I - A não ponderação, nos termos dos artigos 43.º e 45.º do Código Penal, da substituição da pena de 10 meses de prisão por multa ou por outra pena determina a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.
II - Tal nulidade é sanada se, suscitada a questão no recurso, essa ponderação vier a ser feita em despacho complementar à sentença, que passou a fazer parte integrante da mesma.
I – RELATÓRIO
1 - …, foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido … imputando-lhe o MP, a prática em autoria material e como reincidente, nos termos do artº 75º e 76º do C.P de um crime de furto, p.p pelo artº 203º/1 do C.P.
O arguido contestou, oferecendo o merecimento dos autos e arrolou testemunhas.
Realizado o julgamento, por sentença proferida em 17-2-2025, foi o arguido condenado, nos seguintes (transcritos) termos:
Pelo exposto, o Tribunal decide:
1) Condenar o …, como autor material e reincidente de um crime de furto, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1, 75º e 76º do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão;
2) Condenar o mesmo arguido a pagar ao estado a quantia total de € 68,00 (sessenta e oito euros), correspondente à perda de vantagem do crime, nos termos do artigo 110º, nº 1, al. b), e nº 4, do Código Penal;
3) Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, fixando a taxa de justiça devida em 2 UC, a reduzir a metade em função da confissão, acrescida dos encargos a que deu causa – artigos 513º e 514º, ambos do Código de Processo Penal, e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
2 – Inconformado com tal decisão, dela recorreu o arguido, sendo que a respectiva motivação apresentada, termina com a formulação das seguintes (transcritas) conclusões:
…
3ª – O arguido, em absoluta colaboração com o Tribunal e com a Justiça, confessou,
integralmente e sem reservas, os factos de que vinha acusado, os quais foram cometidos quando
toxicodependente.
4ª - Atualmente, conforme facto provado 19, o arguido deixou o consumo de estupefacientes,
esperando seguir novo rumo de vida logo que termine o cumprimento a pena de prisão.
5ª- É entendimento do recorrente que o Tribunal a quo, perante a previsão abstrata de uma pena
compósita alternativa, deve dar preferência à multa sempre que formule um juízo positivo sobre
a sua adequação e suficiência face às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção
especial, nomeadamente de prevenção especial de socialização, preterindo-a a favor da prisão
na hipótese inversa.
6ª - Considerando as circunstâncias concretas e a “fase da vida” em que os factos foram
cometidos pelo arguido (muito diferente à “fase de vida” e que o arguido atualmente se encontra)
deveria a Mm. ª Juiz ter, em obediência aos critérios de prevenção especial e nos termos do
disposto no artigo 70º do Código Penal, ter optado pela pena de multa.
…
8ª - Decidida a opção pela prisão e fixada a medida desta, cabe ponderar as penas de substituição
legalmente previstas para o caso, o que o Tribunal a quo não fez!
9ª – No caso, o Tribunal a quo não aplicou ou justificou o afastamento da pena de substituição,
v.g., de multa.
…
12ª – Violou, assim, a douta Sentença, entre outros, o disposto no artigo 32º, nº 2 da Constituição
da República Portuguesa e o disposto nos artigos 40º, 50º, 70º e 71º, todos do Código Penal.
…
3- O recurso do arguido foi admitido na 1ª instância, por despacho de 27.3.25.
4- O Ministério Público na 1ª instância, apresentou resposta …
5- Nesta Relação, o Sr. Procurador Geral Adjunto, quando o processo lhe foi apresentado, nos termos e para os efeitos do artº 416º do C.P.P, emitiu parecer …
6- Foi oportunamente cumprido o artº 417º/2 do C.P.P, não tendo sido oferecida resposta.
7- Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
II - Questões a decidir
Delimitação do objecto do recurso
A única questão suscitada pelo arguido e recorrente, segundo as conclusões da sua motivação, respeita ao quantum e natureza da pena aplicada
III- Fundamentação de Facto
A decisão recorrida
Na sentença recorrida o Tribunal a quo considerou provado o seguinte:
Discutida a causa com relevo para a decisão a proferir, o Tribunal considerou provada a seguinte factualidade:
1- No dia 5 de abril de 2022, pelas 19.45 horas, o arguido …… deslocou-se ao posto de abastecimento de combustíveis da A..., S.A., …, fazendo-se transportar no veículo automóvel ligeiro de passageiros, …
2- Ali chegado, abasteceu o veículo com 34,36 litros de combustível (gasolina), no valor de € 68,00 (sessenta e oito euros);
3- Após o abastecimento, e apesar de saber que tinha de efetuar o pagamento correspondente, o arguido saiu do local, conduzindo o aludido veículo, sem proceder ao pagamento devido, fazendo seu o combustível contra a vontade do dono do posto;
4- O arguido quis agir e agiu com intenção de fazer seu o combustível, sem proceder ao seu pagamento, apesar de saber que o mesmo não lhe pertencia e que atuava contra a vontade do respetivo dono, a quem causava prejuízo no montante da gasolina com que abasteceu;
5- Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido por lei;
…
Quanto aos factos não provados, ficou consignado na sentença, o seguinte:
Discutida a causa, com relevo para a decisão a proferir, nenhum facto ficou por apurar.
O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão de facto nos seguintes termos:
O tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica de toda a prova produzida e examinada em audiência de julgamento, mormente nas declarações integralmente confessórias por parte do arguido, bem como no teor dos fotogramas retirados do sistema de videovigilância do local onde admitiu ter cometido os factos.
Mas se considerou o teor do certificado de registo criminal, os elementos documentais relativo ao cumprimento da pena aplicada no Tribunal de Setúbal, e as declarações do arguido, relativas à sua situação social e económica.
ANALISANDO
Da natureza e quantificação da pena de prisão, aplicada na 1ª instância
No que respeita à fundamentação da decisão, sobre a natureza da pena e determinação da sua medida concreta, o Tribunal a quo, decidiu do seguinte modo 8com sublinhados nossos):
“A moldura abstrata relativa ao artigo 203º, nº 1, do Código Penal, é de pena de prisão até 3 anos ou pena de multa.
Dispõe o artigo 75º, do Código Penal, nos seus nº 1 e 2, o seguinte:
…
Do texto ora transcrito, verifica-se que a punição como reincidente, depende da verificação, não só de requisitos formais – relacionados com penas anteriormente aplicadas – mas também como um requisito material a extrair de concreta matéria de facto.
Com efeito, exige-se, expressamente, para que a reincidência funcione, a verificação de que a condenação ou condenações anteriores não constituíram suficiente advertência contra o crime, tratando-se manifestamente de uma prevenção especial.
Uma nova condenação pode não ter força indiciadora de desrespeito, podendo antes acontecer que a reiteração na prática do crime seja devida a causas fortuitas ou exógenas que excluam a conexão entre os crimes reiterados por terem impedido de atuar a advertência resultante da condenação ou condenações anteriores.
Assim, não funcionando a reincidência de forma automática, os factos que integrem os mencionados pressupostos hão de constar na acusação e, posteriormente, da sentença.
Por outro lado, a reiteração criminosa – que se pode reportar a crimes de diversa etiologia - apenas releva para este efeito, se se relacionar a defeito de personalidade do agente, na medida em que o torna indiferente às finalidades das condenações anteriores. Logo, afigura-se essencial, saber da concreta factualidade relativa às condenações anteriores, conjugada com os novos factos em apreciação e com o modo de ser do arguido, personalidade e postura perante os factos cometidos.
Ora, afigura-se evidente que no presente caso todos os pressupostos estão reunidos para a condenação do arguido como reincidente.
Na verdade, para além da condenação anterior que sofreu, sem que entre estes factos e os que ora se apreciam tenham decorrido mais de cinco anos, considerando o desconto do período de tempo em que esteve em cumprimento de pena – e verificados que se encontram todos os pressupostos formais, afigura-se que a condenação anterior não serviu de suficiente advertência ao arguido, por causas exclusivamente endógenas e relacionadas com a sua personalidade e ausência de sentido crítico relativamente à sua atuação, o que o tornou indiferente à pena que anteriormente cumpriu até à liberdade condicional, sendo de aplicar o preceituado no artigo 76º, do Código Penal.
A escolha da pena depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial e não da culpa. Esta última revela para efeitos da medida da pena. Assim, o recurso às penas detentivas só será legítimo quando, dadas as circunstâncias, se não mostrem adequadas as sanções não detentivas.
No presente caso, não obstante a confissão do arguido, tendo em consideração os antecedentes criminais do arguido, também pela prática de crimes da mesma natureza, sem que as penas anteriores o tenham afastado da prática de novo ilícito da mesma natureza, impõe-se concluir pela exigência de aplicação de pena de prisão.
A opção do legislador pela culpa e exigências de prevenção, compreende-se como forma de realizar, por um lado, as finalidades da punição com a exigência de considerações sobre a prevenção e, por outro, ao atender-se à culpa, respeita-se a dignidade da pessoa do agente, funcionando esta vertente pessoal do crime como limite inultrapassável pelas exigências da prevenção – vide Figueiredo Dias, As consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 215.
Princípio básico imposto por aquele normativo e reforçado pelo artigo 40º nºs 1 e 2, é de que toda a pena tem como suporte a culpa concreta do agente, não havendo pena sem culpa e é esta que determina a medida daquela, intervindo também a prevenção geral positiva ou de integração, que visa a defesa do ordenamento jurídico e da própria sociedade, e a prevenção especial, que visa a ressocialização do agente.
Contra o arguido, a elevada intensidade do dolo, por direto, bem como as elevadas necessidades de prevenção geral associadas à prática do crime em causa. Ainda contra o arguido, o facto de possuir antecedentes criminais pela prática do mesmo ilícito.
A seu favor, o enquadramento familiar, a confissão efetuada e o facto de não efetuar consumos de estupefacientes, o valor pouco relevante do combustível furtado.
Tendo tudo isto em consideração, o Tribunal decide condenar o mesmo na pena de 10 (dez) meses de prisão. (…)”.
O arguido veio discordar do regime sancionatório a ele aplicado, alegando que se revela exagerado e desadequado à gravidade do crime por ele praticado e às necessidades punitivas que se colocam, apelando ao preceituado no artº 70º do CP, nos termos do qual o legislador impõe que se dê prevalência às penas não privativas da liberdade sempre que estas forem suficientes para realizarem as finalidades da punição.
…
Conclui, pedindo que a sentença recorrida seja revogada e substituída por outra, que determine a aplicação de uma pena de prisão fixada em limites inferiores e substituída por uma pena de multa ou suspensa na sua execução.
O M.P na 1ª instância pelo contrário, concorda com a natureza e medida concreta da pena que foi aplicada pelo Tribunal a quo, a qual considera justa, adequada e bem fundamentada, concluindo que a decisão recorrida não violou qualquer disposição legal, nem merece qualquer reparo, entendimento este perfilhado pelo Sr Procurador Geral Adjunto nesta Relação.
Quid Júris?
…
Entendemos que não assiste razão ao arguido recorrente e que o mesmo não invocou quaisquer factos com aptidão, para impugnar a decisão do Tribunal a quo nesta matéria, relativa à escolha da natureza da sanção a aplicar e determinação da sua medida concreta.
Constituem finalidades das penas a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 40º nº 1 do mesmo diploma legal.
A determinação da medida da pena, será pois efectuada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo em vista a protecção do bem jurídico em causa e a reintegração do agente na sociedade. Atender-se-á igualmente a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
Em caso algum a pena ultrapassará a medida da culpa do agente, esta vista enquanto juízo de censura que lhe é dirigido em virtude do desvalor da acção praticada (artºs 40º e 71º, ambos do Código Penal).
Serão tidas em conta as exigências de prevenção que no caso se façam sentir, incluindo-se tanto exigências de prevenção geral como de prevenção especial.
A primeira dirige-se ao restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, que corresponde ao indispensável para a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada.
A segunda visa a reintegração do arguido na sociedade (prevenção especial positiva) e evitar a prática de novos crimes (prevenção especial negativa) e por isso impõe-se a consideração da conduta e da personalidade do agente.
A Srª Juiza do Tribunal a quo, optou pela aplicação ao arguido de uma pena privativa da liberdade, que fixou em 10 meses de prisão, por entender que apenas a efectividade do seu cumprimento, satisfaz as necessidades de prevenção geral e especial que o caso suscita e é adequada à culpa do arguido.
Na verdade, o artº 43º/1 e artº 45º do C.P impunha que o Tribunal a quo ponderasse a substituição desta pena de 10 meses de prisão, por uma pena de multa ou por outra pena que não o obrigasse a cumprir dentro de um EP os 10 meses de prisão aplicada, o que não deixou de ser oportunamente feito, em despacho posterior à sentença condenatória de 17.2.25, por despacho judicial proferido em 12.6.2025, que assim veio sanar a nulidade de que padecia aquela sentença, em virtude dessa apontada omissão.
Nesse despacho complementar à sentença que passou a fazer parte integrante da mesma, a partir de 12.6.2025, ficou expresso porque razão não foi possível aplicar ao arguido, penas de substituição à prisão efectiva, conforme passagem que a seguir se recorda (com sublinhados nossos) :
“Pese embora a possibilidade de substituição da pena, nos termos do artigo 45º, do Cód. Penal, considerando as circunstâncias ponderadas contra o mesmo ao nível da determinação da medida da pena, desde logo no que tange aos seus antecedentes criminais e falta de eficácia das penas antes aplicadas, entende o Tribunal não ser de substituir a pena por outra não privativa da liberdade, uma vez que tal circunstância criaria no arguido um sentimento de impunidade.
Na mesma senda, entende-se que o arguido não seria capaz de interiorizar a necessidade de alteração do seu comportamento, respeitando as normas vigentes, caso se lhe permitisse o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, por força do preceituado no artigo 43º, do Código Penal. Na verdade, para tal conclusão, atende o tribunal não só aos seus antecedentes criminais, como à postura revelada em julgamento de constante desafio, não obstante ter admitido a prática dos factos.
Por outro lado, nos termos do artigo 50º, nº 1, do Código Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
É desde logo pressuposto da suspensão da execução da prisão a formulação de «juízo de prognose» favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, no sentido de a simples censura e ameaça da pena de prisão serem suficientes para o afastar da prática de futuros crimes. Não se torna necessário que o juiz tenha de atingir a certeza sobre o desenrolar futuro do comportamento do arguido, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser alcançada.
No caso concreto, tal juízo mostra-se desfavorável ao arguido. Na verdade, para além das exigências associadas à prevenção geral serem elevadas quanto ao crime cometido, há que atender aos antecedentes criminais do arguido e ao insucesso das penas que anteriormente lhe foram aplicadas, bem como à instabilidade de vida que demonstrou no seu percurso, determinando a sua condenação já como reincidente.
Assim, considera-se que as exigências inerentes à finalidade da punição só ficarão acauteladas com o cumprimento efetivo da pena de prisão determinada.”
É verdade que a primeira opção a fazer é entre a pena de multa e a pena de prisão. Para tanto, importa atender ao disposto no artº 70º do Código Penal, segundo o qual deve o Tribunal, sempre que for aplicável em alternativa uma pena não privativa e uma pena privativa da liberdade, optar por aquela não importe privação de liberdade. Esta preferência encontra-se, contudo, condicionada ao facto de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No caso vertente, e conforme o acima exposto, o Tribunal a quo não deixou de ponderar essa alternativa e explicou claramente, aliás como bem foi sublinhado pelo MP, porque razão não foi possível aplicar penas alternativas à prisão efectiva, cfr passagem a seguir exposta:
“Atentos os factos provados, apurou-se que, efetivamente, o arguido se dirigiu ao posto de combustível, abasteceu a sua viatura e saiu sem pagar, apropriando-se de coisa que não era sua, fazendo-o contra a vontade do respetivo proprietário.
Considerando o modo de atuação do arguido, este não podia deixar de saber que o combustível não lhe pertencia, não tendo qualquer autorização da proprietária para o efeito. Fê-lo, para alcançar a intenção concretizada de abastecer o seu veículo apoderando-se do que não era seu (…). Na escolha da pena, deve o julgador ter em atenção o critério constante do artigo 70º, do Cód. Penal, o qual dispõe: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
A escolha da pena depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial e não da culpa. Esta última revela para efeitos da medida da pena. Assim, o recurso às penas detentivas só será legítimo quando, dadas as circunstâncias, se não mostrem adequadas as sanções não detentivas.
No presente caso, não obstante a confissão do arguido, tendo em consideração os antecedentes criminais do arguido, também pela prática de crimes da mesma natureza, sem que as penas anteriores o tenham afastado da prática de novo ilícito da mesma natureza, impõe-se concluir pela exigência de aplicação de pena de prisão”.
Nada temos a censurar a tal entendimento que consideramos inteiramente adequado às circunstâncias do caso concreto, tendo em atenção a natureza do ilícito praticado (não obstante o valor pouco elevado do bem subtraído) e a personalidade do agente evidenciada na sentença recorrida.
Com efeito, tendo por base as finalidades das penas de protecção de bens jurídicos e de reintegração do agente na sociedade (artigo 40º, n.º 1 do Código Penal), entendeu o Tribunal de 1ª instância, não ser de optar por pena não privativa da liberdade neste caso, porquanto, face ao rol de antecedentes criminais do arguido, era manifesto o seu desrespeito e a indiferença pelas decisões dos Tribunais, sendo tal facto revelador de que uma simples pena de multa não assegurava de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
Decidiu-se assim que a pena de prisão aplicada, não deve ser substituída por multa ou outra pena não privativa da liberdade em termos efectivos, nomeadamente, não deve ser suspensa, nem substituída pelo regime de permanência na habitação nos termos do artº 43º do C.P.
Tendo por base o disposto no artº 45º e 43º do Cód. Penal, adianta-se desde já que, atenta a necessidade de prevenir por parte do arguido, o cometimento de futuros crimes nomeadamente idênticos ao dos autos, afigura-se-nos que a substituição da pena de 10 meses de prisão por uma pena de multa ou pelo regime de permanência na habitação, se revelaria sem dúvida uma sanção ineficaz para assegurar as finalidades de punição, estando totalmente postas de parte no caso dos autos, como aliás ficou expressamente dito na sentença.
Na verdade, para além de ser esta a nona vez que o arguido é condenado pela prática de um crime contra a propriedade, o facto é que não obstante ter cessado os consumos de estupefacientes quando esteve privado da liberdade, tal atitude pode como sabemos, ser revertida a curto prazo e recair o agente nesse tipo de consumos (pois que um toxicodependente terá de ao longo da vida, de fazer um esforço diário, no sentido de se manter longe dos consumos, e muitas vezes, só com ajuda médica e terapia constante, consegue ter sucesso, sendo ainda assim previsíveis possíveis recaídas futuras), não possuindo por isso este Tribunal, qualquer garantia de que o arguido tenha assumido já uma efectiva consciência da gravidade da sua conduta e da necessidade de se afastar da prática de crimes, revelando o seu percurso criminal passado e a sua condenação actual como reincidente, uma falta evidente de conformação com o direito, sendo elevadas as necessidades de prevenção geral e especial.
Por essa razão, torna-se necessário que este encare e tome consciência da decisão de punição da sua conduta proferida nestes autos, onde se optou por aplicar uma sanção mais severa, privativa da liberdade, para assim permitir que o agente interiorize a gravidade do seu comportamento.
Por outro lado, e de harmonia com o disposto no artº 50º do Cód. Penal, o Tribunal só pode suspender a execução da pena de prisão aplicada, em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
As penas devem ser aplicadas com um sentido ressocializador, devendo o Tribunal por isso, quando aplica uma pena de prisão até 5 anos, suspender a sua execução, sempre que, reportando-se ao momento da decisão, possa fazer um juízo de prognose favorável sobre a conduta futura do arguido. Este juízo não assenta numa certeza, bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição.
Todavia, in casu, por crimes por ele cometidos contra o património, já lhe foram aplicadas no passado, cfr o provado em 6) a 18) na sentença recorrida, penas de multa e penas de prisão suspensas na sua execução por várias vezes e também penas de prisão efectiva, e todavia, não obstante tais condenações, o arguido reiterou novamente em 5.4.2022, na prática factos de idêntica natureza, que são objecto deste processo, revelando assim, não ter interiorizado a necessidade de se abster deste tipo de comportamento, ou seja, sem que o arguido tenha interiorizado suficientemente o desvalor da sua conduta, mantendo-se afastado da prática de crimes, em especial da prática de crimes contra o património.
…
Pelo exposto, torna-se evidente que a mera censura do facto e a ameaça da pena de prisão não é suficiente, para levar o arguido a deixar de praticar novos ilícitos desta índole, razão por que não poderá ser aplicada neste caso, a suspensão da execução da pena de prisão.
…
Assim, também nós cremos que no caso concreto, só o contacto com o ambiente prisional poderá consciencializar o arguido da gravidade da sua conduta e também das consequências que dela podem advir de forma a afastá-lo da prática de crimes, nomeadamente dissuadi-lo de voltar a cometer crimes contra o património.
Aqui chegados, não podemos deixar de concordar então, com a decisão do Tribunal a quo, pois que atento tudo o exposto, nomeadamente a matéria de facto apurada, quer aquela que integra o ilícito objecto destes autos, quer aquela respeitante à situação pessoal e antecedentes criminais do arguido, a substituição da pena de prisão por uma pena de multa ou a suspensão da sua execução, não se revelam sanções punitivas adequadas, por serem elevadíssimas as necessidades de prevenção especial sentidas no caso sub Júdice, face à sua conduta anterior à prática do crime destes autos.
…
As várias condenações por crimes anteriormente praticados, num total de 11, que ao recorrente foram já impostas, sendo que do conjunto delas, 8 foram motivadas por crimes contra a propriedade, revelam que outras sanções menos graves, tal como as sanções económicas (pena de multa) ou mesmo de censura mais grave (pena de prisão suspensa na sua execução), não seriam sanções idóneas para o afastar de voltar a reincidir na prática de crimes da mesma natureza – ponderando ainda que no caso presente, a confissão do arguido não tem relevo significativo, nos termos que ficaram exarados, na sentença.
Constata-se assim, que em relação a estas duas últimas medidas sancionatórias alternativas à prisão efectiva e supra analisadas, (pena de multa ou regime da suspensão da execução da pena de prisão peticionadas pelo recorrente), são sempre as elevadas exigências de satisfação da prevenção especial e geral suscitadas no caso concreto, que inviabilizam a sua aplicação.
Na verdade, se o crime objecto deste nosso processo, se tratasse das primeiras situações em que o Tribunal foi chamado a apreciar este tipo de actuação que motivou o julgamento do arguido, faria no nosso modo de ver, todo o sentido, ponderar a eventual aplicação de outro tipo de penas, nomeadamente de penas de natureza não privativa da liberdade.
Mas neste momento, tendo em atenção o que ficou provado em 6) a 18) na sentença condenatória proferida no Tribunal recorrido, afigura-se-nos que bem andou esse Tribunal a quo quando decidiu aplicar-lhe uma pena de prisão efectiva (10 meses) no presente caso.
…
Admitimos que a privação da liberdade do recorrente em resultado do cumprimento de uma nova pena de prisão por este tipo de ilícito, lhe possa causar desconforto, mas será exactamente essa situação de privação, que poderá no futuro, levá-lo finalmente à compreensão das razões que o impedem de continuar em liberdade, enquanto persistir na reiteração deste tipo de condutas ilícitas.
Acontece porém que neste momento, não estamos ainda convencidos que o recorrente já tenha efectivamente interiorizado essa compreensão e se afaste do mundo de crime e dos consumos de estupefacientes.
E acima de tudo, certamente que a comunidade não compreenderia que quem já foi condenado 8 vezes por crimes contra o património, sofrendo inclusive penas de prisão efectiva, não fique agora privado da liberdade, quando se trata de julgar factos de idêntica natureza por ele praticados pela 9ª vez, de forma voluntária e consciente.
Tudo isto, permite assim concluir, assim que o arguido nada trouxe em sede de recurso, que permita alterar a pena que lhe foi imposta.
Em resumo e tudo visto, afigura-se-nos que só a privação da liberdade, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que deve a pena de prisão aplicada ao arguido ser cumprida de forma efectiva.
As condenações anteriores impostas ao recorrente – pena de multa e penas de prisão suspensas na sua execução - e a sua persistência em continuar a praticar crimes, em especial contra o património, não permitem acolher a sua pretensão que agora formula por via deste recurso.
E isso mesmo foi dito na sentença recorrida, ao considerar-se adequada a aplicação ao arguido de uma pena de prisão efectiva, decisão com a qual concordamos.
Por tudo o acima exposto, afigura-se-nos que só a privação da liberdade, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que deve a pena de prisão aplicada ao arguido ser cumprida de forma “efectiva”.
O recurso do arguido improcede na íntegra.
IV – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 4ª secção deste Tribunal da Relação em:
a) Julgar não provido o recurso interposto pelo arguido … e manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
b) Condenar o arguido em taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) Ucs.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2025
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(Ana Paula Grandvaux)
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(Helena Lamas)
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(Rosa Pinto)