e é invocado no presente incidente de escusa, se graduou a força probatória de fontes também a mobilizar no julgamento do processo n.º 66/24.8GAPPS, para além de que se tomou ainda em conta, na mencionada decisão, a pendência deste mesmo processo n.º 66/24.8GAPPS – e do que tal pendência objetivamente significava em termos de não pacificação da relação entre o arguido e a sua ex-companheira – para afastar, nos autos n.º 82/23...., a suspensão da execução da pena).
Parecerá, pois, que, em uma determinada perspetiva, poderia haver lugar à formulação da ideia (ainda que desconforme à realidade das coisas), por parte do arguido, de que a convicção judicativo-decisória da ora requerente, em parte da matéria a sujeitar a julgamento nos autos n.º 66/24.8GAPPS, estaria já como que “aprisionada” de um pré-juízo relativamente ao (e em prejuízo do…) mesmo arguido, possibilidade que, cremos, representará, por si só, um motivo sério, grave e adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade da requerente.
A propósito de um caso com algumas atinências com o presente, escreveu-se no sumário do Ac. Rel. Porto de 21/6/2017 constituir «(…) um justo motivo para ser deferida escusa, à luz do disposto no art. 43º/n.os 1, 2 e 4 (…)» C.P.P., «(…) a circunstância de a julgadora escusanda já ter participado em dois julgamentos conexos com o objeto do terceiro processo, no qual pediu escusa, por já ter expressado uma convicção segura em relação a factos relevantes e comuns aos três processos, pertinentes e essenciais à apreciação da responsabilidade penal dos mesmos arguidos, pelo mesmo tipo legal de crime» (aresto disponível em www.dgsi.pt).
Tudo ponderado, entende-se, pois, que o presente pedido de escusa [apresentado também que foi dentro do prazo estabelecido no art. 44º C.P.P. e dirigido de harmonia com o critério definido no art. 45º/n.º 1-a) do mesmo diploma legal] se mostra fundado, por forma a afastar eventuais suspeitas sobre a imparcialidade da Meritíssima Juiz em causa.
Pelo exposto:
Acordam os Juízes desta Relação em deferir o pedido de escusa apresentado pela Meritíssima Juiz … e, em consequência, dispensá-la de intervir na audiência de discussão e julgamento, enquanto Juiz Adjunta, em substituição do Mº Juiz … ( a quem foi concedida escusa com os mesmos fundamentos) no âmbito do processo comum coletivo n.º 66/24.8GAPPS, do Juízo Central Criminal – Juiz 1 – de Coimbra, da Comarca de Coimbra.
Sem custas.
Notifique.
*
*
(Revi, e está conforme)
D.S.
Paula Carvalho e Sá (Juiz Desembargador Relator)
António Miguel Veiga (Juiz Desembargador Adjunto)
José Paulo Registo (Juíz Desembargador Adjunto)
[1] Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto in “Código de Processo Penal – Comentários e notas práticas”, Coimbra Editora, pág. 102).