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SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
PROCEDIMENTO CAUTELAR
EXECUÇÃO DA DELIBERAÇÃO
DANO APRECIÁVEL
Sumário
SUMÁRIO (art. 663º, n.º7 do Código de Processo Civil). 1. Apenas as deliberações de execução contínua ou permanente são passíveis de suspensão, na medida em que apenas em relação a estas – e já não àquelas cuja execução instantânea produz de imediato o efeito danoso – se pode ter a expectativa de evitar um prejuízo ou de evitar um ato de execução suscetível de causar prejuízo. 2. A aprovação de um plano estratégico projetado a 5 anos não se poderá considerar como uma deliberação de execução instantânea, quando, independentemente de parte do seu conteúdo contemplar meras perspetivas genéricas e não definitivas de gestão ou expansão da atividade da sociedade, ou “objetivos estratégicos”, do seu conteúdo emerge igualmente a perceção do modo como serão aplicadas as disponibilidades de tesouraria ou os valores de financiamento bancário que se projeta contratar e que, necessariamente, serão executados em atos a praticar ao longo dos anos subsequentes. 3. Estando assente que, não obstante a ação anulatória instaurada, os requerentes, porque participaram no aumento de capital deliberado, mantêm os mesmos direitos sociais que titulavam em fase anterior à aprovação da deliberação, não se poderá antecipar qualquer prejuízo direto associado à eventual demora na decisão da ação principal. 4. As genéricas discordâncias em relação ao rumo delineado, à parca fidedignidade do plano estratégico ou à ausência de comparação com planos alternativos, não são suficientes para corporizarem elementos concretos, quantificáveis ou mensuráveis que permitam, após prova, concluir que nos encontramos na presença de efetivo risco de dano apreciável ou de um prejuízo que possa ser agravado pela demora da ação de anulação.
Texto Integral
Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I.
1. ARTÉMIS MÁGICA UNIPESSOAL, PG e BO instauraram procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais contra VELVETDESTAK, S.A., todos melhor identificados nos autos, pedindo, a final, que:
A. seja ordenada a suspensão da deliberação social tomada na sequência da votação do ponto um da ordem de trabalhos da assembleia geral de 29.04.2025
B. seja ordenada a suspensão da deliberação social tomada na sequência da votação do ponto dois da ordem de trabalhos da assembleia geral de 29.04.2025,
por ter ficado demonstrado que as mesmas são contrárias à lei, por se tratar de deliberações anuláveis, quer nos termos da alínea b), quer nos termos da alínea c) do n.º 58 do CSC, por ter ficado demonstrada a qualidade de acionistas dos requerentes e a existência de um dano apreciável caso as deliberações em questão não venham a ser suspensas
Alegaram, para tanto e em síntese, que:
- são acionistas da requerida, juntamente com duas sociedades que detêm 80% do capital social, sendo a requerida uma das empresas que compõem o Grupo Torel, criada para consolidar contabilística e fiscalmente todas as atividades das empresas do grupo;
- os requerentes têm vindo a sofrer sucessivas rejeições de pedidos de informações, tendo sido instauradas duas ações de inquérito judicial, ainda pendentes de decisão;
- neste clima de animosidade criado pelos acionistas maioritários, surge a intenção de proceder a um injustificado aumento de capital com o propósito de diluir as participações sociais dos requerentes, sendo a ordem de trabalhos prevista na convocatória para a assembleia geral de 29-04-2025 a de: 1. Deliberar, a pedido do Conselho de Administração, sobre o Plano Estratégico Torel 2025-2030; 2. Deliberar sobre proposta de aumento de capital social no montante de €850.000,00 (oitocentos e cinquenta mil euros), por entradas em dinheiro e reservado a acionistas, e, consequentemente, alterar a redação do Artigo 4.º do Contrato de Sociedade, tendo ambas sido aprovadas com os votos a favor das acionistas maioritárias, com votos contra dos requerentes, com declaração de voto em relação ao ponto dois;
- a aprovação das deliberações não foi precedida do fornecimento aos Requerentes e acionistas dos elementos mínimos de informação legalmente obrigatórios (elementos essenciais cuja falta de constatou em sede de assembleia geral) e teve como únicos propósitos a diluição da participação social dos Requerentes na sociedade Requerida e a atribuição de um benefício à acionista maioritária ELANDIVERS, LDA;
- o aumento de capital não tem justificação contabilística ou financeira, tendo por base um plano impreciso e contraditório, que alude a necessidade de investimento, quando a intenção expressa do Conselho de Administração da Sociedade é a de fazer uso do respetivo capital para realizar pagamentos aos próprios acionistas e não para, conforme primeiramente alegado, cobrir os valores decorrentes do Plano Estratégico – prevê-se que o valor dos suprimentos seja reembolsado no ano de 2025, reembolso esse que é superior ao montante do aumento de capital solicitado para o Plano Estratégico e deliberado na assembleia geral em crise;
- os acionistas minoritários são chamados a participar de um aumento de capital social, sob pena de verem a sua participação social – que já é minoritária – reduzida a quase nada, quando o propósito da acionista ELANDIVERS, LDA. é de se fazer pagar pelo valor que, unilateral e alegadamente, aportou à sociedade;
- o plano estratégico aprovado não reúne mais do que um conjunto de medidas genéricas, avulsas, sem prazos ou estimativa dos mesmos, sem custos estimados e sem qualquer alusão a fatores fundamentais numa análise deste tipo de plano e foi apresentado é apresentado sem que tenham sido disponibilizadas as contas referentes ao ano de 2024, não obstante os pedidos efetuados pelos Requerentes nesse sentido em sede de Assembleia Geral;
- apesar de votarem contra as deliberações, os requerentes acompanham o aumento de capital social por forma a preservar a sua participação social, sem que daí advenha qualquer aceitação das deliberações, que consubstanciam um prejuízo real para os acionistas requerentes;
- após a “entrada” dos fundos na Sociedade e sem a suspensão das referidas deliberações, o Conselho de Administração aplicá-los-á no reembolso dos suprimentos aos acionistas maioritários, sendo essencial a suspensão da deliberação, uma vez que a utilização do referido capital cujo investimento foi realizado com base em premissas falsas, deve ser impedida;
- a não suspensão destas deliberações poderá levar à implementação do Plano em causa, pleno de falhas técnicas, para o qual será utilizado o valor que será subscrito pelos acionistas, com prejuízo para a Sociedade, passando o Conselho de Administração a gozar de um “cheque em branco” podendo realizar os gastos e despesas que pretender, contratando os serviços que entender, adquirindo os produtos que quiser, de forma irreversível.
Pretendem ser dispensados da propositura da ação, solicitando a inversão do contencioso, que têm por justificada.
2. Citada, veio a requerida deduzir oposição, pedindo, a final, a prolação de imediata decisão de mérito que julgue improcedente o pedido dos requerentes, pelo facto de os elementos já constantes dos autos permitirem, sem mais, tal decisão ou, caso assim não se entenda, que seja julgado improcedente o pedido deduzido pelos requerentes após produção de prova, por não verificação dos requisitos necessários ao decretamento da providência requerida.
Alega, em síntese, que:
- ambas as deliberações tomadas na assembleia geral (AG) já se mostravam integralmente executadas à data de citação da requerida, pelo que não são passíveis de suspensão;
- admitir que a deliberação de aprovação pelos acionistas reunidos na AG de um plano estratégico como o PET, ferramenta de gestão dinâmica que define a direção e a visão a 5 anos do Grupo Torel, que pode (e deve) ser revisto e ajustado periodicamente em função de mudanças no mercado, fosse uma deliberação de execução permanente ou continuada e, como tal, passível de suspensão judicial, significaria paralisar toda a atividade social, sendo o prejuízo resultante da suspensão da deliberação consideravelmente superior ao que poderia derivar da sua execução;
- a deliberação de aprovação do PET, na parte em que se poderia equacionar a hipótese de que a sua execução não se esgotaria no momento da sua aprovação na AG, foi executada com a subscrição pelos Requerentes do aumento de capital destinado parcialmente a financiar o investimento CAPEX para 2025;
- desde 15 de maio de 2025 o capital social da Requerida, integralmente subscrito e realizado, já era de €1.350.000,00 (um milhão trezentos e cinquenta mil euros), representado por 270.000 ações com o valor nominal de €5,00 cada um, não tendo ocorrido qualquer diluição das participações sociais dos requerentes, que subscreveram na íntegra a fração desse mesmo aumento de capital que lhes cabia subscrever;
- não obstante terem requerido a inversão do contencioso que os habilitaria a ficarem dispensados dos ónus de propositura da respetiva ação principal, os Requerentes propuseram, a 29 de maio de 2025, ação de anulação das deliberações sociais tomadas na AG da Requerida, dando causa à inutilidade superveniente daquela pretensão;
- não existe risco de dano apreciável para os requerentes decorrente da execução das deliberações ao longo do período de demora da decisão da ação principal, limitando-se aqueles a alegar matéria conclusiva, sem invocação de factos concretos, que permitam inferir a existência de prejuízos decorrentes das deliberações sociais já executadas, e da correspondente gravidade que esses alegados prejuízos teriam;
- o facto de os requerentes terem subscrito integralmente o aumento de capital, evitando a diluição das suas participações sociais, não poderá deixar de significar que não existe qualquer receio de produção futura de dano apreciável, continuando qualquer dos Requerentes a exercer os seus direitos sociais em função da posição relativa no capital social da Requerida (20% no seu conjunto) que já detinham e continuam a deter
- resulta indemonstrada, e sendo, como tal, meramente conjetural e desapoiada de quaisquer factos que o possam sustentar a alegação de que o capital aportado pelos Requerentes servirá para reembolsar suprimentos dos outros dois acionistas da Requerida, envolvendo essa alegação uma desnecessária e evitável confusão entre Cash-Flow e Capital Próprio;
- nenhuma das deliberações aprovadas está eivada de ilicitude, não tendo sido solicitados, em data prévia à realização da AG, quaisquer documentos complementares associados aos investimentos previsto no PET para expansão e/ou renovação das unidades hoteleiras do Grupo Torel (omitindo o seu dever de diligência) – ainda que os orçamentos das novas unidades hoteleiras hajam sido remetidas pelo Conselho de Administração da requerida aos requerentes em 15 de maio de 2025 -, nem possuindo as deliberações qualquer natureza abusiva.
3. Após remessa dos autos para apensação à ação definitiva entretanto instaurada pelos requerentes, em 26-06-2025 foi proferido despacho ordenando a notificação dos requerentes para se pronunciarem quanto à inutilidade superveniente da lide ou “não vindo a assim entender-se, e contendo os autos já matéria suficiente para proferir decisão a qual é apenas de Direito, notifique a Requerente para, no mesmo prazo se pronunciar, expressamente, sendo que já havia sido notificada da oposição”.
Por requerimento de 25-07-2025 os requerentes informaram os autos que desistem do pedido de inversão do contencioso.
4. Por despacho de 11-08-2025 foi proferido despacho final, que, atenta a desistência dos requerentes, considerou extinto o pedido de inversão do contencioso e, a final, julgou o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais totalmente improcedente.
5. Do despacho aludido em I.4 vieram os requerentes, em 01-09-2025, interpor o presente recurso de apelação, pedindo a revogação do decidido e o consequente decretamento da suspensão das deliberações dos pontos 1 e 2 da ordem de trabalhos da assembleia geral da requerida de 29-04-2025.
Apresentam alegações que sintetizam nas seguintes conclusões:
A) Por decisão de 11.08.2025, o Tribunal a quo decidiu liminarmente o indeferimento da providência cautelar de suspensão das deliberações sociais tomadas sob os pontos um e dois da ordem de trabalhos da Assembleia Geral da Sociedade Recorrida, realizada no passado dia 29.04.2025.
B) O Tribunal a quo ignorou factos essenciais do presente pleito, que, no mínimo, deveriam ter sido objecto de uma apreciação detalhada, com auxílio dos demais meios de prova indicados pelos Recorrentes, designadamente, a prova testemunhal.
C) Os Recorrentes não podem admitir os argumentos propugnados pelo Tribunal a quo, que levaram a esta decisão simplista e, por isso mesmo, injusta, pugnando pelo reconhecimento da necessidade de revogação da decisão liminarmente proferida.
D) O Tribunal a quo erra na apreciação dos factos, a todos os níveis pois não só a deliberação que ora se analisa não é de execução instantânea, como também os efeitos desta decorrentes são contínuos.
E) Quanto à primeira deliberação, parece-nos claro que possamos concluir que os efeitos decorrentes desta deliberação são contínuos – pelo menos, durante os cinco anos posteriores à aprovação da mesma.
F) Se, por um lado, esta deliberação não é de execução instantânea, não há razão para se concluir que é “susceptível de produzir efeitos imediatos sem necessidade de quaisquer acções adicionais tendo em vista a sua implementação”.
G) Resulta assim claro que, ainda que se considerasse ser esta deliberação de execução instantânea, os seus efeitos danosos continuam a verificar-se, permanecendo fundamento para a medida cautelar.
H) Apesar de o Tribunal a quo fazer a interpretação errónea de que esta deliberação é de execução instantânea e dela não dependem quaisquer acções adicionais para a sua implementação, não é com base nesta premissa que “fundamenta” a sua decisão.
I) Considera o Tribunal a quo que o dano que traria a suspensão da deliberação é superior ao dano eventual da não execução da mesma.
J) O dano que os Recorrentes alegam que a execução da deliberação aqui em apreço pode suscitar é, precisamente, a aplicação de um Plano vago, geral, sem densificar objetivos operacionais mensuráveis, sem identificar claramente os setores de investimento e as métricas de sucesso em causa.
K) Se, por um lado, temos o alegado dano de não “expandir o grupo” e não “aumentar a receita”, por outro lado, temos o dano de um altíssimo risco financeiro para a Sociedade, com a execução de um Plano nada fundamentado.
L) O pior cenário que se poderia verificar com a suspensão da deliberação seria o de não implementar um Plano que prevê uma expansão de hotéis – mantendo o grupo a mesma capacidade financeira, a qual o Conselho de Administração admite ser positiva aos dias de hoje.
M) Não nos parece que, aqui chegados, possamos concluir de forma diferente de que o dano que a execução contínua desta deliberação trará é manifestamente superior ao dano da sua suspensão.
N) Quanto à deliberação tomada sob o ponto dois da ordem de trabalhos, o Tribunal não dedica mais do que uma frase à análise das razões pelas quais entende que a deliberação tomada sob o ponto dois da ordem de trabalhos não deve ser suspensa.
O) A deliberação que aprovou o aumento de capital pode ser considerada uma deliberação de execução instantânea, porém - conforme já referido e para onde se remete agora -, os efeitos decorrentes da mesma podem ser duradouros.
P) Por outro lado, há que ter em consideração que a deliberação tomada sob o ponto dois, apenas foi equacionada para – alegadamente – a realização do Plano (objeto da deliberação tomada sob o ponto um).
Q) Só se poderá concluir que, a suspensão da deliberação tomada sob o ponto um da ordem de trabalhos, terá de levar, em consequência, à suspensão da deliberação tomada sob o ponto dois da mesma.
R) Só poderá o Tribunal ad quem decidir pela revogação da sentença proferida, substituindo-a por decisão que decrete a suspensão das deliberações sociais tomadas sob os pontos um e dois da ordem de trabalhos da Assembleia Geral da Sociedade, datada de 29.04.2025.
S) Não foi realizada pelo Tribunal a quo qual diligência de prova.
T) Incumbência que decorre, entre outras disposições legais, do artigo 411.º do CPC.
U) Em face do exposto, resulta evidente a necessidade de revogar a sentença proferida, substituindo-a por outra que decrete a suspensão imediata das deliberações sociais tomadas sob os pontos um e dois da ordem de trabalhos da Assembleia Geral datada de 29.04.2025.
6. Em 18-09-2025, a requerida apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.
Formula, a final, as seguintes conclusões:
A deliberação de aprovação do PET (Ponto 1 da Ordem de Trabalhos)
3.1. No caso da deliberação de aprovação do PET está claramente em causa, como bem assinalou o Tribunal a quo, uma deliberação de execução instantânea, ou seja, uma deliberação que produz efeitos imediatos sem necessidade de quaisquer ações adicionais tendo em vista a sua implementação. O que facilmente se conclui atenta a natureza do documento em questão.
3.2. Com efeito, como resulta da leitura do documento em causa (cf. doc. 13 junto ao RI), da exposição do mesmo documento efetuada pelo Vogal do Conselho de Administração da Requerida P.S. no decurso da AG e da intervenção inicial do Presidente do Conselho de Administração (cf. 2.2. da Alegação supra), está em causa um documento de gestão que:
(i) Define a direção e a visão a médio prazo (5 anos) do Grupo Torel;
(ii) Procede a uma análise SWOT (Forças, Fraquezas, Oportunidades, Ameaças), em que se avaliam os pontos fortes e fracos do Grupo, bem como as oportunidades futuras e ameaças do ambiente externo ao Grupo;
(iii) Define objetivos estratégicos para o horizonte temporal nele contemplado: aumentar eficiência nas unidades hoteleiras do Grupo, diversificar parceiros e definir, em termos gerais, os projetos do Grupo para o médio prazo, seja na renovação ou expansão das atuais unidades hoteleiras seja na projetada abertura de novas unidades;
(iv) Projeta a visão do Grupo a sete anos em termos de Revenue (receita) e de EBITDA (resultados operacionais) e a cinco anos em termos de tesouraria do Grupo.
3.3. O documento em causa, ao contrário do que sustentam os Recorrentes, não é um business plan no qual, por natureza, se detalha, do ponto de vista operacional e financeiro, um projeto ou negócio específico e se afere a sua viabilidade.
3.4. Como plano estratégico de conteúdo programático que é, o PET constitui uma ferramenta de gestão dinâmica, que pode (e deve) ser revisto e ajustado periodicamente em função de mudanças no mercado, ao passo que um business plan se foca na execução de um projeto definido, descrevendo-o e detalhando-o com o fito de obter financiamento, atrair investidores, avaliar a sua viabilidade e estabelecer os milestones da sua execução.
3.5. Pelo que, no seu desiderato estratégico, caucionado por ampla maioria dos votos expressos na AG, o Conselho de Administração não está vinculado a abrir todas as unidades hoteleiras cuja abertura se projetou no PET e que eventuais circunstâncias exógenas – v.g. impossibilidade de aquisição ou de arrendamento de imóveis ou terrenos para instalação de hotéis, de contratação de pessoal, de obtenção de financiamento, etc. – venham a ditar a necessidade de revisão ou de criação de alternativas aos meios que o Conselho de Administração se propõe empregar para consecução dos objetivos estratégicos expressos no documento em causa (o que implicaria a sua revisão).
3.6. Admitir que a deliberação em causa, aprovada por acionistas titulares de 80% do capital social e direitos de voto da Recorrida, pudesse ser suspensa por alegadamente se tratar de uma deliberação de execução continuada, seria supor que todos os atos de gestão contemplados no PET, que o Conselho de Administração e os acionistas que o aprovaram na AG entendem ser ações necessárias para atingir os objetivos estratégicos nele previstos, são atos jurídicos vinculados de que depende a produção do efeito típico ou direto do PET, o que seria absurdo atenta a natureza programática do documento em questão, na qual meramente se definem ou projetam objetivos, metas e ações entendidas como indispensáveis ao sucesso financeiro do Grupo, mas não se estabelece – nem se poderia estabelecer atenta a natureza das coisas – uma obrigação de resultado.
3.7. Admitir que a deliberação de aprovação pelos acionistas reunidos na AG de um plano estratégico como o PET fosse uma deliberação de execução permanente ou continuada e, como tal, passível de suspensão judicial, o que de forma alguma se concede, significaria, por isso, admitir aos Recorrentes, contra a vontade expressa por 80% do capital social e direitos de voto da Recorrida, a faculdade de paralisarem toda a atividade social da Requerida e do Grupo por si encabeçado que é, ex lege, da competência reservada do Conselho de Administração (artigo 405/1 do CSC).
3.8. O que então convocaria a necessidade de fazer intervir o juízo de proporcionalidade que a lei impõe ao Tribunal - artigo 381/2 do CPC - de comparação entre o alegado prejuízo dos Recorrentes, nascido com a execução desta deliberação e o prejuízo da Recorrida em consequência da sua não execução.
3.9. Ponderação essa que conduziria inelutavelmente à conclusão de que o prejuízo resultante da suspensão da deliberação seria consideravelmente superior ao que poderia derivar da sua execução, atendendo “ao grau do prejuízo que um [Requerentes] ou outro [Requerida] pode sofrer (…) ao volume dos interesses em jogo, quer no ponto de vista da sua extensão, quer no número dos respetivos titulares”.
3.10. É que, no caso vertente, (i) pelo volume dos interesses em jogo – implementação de um plano estratégico que, enquanto bússola da atividade social dos próximos 5 anos, permitirá ao Grupo Torel adquirir uma clara vantagem competitiva e alavancar as suas receitas e resultados operacionais vs. subscrição pelos Recorrentes de 20% do aumento de capital, isto é, com entrega em numerário de cento e setenta mil euros, destinado a reforçar o capital próprio da Requerida e a financiar parcialmente os investimentos já previstos no PET para 2025 -, (ii) pelo facto de, na componente de capital alheio (financiamento bancário), já se encontrarem contratadas linhas de crédito por sociedades participadas pela Recorrida (cf. docs. 1 e 2 juntos com a Oposição) para os investimentos previstos para 2025 e (iii) pelo facto da deliberação em causa ter sido tomada pelos acionistas (Elandivers e Classy Shadow) detentores de 80% do capital social e direitos de voto da Recorrida, é evidente que o prejuízo da não execução do PET é manifestamente superior ao putativo prejuízo decorrente da suspensão da deliberação da sua aprovação na AG.
3.11. Sendo evidentemente de rejeitar a alegação dos Recorrentes de que, alegadamente, o pior cenário decorrente da suspensão da deliberação seria o de não implementar um Plano que prevê a expansão de hotéis, mantendo o Grupo a mesma capacidade financeira positiva (conclusão L) do recurso).
3.12. Porquanto, para além de constituir um exercício de futurologia que é, por esse motivo, indemonstrável, contradiz expressamente o que PET aponta como uma das maiores fraquezas ou riscos que o Grupo atualmente enfrenta: a “concentração de ativos num só parceiro” e a “incógnita sobre o futuro dos contratos de arrendamento”, ou seja, a “preponderância de um só parceiro na titularidade dos ativos”, dado que atualmente, como explicita o PET21, os imóveis onde se encontram as atuais unidades hoteleiras do Grupo responsáveis por 78% dos seus resultados operacionais são propriedade de um único locador (Grupo MAREC).
3.13. Tema que foi, de resto, abordado pelo Presidente do Conselho de Administração da Requerida na AG em resposta a uma questão do representante voluntário da acionista e Recorrente Artémis sobre as incógnitas atinentes ao futuro dos contratos de arrendamento (cf. extrato da ata constante de 2.9. da Alegação supra).
3.14. De resto, o PET apenas foi submetido pelo órgão de gestão a apreciação e aprovação dos acionistas reunidos na AG – ao abrigo do que prevê o artigo 373/3 do CSC – por ter o Conselho de Administração entendido que o mesmo tinha um impacto e uma expressão económica de relevo face ao perfil e orientação estratégica passada do Grupo (atenta a análise SWOT dele constante). E porque, estando já previstos e orçamentados gastos de capital (CAPEX) para o ano de 2025 no montante de €3.400.000 (cf. fls. 196 da ata da AG) para cumprimento dos objetivos estratégicos do PET, o Conselho de Administração, no âmbito da sua discricionariedade de gestão e atento o interesse social, entendeu que: - “a estrutura mais adequada para fazer face a tal investimento resulta da combinação de fundo de maneio, do recurso a financiamento bancário e a um aumento de capital social da Sociedade por novas entradas em dinheiro de até EUR 850.000,00; e - ser de reconhecida conveniência (…) otimizar a estrutura de capitais próprios da Sociedade tendo em consideração o sucessivo crescimento do volume de negócios da Sociedade e do seu EBITDA e a consequente necessidade de melhoria do rácio de autonomia financeira do Grupo”. (cf. os considerandos da proposta de aumento de capital aprovada na AG cuja cópia constitui o doc. 14 junto ao RI e que consta a fls. 205 e 206 da ata; facto indiciariamente provado n.º 30).
3.15. Ora, a deliberação de aprovação do PET, na parte em que se poderia equacionar a hipótese de que a sua execução não se esgotaria no momento da sua aprovação na AG, teria sido, no limite, executada com a subscrição pelos Recorrentes do aumento de capital destinado parcialmente a financiar o investimento CAPEX previsto no PET para 2025.
3.16. Termos em que, por não preenchimento do requisito de atualidade da deliberação em apreço ou, adminicularmente, porque o prejuízo resultante da suspensão da deliberação seria consideravelmente superior ao da sua execução, bem andou o Tribunal a quo ao decidir que não emerge dos autos o periculum in mora que a providência requerida visaria prevenir, não determinando, em consequência, a suspensão da deliberação social em apreço.
A deliberação de aprovação da proposta de aumento de capital (Ponto 2 da Ordem de Trabalhos)
3.17. Quanto ao aumento de capital social no montante de €850.000,00 (oitocentos e cinquenta mil euros), por entradas em dinheiro e reservado a acionistas, proposto pelo Conselho de Administração e cuja aprovação foi deliberada na AG com os votos favoráveis de acionistas titulares de 80% do respetivo capital social e direitos de voto, a Recorrida já tinha, à data da citação para a presente providência cautelar, praticado todos os atos legalmente exigidos para que a deliberação em causa se tornasse apta à produção dos respetivos efeitos internos – através da declaração escrita da sua administração, prevista no artigo 88 do CSC, de que foram realizadas as entradas correspondentes ao aumento de capital deliberado – e externos – através do registo da deliberação na Conservatória do Registo Comercial e da sua publicação no Portal das Publicações de Atos Societários e de Outras Entidades (https://publicacoes.mj.pt) (cf. factos indiciariamente provados n.ºs 31 e 32 da Decisão recorrida).
3.18. Atos esses que, sem dúvida, constituem atos de execução da deliberação do aumento de capital que são da competência funcional do órgão de administração em conformidade com o disposto nos artigos 88/2 do CSC e 3/1/r), 14/1 e 15 do Código do Registo Comercial e que esgotam ou consomem toda a execução da deliberação de aumento de capital aprovada na AG.
3.19. É facto assente que, desde 15 de maio de 2025, e, por isso, muito antes da citação da Recorrida para a presente providência, o respetivo capital social, integralmente subscrito e realizado, já era de €1.350.000,00 (um milhão trezentos e cinquenta mil euros), representado por 270.000 ações com o valor nominal de €5,00 cada uma, tendo sido subscrito por todos os acionistas da Requerida (incluindo, claro está, os Recorrentes), pelo que não houve qualquer diluição das participações sociais detidas pelos acionistas.
3.20. Encontrando-se integralmente executada a deliberação de aumento de capital em crise, isto é, concretizado o aumento de capital da Requerida a 15 de maio de 2025, não existe qualquer deliberação de aumento de capital passível de suspensão, não sendo assim possível decretá-la judicialmente por ausência do preenchimento in casu do requisito da atualidade da deliberação.
Da não produção ou receio de produção de dano apreciável
3.21. De acordo com a nossa jurisprudência uniforme, no quadro da tutela cautelar o dano apreciável é o que imediata e diretamente advém da demora na decisão judicial de impugnação de uma deliberação social e não todo e qualquer prejuízo que a execução da deliberação comporte, ou seja, para determinação do dano apreciável apenas serão tidos em consideração os danos imputáveis à demora do processo de declaração de nulidade ou de anulação da deliberação e não todos os prejuízos que possam decorrer da execução dessa mesma deliberação.
3.22. Por outro lado, também conforme constitui orientação jurisprudencial uniforme, na apreciação do requisito do receio de produção do dano apreciável exige-se a prova da certeza ou de uma probabilidade muito forte do dano, por força da execução da deliberação, pelo que que o requerente de providência cautelar de suspensão de deliberações sociais deve alegar factos concretos e reais identificáveis no espaço e no tempo (factos estes que não se confundem com matéria conclusiva ou de direito e/ou com a reprodução de factispecies de normas) que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade.
3.23. Tendo presentes estas diretrizes jurisprudenciais, constata-se que no requerimento inicial (“RI”) os Recorrentes se limitaram a alegar matéria essencialmente conclusiva, nele não se contendo a alegação de factos concretos que permitam inferir a existência de prejuízos decorrentes das deliberações sociais já executadas e da correspondente gravidade que esses alegados, mas nunca fundamentos, prejuízos teriam (cf. o sumário constante de 2.22. e 2.23. da Alegação supra).
3.24. Mesmo situando-nos, para efeitos de discussão, na própria ótica de alegação dos Recorrentes, o facto destes terem subscrito integralmente o aumento de capital na proporção das participações que detinham, não poderá deixar de ter o significado de que os mesmos consideram que o alegado dano que pretendiam evitar já se produziu, circunstância em que o Tribunal nunca deveria decretar a providência. Ou que, pelo menos, não existe no caso vertente qualquer receio de produção futura de dano apreciável que pudesse decorrer da execução da deliberação de aumento de capital - escorado em factos concretos e reais que permitam aferir da existência de prejuízos e da sua gravidade – que a demora na obtenção da decisão da ação principal – já proposta e contestada pela Recorrida - permitisse ao Conselho de Administração da Recorrida produzir na esfera jurídica dos Recorrentes.
3.25. É que ao terem subscrito o aumento de capital nos termos sobreditos, evitando a diluição das suas participações sociais, os Recorrentes, obtendo a anulação contenciosa da respetiva deliberação na ação principal - o que por como mera hipótese se admite e, como tal, refere - sempre continuarão a deter uma participação global de 20% no capital social da Recorrida.
3.26. Pelo que nenhuma compressão dos seus direitos sociais – designadamente dos seus direitos de voto, direito à informação e direito aos lucros finais ou de liquidação – se verificou ou é suscetível de se vir a verificar no futuro, continuando qualquer dos Recorrentes a exercer os seus direitos sociais em função da posição relativa no capital social da Recorrida (20% no seu conjunto) que já detinham e continuam a deter.
3.27. Quanto ao que os Recorrentes invocam a respeito do alegado dano apreciável produzido pela aprovação do PET, trata-se claramente de alegações de natureza conclusiva e opinativa, sendo o RI completamente desprovido da invocação de factos concretos e reais, situados no tempo e no espaço, que pudessem revelar prejuízo patrimonial relevante.
3.28. De resto, mesmo em sede de alegação de invalidade da deliberação de aprovação do PET, os Recorrentes não foram capazes de identificar uma única disposição legal ou estatutária que o dito Plano tenha alegadamente violado, tendo-se limitado a emitir juízos de valor sobre o seu conteúdo e a invocar alegadas “falhas técnicas” de que o mesmo alegadamente padeceria e que não contendem com a lei ou com os Estatutos da Recorrida.
3.29. Sendo certo que, naturalmente, não cabe aos Tribunais o papel de emitir juízos de oportunidade ou conveniência sobre as deliberações tomadas ou os documentos, ferramentas ou planos de gestão da atividade social aprovados em assembleia geral, mas sim aferir se os mesmos são contrários à lei ou aos estatutos de uma sociedade comercial.
II.
Dado que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, sem prejuízo das questões passíveis de conhecimento oficioso (artigos 608º, n.º 2, parte final, ex vi do art.º 663º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil), constituem questões a decidir:
- apreciar se se verificam, em concreto, os pressupostos de decretamento da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais;
- aferir se ao tribunal recorrido se impunha realizar diligências de prova em fase anterior à prolação da decisão.
III.
O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
1.A sociedade VELVETDESTAK, S.A. aqui Requerida tem como objeto social a prestação de serviços de consultoria nas áreas da comunicação e imagem, relações públicas, organização de eventos, gestão e exploração de actividades hoteleiras, de alojamento e de restauração, alojamento mobilado a turistas, arrendamento de imóveis (cfr. certidão permanente consultável no site www.eportugal.gov.pt, com o código de acesso 2557-0830- 387 e cópia de certidão junta sob DOC. 1.
2.A Requerida tinha o capital social de €500.000,00 (quinhentos mil euros) (Doc. 1 junto).
3. Os Requerentes são accionistas da Requerida (Doc 1).
4. A 1ª Requerente detém 18% do capital social da Requerida, o 2º Requerente detém 1% do capital social da Requerida e a 3ª Requerente detém 1% do capital social da Requerida (idem).
5. A sociedade ARTÉMIS MÁGICA - UNIPESSOAL LDA, desde a sua constituição e até a presente data, só tem como sócia única BO, maior, divorciada, Portadora do Passaporte n.º emitido em e válido até pelas Autoridades competentes, de nacionalidade austríaca, com o contribuinte fiscal português n.º, e desde a constituição é a sócia única detentora de uma quota com o valor nominal de 10.000,00 euros (dez mil euros)- (certidão consultada e determinada a junção).
6.O restante capital social da Requerida, isto é, a percentagem correspondente a 80% do mesmo, é detida pelas seguintes sociedades:
• CLASSY SHADOW, LDA. detentora de 10% das acções do capital social da Requerida;
• ELANDIVERS, LDA., detentora de 70% das acções do capital social da Requerida.
7. As sociedades acima identificadas são detidas pela Vogal do Conselho de Administração (com uma participação social de 100% da respectiva sociedade) e pelo Presidente do Conselho de Administração (com uma participação social de 99% da respectiva sociedade), respectivamente.
8. A aqui 3.ª Requerente foi membro do Conselho de Administração da Requerida, desde o ano de 2014 e, até 30.04.2024.
9.As seguintes pessoas colectivas, são sociedades participadas da 1.ª Ré, em domínio de grupo e quase total:
• Wurllitzer, Lda., com o NIPC 508582679: 99%
• Doulateral Restaurants, F&B, Lda., com o NIPC 514323400: 99%
• Velvet Euphoria, Lda., com o NIPC 514987081: 99%
• MajestikProtagonist, Lda., com o NIPC 514376732: 99% Creamy Joyful, Lda., com o NIPC 515165824: 100%; - tudo conforme certidões permanentes juntas como DOC. 4, 5, 6, 7 e 8 e se dão por integralmente reproduzidas para os devidos e legais efeitos.
10.As sociedades acima identificadas e a aqui Requerida compõem o Grupo Torel, tendo sido a aqui Requerida criada com o propósito de consolidar contabilisticamente e fiscalmente todas as actividades das empresas do grupo – Relatório de Contas Consolidadas e Individuais da 1ª Ré, referente ao ano de 2023 – DOC.9 - p. 7.
11.O Grupo Torel Boutiques é uma cadeia portuguesa de hotéis boutique de luxo que se destaca por transformar edifícios históricos em experiências únicas e sofisticadas, combinando arte, cultura e design com um serviço personalizado com unidades hoteleiras em Lisboa, Porto e Douro, este grupo aposta em conceitos criativos como quartos temáticos, cocktail labs e spas exclusivos, diferenciados que posicionou o Grupo Torel como uma referência no turismo de charme em Portugal (acordo).
12.A nível económico e nacional, o grupo tem um impacto significativo, valorizando o património arquitectónico português, gerando emprego qualificado, atraindo turismo internacional de luxo e contribuindo para a imagem de Portugal como um destino sofisticado e criativo – a sua abordagem inovadora e sustentável reforça o posicionamento de Portugal no mapa mundial do turismo boutique de alto valor (acordo).
13. No dia 29.04.2025, reuniu a Assembleia Geral da sociedade Requerida, da qual resultou lavrada Acta por Notário (doc. 10).
14.No âmbito da presente Assembleia Geral foram aprovadas, com os votos a favor das accionistas maioritárias, CLASSY SHADOW, LDA. e ELANDIVERS, LDA., as deliberações previstas em ambos os pontos da ordem de trabalhos (doc 10).
15.No que concerne ao ponto um e dois da referida ordem de trabalhos, os Requerentes votaram contra, tendo os Requerentes realizado declarações de voto. (doc 10).
16.Os Requerentes têm endereçado pedidos de informações, numa primeira instância, realizados em sede de Assembleia Geral. (acordo).
17. E nessa sequência, intentaram dois inquéritos judiciais contra a aqui Requerida, os quais correm termos sob os seguintes números de processo e nos tribunais que se indicam:
-…..3T8LSB, que corre termos no Juízo de Comércio de Lisboa – Juiz ;
- …...9T8LSB, que corre termos no Juízo de Comércio de Lisboa – Juiz ambos do Juízo de Comércio). Consulta realizada no sistema.
18.As deliberações aprovadas são correspondentes aos pontos 1 e 2 da ordem de trabalhos prevista na Convocatória da Assembleia Geral de 29.04.2025:
-deliberar, a pedido do Conselho de Administração, sobre o Plano Estratégico Torel 2025-2030;
-Deliberar sobre proposta de aumento de capital social no montante de €850.000,00 (oitocentos e cinquenta mil euros), por entradas em dinheiro e reservado a accionistas, e, consequentemente, alterar a redacção do Artigo 4.º do Contrato de Sociedade – (convocatória junta como DOC.11 e doc 10).
19. No dia 08.04.2025, o aqui 2.º Requerente, acompanhado de S.B., Notária, deslocou-se à sede social da Requerida para consulta dos relatórios e justificação que devem acompanhar a proposta de aumento de capital – (DOC.12).
20.Na sede da sociedade estavam disponíveis os seguintes documentos:
- Um documento denominado: “Plano Estratégico Torel 2025-2030”;
- Um documento denominado: “Assembleia Geral da Velvetdestak, S.A., 29 de Abril de 2025, Proposta relativa ao ponto dois da ordem de trabalhos” – DOC.13 e DOC. 14 e por acordo).
21.Da acta - doc 10 consta que “M. S. perguntou, em seguida, como é que um investimento global de € 3.4 milhões de euros poderá justificar a criação de um valor de 173 milhões de euros em vendas.
O PCA considerou que as projecções efectuadas levam à exibição de tais valores. Para além disso, existirá o efeito de estrutura central dos serviços partilhados, aumentando as respectivas eficácia e eficiência.
Seguidamente, M. S. afirmou que os participantes nesta AG não tiveram acesso a tais valores.
Face ao que antecede, o PCA não pretendeu usar da palavra” (doc 10).
22.Da referida Acta junta como Doc. 10, consta a seguinte passagem:
“Posteriormente, M. S. esclareceu que ouviu atentamente os accionistas a propósito a possibilidade de disponibilização da informação. Nesse sentido, questionou se o conselho de administração irá facultar o business plan (demonstração financeira) por si referido, e se o mesmo permite aferir os vários elementos necessários.
Ato contínuo, o PCA esclareceu que sobre cada projecto, serão enviados proximamente os CAPEX e EBITDA. Por seu turno, a demonstração financeira provisória não será enviada, sendo-o no devido tempo para a correspondente AG.”
E que “Seguidamente, A. A. questionou se o PCA considera que os business plans e as demonstrações provisórias iniciais eram fundamentais para o aumento de capital. O PCA respondeu que aparentemente não o eram, pois que os accionistas não os requereram.
Na sua opinião pessoal, tecnicamente seriam de exigir.” (doc. 10).
23.O valor devido pela Sociedade aos accionistas, a título de suprimentos, reporta-se a 31.12.2023 de €825.000,00 (oitocentos e vinte e cinco mil euros) (conforme Relatório e Contas de 2023 junto como Doc.9).
24.A Sociedade tinha procedido ao reembolso da totalidade dos suprimentos, durante o ano de 2024, aos referidos accionistas. Após foram pelos accionistas maioritários realizados novos suprimentos: em Novembro do mesmo ano €1.107.750,00 (um milhão cento e sete mil setecentos e cinquenta euros) de suprimentos, e em Abril promoveu um aumento de capital de €170.000,00 (cento e setenta mil euros). (acordo).
25.A previsão do reembolso total dos suprimentos realizados no ano de 2025, no montante de €1.107.750,00 (um milhão cento e sete mil e setecentos e cinquenta euros), consta da página 24 do Plano Estratégico, onde se pode constatar que em 01.01.2026 já não existem suprimentos nas contas da Requerida, em 2024.
26. Em 2025, a Requerida, pretende executar um plano estratégico de crescimento.
27. No mesmo ano procede ao reembolso de um montante total de suprimentos aos accionistas Elan Divers Lda. e Classy Shadow Lda., de € 1.782.750,00 (um milhão setecentos e oitenta e dois mil e setecentos e cinquenta euros).
28. Quando questionado sobre o assunto, foi pelo Presidente do Conselho de Administração referido que o valor em questão se reportava a um contrato de suprimentos celebrado entre a Sociedade e a accionista ELANDIVERS, LDA: “Subsequentemente, A. A. questionou qual o montante exacto dos suprimentos efectuados pela accionista ELANDIVERS, LDA.
Decorre da Acta junta como Doc. 10, a seguinte passagem:
“R. A. questionou quando é que serão pagos os suprimentos.
O PCA esclareceu que os mesmos serão pagos “este ano”.”
Ainda, a respeito do mesmo tema, da Acta junta como Doc. 10, consta:
“A. A. (…), questionou se o PCA prevê reembolsos de suprimentos para 2025 e 2026, e se antevê realizar outro aumento de capital para fazer face às mesmas necessidades, pois que o PET não consigna qualquer dessas situações, e a explicação dada em AG foi a de que o montante solicitado aos accionistas apenas cobriria uma parte do investimento a efectuar.
O PCA esclareceu que será cumprido o plano de pagamento dos suprimentos a todos os accionistas, pois que todos os contratos de suprimento se encontram assinados. Nesse contexto, não antecipa a necessidade de um novo aumento de capital, a menos que hajam investimentos não previstos no PET”.
Consta ainda do Doc. 10 que “Ato contínuo, A. A. questionou, ainda, o PCA sobre qual fora o montante de suprimentos aportado em 2024. De facto, para o dito A. A., nas últimas contas conhecidas existia um saldo de suprimentos muito inferior ao constante do PET. Na verdade, continuou, hoje existe um saldo de suprimentos que não se sabe de onde veio, solicitando explicação, ao PCA, sobre o facto de o mesmo prever um reembolso de suprimentos superior ao montante do aumento de capital. O PCA referiu que os suprimentos são para ser devolvidos, “têm de ser pagos”, e foram-no à própria BO. Acrescentou que os suprimentos são uma rubrica da dívida que impactam a vida da sociedade, havendo todo o interesse, por parte da sociedade, em que os mesmos sejam diminuídos.” Doc 10.
29-Da exposição do mesmo realizada pelo Vogal do Conselho de Administração da Requerida P. S., efectuada no decurso da AG e da intervenção inicial do Presidente do Conselho de Administração, está em causa um documento de gestão que define a direcção e a visão a médio prazo (5 anos) do Grupo Torel, procedendo a uma análise SWOT (Forças, Fraquezas, Oportunidades, Ameaças), em que se avaliam os pontos fortes e fracos do Grupo, bem como as oportunidades futuras e ameaças do ambiente externo ao Grupo, incluindo-se também a definição dos objectivos estratégicos para o horizonte temporal nele contemplado (aumentar eficiência nas unidades hoteleiras do Grupo, diversificar parceiros e definir, em termos gerais, os projectos para o médio prazo, seja na renovação ou expansão das actuais unidades hoteleiras seja na projectada abertura de novas unidades), projectando-se a visão do Grupo a sete anos em termos de Revenue (receita) e de EBITDA (resultados operacionais) e a cinco anos em termos de tesouraria do Grupo. (documento 13 junto ao RI).
30-A proposta do Ponto 2 da deliberação impugnada teve em conta os seguintes considerandos:
-doc. 14 junto ao RI e que consta a fls. 205 e 206 da acta).
31-A 15 de Maio de 2025, o Conselho de Administração, através dos administradores mandatados para o efeito nos termos da deliberação aprovada na AG, emitiu a declaração que o capital social da Sociedade Requerida se encontrava, nessa data, integralmente subscrito e realizado, estando já realizadas as novas entradas por parte de todos os accionistas, não sendo exigida pela lei, pelo contrato de sociedade ou por deliberação a realização de quaisquer outras entradas para concretização deste aumento de capital social (cf. doc. 6).
32-Foi promovido o registo do aumento de capital na Conservatória do Registo Comercial e publicado a 19 de Maio de 2025 o respectivo anúncio no Portal das Publicações de Atos Societários e de Outras Entidades, dela constando “Insc. 9 - AP. 190/20250515 18:47:29 UTC - AUMENTO DO CAPITAL(ONLINE) Montante do aumento: 850.000,00 Euros; Modalidade e forma de subscrição: realizado em dinheiro e subscrito por cinco accionistas; Capital após o aumento : 1.350.000,00 Euros Artigo(s) alterado(s): 4º, ACÇÕES: Número de acções: 270000, Valor nominal: 5,00 Euro (certidão permanente da Requerida e docs. 7 e 8 juntos com a oposição).
IV.
Dispõe o art.º 380.º do Código de Processo Civil que “[S]e alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável”. Tal preceito regula os pressupostos e formalidades do procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações dos sócios.
Não oferece discussão que a causa de pedir deste específico procedimento cautelar reclama a alegação e prova sumária de factos que integram um conjunto de pressupostos particulares, como sejam a legitimidade (justificação da qualidade de sócio), o conteúdo das deliberações e os motivos determinativos da sua invalidade e, por último, à semelhança de qualquer outro procedimento cautelar, o periculum in mora, neste caso traduzido no risco de ocorrência de dano apreciável em consequência da execução da deliberação.
A decisão recorrida considerou verificada a legitimidade dos requerentes (comprovada qualidade de acionistas).
Na apreciação da verificação dos demais pressupostos de decretamento da providência, considerou:
- no caso da deliberação de aprovação do Plano Estratégico Torel 2025-2030 (ponto 1 da ordem de trabalhos), após citar doutrina que restringe o âmbito de aplicabilidade do procedimento cautelar em questão a deliberações não executadas, que “está em causa, atenta a natureza do documento, uma deliberação de execução instantânea, isto é, susceptível de produzir efeitos imediatos sem necessidade de quaisquer acções adicionais tendo em vista a sua implementação” e que, ainda que fossem demonstrados os requisitos de «produção ou receio de produção de dano apreciável e de invalidade das deliberações em causa, cenário arredado no caso sub iudice, o juízo de proporcionalidade decorrente do art. 381/2 do Código de Processo Civil, levaria a estabelecer uma comparação entre o alegado prejuízo dos Requerentes, derivado da execução desta deliberação e o prejuízo da Requerida em consequência da sua não execução. E nessa ponderação, do ponto de vista a adoptar que se concentra no interesse social, a conclusão seria de que o prejuízo resultante da suspensão da deliberação seria consideravelmente superior ao que poderia derivar da sua execução, atendendo “ao grau do prejuízo que um [Requerentes] ou outro.»[sic], acrescentando que “a aprovação em causa visava a implementação de um plano estratégico para um prazo de 5 anos, e foi tomada pelos accionistas (Elandivers e Classy Shadow) detentores de 80% do capital social e direitos de voto da Requerida. Ressumando que o prejuízo da não execução do PET é manifestamente superior ao putativo prejuízo decorrente da suspensão da deliberação da sua aprovação na AG”
- em relação à segunda deliberação, refere-se, num único parágrafo, que “estando executada a primeira deliberação, pela abrangência temporal e objecto, não emerge o periculum in mora que a providência cautelar se propõe prevenir. O mesmo se podendo dizer do aumento de capital até acompanhado pelos Requerentes, ainda que contra as respectivas vontades”.
Importa analisar os fundamentos do recurso.
Invocam os apelantes que a decisão recorrida incorreu em erro na apreciação dos factos, desde logo ao considerar que a deliberação de aprovação do Plano Estratégico Torel (PET) 2025-2030 é de execução instantânea, quando tal não sucede, sendo ainda contínuos os efeitos decorrentes da mesma, dada a sua implementação ao longo de um período de 5 anos.
Na decisão recorrida, a fundamentação dirigida à conclusão de que tal deliberação é de execução instantânea é limitada ao seguinte parágrafo: “No caso da deliberação de aprovação do Plano Estratégico Torel 2025-2030 (doravante referido como “PET”) está em causa, atenta a natureza do documento, uma deliberação de execução instantânea, isto é, susceptível de produzir efeitos imediatos sem necessidade de quaisquer acções adicionais tendo em vista a sua implementação”.
Esta fundamentação conclusiva – que adere (com cópia direta) à posição defendida pela requerida na oposição (art. 5º) - reclama uma apreciação mais cuidada.
O indicado PET é um plano que prevê um conjunto de projeções e previsões de investimento cuja implementação é definida, ainda que de forma não definitiva, ao longo do subsequente período de 5 anos. Contudo, ainda que possa constituir, como defende a requerida/apelada, uma ferramenta de “gestão dinâmica”, a realidade é que os considerandos que precedem a proposta do ponto 2 da deliberação – reproduzidos no ponto 30 dos factos provados – permitem concluir que estamos perante algo mais do que meras estratégias ou planos genéricos de crescimento, já que se antecipa a forma de financiamento que o investimento previsto no PET reclama – combinação de fundo de maneio. do recurso a financiamento bancário e de um aumento de capital social da apelada por novas entradas em dinheiro de até 850.000,00 EUR.
O argumento da apelada de que admitir que “a deliberação de aprovação pelos acionistas reunidos na AG de um plano estratégico como o PET fosse uma deliberação de execução permanente ou continuada e, como tal, passível de suspensão judicial, o que de forma alguma se concede, significaria, por isso, admitir aos Recorrentes, contra a vontade expressa por 80% do capital social e direitos de voto da Recorrida, a paralisação toda a atividade social [durante, pelo menos, 5 anos] que é, ex lege, da competência reservada do Conselho de Administração (artigo 405/1 do CSC)” apenas seria relevante caso se entendesse que as únicas deliberações passíveis de suspensão correspondiam às deliberações dos acionistas em assembleia geral, o que é, desde logo, contrariado pelo art. 411º do CSC.
Em relação a esta matéria (deliberações de outros órgãos sociais), que não desenvolveremos por não ter particular acuidade no caso concreto, v., por todos, Paulo Olavo Cunha, Deliberações Sociais – Formação e Impugnação -, Almedina, 2020, págs. 303 e ss.
A circunstância de o PET objeto de aprovação em assembleia geral corresponder a um plano de ação futura, não vinculativo, que espelha, em parte, o projeto de gestão para o subsequente período de 5 anos, que pode oscilar ou sofrer avanços e recuos consoante as oportunidades que sejam criadas ou as imprevisíveis flutuações da economia, não é de molde a fazer perder de vista que nela são contempladas medidas específicas que escapam àquela noção de imprevisibilidade, como sucede com a medida em que os requerentes/apelantes colocam particular enfoque: o reembolso de suprimentos a acionistas, previsto e contemplado no PET, com indicação do respetivo valor.
Não se olvide que o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais é delimitado pela presença de deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, ou seja, a deliberações nulas, anuláveis ou inexistentes, o que constitui, por si só, uma restrição rigorosa quanto à medida em que os sócios/acionistas podem interferir com a normal atividade da sociedade ou com os atos de gestão corrente.
Aceitando-se que apenas as deliberações de execução contínua ou permanente são passíveis de suspensão, na medida em que apenas em relação a estas – e já não àquelas cuja execução instantânea produz de imediato o efeito danoso – se pode ter a expectativa de evitar um prejuízo ou de evitar um ato de execução suscetível de causar prejuízo, já não temos por linear que a deliberação de aprovação do PET, com consequente aval dado à sociedade e aos seus órgãos de gestão para prosseguir uma determinada linha de orientação estratégica e de crescimento, que reclama investimento por parte dos acionistas e alocação de concretos meios financeiros a finalidades que, em parte, são específicas, possa inserir-se no conceito de deliberação de execução instantânea, como se conclui na decisão recorrida.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-03.2014, que mantém integral atualidade [processo n.º922/11.3TBPBL.C1, rel. Avelino Gonçalves, disponível para consulta nesta ligação], “(…) Como todos sabemos, o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais tem por objecto a paralisação de uma deliberação cujos actos de execução ainda não se encontram consumados, visando sustar ou impedir a sua prática, prevenindo, assim, danos futuros – este mecanismo processual não é o meio próprio para se declarar a nulidade, a inexistência ou qualquer outra forma de invalidade, matéria que pertence ao domínio da acção principal (…) O procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações sociais tem o escopo de prevenir e impedir os prejuízos que para o requerente adviriam da execução das deliberações durante a pendência da acção principal com a qual se buscará decisão definitiva acerca da validade das mesmas. Se as deliberações cuja validade é questionada já se encontrarem executadas, em princípio os prejuízos possíveis já terão ocorrido, nada havendo a prevenir ou a impedir nem se justificando o procedimento cautelar de suspensão. Contudo, as deliberações sociais não são necessariamente de execução imediata, esgotando-se os seus efeitos danosos em um único acto. Podem ser de execução permanente ou contínua ou mesmo, sendo de execução instantânea, podem os seus efeitos danosos prolongar-se no tempo”.
Adiante, no aresto mencionado, é citado Lobo Xavier, que entende que “para demonstrar que visando a suspensão das deliberações sociais paralisar a eficácia da deliberação, esta pode ser suspensa enquanto não se esgotarem todos os seus efeitos danosos sejam eles directos, laterais ou secundários, ou reflexos (cf rev. legislação 123-378; Rev. Des. XXXIII, 195 e seguintes)”.
Coutinho de Abreu [Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Almedina, 2010, Vol. I p. 699], adotando a perspetiva ampla de que a execução, para efeitos de procedimento cautelar, significa eficácia ou produção de efeitos jurídicos, refere que “serão susceptíveis de suspensão as deliberações capazes de produzir efeitos danosos, não ou dificilmente reparáveis com a ação principal, pelo que refere ser possível «serem suspensas (porque não inteiramente “executadas”) deliberações de designação ou de destituição dos administradores: de aumento do capital social; de amortização de quota, de fixação de remuneração dos membros de gestão. Já não são susceptíveis de suspensão (porque inteiramente “executadas”) deliberações de fixação de indemnização a ex-administrador (já paga), de distribuição de luscos pelos sócios (já pagos), de autorização de negócio a celebrar pela sociedade (já celebrado)».
No caso concreto, não antevemos de que modo se poderá considerar a aprovação do PET como uma deliberação de execução instantânea, quando, independentemente de parte do seu conteúdo contemplar meras perspetivas genéricas e não definitivas de gestão ou expansão da atividade da sociedade, ou “objetivos estratégicos”, do seu conteúdo emerge igualmente (ponto 4 / tesouraria) a perceção do modo como serão aplicadas as disponibilidades de tesouraria ou os valores de financiamento bancário que se projeta contratar e que, necessariamente, serão executados em atos a praticar ao longo dos anos subsequentes, designadamente, em relação ao reembolso de suprimentos no valor de 1.107.750,00 EUR, a realizar em 2025.
Nesta parte consideramos, por isso, que assiste razão aos apelantes, divergindo-se do entendimento conclusivo expresso na decisão recorrida.
Porém, não tendo a decisão tido incidência concreta sobre a verificação de causa de anulabilidade das deliberações, matéria excluída do objeto do recurso, importará analisar se, não obstante a evidenciada discordância, podemos ter por verificados os demais pressupostos legais de decretamento da providência, concretamente, se poderemos ter por indiciado que a execução das deliberações acarreta, para os requerentes, um risco de ocorrência de dano apreciável.
Tal pressuposto, em grande medida por decorrência da indeterminação do conceito, tem sido aquele que tem reclamado maior exigência quanto à análise da sua verificação, sendo diversa a doutrina e a jurisprudência produzidas no sentido de procurar definir um conteúdo que nos aproxime da sua concretização.
Incumbe à parte que pretende obter o decretamento da providência a alegação – e subsequente prova - dos factos que integram os citados requisitos (artº. 5.º, n.º 1, do Código do Processo Civil e art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil), sendo apenas nesses factos que o juiz pode fundar a decisão.
O que importa nesta sede apreciar é se, perante o alegado pelos requerentes no requerimento inicial, o tribunal recorrido deveria ter decretado a providência ou autorizado o prosseguimento da tramitação subsequente do procedimento cautelar, designadamente a produção de prova.
Para tanto, importa, em primeiro lugar, compreender aquilo que pode ser tido como subsumível à genérica noção de “dano apreciável”, enquanto efeito causal da execução das deliberações impugnadas.
António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa [Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição, p.491] referem que o requisito a que se reporta o dano apreciável “configura um conceito indeterminado, decorrendo de factos dos quais possa extrair-se a conclusão de que a execução da deliberação acarretará um prejuízo significativo, de importância relevante, muito longe dos danos irrisórios ou insignificantes, mas sem atingir, por outro lado, o ponto da irrecuperabilidade ou da grave danosidade”.
A doutrina é, aliás, consolidada na defesa do entendimento de que se trata de um risco de prejuízo ou dano mais leve do que o dano grave ou de difícil reparação exigido para os procedimentos cautelares comuns – artigos 362º, n.º1 do Código de Processo Civil [neste sentido, por todos, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado – vol. I, 3ª edição, 1982, p. 678 e Alexandre Soveral Martins, Suspensão de Deliberações Sociais de Sociedades Comerciais: Alguns Problemas, Revista da Ordem dos Advogados, ano 63, Vol. I/II, abril de 2003, ponto 8, que, a propósito do dano apreciável, refere que que “é preciso sublinhar que o dano apreciável de que se trata aqui é o dano que pode resultar da demora do processo principal. Claro está que o dano apreciável não tem de ser um dano irreparável”, citando o Ac. STJ de 25 de junho de 1998, Proc. n.° 98B492, «no qual se pode ver defendido que dano apreciável é o dano “visível, de aparente dignidade, estimável”, por contraposição ao dano irreparável, que será o dano incompensável»].
A densificação do conceito tem, igualmente, sido desenvolvida pela jurisprudência.
Entre outros, o Ac. do TR Lisboa de 07-05-2024 (proc.º n.º30360/23.9T8LSB.L1-1, rel. Nuno Teixeira, disponível nesta ligação), num caso em que a deliberação cuja invalidade é invocada versa sobre nomeação de administrador único, refere que o requisito de dano apreciável não se mostra preenchido “quando não se alegam factos consubstanciadores de que a execução das deliberações acarretará, com certeza, ou com uma probabilidade muito forte e séria, prejuízo apreciável, mas apenas se referem conjeturas, previsões subjetivas ou suposições antecipadas daquilo que poderá eventualmente suceder”..
Por seu turno, em relação ao conceito operativo de “dano apreciável”, refere-se no Ac. do TR Porto de 11-07-2024 (proc.º n.º22061/23.4T8PRT.P1, rel. Miguel Baldaia de Morais, disponível nesta ligação) que «o “dano apreciável” não é toda ou qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação ou a execução em si mesmas comportam, mas antes a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da ação de anulação, pois a providência cautelar visa prevenir o periculum in mora, ou seja, acautelar a utilidade prática da sentença de anulação da deliberação social contra o risco da duração do respetivo processo. Pretende-se, assim, evitar o dano apreciável/significativo causado pela demora inevitável da ação principal - o processo de anulação dessa deliberação a intentar pelo sócio requerente -, com vista à declaração da sua invalidade, por forma a que a sentença favorável que aí venha a ser proferida assuma o seu efeito útil. Daí que, para efeitos da concessão da providência cautelar, não haja que atender à eventualidade de danos diferentes dos originados pelo retardamento da sentença a proferir naquela ação de anulação de que constitui dependência”.
Em concreto, por referência a tal pressuposto, foi alegado no requerimento inicial que:
- os simultaneamente Presidente do Conselho de Administração e titular da acionista ELANDIVERS LDA. e a Vogal e titular da acionista CLASSY SHADOW, LDA., através do presente aumento de capital, irão reembolsar-se a si próprios do valor de, pelo menos, €1.107.750,00 (um milhão cento e sete mil e setecentos e cinquenta euros) e só o farão agora, só o farão agora por conta do aumento de capital social no qual querem obrigar os Requerentes a subscrever.
- os Requerentes veem-se obrigados, de forma a não verem diluída a sua participação social, a participar de um aumento de capital que a Requerida não necessita, vendo-se obrigados a despender das suas poupanças para fazer face ao referido aumento de capital, o que se traduz num claro prejuízo patrimonial (e não só);
- este prejuízo está intimamente ligado com a falta de coerência, credibilidade, veracidade, segurança do Plano que serve de base ao aumento de capital, o que é um prejuízo para estes – porquanto não estão a participar num aumento de capital que seja, efetivamente, necessário às contas da sociedade ou ao seu crescimento, mas outrossim, estão a participar num aumento de capital social que tem por objetivo único a sua própria exclusão da sociedade; o que se traduz num prejuízo de valor avultado, no caso, de valor de € 170.000,00 (cento e setenta mil euros);
- após a “entrada” dos fundos na Sociedade e sem a suspensão das referidas deliberações, o Conselho de Administração aplicá-los-á como melhor entender, aplicá-lo-á no reembolso dos suprimentos aos acionistas maioritários e, por isso, é essencial a suspensão da deliberação, uma vez que a utilização do referido capital cujo investimento foi realizado com base em premissas falsas, deve ser impedida com a suspensão das presentes deliberações;
- ainda que assim não fosse, o capital será aplicado na execução do Plano, que padece de falhas técnicas;
- a não suspensão destas deliberações poderá levar à implementação do Plano em causa, para o qual será utilizado o valor que será subscrito pelos acionistas, quando, parece-nos evidente, a execução do mesmo pode vir a ser bastante prejudicial para a Sociedade;
- a implementação de um Plano muito geral, sem detalhar objetivos operacionais mensuráveis, sem identificar claramente os setores de investimento e as métricas de sucesso pode acarretar um risco financeiro relevante para a Sociedade (isto sem conceder quanto à matéria do reembolso dos suprimentos por parte dos acionistas maioritários através deste esquema), sendo um plano que não apresenta estudo de viabilidade económica, que não foi comparado com outros planos alternativos;
- com a execução deste Plano, o Conselho de Administração gozará de um “cheque em branco” podendo realizar os gastos e despesas que pretender, contratando os serviços que entender, adquirindo os produtos que quiser, de forma irreversível – o que pode, necessariamente, consubstanciar um dano iminente para a Sociedade Requerida e para os Requerentes;
- até os Requerentes conseguirem obter uma decisão de anulação (ou não) das presentes deliberações, já os suprimentos foram reembolsados ou o Plano que aqui se coloca em causa, foi executado.
Não há dúvida que, ainda que manifestando a sua oposição ao aumento de capital, os requerentes participaram do mesmo, inexistindo qualquer diluição da sua participação social, que constituiria o prejuízo direto da deliberação caso tal participação não se verificasse (factos provados sob os números 31 e 32).
Estando assente que, não obstante a ação anulatória instaurada, os requerentes mantêm hoje os mesmos direitos sociais que titulavam em fase anterior à aprovação da deliberação correspondente ao ponto 2 da ordem de trabalhos, não se poderá, nesta vertente, antecipar qualquer prejuízo direto associado à eventual demora na decisão da ação principal.
Assim, a única vertente em que poderá surgir a concretização do alegado prejuízo resulta da interligação que os requerentes fazem entre ambas as deliberações. Se, como resulta do facto 30, o aumento de capital, juntamente com o fundo de maneio e o financiamento bancário, constituirão meios para fazer face ao investimento exigido pelo cumprimento dos objetivos estratégicos contemplados no PET, poderá, na perspetiva dos requerentes/apelantes, obter-se uma decisão definitiva numa altura em que já se executou parte significativa do plano, designadamente o reembolso de suprimentos.
Contudo, o efetivo reembolso de suprimentos só poderá constituir um dano apreciável ou um prejuízo significativo para a sociedade ou para os sócios se e na medida em que a sociedade puder comprometer a sua liquidez em consequência desse reembolso, não sendo a efetivação deste confundida com a impossibilidade de, em caso de anulação das deliberações e de reversão da decisão de aumento de capital, poderem os sócios que concorreram com meios financeiros próprios para esse aumento obter o retorno do valor investido.
Os suprimentos, cujos contratos foram juntos ao articulado de oposição (documentos 14 a 19), têm prazo de um ano e vencem juros remuneratórios, sendo o seu reembolso próprio do regime legal que lhe é aplicável, previsto nos artigos 243º e sgs. do CSC, expressamente indicado nos aludidos contratos.
Nessa medida, independentemente do que possa concluir-se em relação à eventual anulabilidade das deliberações em sede de ação principal, as genéricas discordâncias em relação ao rumo delineado, à parca fidedignidade do PET ou à ausência de comparação com planos alternativos (cuja existência se desconhece), não são suficientes para corporizarem elementos concretos, quantificáveis ou mensuráveis que permitam, após prova, concluir que nos encontramos na presença de efetivo risco de dano apreciável ou de um prejuízo que possa ser agravado pela demora da ação de anulação, mantendo os requerentes, ao longo de todo o período que é abarcado pelo plano estratégico, os direitos sociais que os autorizam a acompanhar de perto da vida da sociedade, os seus investimentos ou eventuais decisões de gestão que, de algum modo, possam concretizar as genéricas suspeitas enunciadas no articulado inicial, atuando em conformidade.
A suspensão (da eficácia) de deliberações não pode ser sufragada como um mecanismo de subversão das regras de deliberação das sociedades anónimas, designadamente um que permita a uma minoria de acionistas contrariar a vontade da maioria significativa (80%) que votou favoravelmente as deliberações, quando, apesar de invocada a existência de vícios na sua aprovação, não resulta concretizado um dano de grau apreciável que possa decorrer da execução dessas deliberações (ou que possa ser agravado pela demora da tramitação da ação de anulação).
Essa insuficiência de alegação concretizada impede, ou torna injustificado, que o procedimento cautelar prossiga os seus termos, inexistindo justificação para produção complementar de prova quando a matéria sobre a qual deveria incidir tal prova, limitada à alegação das partes, é insuficiente para alcançar o efeito jurídico pretendido.
A produção de prova seria eventualmente relevante para, caso se concluísse pela verificação do pressuposto de risco de dano apreciável, poder o tribunal apurar dos elementos necessários à ponderação prevista no art. 381º, n.º2 do Código de Processo Civil, isto é, para se poder eventualmente concluir que o prejuízo resultante da suspensão é superior ao que pode derivar da sua execução (que o tribunal recorrido concluiu por mera “presunção”, não fundamentada).
Contudo, inexistindo elementos que permitam concretizar a verificação do risco de dano apreciável para os requerentes, tal ponderação mostra-se desnecessária, por ficar vedada a possibilidade de suspensão cautelar das deliberações.
Nesta medida, não obstante os requerentes incluírem a omissão de produção de prova como parte das conclusões recursivas, não tendo os mesmos arguido qualquer nulidade ou sido surpreendidos pela opção do tribunal de proferir imediata decisão de direito (v. ponto I.3 do relatório), peticionando apenas que a decisão recorrida seja substituída por outra que decrete a suspensão das deliberações impugnadas, resta concluir pela improcedência do recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida, ainda que com fundamentos diversos dos ali enunciados.
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V.
Nos termos e fundamentos expostos, acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso interposto e, em consequência, em manter a decisão recorrida.
Custas a cargo dos apelantes (art. 527º, n.º1 do Código de Processo Civil).
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Lisboa, 25 de novembro de 2025
Ana Rute Costa Pereira
Nuno Teixeira
Isabel Brás Fonseca