AMEAÇA
PENA DE PRISÃO
Sumário

I. O crime de ameaça, seja na sua forma matricial [artigo 153º, n.º 1, do Código Penal], seja na sua forma agravada [artigo 155º, do Código Penal], configura-se, no que ao bem jurídico concerne, como um crime de perito abstrato-concreto ou de aptidão, o que implica que se faça prova da potencialidade da ação causar a lesão ou, vistas as coisas por outro ângulo, implica que o tribunal averigue da “possibilidade de a perigosidade ser objeto de um juízo negativo”; no concerne ao objeto da ação configura-se como um crime de mera atividade, pelo que não é necessário que o destinatário fique efetivamente com medo ou inquieto o que a sua liberdade de determinação seja efetivamente afetada para que o crime se considere consumado;
II. O critério para afirmar ou negar a existência, no caso concreto, de uma verdadeira ameaça é o critério objetivo-individual. Significa este critério que o ponto de partida para o juízo sobre a dependência, ou não, do mal feito segundo a perspetiva do homem comum, isto é, da pessoa adulta e normal. Todavia, sendo este o critério base, não pode deixar de ser ter em conta – como fator corretivo do critério objetivo do «homem médio» - as características individuais da pessoa ameaçada. Assim, afirmações de ocorrência de males futuros poderão não ser consideradas ameaças para um adulto normal (na medida em que seja manifesto que a verificação, ou não, do mal anunciado não depende da vontade do “ameaçante”), mas já o serem, quando a pessoa destinatária da ameaça é uma criança ou um débil mental. Mutatis mutandis para o caso inverso, isto é, afirmações de ocorrências de mal futuros poderão ser consideradas ameaças para um adulto normal, mas já o não serem quando a pessoa destinatária da ameaça seja um membro das forças armadas, militarizadas ou de segurança. Estas pessoas são especialmente treinadas para situações de risco, pelo que, neste campo, possuem “sobrecapacidades” relativamente ao cidadão comum;
III. Consubstancia entendimento consolidado, quer na doutrina, quer na jurisprudência que, na ausência de prova direta, nomeadamente a confissão, o dolo do agente, enquanto ato interior e conceito mentalístico é uma conclusão, uma ilação e uma atribuição de significado social que o tribunal criminal extrai a partir dos factos imputados ao arguido que forem dados como provados, factos esses lidos à luz das regras da experiência da vida, da normalidade social, da experiência comum;
IV. Resultando provado que dois agentes da PSP, uniformizados, se deslocaram a uma residência para identificar o/a proprietário/a da mesma, porque receberem queixa relativamente ao ruído que provinha de uma festa que aí estava a decorrer, tendo o arguido, que se encontrava na varanda da dita residência, dirigido aos referidos agentes as expressões: “Eu mato-vos seus filhos da puta”, “Seus montes de merda”, “vão para o caralho”, “Não valem um caralho” “quando vos vir mato-vos” é de afirmar que o mesmo, dado o contexto apurado, quis, de forma livre e voluntária, dirigir essas mesma expressões ao referidos agentes, representando que anunciava a prática de um mal futuro e que tal mal, era adequado a provocar medo e inquietação nos referidos agentes;
V. Verificando-se que, aquando da prática pelo arguido de dois crimes de ameaça, p. e p. pelos artigos 153º, n.º 1, do Código Penal, agravados pela verificação da circunstância prevista na alínea c), do n.º 1, do artigo 155º, n.º 1, por referência ao disposto na alínea l), do n.º 2, do artigo 132º, do Código Penal, o arguido, em data anterior aos crimes cometidos nestes autos, sido condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave, um crime de ofensa à integridade física qualificada, um crime de ofensa à integridade física simples, um crime de injúria, dois crimes de roubo, um crime de furto qualificado dois crimes de detenção de arma proibida, dois crimes de condução sem habilitação legal [total de onze crimes], cumprido penas de prisão efetiva, praticado os crimes no decurso da liberdade condicional e relevado ausência de sentido crítico relativamente às condutas adotadas, é de concluir que as exigências de prevenção especial e geral são elevadas e, como tal, insuscetíveis de serem acauteladas com a aplicação de uma pena de multa, mostrando-se a opção pela aplicação da pena de prisão a única compatível com tais exigências;
VI. Considerando o elevado grau da ilicitude do facto, o modo de execução do mesmo, o dolo direto, as condenações anteriores pela prática de onze crimes, alguns deles em pena de prisão efetiva, a ausência de sentido crítico relativamente às condutas assumidas e a insuficiência da integração familiar, social e profissional do arguido para obstar à prática dos crimes em causa dos autos, a fixação da pena concreta de cada um dos crimes de ameaça em nove meses de prisão e a fixação do cúmulo jurídico em um ano e dois meses de prisão, mostra-se ajustada;
VII. Sendo o arguido portador de uma personalidade refratária ao cumprimento das regras da vida em sociedade, sobretudo no que concerne ao respeito pelos bens jurídicos integridade física, propriedade e património, bem como refratária às leis e a princípios de autoridade, como revela o efeito nulo que condenações tiveram para o afastar da prática dos crimes em causa e o facto de ter praticado os mesmos do decurso da liberdade condicional, pondo em causa as finalidades desta e a ausência de sentido crítico relativamente aos factos cometidos, inexistem bases sólidas que possam fundar um juízo de prognose favorável e, concomitantemente, que possam fundar a aplicação da pena de substituição da suspensão da execução da pena de prisão ou sequer cumprir esta última em regime de permanência na habitação.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

I. Relatório:
1. AA, arguido melhor identificado nos autos, não se conformando com a sentença proferida em processo comum, com intervenção de Tribunal singular, no âmbito do processo n.º 417/21.7 PCLRS, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Local Criminal do Loures – Juiz 2, que o condenou pela prática do, em autoria material, na forma consumada e em concurso real e efetivo, de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. nos termos conjugados dos artigos 153.º, 155.º, n.º 1, alínea c), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, nas penas parcelares, por cada um dos referidos crimes, de 9 (nove) meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão efetiva, dela interpôs recurso, extraindo da motivação do mesmo, com relevância para a delimitação do objeto do recurso, as seguintes conclusões [transcrição, com itálico da nossa responsabilidade]:
1. Relativamente à Decisão Final dos presentes autos, vem o Recorrente Interpor Recurso da Douta Sentença proferida em Primeira Instância e depositada no dia 19 de Junho de 2024, na qual foi condenado o arguido AA, “nos termos conjugados dos artigos 153.º, 155.º, n.º 1, alínea c), por referência a artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, nas penas parcelares, por cada um dos referidos crimes, de 9 (nove) meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão efectiva.”;
2. O Recorrente não se conforma com a condenação contra si proferida;
3. O Recorrente não se conforma nem concorda com a Decisão de Facto proferida, concretamente, quanto aos 5.º, 6.º e 7.º supra transcritos nesses Concretos Pontos de Facto dados como Provados nas Motivações deste Recurso, pelo que essa
Decisões neles proferidas vão impugnadas, por terem sido incorrectamente julgadas, o que faz dando cumprimento ao disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 412.º do CPP, assim:
4. Quanto à impugnação dos 5.º, 6.º e 7.º Pontos de Facto dados como Provados, impõe-se Decisão diversa da Impugnada, valorado que sejam o testemunho do Agente BB em sede de Audiência de Julgamento, no dia 12/06/2024, entre as 10h28m e as 11h22m, concretamente, entre os 29m28s e os 32m02s, bem como o testemunho do Agente CC em sede de Audiência de Julgamento, no dia 12/06/2024, entre as 11h48m e as 12h21m, concretamente, entre os 6m18s e os 9m00s, bem como entre os 11m30s e os 12m41s desse período, consequentemente, demonstrando-se ausência de contornos de seriedade e de intuito de concretizar algum mal futuro a esses Agentes da PSP pelo Arguido/Recorrente, bem como pela formação e qualidades especiais dos Agentes de Autoridade, as expressões inconscientes do Recorrente não atingem o Patamar da Idoneidade Adequada ao enquadramento típico do crime de Ameaça Agravada;
5. Pelo que, deverão V.as Ex.as Venerandos Desembargadores decidir diversamente dos impugnados 5.º, 6.º e 7.º Pontos de Facto dados como Provados, sugerindo-se as seguintes alterações:
“5. O arguido agiu motivado pelo espírito festivo do dia, alterado pelas bebidas consumidas e pela “gabarolice” inerente à festa e ao grupo de convivas do momento, proferindo expressões sem contornos de seriedade e muito menos com intuitos de serem concretizadas no futuro contra os agentes da PSP BBe CC.
6. Ao dirigir-se aos agentes da BB e CC, com as palavras e expressões “Eu mato-vos”, quando vos vir mato-vos, já vos decorei”, “estão fodidos comigo”, fê-lo destituído de contornos de seriedade e sem o intuito de concretizar qualquer mal futuro aos Agentes da BB e CC, pelo que não eram idóneas a provocar-lhes receio e medo pela sua vida e integridade física, como se verificou.
7. O arguido não agiu livre, deliberada e conscientemente.”
6. Sem prescindir, OS FACTOS DADOS COMO PROVADOS NÃO ATINGEM O PATAMAR DE IDONEIDADE ADEQUADO AO ENQUADRAMENTO TÍPICO DA AMEAÇA AGRAVADA;
7. Da conjugação das previsões legais do artigo 153.º com a alínea l) do n.º 2 do artigo 155.º, ambos do Código Penal que o crime de Ameaça Agravada depende o preenchimento de vários pressupostos;
8. A Ameaça tem de revestir carácter de seriedade, acompanhada da intenção de causar medo ou inquietação no ofendido, no enquadramento da aparência externa de o agente estar resolvido a praticar o facto, e o mal nela contido deve ser adequado a vencer a vontade do ameaçado, segundo um critério objectivo-individual: objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do homem comum); individual, no sentido de que devem relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada (relevâncias das sub-capacidades do ameaçado);
9. No entanto, a conjugação do disposto na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 155.º, ambos do Código Penal, prevê quais são as pessoas que se integram na previsão de pessoas contra quem a ameaça é produzida;
10. A Ameaça Agravada de que fala o preceito tem de ser contextualizada e apurada em concreto para se poder aferir se é idónea ao ponto de perturbar a liberdade de acção da autoridade policial, nunca esquecendo que esta Autoridade Policial recebeu formação e é possuidora de qualidades especiais de ordem psicológica e física e consequentemente não sofre inquietação e medo com essas expressões;
11. As pessoas que se mostram elencadas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º do CP não estão todas no mesmo grau de Homem Comum para efeitos de serem consideradas Ofendidas no crime de Ameaça Agravada, atendendo à formação e às referidas qualidades especiais de ordem psicológica e física de que beneficiam;
12. Os Agentes de Autoridade são uma dessas pessoas com capacidades e formações especiais em que as expressões supra referidas não atingem o patamar de Idoneidade Adequado ao seu enquadramento típico como Ameaça Agravada;
13. As supostas expressões ameaçadoras aos agentes policiais, dadas como provadas no 6.º Ponto de Facto da Sentença ocorreram no decurso de uma diligência junto a uma residência, devido a estar a ocorrer uma festa com música alta, ruído e com cerca de 30 a 40 indivíduos maioritariamente jovens a consumir bebidas alcoólicas pelo menos desde o início dessa festa, possivelmente já não estariam na plenitude do seu discernimento para terem uma postura mais correcta e urbana;
14. O testemunho do Sr. Agente da PSP BB, prestado na sessão de Julgamento de dia 12/06/2024, entre as 10h28m e as 11h22m, concretamente, entre os 29m28s e os 32m02s desse período, bem com o testemunho do Sr. Agente da PSP CC, prestado nessa mesma sessão de Julgamento, entre as 11h48m e as 12h21m, concretamente, entre os 6m18s e os 9m00s desse período, são desses factos a demonstração;
15. O Arguido/Recorrente era um dos vários indivíduos que estavam imbuídos do espírito festivo que se vivia naquela noite referida na Acusação, com consumo de bebidas alcoólicas, motivo pelo qual não estaria, tal como outros, na sua plenitude do discernimento inerente a uma postura urbana; não tendo as expressões sido ditas com contornos de seriedade e muito menos com intuito de serem concretizadas no futuro;
16. Objectivamente, as expressões dadas como provadas no 6.º Ponto de Facto dado como Provado na Sentença mais não foram do que uma mera “gabarolice” inconsequente e que, aliás, não tem tradução nesta última passagem referida, correspondente ao testemunho prestado no dia 12/06/2024, pelo Sr. Agente CC entre os 11m30s e os 12m41s do período em que testemunho;
17. Concluindo, a referida formação e as referidas qualidades especiais de ordem psicológica e física de que beneficiam os Agentes Policiais mostram-se comprovadamente existentes em ambos os Agentes pelo declarado no testemunho do Sr. Agente CC, de dia 12/06/2024, prestado entre os 11m30s e os 12m41s desse período de testemunho, bem demonstrativo de que essa formação e qualidades especiais determinam que as expressões dadas como provadas no referido 6.º Ponto de Facto não atingem o Patamar da Idoneidade Adequada ao enquadramento típico do crime de Ameaça Agravada relativamente a ambos os referidos Agentes Policiais, tanto mais que eles em acto contínuo entraram na referida casa no encalço do Arguido;
18. Falta a existência de Dolo, mesmo porque apesar desse Dolo se basta «com a consciência (representação e conformação) da adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado», no entanto, objectivamente, o Arguido/Recorrente não tinha sequer essa consciência;
19. Conclui-se que Arguido/Recorrente terá de ser absolvido por V.as Ex.as Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, porque não se mostram preenchidos todos os requisitos legais necessários para que o mesmo seja condenado pela prática do crime de Ameaça Agravada;
20. Sem prescindir, DA MEDIDA DA PENA E DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA APLICADA;
21. Atendendo à necessidade de tutela do bem jurídico e de estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, entendemos que a prevenção geral positiva fornece uma «moldura de prevenção», dentro da qual actuam razões de prevenção especial de socialização, que vão determinar, em último termo, a medida da pena, a qual não poderá ultrapassar a culpa do agente, por imposição do Princípio Constitucional da Culpa, corolário do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana;
22. Nos termos do disposto no artigo 70.º, do CP, o Tribunal deve dar preferência à pena não privativa da Liberdade, isto é, «a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» (artigo 40.º n.º 1, do CP);
23. Como refere a Prof. Fernanda Palma, a protecção de bens jurídicos significa a prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial e a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena;
24. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na Lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção;
25. A escolha da pena terá assim de ser perspectivada em função da adequação, proporção e potencialidade para atingir os objectivos estipulados no referido artigo 40.º, do CP;
26. O sistema legal não pode esquecer que ao anseio colectivo de retribuir o mal causado à comunidade tem sempre de se sobrepor a necessidade de ressocializar o prevaricador;
27. Como assinala o Prof. Figueiredo Dias, são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação;
28. Para o decretamento da suspensão da execução da pena, a Lei define um requisito objectivo (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos) e estabelece pressupostos subjectivos, determinados por finalidades políticocriminais – os que permitam concluir pelo afastamento futuro do delinquente da prática de novos crimes, através da sua capacidade de se reintegrar socialmente, sendo a finalidade o alcançar a socialização, prevenindo a reincidência;
29. Em conformidade, sempre que o Julgador puder formular um Juízo de Prognose Favorável, à luz de considerações de prevenção especial sobre a possibilidade de ressocialização do Arguido, deverá deixar de decretar a execução da pena;
30. Pretende-se, como aponta, como clareza, o Prof. Figueiredo Dias, o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer correcção, melhora ou – ainda menos – metanóia das concepções daquele sobre a vida e o mundo, acrescentando nós é uma questão de legalidade e não de moralidade que aqui está em causa;
31. De acordo com o estatuído no artigo 50.º, do CP, a averiguação de tal capacidade deve ser feita em concreto, através da análise da personalidade do arguido, das suas condições de vida, da conduta que manteve antes e depois do facto e das circunstâncias em que o praticou;
32. Na situação em concreto, o Arguido/Recorrente censura as penas de prisão aplicadas considerando-as excessivas, entendendo que face aos padrões da Sociedade e às penas concretas de Multa ou de Prisão que vêm sendo aplicadas em situações similares, não se justifica a aplicação no caso concreto, de pena de Prisão, muito menos que essas penas de Prisão tenham sido fixadas em 9 meses cada uma, assim como no cúmulo jurídico de 1 ano e 2 meses;
33. O Recorrente vive com a mãe e a irmã menor, sendo o apoio familiar e económico das mesmas, acrescendo que a sua relação paternal com o filho jovem adolescente é de manifesta importância, existindo a regulação das responsabilidades parentais estabelecidas e em cumprimento, pagando a correspondente prestação de alimentos e de despesas ao mesmo, passando tempos de qualidade com o filho, quer seja nas visitas e fins-de-semana acordados, quer em períodos mais alargados em que o filho permanece consigo, com a avó e a tia na residência da família;
34. Profissionalmente, o Recorrente desde que lhe foi concedida a Liberdade Condicional em 17/02/2021 que sempre procurou manter-se inserido laboralmente, tal como as Declarações de IRS dos seus Rendimentos dos anos 2021, 2022 e 2023 e a Declaração da sua Carreira Contributiva, obtida junto do Instituto da Segurança Social, são disso demonstração, as quais foram juntas supra;
35. Socialmente, o Recorrente é um cidadão integrado na Comunidade, com as suas rotinas implementadas de trabalho-casa, de prática de exercício físico, de convívio com amigos e vizinhos, mas sempre em conformidade ao Direito;
36. O Recorrente, quer pelas condições sociais e económicos supra referidas, quer ainda pela sua personalidade, é o exemplo concreto de que a Ressocialização e a Readaptação ao Meio Exterior têm sucesso, sendo também por todos estes factos que o mesmo entende que a pena que lhe foi aplicada é manifestamente excessiva;
37. O Recorrente entende que ao caso concreto será Justa e Equitativa a aplicação de pena de Multa, atendendo a todas as suas condições sociais e económicas, bem como à personalidade que actualmente o caracteriza;
38. Apenas por mera hipótese académica se suscita que, para o caso de V.as Ex.as Venerandos Desembargadores não entenderem alterar a Decisão recorrida para pena de Multa, de novo se afirma que a medida da pena de Prisão que lhe foi fixada é manifestamente excessiva e que a ser fixada pena de Prisão, essa fixação se deverá satisfazer numa medida abaixo do 1.º quarto da moldura penal de 2 anos;
39. Atendendo mais uma vez a todas as suas condições sociais e económicas, à sua Ressocialização e Readaptação ao Meio Exterior com sucesso, encontrando-se familiar, profissional e socialmente inserido em Sociedade, se lhe for aplicada pena de Prisão, deverão V.as Ex.as Venerandos Desembargadores decidir pela Suspensão da Execução dessa mesma pena de Prisão, alterando a Decisão recorrida que lhe aplicou Prisão Efectiva, até porque esta efectividade é manifestamente despropositada e por demais desproporcional, para além de desmesuradamente prejudicial face à actual inserção e integração do Recorrente em Sociedade, na Família e em meio Laboral.
Conclui, verifica-se efectivamente que o Acórdão Recorrido violou o disposto nos artigos 153.º, 155.º, n.º 1, alínea c), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), os artigos 40.º, 50.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal, bem como a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o Princípio do Estado de Direito Democrático, o Princípio do Direito a um Processo Justo e Equitativo, o Princípio da Legalidade, o Princípio do Acesso à Justiça, o Princípio do Direito à Liberdade e ainda o Princípio da Proporcionalidade, nos termos dos artigos 1.º, 2.º, 18.º n.º 1 e n.º 2, 20.º n.º 1, n.º 2, n.º 4 e n.º 5, 27.º n.º 1 e n.º 2, 29.º n.º 4, 32.º n.º 1, n.º 2 e n.º 5, todos da Constituição da República Portuguesa
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O Ministério Público do Tribunal recorrido, apresentou resposta ao recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. O ora Recorrente insurge-se contra a sentença proferida a quo, que o condenou pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real e efectivo, de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. nos termos132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, nas penas parcelares, por cada um dos referidos crimes, de 9 (nove) meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão efectiva. Na perspectiva do Recorrente, a sentença recorrida não avaliou adequadamente a prova ao considerar como provados factos descritos na acusação pública e que, os factos conforme descritos não preenchem os elementos objectivos do(s) tipo(s) de crime pelo(s) qual(ais) vinha acusado.
2. O Recorrente insurge-se ainda com a escolha e medida da pena aplicadas. O Tribunal a quo apreciou de forma correcta o comportamento do recorrente, de acordo com a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
3. Foi inquirido BB, agente da PSP, Sessão 12-06-2024 (10:28:59) e relativamente aos factos, em suma, referiu o seguinte: “(…) Testemunha: Recordo-me que, (imperceptível), sem que nada (imperceptível) fosse acontecer, o indivíduo estava bastante exaltado, debaixo dessas arcadas. Ele tinha um murozinho pequeno. Magistrada do Ministério Público: Ele estava debaixo das arcadas, nas varandas fora das varandas? Testemunha: Ele estava no interior da varanda. Ele queria saltar esse muro, mas já (imperceptível), ele queria saltar esse muro onde a gente estava. E aí foi impedido por outras pessoas que lá estavam nesse... Nessa coisa toda, lembro-me de ele chamar nomes, de nos ameaçar, de outras pessoas dizerem para ele ter calma. Magistrada do Ministério Público: O que lhe pergunto é nesse âmbito de chamar nomes, o que preciso que o senhor me diga aqui é em que é que o senhor… quais foram os nomes, quais foram as expressões utilizadas para o ameaçar, para chamar nomes (imperceptível). Testemunha: Lembro-me de dizer que nos matava, mandar-nos para o caralho. Magistrada do Ministério Público: Estava com quem senhor agente? Testemunha: Estava com o agente CC. Magistrada do Ministério Público. Mandava-os para o caralho e mais? Testemunha: Que nos matava e isso, volto a dizer, havia outras pessoas que a agarraram que lhe pediram calma e que o impediram de saltar o muro para vir em nossa direcção, quando isso decorreu, aí nós, chegamos mais perto e ele entrou dentro da residência. Quando entrou lá dentro, continuou com o mesmo discurso e, não saiu cá para fora, não foi possível identifica-lo. (…) Magistrada do Ministério Público: Sabe depois então, como é que foi feita mais tarde, foi identificado o arguido? Testemunha: Nesse dia, não foi possível identificar o arguido, lembro-me que o identificámos depois à posteriori. Magistrada do Ministério Público: Como? Testemunha: (Imperceptível) Quando estávamos a patrulhar a zona das ..., não sei ao certo, depois (imperceptível), e estava a decorrer uma festa na rua também e vimos o indivíduo da ocorrência. Magistrada do Ministério Público: Estava presente nessa data? Testemunha: Estávamos a patrulhar, eu e o agente CC também.
4. A testemunha referiu que identificou o arguido e que o mesmo proferiu as palavras descritas na Acusação pública. A testemunha BB confirmou a factualidade que se encontra descrita no auto de notícia, o teor de todos os elementos documentais existentes nos autos, bem assim como todas as expressões susceptíveis de fazer os agentes recear pela integridade física e ofender a honra e a dignidade dos mesmos, enquanto Agentes da Autoridade. Não se suscitaram quaisquer dúvidas quanto à identificação do arguido e tal também não foi contestado.
5. A testemunha CC, agente da PSP, quando inquirido em sede de audiência de discussão e julgamento, (Sessão 12-06-2024 – 11:48:25), não teve dúvidas em identificar o arguido, referindo que à data dos factos, não tinha o mesmo penteado que utilizava no dia do julgamento. 08:20: Magistrada do Ministério Público: Olhe Senhor Agente, relativamente às expressões das injúrias, realmente já não interessa, porque essa situação está resolvida, agora relativamente às outras que o Senhor já falou que é de ameaças, quais foram as expressões que o Senhor se recorda, que ouviu o arguido proferir? 08:40 Testemunha (CC): A mais gravosa é mato-vos, mato-vos, mato-vos, (imperceptível), basicamente, era essa a expressão mais utilizada por ele.
6. A testemunha de acusação CC, referiu que conseguiu visualizar o arguido a proferir as expressões e que foi possível singularizar o arguido como sendo o autor das expressões ameaçadoras e injuriosas. Reconheceu o arguido, quer pelas feições, quer pela forma como trajava e apresentava o cabelo. Esta testemunha, em suma, corroborou o depoimento do seu colega Agente da PSP, informando que se dirigiu ao local e toda a dinâmica dos acontecimentos.
7. Em suma, das alegações do recorrente apenas é possível apreender o seu inconformismo quanto à apreciação da matéria de facto, contudo sem razão.
8. Por tudo o exposto, em momento algum se verificou qualquer erro quanto à apreciação da prova e os documentos e depoimentos foram validamente utilizados e prestados, tendo em vista o apuramento da verdade material.
9. Para a formação da sua convicção, o Tribunal procedeu ao exame crítico e conexo da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento nos termos dos artigos 97.º, n.º 5 e 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
10. O Tribunal ponderou os juízos retirados da experiência comum e aplicou critérios de razoabilidade, em consonância com o depoimento prestado em audiência de julgamento e na prova documental junta aos autos.
11. Efectivamente, à luz do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º, do Código de Processo Penal, na apreciação da prova e partindo das regras da experiência, o Tribunal é livre de formar a sua convicção.
12. O Tribunal fez uso, na ponderação da prova produzida em julgamento das regras da experiência comum e na sua livre apreciação.
13. Reforçando tudo o que foi dito, resulta do artigo 127.º, do Código de Processo Penal, que salvo os casos de prova vinculativa, o julgador aprecia a prova segundo a sua própria convicção, formada à luz das regras da experiência comum. E, só perante a constatação de que tal convicção se configurou em termos errados, é legalmente possível ao tribunal superior alterar a matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido.
14. Ora, os factos dados como provados na sentença são conclusões lógicas da prova produzida em audiência e plausíveis face a essas provas.
15. A convicção assim formada pelo tribunal a quo não pode ser censurada, sob pena de se aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída na base da imediação e da oralidade.
16. O julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório.
17. Como fica patente da análise da motivação de facto, o tribunal a quo recorreu às regras de experiência e apreciou a prova de forma objectiva e motivada, e os raciocínios aí expendidos merecem concordância. Na realidade, o tribunal superior pode verificar se na sentença se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, mas, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1.ª instância que está em melhores condições para fazer um adequado uso do princípio de livre apreciação da prova. O art.º 127.º do Código de Processo Penal, indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova.
18. Como se viu, a sentença proferida pelo tribunal a quo assenta em operações intelectuais válidas e justificadas e com respeito pelas normas processuais atinentes à prova.
19. Elementos que uma transcrição da prova produzida em julgamento, não fornece e de que a reapreciação em sede de recurso não dispõe.
20. Os juízos conclusivos constantes das alegações do arguido em relação aos factos, não merecem acolhimento, não têm qualquer fundamento legal e surgem agora, alegados de forma “criativa”, em sede de recurso, sem qualquer prova que os corroborem. O arguido quis ofender e ameaçar os Agentes da Autoridade, pelo simples facto de terem sido chamados ao local para fazerem cessar o ruido provocado por uma festa. Nessa sequência, e dirigindo-se aos Agentes da PSP e porque se tratavam de Agentes da Autoridade, o arguido proferiu as expressões dadas como provadas pelo tribunal.
21. Não deve, por isso, ser alterada a matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo uma vez que inexiste fundamento para tal em razão das provas produzidas em audiência de julgamento e tendo em consideração, os elementos documentais existentes nos autos, devendo manter-se a decisão na integra.
22. No que concerne à incorrecta aplicação do Direito, mormente, no que concerne à falta de verificação dos elementos objectivos do tipo de ameaça agravada, também não assiste razão ao Recorrente;
23. O bem jurídico protegido pela incriminação, prevista no artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, agravada pelo artigo 155.º, do Código Penal é a liberdade de decisão e acção de outra pessoa. Não é necessário que o destinatário das palavras tenha efectivamente ficado com receio, inquieto, ou até mesmo inibido na sua liberdade de determinação. Basta que as palavras tenham essa potencialidade.
24. Tendo em consideração as expressões e o contexto em que foram proferidas aquelas expressões, é notório que o arguido praticou os ilícitos que lhe são imputados. O arguido perante a chegada dos agentes da PSP, dirigiu, por diversas vezes aos mesmos, expressões a anunciar que os matava. Inclusivamente, o arguido teve que ser apaziguado por outras pessoas que se encontravam no local. O arguido tinha perfeita noção de que proferia expressões susceptíveis de fazer os visados recear pela vida. Também sabia que os visados eram agentes da PSP, que se encontravam no local no exercício das suas funções e que, tal facto não só não o demoveu, como o incentivou a reiterar o seu comportamento, dizendo por diversas vezes aos agentes que os matava.
25. Devem, por isso, improceder as alegações do recorrente e manter-se a condenação do arguido pelos factos susceptíveis de integrar a prática de crimes de ameaça agravada, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Código Penal.
26. Diz o recorrente que a pena em que foi condenado é excessiva e inadequada.
27. Nesta sede, alega, em suma, que se encontra social, familiar e profissionalmente inserido e que é um exemplo de reintegração.
28. Com o devido respeito, mas a nossa opinião é diametralmente diversa. O arguido não revela qualquer vontade em comportar-se com as regras de vivência em sociedade e com o Direito e o seu certificado do registo criminal, comprova isso mesmo.
29. Na determinação da medida concreta da pena o Tribunal teve em consideração de forma adequada e ponderada as necessidades de prevenção que no caso se faziam sentir, a ilicitude do facto e a intensidade do dolo, fixando ao caso concreto a pena de 9 (nove) meses de prisão ao arguido.
30. Como se pode ler na sentença recorrida, para condenar o recorrente na pena de 9 meses de prisão, o tribunal a quo alicerçou a sua motivação nos seguintes aspectos: no dolo intenso – directo- com que o recorrente agiu; no modo de execução dos factos; na ausência de reconhecimento da prática ou do desvalor dos factos; nas exigências, elevadas, de prevenção geral; nas elevadas exigências de prevenção especial, tendo em consideração o certificado do registo criminal do Recorrente.
31. As exigências de prevenção especial são elevadíssimas, tendo em conta os inúmeros antecedentes criminais do arguido que sofreu diversas outras condenações, e as penas que anteriormente lhe foram aplicadas, incluindo penas de prisão efectiva, que em nada serviram para o afastar do cometimento de crimes, tendo cometido os ilícitos em investigação neste processo, no período da liberdade condicional que lhe foi concedida, com efeitos a 17 de Fevereiro de 2021 até ao fim das penas (14/03/2023), que cumpria no âmbito dos processos 6164/15.1T8LRS, 2345/13.0TACSC e 245/11.8PCLRS, sendo que o referido passado criminal do arguido revela uma personalidade avessa ao direito, completamente indiferente aos valores tutelados pelas normas penais violadas, não tendo o arguido demostrado qualquer arrependimento, nem autocrítica sobre as consequências da sua conduta.
32. Pelo exposto, revela-se ajustada a aplicação de 9 meses de prisão por cada um dos dois crimes de ameaça agravada.
33. O tribunal justificou o motivo pelo qual julgou equilibrado, em cúmulo jurídico, condenar o mesmo na pena única de 1 ano e 2 meses de prisão, referindo, em suma que os mencionados antecedentes criminais do arguido, não permitem formular um juízo de prognóstico favorável relativamente ao seu comportamento, mormente que “a repetição da conduta do arguido e as penas que já lhe foram anteriormente aplicadas, incluindo várias penas de prisão efectiva, e o facto de ter cometido os ilícitos penais aqui em apreço no referido período de liberdade condicional que lhe foi concedido, bem como a ausência de qualquer arrependimento, arredam a possibilidade de efectuar qualquer juízo de prognose favorável, no sentido de que a simples censura do facto e ameaça da prisão bastarão para o afastar da prática de novos crimes, pelo que entendemos que não se encontram verificados os pressupostos, para a aplicação do disposto no artigo 50º, nº 1 do Código Penal, que prevê a possibilidade da suspensão da execução da pena de prisão aplicada”.
34. O tribunal também, a nosso ver, justificou de forma ajustada os motivos pelos quais não substituiu a pena de prisão aplicada ao arguido, mormente em virtude das mencionadas elevadas exigências de prevenção geral e especial, considerando o mencionado passado criminal do arguido e a sua personalidade, o qual já foi várias vezes condenado pela prática de inúmeros crimes, a maioria dos quais de forma violenta e nomeadamente contra as pessoas, incluindo em penas de prisão efectiva.
35. A reiteração deste tipo de conduta evidencia relevante perigosidade social do arguido, reafirmando-se aqui que o arguido cometeu os crimes aqui em apreço pouco tempo depois de lhe ter sido concedida liberdade condicional, sendo que as condenações anteriores e tal medida de liberdade condicional a que estava sujeito não contribuíram para a adopção de um comportamento normativo, mostrando-se o arguido totalmente insensível aos valores jurídico penalmente tutelados, não apresentado adequada atitude de autocrítica face à sua conduta e às consequências da mesma.
36. Tudo conjugado, e atendendo à peremptória negação dos factos praticados, à incapacidade de autocensura manifestada pelo recorrente, bem andou o tribunal a quo ao considerar que as finalidades preventivas que no caso se reconhecem existir apenas se mostram satisfeitas com a aplicação de uma pena de prisão efectiva.
37. Como é sabido, nos termos do preceituado no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal “a aplicação das penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
38. Da leitura do preceito legal decorre que a aplicação das penas visa a satisfação das exigências de tutela dos bens jurídicos, ou seja, de reforço do sentimento de segurança da comunidade face à violação e a reinserção do agente na sociedade. Já o n.º 2 do mesmo normativo contém um afloramento do princípio geral e fundamental de que o direito penal é estruturado com base na culpa do agente, estando-lhe subjacente a premissa básica de que a medida da culpa condiciona a própria medida da pena, sendo assim um limite inultrapassável desta.
39. Por seu turno, o artigo 71.º, do Código Penal elenca os factores que devem nortear o julgador na determinação do quantum concreto da pena a aplicar ao arguido.
40. Atentando no caso concreto, afigura-se-nos que a medida concreta da pena de prisão aplicada ao recorrente é adequada e proporcional à gravidade das condutas pelo mesmo comprovadamente cometidas e atendendo, aos antecedentes criminais do recorrente.
41. Tudo ponderado, a decisão proferida em primeira instância não merece qualquer reparo, encontrando-se devidamente fundamentada de facto e direito, em face do que resultou provado em sede de audiência de julgamento. Deve, pois, manter-se, também neste segmento, a sentença recorrida.
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Em conformidade com as conclusões apresentadas, o Ministério conclui pela improcedência do recurso e concomitante manutenção da sentença recorrida.
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II. Fundamentação:
1. Delimitação do objeto do recurso:
Constitui entendimento consolidado que do disposto no n.º 1, do artigo 412º, do Código de Processo Penal [CPP], decorre que o âmbito dos recursos é delimitado através das conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso [vide Germano marques da silva, in «Curso de Processo Penal», vol. III, 2ª edição, 2000, pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103, acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I.ª Série-A, de 28-12-1995 e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt].
As possibilidades de conhecimento oficioso por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410.º do CPP, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal [neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria].
Por razões de lógica procedência, haverá que conhecer em primeiro lugar dos vícios que possam determinar a anulação do julgamento, depois, dos que possam implicar a anulação do acórdão recorrido, seguindo-se o conhecimento amplo da matéria de facto, se requerido, a apreciação dos vícios do artigo 410º, do CPP e, por fim, as diversas questões de direito segundo a ordem de tratamento na decisão recorrida.
Assim, perante as conclusões do recurso e a mencionada procedência lógica, as questões a decidir, são as seguintes.
- Erro de julgamento relativamente aos factos provados sob os n.os 5, 6 e 7;
- Erro de subsunção dos factos como suscetíveis de preencher os elementos constitutivos do crime de ameaça;
- Erro na opção pela escolha da pena de prisão;
- Desproporcionalidade das penas parcelares de prisão e da pena resultante do cúmulo jurídico das mesmas;
- Desproporcionalidade da aplicação de pena de prisão efetiva.
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2. Apreciação:
2.1. A decisão recorrida:
Dada a sua relevância para o enquadramento e decisão das questões suscitadas pelo recurso, importa verter aqui a factualidade que o Tribunal a quo deu como provada e, bem assim, a sua fundamentação para tal decisão da matéria de facto e enquadramento jurídico dos mesmos.
São o seguintes os factos considerados provados pelo tribunal recorrido [transcrição, com itálico da nossa responsabilidade]:
1. No dia ........2021, pelas 01h00, o arguido AA encontrava-se na residência sita na ..., na parte exterior, numa varanda, que deita para a ..., local onde estava a decorrer uma festa.
2. Por força do ruído gerado foi solicitada a presença, naquele local, da Polícia de Segurança Pública.
3. Assim, nas descritas circunstâncias de tempo e lugar, deslocaram-se ao local os Agentes da PSP BB e CC, devidamente uniformizados e no exercício das suas funções.
4. Enquanto os Agentes da PSP permaneciam no local, na tentativa de identificar a proprietária da residência, onde decorria a sobredita festa, o arguido AA dirigindo-se aos Agentes BB e CC proferiu as seguintes expressões: “Eu mato-vos seus filhos da puta”, “Seus montes de merda”, “vão para o caralho”, “Não valem um caralho” “quando vos vir mato-vos”, “Seus filhos da puta”, “vão para o caralho”, “já vos decorei seus filhos da puta”, “estão fodidos comigo”.
5. O arguido agiu motivado por razões atinentes ao exercício da actividade profissional dos agentes de autoridade e conhecia a qualidade profissional dos agentes da BB e CC, revelador da especial censurabilidade do arguido.
6. Ao dirigir-se aos agentes da BB e CC, com as palavras e expressões “Eu mato-vos”, quando vos vir mato-vos, já vos decorei”, “estão fodidos comigo”, sabia que eram idóneas a provocar-lhes receio e medo pela sua vida e integridade física o que quis e conseguiu, ainda assim não se coibiu de as proclamar.
7. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, tendo agido de forma livre, deliberada e consciente.
Quanto às condições sociais e económicas do arguido provou-se que:
8. O arguido é … no ..., em part time, e aufere a quantia de 575 Euros mensais, acrescida do subsídio de alimentação no valor de 178 Euros mensais.
9. Vive com a sua mãe, em casa desta, e com a sua irmã.
10. Tem um filho menor de idade, com 16 anos de idade, que vive com a avó materna.
11. Paga de prestação de alimentos ao seu filho menor 100 Euros mensais, e metade das despesas do mesmo.
12. Tem o 12º ano de escolaridade.
Quantos aos antecedentes criminais provou-se que:
13. O arguido já sofreu as seguintes condenações:
13.1. Por acórdão proferido em 14/11/2006, transitado em julgado em 28/06/2007, no âmbito do processo Comum Colectivo nº 871/05.4S6LSB, pela prática, em 22/11/2005, de um crime de roubo, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa por 3 anos, acompanhada de regime de prova;
13.2. Por sentença proferida em 17/11/2008, transitada em julgado em 17/11/2008, no âmbito do processo Sumaríssimo nº 204/06.2PCLRS, pela prática, em 6/03/2006, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 4 Euros, já declarada extinta pelo cumprimento;
13.3. Por sentença proferida em 5/02/2009, transitada em julgado em 17/11/2009, no âmbito do processo Comum Singular nº 12/06.0GCVFX, pela prática, em 20/02/2006, de um crime de detenção ou tráfico de armas proibidas, na pena de 170 dias de multa, à taxa diária de 5 Euros;
13.4. Por acórdão proferido em 2/07/2009, transitado em julgado em 13/04/2010, no âmbito do processo Comum Colectivo nº 1424/06.5PFLRS, pela prática, em 2006, de um crime de qualificado, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, acompanhada de regime de prova, tendo tal suspensão sido posteriormente revogada, por decisão de 7/01/2013, transitada em julgado em 4/02/2013;
13.5. Por sentença proferida em 7/04/2010, transitada em julgado em 7/05/2010, no âmbito do processo Comum Singular nº 240/06.9SGLSB, pela prática, em 5/04/2006, de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 3 Euros;
13.6. Por sentença proferida em 14/07/2011, transitada em julgado em 29/09/2011, no âmbito do processo Comum Singular nº 511/06.4SGLSB, pela prática, em 12/07/2006, de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 2 Euros, de um crime de sequestro, na pena de 9 meses de prisão, e de um crime de roubo, na pena de 9 meses de prisão, e, em cúmulo das penas parcelares de prisão, na pena única de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
13.7. Por acórdão proferido em 15/09/2011, transitado em julgado em 11/10/2011, no âmbito do processo Comum Colectivo nº 332/10.0PCLRS, pela prática, em 10/05/2010, de um crime de roubo, na pena de 3 anos e 10 meses de prisão;
13.8. Por acórdão proferido em 9/03/2012, transitado em julgado em 9/04/2012, no âmbito do processo Comum Colectivo nº 516/11.3PCLRS, pela prática, em 29/05/2011, de um crime de ofensa à integridade física grave, na pena de 6 anos de prisão, sendo que no âmbito deste processo foi proferido acórdão cumulatório em 11/01/2013, transitado em julgado em 31/01/2013, tendo sido englobadas as penas aplicadas ao arguido em tal processo e nos processos nºs. 332/10.0PCLRS, 240/06.9SGLSB, 511/06.4SGLSB, 12/06.0GCVFX, 871/05.4S6LSB e 1424/06.5PFLRS, tendo o arguido sido condenado nas seguintes penas únicas, de cumprimento sucessivo: de 3 anos de prisão efectiva, e 350 dias de multa, à taxa diária de 4 Euros, e de 7 anos e 6 meses de prisão;
13.9. Por sentença proferida em 20/11/2013, transitada em julgado em 20/12/2013, no âmbito do processo Comum Singular nº 22/11.6PCLRS, pela prática, em 6/01/2011, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 14 meses de prisão;
13.10. Por sentença proferida em 29/01/2015, transitada em julgado em 14/05/2015, no âmbito do processo Sumaríssimo nº 245/11.8PCLRS, pela prática, em 16/03/2011, de um crime de injúria, na pena de 65 dias de multa, à taxa diária de 5 Euros; 13.11. Por acórdão cumulatório proferido em 13/07/2015, transitado em julgado em 28/09/2015, no processo 6164/15.1T8LRS, onde foram englobas as penas aplicadas ao arguido nos processos nºs. 240/06.9SGLSB, 22/11.6PCLRS, 516/11.3PCLRS, 332/10.0PCLRS e 516/11.3PCLRS, tendo o arguido sido condenado na pena única de 3 anos de prisão e 350 dias de multa, à taxa diária de 4 Euros, tendo posteriormente a referida pena de multa sido declarada extinta, por prescrição;
13.12. Por sentença proferida em 15/05/2015, transitada em julgado em 8/02/2016, no âmbito do processo Comum Singular nº 2345/13.0TACSC, pela prática, em 24/06/2013, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 12 meses de prisão.
Mais se provou que:
14. Foi concedida liberdade condicional ao arguido, com efeitos a 17 de Fevereiro de 2021 até ao fim das penas (14/03/2023), que cumpria no âmbito dos processos 6164/15.1T8LRS, 2345/13.0TACSC e 245/11.8PCLRS.
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Factos não provados
Da prova produzida não resultaram provados quaisquer outros factos, para além ou em contradição com os supra descritos, e, designadamente, que:
1. A residência onde o arguido se encontrava situava-se na ....
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No que concerne à fundamentação matéria de facto, o Tribunal a quo, exarou o seguinte [transcrição, com itálico da nossa responsabilidade]:
O tribunal formou a sua convicção com base na análise e valoração da crítica da prova produzida e examinada em audiência, conjugada com a prova documental junta aos autos.
Ora, cumpre desde logo aqui referir que o arguido prestou declarações em audiência, tendo sido também inquiridas em audiência as testemunhas BB e CC, ambos agentes da PSP, que tiveram intervenção no episódio em causa.
O arguido em sede de declarações, prestadas em audiência, confirmou que havia estado na dita festa no dia em questão, na residência na casa da sua mãe, onde reside, esclarecendo que a morada não é a que consta na acusação, mas antes a ... – sendo que relativamente a tal morada logrou convencer, atentos os depoimentos das testemunhas BB e CC, que esclareceram que, efectivamente, a residência se situa na referida Rua, embora o arguido quando ocorreram os factos, se encontrava no exterior, na varanda que deita para a ....
O arguido referiu ainda que na hora que consta na acusação –ou seja 1 hora - do referido dia .../.../2021, e quando os agentes da PSP foram ao local, já não se encontrava em tal local, esclarecendo que já tinha saído e que a essa hora encontrava-se, juntamente com a sua namorada, no ..., tendo chegado a tal hotel por volta da meia noite e meia, e onde pernoitou – sendo que, nesta parte, tais declarações não lograram de todo convencer, sendo certo que, em virtude de tais declarações, foi requerido pela Digna Magistrada do MP em audiência, e foi determinado, por tal se afigurar com relevo para a descoberta da verdade material, que fosse oficiado o dito ... para, no prazo de 5 dias, remeter aos autos informação integral que confirme se o arguido ali pernoitou, e, em caso afirmativo, com que documento fez o check in e a que horas deu entrada naquele hotel, o que foi efectuado, tendo o aludido Hotel confirmado que o arguido hospedou-se naquele Hotel entre os dias 11/07 a 12/07, e que o checkin foi realizado às 3:51 horas, da madrugada do referido dia 12/07 – conforme informação que consta dos autos, por email remetido em 7/06/2024. Acresce ainda que tais declarações do arguido foram contrariadas pelos depoimentos das testemunhas BB e CC, ambos agentes da PSP, que depuseram com rigor e isenção, e não tiveram dúvidas em afirmar que quando lá chegaram o arguido se encontrava no local supra mencionado, e proferiu as expressões ameaçatórias que concretizaram, tendo o primeiro ainda confirmado o teor dos autos de notícia e respectivos aditamentos que elaborou e que foram juntos aos autos, sendo que quanto à residência em causa esclareceram que a mesma se situava na rua acima mencionada, e que o arguido, como acima se disse, se encontrava no exterior, na varanda que deita para a ..., quando proferiu as expressões em causa, sendo que não foi possível naquele momento identificá-lo, pelas razões que explicitaram, e que só uns dias depois, quando se encontravam a fazer um patrulhamento, no local que concretizaram, visualizaram o arguido, altura em que o abordaram, e levaram-no para a esquadra, por forma a identificá-lo, esclarecendo que o mesmo não tinha consigo a identificação, e que a mãe deste se deslocou à esquadra para o efeito, e o que logrou convencer.
Assim, e no que concerne aos factos dados como provados nos pontos 1 a 7 o tribunal alicerçou a sua convicção nos depoimentos das referidas testemunhas BB e CC, ambos agentes da PSP, que tiveram intervenção no episódio em causa, e que depuseram com rigor e isenção, sendo que tais depoimentos foram ainda conjugados com o teor dos autos de noticia e respectivos aditamentos de fls. 2, 3, 4, 14, 19 e 20.
No que concerne às condições sociais e económicas nas próprias declarações do arguido.
Quanto aos antecedentes criminais do arguido, o tribunal fundou a sua convicção no teor do CRC junto aos autos.
Relativamente aos factos dados como não provados cumpre dizer que tal se deve à circunstância de ter sido produzida prova em sentido diverso, atento o acima exposto.
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No que concerne à subsunção dos factos ao direito, o tribunal recorrido teceu as seguintes considerações [transcrição, com itálico da nossa responsabilidade]
O Direito
Importa apurar, tão só, da responsabilidade criminal do arguido relativamente à pratica, em autoria material, na forma consumada, e em concurso real e efectivo, ao abrigo dos artigos 14.º, n.º 1, 26.º e 30.º, todos do Código Penal, de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. nos termos conjugados dos artigos 153.º, 155.º, n.º 1, alínea c), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal.
Dispõe o art.º 153º, nº 1, do Código Penal, que: “Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”.
Trata-se de um crime contra a liberdade pessoal em que o bem jurídico protegido é liberdade de decisão e de acção – a que se referem as expressões «provocar-lhe medo ou inquietação» e «prejudicar a sua liberdade de determinação» – naturalmente afectadas pelas ameaças, ao provocarem um sentimento de insegurança, intranquilidade ou medo na pessoa do ameaçado1.
São elementos constitutivos (objectivos) do ilícito: a existência de uma ameaça (que pode revestir a forma oral, escrita ou gestual); o conhecimento da ameaça por parte do destinatário da mesma (sujeito passivo do crime); que a ameaça seja adequada a provocar no ameaçado medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, não se exigindo – ao contrário do artigo 155º do Código Penal de 1982 – a ocorrência do resultado/dano, ou seja, que, em concreto, a ameaça tenha provocado medo ou inquietação ou tenha ficado afectada a liberdade de determinação do ameaçado2.
Analisando o primeiro pressuposto dir-se-á que ameaça terá de ser de um mal (de natureza pessoal ou patrimonial) – necessariamente futuro.
“Isto significa apenas que o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal. Esta característica temporal da ameaça é um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coação, entre ameaça (de violência) e violência. Assim, p. ex., haverá ameaça, quando alguém afirma: “hei-de-te matar”; já se tratará de violência, quando alguém afirma: "vou-te matar já”. Que o agente refira, ou não, o prazo dentro do qual concretizará o mal, e que, referindo-o, este seja curto ou longo, eis o que é irrelevante. Necessário é só (…) que não haja iminência de execução, no sentido em que esta expressão é tomada para efeitos da tentativa (…) – Américo Taipa de Carvalho, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, tomo I, Coimbra Editora, 1999, página 343.
Ameaçar será, pois, prometer, anunciar ou prenunciar um mal futuro (a intenção de causar um mal futuro) que constitua crime.
Quanto ao “critério da adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação, ou de modo a prejudicar a liberdade de determinação é objectivo-individual: objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou de intranquilizar qualquer pessoa (critério do “homem comum”); individual, no sentido de que devem relevar as características psíco-mentais da pessoa ameaçada (relevância das sub-capacidades do ameaçado)”. Assim, “ameaça adequada é a ameaça que, de acordo com a experiência comum, é susceptível de ser tomada a sério pelo ameaçado (tendo em conta as características do ameaçado e conhecidas do agente, independentemente de o destinatário da ameaça ficar, ou não, intimidado)” 3.
No que concerne ao elemento subjectivo do tipo de crime em análise exige-se o dolo que se basta «com a consciência (representação e conformação) da adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado» - consciência do agente da susceptibilidade de provocação de medo ou intranquilidade, sendo irrelevante que o agente tenha ou não intenção de concretizar a ameaça - pressupondo que o agente tenha a vontade de que a ameaça chegue ao conhecimento do destinatário.
Nos termos do art.º 155º do Código Penal: “1 - Quando os factos previstos nos artigos 153.º a 154.º-C forem realizados:
a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos; b) Contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez; c) Contra uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas; d) Por funcionário com grave abuso de autoridade; e) Por determinação da circunstância prevista na alínea f) do n.º 2 do artigo 132.º; o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, nos casos dos artigos 153.º e 154.º-C, com pena de prisão de 1 a 5 anos, nos casos dos n.º 1 do artigo 154.º e do artigo 154.º-A, e com pena de prisão de 1 a 8 anos, no caso do artigo 154.º-B”. Verificamos, assim, que se os factos previstos no citado artigo 153º forem praticados contra uma das pessoas referidas na alínea l) don.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, designadamente: contra membro de órgão de soberania, do Conselho de Estado, Representante da República, magistrado, membro de órgão do governo próprio das regiões autónomas, Provedor de Justiça, membro de órgão das autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, comandante de força pública, jurado, testemunha, advogado, solicitador, agente de execução, administrador judicial, todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, agente das forças ou serviços de segurança, funcionário público, civil ou militar, agente de força pública ou cidadão encarregado de serviço público, docente, examinador ou membro de comunidade escolar, ministro de culto religioso, jornalista, ou juiz ou árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas, no exercício das suas funções ou por causa delas.
Importa ainda aqui salientar que de acordo com o disposto no art. 30º, nº1, do Código Penal: “O número de crimes determina-se pelo número de tipo de crimes efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.”
Costuma distinguir-se o concurso em homogéneo e heterogéneo, em ambos os casos há vários crimes, correspondendo o concurso heterogéneo a crimes que correspondem a diferentes tipos legais, à violação plúrima de vários tipos de crime, na expressão da lei, e o concurso homogéneo a vários crimes que correspondem ao mesmo tipo legal, à violação plúrima do mesmo tipo de crime, também na expressão da lei.
Perfilha-se, assim, o critério teleológico para distinguir entre unidade ou pluralidade de infracções.
O critério teleológico que a lei acolhe no tratamento do concurso de crimes, condensado na referência a crimes “efectivamente cometidos”, é adequado a delimitar os casos de concurso efectivo (pluralidade de crimes através de uma mesma acção ou de várias acções) das situações em que, não obstante a pluralidade de tipos de crime eventualmente preenchidos, não existe efectivo concurso de crimes (os casos de concurso aparente e de crime continuado).
Ao lado das espécies de concurso próprio (ideal ou real) há, com efeito, casos em que as leis penais concorrem só na aparência, excluindo uma as outras. A ideia fundamental comum a este grupo de situações é a de que o conteúdo do injusto de uma acção pode determinar-se exaustivamente apenas por uma das leis penais que podem entrar em consideração - concurso impróprio, aparente ou unidade de lei.
A determinação dos casos de concurso aparente faz-se, de acordo com as definições maioritárias, segunda regras de especialidade, subsidiariedade ou consunção.
A razão teleológica para determinar as normas efectivamente violadas ou os crimes efectivamente cometidos, só pode encontrar-se na referência a bens jurídicos que sejam efectivamente violados.
O critério do bem jurídico como referente da natureza efectiva da violação plural é, pois, essencial, para determinar se em casos de pluralidade de acções ou pluralidade de tipos realizados existe, efectivamente, unidade ou pluralidade de crimes, isto é concurso legal ou aparente ou real ou ideal.
Ora, o crime de ameaça tutela um bem jurídico eminentemente pessoal, pelo que são tantas as negações de valores jurídico-penais autónomos, quantas as pessoas atingidas.
Da factualidade dada como provada (cfr. pontos 1 a 7), resultam demonstrados os elementos constitutivos, da prática pelo arguido, em autoria material, na forma consumada, e em concurso real e efectivo, dos dois crimes de ameaça agravada, que lhe são imputados, sendo certo que, como acima se disse, o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crimes efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente (cfr. artigo 30º, nº 1 do CP, sendo que tais factos foram praticados contra os aludidos ofendidos, BB e CC, Agentes da PSP, que se encontravam devidamente uniformizados e no exercício das suas funções. Acresce que o arguido agiu motivado por razões atinentes ao exercício da actividade profissional dos agentes de autoridade e conhecia a qualidade profissional dos agentes da BB e CC, revelador da especial censurabilidade do arguido, e ao dirigir-se aos agentes da BB e CC as palavras e expressões “Eu mato-vos”, quando vos vir mato-vos, já vos decorei”, “estão fodidos comigo”, sabia que eram idóneas a provocar-lhes receio e medo pela sua vida e integridade física o que quis e conseguiu, ainda assim não se coibiu de as proclamar, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, tendo agido de forma livre, deliberada e consciente.
Consequentemente, praticou o arguido, em autoria material, na forma consumada e em concurso real e efectivo, dois crimes de ameaça agravada, p. e p. nos termos conjugados dos artigos 153.º, 155.º, n.º 1, alínea c), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal.
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Porque os factos são puníveis e inexistem causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, terá o arguido de ser condenado numa pena.
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Da escolha e da medida da pena:
Sendo este o enquadramento jurídico-penal da factualidade dada como assente cabe, agora, determinar a medida concreta da pena a aplicar ao arguido considerando que ao crime de ameaça agravada, p. e p. nos termos conjugados dos artigos 153.º, 155.º, n.º 1, alínea c), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, corresponde uma moldura penal abstracta de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias.
A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo certo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40º, nº 1 e 2, do Código Penal).
Nas tarefas da determinação da natureza e medida da sanção penal a aplicar importa ter presentes os vectores básicos dos artigos 70º do Código Penal, que aponta para o dever dar preferência fundamentada à pena não detentiva sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente às finalidades da punição, e 71º, do mesmo diploma, no que tange à determinação da sua medida concreta, a fazerem função da culpa do agente conjugada com as necessidades de prevenção geral e especial e, ainda, as demais circunstâncias a que alude o nº 2, ou seja aquelas que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
Ora, os crimes imputados ao arguido admitem, em alternativa, pena de prisão e pena de multa.
Conforme já acima aludimos, de acordo com o artigo 70º do Código Penal, o Tribunal deve optar pela pena de multa, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.
Estas finalidades reconduzem-se, por um lado, a necessidades de prevenção geral, que se alcançam pela própria reacção penal contra o acto que violou a norma incriminadora de forma a restaurar na sociedade a confiança na validade e eficácia do sistema, ao mesmo tempo que se pretende evitar, pela dissuasão, a prática de futuros crimes.
Por outro lado, reconduzem-se a necessidades de prevenção especial que se alcançam pela criação de condições idóneas a reintegrar socialmente o agente do crime evitando dessa forma que, no futuro, ele volte a praticar crimes.
No caso vertente, afigura-se-nos que a opção por pena de multa não realiza de forma adequada e suficientemente as finalidades da punição, atentos os inúmeros antecedentes criminais do arguido, espelhados nos factos provados, sendo certo que o mesmo já sofreu diversas outras condenações, e as penas que anteriormente lhe foram aplicadas, incluindo várias penas de prisão efectiva, em nada serviram para o arredar do cometimento dos crimes aqui em apreço. Com efeito, o arguido já foi condenado: - Por acórdão proferido em 14/11/2006, transitado em julgado em 28/06/2007, no âmbito do processo Comum Colectivo nº 871/05.4S6LSB, pela prática, em 22/11/2005, de um crime de roubo, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa por 3 anos, acompanhada de regime de prova;
- Por sentença proferida em 17/11/2008, transitada em julgado em 17/11/2008, no âmbito do processo Sumaríssimo nº 204/06.2PCLRS, pela prática, em 6/03/2006, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 4 Euros, já declarada extinta pelo cumprimento;
- Por sentença proferida em 5/02/2009, transitada em julgado em 17/11/2009, no âmbito do processo Comum Singular nº 12/06.0GCVFX, pela prática, em 20/02/2006, de um crime de detenção ou tráfico de armas proibidas, na pena de 170 dias de multa, à taxa diária de 5 Euros;
- Por acórdão proferido em 2/07/2009, transitado em julgado em 13/04/2010, no âmbito do processo Comum Colectivo nº 1424/06.5PFLRS, pela prática, em 2006, de um crime de qualificado, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, acompanhada de regime de prova, tendo tal suspensão sido posteriormente revogada, por decisão de 7/01/2013, transitada em julgado em 4/02/2013;
- Por sentença proferida em 7/04/2010, transitada em julgado em 7/05/2010, no âmbito do processo Comum Singular nº 240/06.9SGLSB, pela prática, em 5/04/2006, de um crime dedetenção de arma proibida, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 3 Euros;
- Por sentença proferida em 14/07/2011, transitada em julgado em 29/09/2011, no âmbito do processo Comum Singular nº 511/06.4SGLSB, pela prática, em 12/07/2006, de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 2 Euros, de um crime de sequestro, na pena de 9 meses de prisão, e de um crime de roubo, na pena de 9 meses de prisão, e, em cúmulo das penas parcelares de prisão, na pena única de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
- Por acórdão proferido em 15/09/2011, transitado em julgado em 11/10/2011, no âmbito do processo Comum Colectivo nº 332/10.0PCLRS, pela prática, em 10/05/2010, de um crime de roubo, na pena de 3 anos e 10 meses de prisão;
- Por acórdão proferido em 9/03/2012, transitado em julgado em 9/04/2012, no âmbito do processo Comum Colectivo nº 516/11.3PCLRS, pela prática, em 29/05/2011, de um crime de ofensa à integridade física grave, na pena de 6 anos de prisão, sendo que no âmbito deste processo foi proferido acórdão cumulatório em 11/01/2013, transitado em julgado em 31/01/2013, tendo sido englobadas as penas aplicadas ao arguido em tal processo e nos processos nºs. 332/10.0PCLRS, 240/06.9SGLSB, 511/06.4SGLSB, 12/06.0GCVFX, 871/05.4S6LSB e 1424/06.5PFLRS, tendo o arguido sido condenado nas seguintes penas únicas, de cumprimento sucessivo: de 3 anos de prisão efectiva, e 350 dias de multa, à taxa diária de 4 Euros, e de 7 anos e 6 meses de prisão; - Por sentença proferida em 20/11/2013, transitada em julgado em 20/12/2013, no âmbito do processo Comum Singular nº 22/11.6PCLRS, pela prática, em 6/01/2011, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 14 meses de prisão;
- Por sentença proferida em 29/01/2015, transitada em julgado em 14/05/2015, no âmbito do processo Sumaríssimo nº 245/11.8PCLRS, pela prática, em 16/03/2011, de um crime de injúria, na pena de 65 dias de multa, à taxa diária de 5 Euros;
- Por acórdão cumulatório proferido em 13/07/2015, transitado em julgado em 28/09/2015, no processo 6164/15.1T8LRS, onde foram englobas as penas aplicadas ao arguido nos processos nºs. 240/06.9SGLSB, 22/11.6PCLRS, 516/11.3PCLRS, 332/10.0PCLRS e 516/11.3PCLRS, tendo o arguido sido condenado na pena única de 3 anos de prisão e 350 dias de multa, à taxa diária de 4 Euros, tendo posteriormente a referida pena de multa sido declarada extinta, por prescrição;
- Por sentença proferida em 15/05/2015, transitada em julgado em 8/02/2016, no âmbito do processo Comum Singular nº 2345/13.0TACSC, pela prática, em 24/06/2013, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 12 meses de prisão.
Acresce que não se pode ainda aqui olvidar que o arguido cometeu os ilícitos penais aqui em apreço no período da liberdade condicional que lhe foi concedido, com efeitos a 17 de Fevereiro de 2021 até ao fim das penas (14/03/2023), que cumpria no âmbito dos processos 6164/15.1T8LRS, 2345/13.0TACSC e 245/11.8PCLRS, enão demostrou qualquer arrependimento, tendo negado os factos, de forma que não logrou de todo convencer, pelas razões já explanadas.
Feita a opção pela pena de prisão, importa agora determinar as penas parcelares concretas, dentro dos limites estabelecidos pela respectiva moldura penal em causa, e de acordo com os critérios já acima mencionados, consagrados no artigo 71º do Código Penal.
Com efeito, para a determinação da medida concreta das penas parcelares importa salientar:
- O dolo do arguido é muito intenso, sendo directo;
- A culpa situa-se em patamar médio a elevado;
- As exigências de prevenção geral são bastantes significativas, no que respeita aos ilícitos em causa, de ameaça agravada, a agentes de autoridade no exercício das suas funções, pelo que se impõe reforçar a validade da norma violada aos olhos da comunidade;
- Relativamente às exigências de prevenção especial as mesmas afiguram-se muito elevadas, atentos os inúmeros antecedentes criminais do arguido, espelhados nos factos dados como provados, e já acima mencionados, o qual, como já acima se disse, sofreu diversas outras condenações, e as penas que anteriormente lhe foram aplicadas, incluindo penas de prisão efectiva, em nada serviram para o arredar do cometimento dos crimes aqui em apreço, tendo cometido tais ilícitos aqui em apreço no período da liberdade condicional que lhe foi concedida, com efeitos a 17 de Fevereiro de 2021 até ao fim das penas (14/03/2023), que cumpria no âmbito dos processos 6164/15.1T8LRS, 2345/13.0TACSC e 245/11.8PCLRS, sendo que o referido passado criminal do arguido revela uma personalidade avessa ao direito, completamente indiferente aos valores tutelados pelas normas penais violadas, não tendo o arguido demostrado qualquer arrependimento, nem autocrítica sobre as consequências da sua conduta.
- Importa ainda ter presentes as condições pessoais do arguido, espelhadas nos factos provados.
Tudo visto e ponderado julga-se adequado aplicar ao arguido a pena de 9 meses de prisão, por cada um dos dois crimes de ameaça agravada.
Tendo em conta as penas parcelares de prisão aplicadas ao arguido atrás decididas há que proceder ao cúmulo jurídico das mesmas, em obediência e segundo os critérios previstos no disposto nos artigos 77º e 78º do C. Penal.
Tal cúmulo terá de se efectivar dentro da moldura abstracta que terá como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares de prisão, ou seja 9 meses, correspondendo o limite máximo à soma das concretas penas determinadas, ou seja 1 ano e 6 meses.
Na determinação de cada pena única serão considerados em conjunto os factos e a personalidade do arguido (artigo 77º, n.º1 do Código Penal).
Sobre os factos há que ter em conta o acima exposto, sendo que os mesmos são graves e a ilicitude elevada, uma vez que o arguido agiu com dolo directo.
Importa ainda aqui considerar os factos atinentes à sua personalidade, o qual, como já acima se disse, tem uma tendência para a prática de crimes de diversa natureza, na sua maioria de natureza violenta e contra pessoas, considerando o seu passado criminal, o que revela uma personalidade mal formada, indiferente aos valores tutelados pelas normas penais violadas e à ameaça das respectivas sanções, o que resulta também evidenciado pela ausência de arrependimento ou de qualquer conduta demonstrativa de ter interiorizado a sua culpa e necessidade de censura penal.
Assim, tudo ponderado, em face do conjunto dos factos e da personalidade do arguido, reputa-se equilibrado, em cúmulo jurídico, condenar o mesmo na pena única de 1 ano e 2 meses de prisão.
Ora, os já mencionados antecedentes criminais do arguido, não permitem formular um juízo de prognóstico favorável relativamente ao seu comportamento.
Entendemos, assim, que a repetição da conduta do arguido e as penas que já lhe foram anteriormente aplicadas, incluindo várias penas de prisão efectiva, e o facto de ter cometido os ilícitos penais aqui em apreço no referido período de liberdade condicional que lhe foi concedido, bem como a ausência de qualquer arrependimento, arredam a possibilidade de efectuar qualquer juízo de prognose favorável, no sentido de que a simples censura do facto e ameaça da prisão bastarão para o afastar da prática de novos crimes, pelo que entendemos que não se encontram verificados os pressupostos, para a aplicação do disposto no artigo 50º, nº 1 do Código Penal, que prevê a possibilidade da suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
De igual modo, tendo em conta particularmente as supra referidas elevadas exigências de prevenção especial, entendemos que não se encontram verificados os pressupostos, para a aplicação do disposto nos artigos 58º, nº 1 do Código Penal, que prevê a possibilidade de substituição da pena de prisão não superior a dois anos por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Importa ainda aqui referir, considerando o quantitativo da pena única de prisão aplicada, que a execução em regime de permanência na habitação também não iria satisfazer a finalidade primordial de restabelecer a confiança comunitária na validade das normas violadas e na eficácia do sistema jurídico-penal, em face das já mencionadas elevadas exigências de prevenção geral e especial, considerando o mencionado passado criminal do arguido e a sua personalidade, o qual já foi várias vezes condenado pela prática de inúmeros crimes, a maioria dos quais de forma violenta e nomeadamente contra as pessoas, incluindo em penas de prisão efectiva. A reiteração deste tipo de conduta evidencia relevante perigosidade social do arguido, reafirmando-se aqui que o arguido cometeu os crimes aqui em apreço logo pouco tempo depois de lhe ter sido concedida liberdade condicional, sendo que as condenações anteriores e tal medida de liberdade condicional a que estava sujeito não contribuíram para a adopção de um comportamento normativo, mostrando-se o arguido totalmente insensível aos valores jurídico-penalmente tutelados, não apresentado adequada atitude de autocrítica face à sua conduta e às consequências da mesma, o que constitui um constrangimento face a uma possível e desejável mudança comportamental, num quadro de risco para outras pessoas, não sendo, por conseguinte, de aplicar o disposto artigo 43º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na redacção introduzida pela citada Lei nº 94/2017, de 23/8.
A referida pena de prisão institucionalizada, mesmo que de curta duração, configura-se como única forma de convencer o agente da gravidade dos crimes praticados e de estabilizar as expectativas comunitárias na manutenção da validade das normas infringidas.
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2.2. Do erro de julgamento:
Transcrita a sentença na parte relevante, estamos agora em condições de apreciar a primeira da questões do julgamento, ou seja, erro de julgamento no que concerne aos factos considerados provado sob os n.os 5º, 6º e 7º, na medida em que o recorrente entende que os mesmos foram incorretamente julgados.
Consubstancia entendimento consolidado na jurisprudência que o recurso amplo ou recurso efetivo da matéria de facto, previsto no artigo 412º, n.os 3, 4 e 6 do CPP impõe que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da tomada na sentença e/ou as que deviam ser renovadas.
Esta especificação deve fazer-se por referência ao consignado na ata, indicando-se concretamente as passagens em que se funda a impugnação (artigo 412º, n.º 4 do CPP).
Na ausência de consignação na ata do início e termo das declarações, bastará “a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente,” de acordo com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça em 08.03.2012 (AUJ n.º 3/2012).
O incumprimento das formalidades impostas pelo artigo 412º, n.os 3 e 4, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto por esta via ampla.
Mais do que uma penalização decorrente do incumprimento de um ónus, trata-se de uma real impossibilidade de conhecimento decorrente da deficiente interposição do recurso.
Revertendo ao caso concreto, verifica-se que o recorrente cumpriu ónus da impugnação, pelo que o tribunal, dando cumprimento ao n.º 6, do artigo 412º, do CPP, procedeu à audição das passagens indicadas pelo recorrente, bem como as indicadas pelo Ministério Público na resposta ao recurso.
O primeiro ponto a salientar é que o erro de julgamento, não pode ser confundido com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida e a convicção que o tribunal formou.
Neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, estabelecido no artigo 127.º do CPP, de acordo com o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
A impugnação ampla da matéria de facto, em sede de recurso [como reconhecido pelo próprio recorrente logo no início da motivação do recurso], não visa realização de um segundo e novo julgamento, com base na audição de gravações e na reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos, que serviram de fundamento à decisão recorrida, como se esta não existisse. O que se visa é uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente especificou como incorretamente julgados, cabendo ao tribunal de recurso confrontar o juízo que sobre esses concretos pontos foi realizado pelo tribunal recorrido com a sua própria convicção, determinada pela valoração autónoma das provas indicadas pelo recorrente.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos da matéria de facto impugnados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando, especificadamente, os meios de prova enunciados nessa decisão e as concretas provas indicadas pelo recorrente e por este consideradas como impondo uma decisão diversa da proferida.
Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É esse o sentido da expressão "provas que impõem decisão diversa da recorrida'', constante da alínea b) do n.° 3 do artigo 412.º do CPP, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente, no sentido de ter de demonstrar que as provas produzidas impõem uma decisão diferente da que foi proferida.
Como já referido, "impor" decisão diferente não significa "admitir" uma outra decisão diferente, mas sim que a decisão proferida, face às provas, não é possível ou não é plausível.
A ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem (cf. al. b) do n.º 3, do artigo 412.º do CPP).
Posto isto, verificamos que as provas indicadas pelo recorrente para impor decisão diversa da proferida são os depoimentos dos agentes da BB e CC, apreciadas no referência ao contexto em que as expressões proferidas pelo arguido foram proferidas.
Em primeiro lugar, cumpre salientar que os factos que o recorrente impugna se circunscrevem os elementos do tipo subjetivo do crime de ameaça, que é um crime doloso.
O Código Penal não define o dolo do tipo, mas apenas, no seu artigo 14º, cada uma das formas em que ele se analisa.
Não obstante, é a doutrina hoje dominante, a cujo entendimento nos acolhemos, que, na sua formulação mais geral, o dolo pode ser conceitualizado como o conhecimento (representação) e vontade de realização do facto material típico [Figueiredo Dias, com a colaboração de Maria João Antunes; Susana Aires de Sousa; Nuno Brandão e Sónia Fidalgo, in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais; A doutrina Geral do Crime, 3ª edição, outubro de 2019, § 4, p. 407], constituído pelos elementos objetivos, naturalísticos ou normativos de uma infração.
Engloba, assim, os elementos:
a) intelectual - a exigência de que o agente conheça as circunstâncias de facto que pertençam ao tipo legal – e;
b) volitivo - a vontade ou desejo de produzir certo resultado ou ato.
O último elemento confere ao dolo três graus distintos, consoante o agente atue: com intenção de realizar o facto ilícito - dolo direto [cf. artigo 14º, n.º 1, do Código Penal]; a realização do facto típico seja consequência necessária, mas não diretamente desejada, da sua conduta - dolo necessário [cf. artigo 14º, n.º 2, do C.P.]; a realização do facto típico seja consequência possível, da sua conduta e, não obstante, o agente atue conformando-se com essa realização - dolo eventual [cf. artigo 14º, n.º3, do C.P.].
O dolo, conceptualizado nos termos que antecedem, na ausência de confissão ou perante o silêncio da pessoa a quem é imputado, só é suscetível de prova indireta.
Com efeito, tradicionalmente entende-se que para se darem como provados os factos psíquicos, existem dois tipos de prova: a prova direta e a indireta. A primeira enquanto prova de primeiro grau, incide imediatamente sobre os factos probandos, a segunda baseia-se em determinadas ilações retiradas das regras da experiência comum [Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, Vol.I, 1986, p. 207].
No mesmo sentido Germano Marques da Silva que refere que "os atos interiores (ou “factos internos” como lhes chama Cavaleiro de Ferreira), que respeitam à vida psíquica, a maior parte das vezes não se provam diretamente, mas por ilação de indícios ou factos exteriores” [in Curso de Processo Penal, Vol. II, 5ª edição, Edições Verbo, p. 149] e Carlos de Miranda Vásquez, para quem o Homem enquanto ser racional, é dotado de uma característica de difícil apreensão e que o distingue de todos os outros seres vivos: o pensamento. No mundo interior da mente só podemos conhecer o que é transmitido para o mundo exterior, seja de uma forma expressa e direta (comunicação) seja de uma maneira tácita (conduta) [in Indícios Para a Prova do Dolo no Processo Penal, in: http://itemsweb.esade.edu/research/ipdp/162Probatica.pdf.].
Acolhendo-nos à bem conseguida síntese de Rui Patrício [in O dolo enquanto elemento do tipo penal: questão de facto ou questão de direito? – Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Criminais, Ano letivo de 1996/97, Universidade de Lisboa], diremos que “os atos psíquicos não se comprovam em si mesmos, mas mediante ilações, ou seja, os atos psíquicos transcendem a possibilidade de comprovação histórico-empírica (…) por outras palavras, o apuramento do dolo do agente, enquanto ato interior e conceito mentalístico é uma conclusão, uma ilação e uma atribuição de significado social que o tribunal criminal extrai a partir dos factos imputados ao arguido que forem dados como provados, factos esses lidos à luz das regras da experiência da vida, da normalidade social, da experiência comum”.
A jurisprudência, desde há muito, trilha o mesmo caminho da doutrina, conforme resulta do teor do vetusto acórdão da Relação do Porto de 23.2.83 [in BMJ, n.º 324, p. 620], onde se refere que “o dolo pertence à vida interior de cada um, sendo, portanto, de natureza subjetiva, insuscetível de direta apreensão, só sendo possível captar a sua existência através de factos materiais comuns”.
Já neste século o acórdão da Relação de Coimbra de 16.11.2005 [disponível, em texto integral, in www.dgsi.pt] reafirmou o entendimento que vem sendo referido, ao decidir que “não obstante o dolo pertencer ao íntimo de cada um, ser um ato interior, revestindo natureza subjetiva, o facto de o arguido exercer o direito ao silêncio não impede que a existência daquele seja captada através de dados objetivos, através das regras da experiência comum”.
Também com interesse o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18.04.2007 [Proc.: 0646052 - Relator: Cravo Roxo], onde se decidiu que "existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são suscetíveis de prova indireta como são todos os elementos de estrutura psicológica” e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3.3.2010 [Proc.: 2753/06.3TAVIS.C1 Relator: Alberto Mira], onde se refere: " o meio probatório por excelência a que se recorre na prática para determinar a ocorrência de processos psíquicos sobre os quais assenta o dolo não são as ciências empíricas, nem tão pouco a confissão auto inculpatória do sujeito ativo mas a aplicação das regras da experiência – premissa maior – aos factos previamente provados e que constituem a premissa".
Revertendo ao caso dos autos, tendo presentes as considerações ora tecidas, verifica-se que o tribunal recorrido, com pertinência para a questão que nos ocupa, considerou provados os seguintes factos [não colocados em causa pelo recorrente]:
1. No dia ........2021, pelas 01h00, o arguido AA encontrava-se na residência sita na ..., na parte exterior, numa varanda, que deita para a ..., local onde estava a decorrer uma festa.
2. Por força do ruído gerado foi solicitada a presença, naquele local, da Polícia de Segurança Pública.
3. Assim, nas descritas circunstâncias de tempo e lugar, deslocaram-se ao local os Agentes da PSP BB e CC, devidamente uniformizados e no exercício das suas funções.
4. Enquanto os Agentes da PSP permaneciam no local, na tentativa de identificar a proprietária da residência, onde decorria a sobredita festa, o arguido AA dirigindo-se aos Agentes BB e CC proferiu as seguintes expressões: “Eu mato-vos seus filhos da puta”, “Seus montes de merda”, “vão para o caralho”, “Não valem um caralho” “quando vos vir mato-vos”, “Seus filhos da puta”, “vão para o caralho”, “já vos decorei seus filhos da puta”, “estão fodidos comigo”.
Sendo estes os únicos factos objetivos dados provados, é com base neles, e apenas neles, que se podem fundar as ilações que nos permitem afirmar que o agente agiu com conhecimento (representação) e vontade de realização do facto material típico [ou seja, com dolo], e não lançando mão de factos que não foram considerados provados, nomeadamente que o arguido, quando proferiu as expressões acima transcritas, esteve a consumir bebidas alcoólicas pelo menos desde o início da festa, na presença de cerca 30 ou 40 convivas, maioritariamente jovens, que pudessem já não estar na plenitude do seu discernimento do que seria a postura mais correta e urbana e, como tal, as expressões em causa não foram proferidas como foros de seriedade, não passando de “gabarolice”.
O que fica dito, ou seja, a ausência dos factos invocados pelo recorrente no elenco dos factos provados ou não provados, não configura o vício de insuficiência da matéria de facto , previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a) do CPP, de conhecimento oficioso [cf. supra], na medida em que o mesmo só se verifica quando o tribunal a quo deixou de apurar factos que, revelando interesse para a decisão da questão da culpabilidade ou da determinação da sanção, tenham sido alegados pela acusação ou pela defesa, ou tenha resultado da discussão da causa em termos tais que, por via do princípio da investigação ou da verdade material, se impõe ao tribunal conhecer dos mesmos, impondo-se ampliar a base de facto da decisão, o que pressupõe que os factos alegados pela acusação sejam, em sim mesmos, suficientes/idóneos ao preenchimento dos tipos objetivo e subjetivo do crime imputado.
Com efeito, se a acusação narra factos que, em si mesmos, não preenchem o tipo de crime imputado, no caso dos autos dois crimes de ameaça, não pode o tribunal suprir uma conduta que é em si mesmo atípica, acrescentado factos, quer por via do mecanismo do artigo 328º, do CPP, quer por via do artigo 359º, do mesmo diploma, que a tornem típica [cf. acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 1/2015, publicado no Diário da República n.º 18/2015, Série I de 27.1.2015, páginas 582 - 597].
No caso dos autos, os factos considerados provados são exatamente os narrados da acusação, com exceção do nome da rua onde morava o arguido, que é completamente inócuo para a questão que nos ocupa.
Posto isto, vejamos se dos factos objetivos acima transcritos, que, como ficou dito, correspondem aos narrados na acusação, pode ou não extrair-se o conhecimento (representação) e vontade de cometer os crimes de ameaça, o que implica a análise dos elementos típicos de tal crime.
Em apertada síntese [considerando que aquando da abordagem do alegado erro de subsunção se tratará com mais detalhe tais elementos], são elementos típicos do crime de ameaça, na letra da lei: a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade determinação.
A expressão “forma adequada”, significa que, no que se refere ao bem jurídico protegido [que é liberdade de decisão e de ação], estamos perante um crime de perigo abstrato-concreto, também designado de crime de aptidão [cf. infra melhor desenvolvido], e, no que se refere ao objeto da ação, estamos perante um crime de mera atividade, pelo que não é necessário que o destinatário tenha efetivamente ficado com medo ou inquieto ou inibido na sua liberdade de determinação, basta que as palavras ou sinais feitos tenham essa potencialidade.
Assim sendo, e como próprio recorrente reconhece, o dolo basta-se com a consciência (representação e conformação) da adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado ou a prejudicar a sua liberdade de determinação - consciência do agente da suscetibilidade de provocação de medo ou intranquilidade.
Mas, ao contrário do que o recorrente parece sugerir, quando refere na motivação, que as expressões “são tão desprovidas de intenção de serem concretizadas futuramente”, é irrelevante para o preenchimento do tipo subjetivo que o agente tenha ou não intenção de concretizar a ameaça, bastando apenas que o agente tenha a vontade de que a ameaça chegue ao conhecimento do destinatário.
Ora, provando-se que o arguido, verificando que os agentes da PSP se deslocaram ao local para proceder à identificação de quem pudesse ser o dono da casa donde provinha a música que animava a festa, lhes dirigiu as expressões: “Eu mato-vos seus filhos da puta”, “Seus montes de merda”, “vão para o caralho”, “Não valem um caralho” “quando vos vir mato-vos”, “Seus filhos da puta”, “vão para o caralho”, “já vos decorei seus filhos da puta”, “estão fodidos comigo”, não oferece a mínima dúvida que se pode extrair a ilação que o arguido quis, de forma livre e consciente, que os mencionados agentes tivessem conhecimento do teor de tais expressões, sendo que, em parte das mesmas, nomeadamente “eu mato-vos”, “quando vos vir mato-vos”, “já vos decorei seus filhos da puta”, “estão fodidos comigo”, está presente o anúncio de um mal futuro concreto e perfeitamente determinável, que é a morte dos agentes, pois, mesmo as expressões “já vos decorei”, “estão fodidos comigo”, tendo ambas sido antecedidas das expressões “mato-vos”, visam, em conjunto, reiterar a anúncio da morte dos agentes [cujas caras foram fixadas pelo arguido]. Com efeito, a expressão “estão fodidos comigo”, neste enquadramento, significa fazer algo que pode culminar na morte previamente anunciada.
Ora, é do conhecimento de qualquer pessoa, que não sofra de anomalia psíquica grave não acidental e cujos efeitos não domina, que a expressão “mato-vos” é um anúncio de um mal futuro.
Por outro lado, incapacidade acidental alegada pelo arguido, ou seja, que estaria alcoolizado, não resultou provada, antes resultando da fundamentação da matéria de facto que o mesmo estava perfeitamente orientado no tempo e no espaço, considerando que a versão que apresentou dos factos releva alguém no uso pleno das suas capacidades cognitivas, pelo que não oferece dúvida que o mesmo representou e quis ameaçar dois agentes da PSP com a prática de um crime contra a vida dos mesmos, o que, concomitantemente, leva à conclusão que o tribunal a quo não cometeu erro de julgamento ao dar como provado o facto n.º 5.
No que concerne à adequação da ameaça, ou seja, ao facto provado sob o n.º 6, embora se sufrague as considerações tecidas pelo recorrente no que concerne à caraterização do que deva entender-se como critério objetivo-individual, mormente que se deve fazer uma distinção entre o cidadão comum e os agentes das forças de segurança, no sentido de que estes últimos, porque recebem formação nesse sentido, estão munidos de instrumentos que lhes permitem adquirir uma capacidade mais elevada para suportar pressões, há que distinguir, por imposição da lei, entre ameaça adequada a causar medo, adequada a causar inquietação e adequada a prejudicar a liberdade de determinação.
Não são conceitos sobreponíveis, pois uma determinada ameaça pode ser adequada a causar inquietação, mas não medo, ou adequada a causar medo, mas não a prejudicar a liberdade de determinação.
Não é preciso muito para causar inquietação, é preciso mais para causar medo e, mesmo com medo, uma pessoa pode manter-se firme relativamente à sua liberdade de determinação.
Com efeito, o dicionário define o estado de inquieto, com o que se acha em agitação, em estado de preocupação e de desassossego;
Já o medo, é um plus no que se refere à inquietação, pois é um estado psíquico automático, que ocorre diante de situações que necessitam a avaliação de uma ameaça ou perigo a fim de encontrar o melhor plano de ação para garantir a segurança e integridade do indivíduo, e, por isso, traduz-se, além de outros sintomas, num estado de grande inquietação.
No contexto apurado, não choca sustentar, como faz o recorrente, que as expressões em causa, dada a sua vaguidade e, sobretudo, a qualidade dos ameaçados, não são adequadas/aptas a prejudicar a sua liberdade de determinação, o que se projeta na matéria de facto dada como provada, onde não consta que o arguido representou que as expressões que usou eram adequadas a prejudicar a liberdade de determinação dos agentes.
Porém, já não se acompanha o recorrente na parte em que as referidas expressões não são aptas a provocar o estado de inquietação e mesmo medo.
Com efeito, um militar ou um agente das forças de segurança, por mais bem preparado que esteja, quando colocado perante o cenário de perigo real [linha da frente da guerra, campo minado, no caso do militar, manifestação com dezenas ou centenas de pessoas, em estado de grande agitação e agressividade, munidas pedras e bombas incendiárias, no caso das forças de segurança], se for uma pessoa sensata, e presume-se que é, tem receio, medo, mas isso não é suficiente para tolher a sua capacidade de determinação [o militar não deixa de disparar na linha da frente, o agente da força de segurança não abandona o perímetro de segurança e não deixa de proceder a detenções, se necessárias e justificadas].
Mas mesmo em cenários menos extremos, como o do caso dos autos, as expressões acima transcritas, porque acompanhadas de insultos que revelam não apenas profunda desconsideração, mas também intenso desprezo e agressividade pelos agentes, geram um contexto de elevada hostilidade e, como tal, com evidente potencialidade [sobre o juízo de potencialidade, como inerente a verificação da adequação da ameaça nos pronunciaremos em sede de erro de subsunção] para gerar inquietação e medo, ainda que que essa inquietação e medo não se tenham verificado.
Termos em que se conclui que inexistiu erro de julgamento do tribunal recorrido ao considerar provado a factualidade descrita sob o n.º 6.
Por último, no que se refere ao facto n.º 7, no que à consciência da ilicitude concerne, é de convocar a que a este propósito se escreve no acórdão da Relação de Coimbra de 2.10.2002 [disponível, em texto integral, in www.dgsi.pt], onde se lê “Acerca do não conhecimento dos elementos e circunstâncias do tipo legal e conhecimento do seu sentido e significado, que se traduziria na falta de consciência da ilicitude, por não ter noção do desvalor jurídico do facto, por falta de consciência da proibição, há que referir que o erro sobre a proibição, também conhecido por erro sobre a ilicitude ou sobre a punibilidade, que exclui o dolo, nos termos da 2º parte do n.º 1 do artigo 16º C Penal, apenas se deve e pode referenciar aos crimes cuja punibilidade não se pode presumir conhecida de todos os cidadãos, nem se tem de exigir que o seja, isto é, aos crimes artificiais, crimes de criação meramente estadual, crimes meramente proibidos ou mala prohibita.
Relativamente aos crimes cuja punibilidade se pode presumir conhecida e se tem de exigir que seja conhecida, de todos os cidadãos normalmente socializados, crimes naturais, crimes em si ou mala in se, seja os previstos, desde logo, no C. Penal, ou mesmo em legislação avulsa, mas sedimentados pelo decurso do tempo, é inaplicável aquele normativo, sendo que o eventual erro sobre a ilicitude só pode ser subsumível ao artigo 17º C Penal, caso em que o afastamento da culpa só ocorre quando a falta de consciência da ilicitude do facto decorre de erro não censurável.
Ora, o crime de ameaça pertence aos chamados “crimes naturais” [“crimes em si” ou “mala in se”], isto é, crimes cuja punibilidade se pode presumir conhecida, e não é desculpável que não seja conhecida de todos os cidadãos normalmente socializados.
Assim sendo, inexiste erro de julgamento do tribunal ao dar como provada a factualidade descrita em 7).
Termos em que o recurso improcede nesta parte.
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3.2. Do erro de subsunção:
O recorrente sustenta que as expressões proferidas pelo arguido não atingem o patamar de idoneidade adequado ao enquadramento típico da ameaça agravada; dada a qualidade de agentes da PSP dos ameaçados, o quais, como já ficou dito na apreciação anterior, são dotados de capacidades superiores à do cidadão comum, no que se refere a situações com potencialidade de gerar medo e inquietação.
Vejamos.
Decorre da transcrição efetuada em 2.1, que a sentença recorrida descreve de modo razoavelmente exaustivo o tipo objetivo e o tipo subjetivo de ilícito do crime de ameaça.
Sufragando a interpretação dos conceitos ali analisados, limitamo-nos aqui a densificar, em alguns pontos, os conceitos subjacentes ao elementos constitutivos do crime de ameaça, porque necessário à apreciação da questão sob análise.
Assim, se não oferece dúvida que com o crime de ameaça se visa proteger o bem jurídico liberdade de ação e decisão [vide, por todos, Américo Taipa Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo, I, 2ª Edição, maio de 2012, Coimbra Editora, pp. 552/553], já não se afigura consensual as implicações se podem retirar da expressão “de forma adequada” no que concerne ao modus aedificandi criminis do crime de ameaça, ou seja, à estrutura ou sequência de eventos que levam à consumação de tal crime.
Com efeito, exigindo a lei que que a ameaça, seja, na situação concreta, adequada a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, Taipa de Carvalho conclui que se está perante um crime de perigo concreto [In ob., cit., pp. 564], isto é, o tipo só fica preenchido quando o bem jurídico tenha sido efetivamente posto em perigo [sobre o conceito de crime de perigo concreto, vide Figueiredo Dias, In Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 3ª edição, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, p. 359/360].
Diferentemente, Paulo Pinto de Albuquerque, conclui que se está perante um crime de perigo abstrato-concreto [in Comentário do Código Penal, UCE, 3ª edição, anotação 3. ao artigo 153º, p. 601]. Tal categoria de crime, de um ponto de vista formal, cabe ainda na dos crimes de perigo abstrato, porque a verificação do perigo não é essencial ao preenchimento do tipo. Porém, de um ponto de vista material, são crimes de aptidão, no sentido de que só devem relevar tipicamente as condutas apropriadas ou aptas a desencadear o perigo proibido no caso de espécie [Figueiredo Dias, in ob., cit., pp. 361/362].
Utilizando o legislador a expressão “de forma adequada a provocar”, é nosso entendimento que se está perante um crime de perigo abstrato-concreto, também designado de crime de aptidão, o que implica que se faça prova da potencialidade da ação causar a lesão [Paulo Pinto de Albuquerque in ob., cit., anotação 8, p. 602] ou, vistas as coisas pelo ângulo inverso, implica que o tribunal averigue da “possibilidade de a perigosidade ser objeto de um juízo negativo” [Figueiredo Dias, in ob., cit., p. 361].
Com efeito, atendendo à classificação dogmática dos crimes de perigo em crimes de perigo abstrato, de perigo abstrato-concreto e de perigo concreto, o crime de ameaça é um crime de perigo abstrato-concreto, que também pode ser designado pelas noções próximas de crime de aptidão ou de perigo hipotético [nestes exatos termos, que perfilhamos, acórdão do TRE, de 19.6.2007, processo 426/07-1, relator António Latas, in https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/a8c89f75a5a8e2ae80257de100574aac?OpenDocument]. Isto é, não é necessário que o destinatário tenha efetivamente ficado com medo ou inquieto ou inibido na sua liberdade de determinação, basta que as palavras ou sinais feitos tenham essa potencialidade.
No que concerne à conduta, seguindo de perto o ensinamento de Américo Taipa Carvalho [in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo, I, 2ª Edição, maio de 2012, Coimbra Editora, pp. 552/553], são três a características essenciais do conceito ameaça (simples ou agravada):
a. mal, que tanto pode ser de natureza pessoal como patrimonial;
b. futuro, isto é, o mal, objeto da ameaça não pode ser iminente, pois que, existindo iminência, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respetivo ato violento, isto é, do respetivo mal;
c. dependa (ou apareça como dependente) da vontade do agente. Esta característica estabelece a distinção entre a ameaça e o simples aviso ou advertência.
O critério para afirmar ou negar a existência, no caso concreto, de uma verdadeira ameaça é o critério objetivo-individual. Significa este critério que o ponto de partida para o juízo sobre a dependência, ou não, do mal feito segundo a perspetiva do homem comum, isto é, da pessoa adulta e normal. Todavia, sendo este o critério base, não pode deixar de ser ter em conta – como fator corretivo do critério objetivo do «homem médio» - as características individuais da pessoa ameaçada. Assim, afirmações de ocorrência de males futuros poderão não ser consideradas ameaças para um adulto normal (na medida em que seja manifesto que a verificação, ou não, do mal anunciado não depende da vontade do “ameaçante”), mas já o serem, quando a pessoa destinatária da ameaça é uma criança ou um débil mental.
Mutatis mutandis para o caso inverso, isto é, afirmações de ocorrências de mal futuros poderão ser consideradas ameaças para um adulto normal, mas já o não serem quando a pessoa destinatária da ameaça seja um membro das forças armadas, militarizadas ou de segurança. Estas pessoas são especialmente treinadas para situações de risco, pelo que, neste campo, possuem “sobrecapacidades” relativamente ao cidadão comum [Américo Taipa Carvalho, in, ob. cit. pp. 562/563].
Do que fica dito, decorre que, no que concerne ao objeto da ação, estamos perante um crime de mera atividade ou formal, e não perante o crime de resultado, ou seja, a ação assumida não pressupõe a produção de um determinado resultado, isto é, um evento como consequência da atividade do agente, pelo que não é necessário que o destinatário fique efetivamente com medo ou inquieto o que a sua liberdade de determinação seja efetivamente afetada para que o crime se considere consumado [nesse sentido Figueiredo Dias, ob. cit., p. 356, , e Paulo Pinto de Albuquerque, in ob., cit., anotação 3 ao artigo 153º, p. 601].
Transpondo estas considerações para o caso dos autos, verifica-se que se provou que o arguido dirigiu aos agentes as expressões “Eu mato-vos seus filhos da puta”, “Seus montes de merda”, “vão para o caralho”, “Não valem um caralho” “quando vos vir mato-vos”, “Seus filhos da puta”, “vão para o caralho”, “já vos decorei seus filhos da puta”, “estão fodidos comigo”.
Assim sendo, e como se infere aquando da apreciação da questão do erro de julgamento, encontram-se preenchidos todos os elementos objetivos do tipo de crime de ameaça, na medida em que:
1. Estamos perante uma ameaça, com um mal, no caso de natureza pessoal, futuro, sendo irrelevante que o agente tenha ou não intenção de concretizar tal mal, ou que não refira o prazo dentro do qual concretizará o mal.
2. A ameaça contra a vida, no contexto apurado e pelas razões já desenvolvidas aquando da apreciação da questão do erro de julgamento, tem forçosamente de se considerar apta a provocar medo e inquietação na pessoa visada, num juízo de prognose póstuma
De facto, e como já trás referido, se entendemos que a vaguidade das ameaças não é apta a obstaculizar a atuação dos agentes da PSP, a verdade é que, não deixa de ser uma ameaça contra a vida, que é suscetível de provocar um receio, ainda que residual, de que o arguido, em qualquer momento, decida concretizá-las.
O facto de constituir uma ameaça contra a vida é, ainda, fundamento de agravação, nos termos do artigo 155.°, n.º 1, al. a), do Código Penal, uma vez que o crime de homicídio é punido com pena de oito a dezasseis anos de prisão (cfr. artigo 131.° do Código Penal), uma moldura muito superior ao limite mínimo exigido para a agravação, estabelecido nos 3 anos [cf. Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça 7/2013 de 20 de fevereiro de 2013, relatado por Oliveira Mendes, proc. 723/08.6PBMAI.P1-A.Sl] e o facto de ter sido dirigida a agentes da PSP, no exercício de funções, também fundamento de agravação, por via da alínea c), do n.º 1, do artigo 155º, do CP, por referência à alínea l), do n.º 2, do artigo 132º, do Código Penal
No que concerne ao tipo subjetivo, o crime de ameaça, como já referido, exige o dolo, pelo que o agente tem de representar que anuncia um mal futuro e, no que concerne às circunstâncias agravantes, tem de representar que anuncia a prática de um crime punível com pena de prisão superior a três anos e que está perante alguma das pessoas referidas na alíneas l), do n.º 2, do artigo 132º, do Código Penal.
Considerando a factualidade dada como prova sob os n.os 5, 6 e 7, não oferece dúvida que se mostram verificados os elementos do tipo objetivo do crime de ameaça, incluindo uma das circunstâncias agravantes, mormente a da alínea c), do n.º 1, do artigo 155º, do CP, por referência à alínea l), do n.º 2, do artigo 132º, do Código Penal.
Por razões que nos ultrapassam, desconhecemos por razão o Ministério Público decidiu omitir na acusação a ocorrência da agravante prevista na alínea a), do n.º 1, do artigo 155º, do Código Penal, quer ao nível factual [porque não narrou o tipo subjetivo relativamente a tal circunstância], quer ao nível normativo [não imputou essa circunstância agravante], ainda mais quando existe acórdão de uniformização de jurisprudência sobre a verificação de tal agravante, não podendo o tribunal suprir tal omissão, atento o já mencionado acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 1/2015.
Sendo o arguido capaz de culpa e inexistindo causas que possam excluir a ilicitude ou a culpa da sua conduta, temos por correta a subsunção jurídica dos factos feita pelo tribunal a quo e, como tal, confirma-se a mesma.
Com efeito, pelas razões que constam na decisão recorrida, estamos perante a prática, em concurso efetivo, de dois crimes de ameaça [sob a forma de concurso ideal], cabendo apenas acrescentar que o bem jurídico protegido pela ameaça é iminentemente pessoal e, como tal, o agente comete tanto crimes quantas as pessoas ameaçadas.
Concomitantemente, o recurso, nesta parte, improcede.
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2.3. Da preterição da pena de multa pela pena de prisão:
O recorrente sustenta que o tribunal a quo deveria ter escolhido a pena de multa e não a pena de prisão porque, em síntese, as exigências de prevenção especial e geral, atento contexto da prática dos crimes e a inserção social e familiar do arguido, ficam satisfeitas com a aplicação da pena pecuniária.
O tribunal recorrido, por seu turno, fundamentou a opção pela aplicação da pena de prisão, sustentado, em síntese, que as condenações anteriores do arguido em penas de prisão efetiva, a falta de arrependimento e facto de ter praticado os crimes no período da liberdade condicional que lhe foi concedido, com efeitos a 17 de Fevereiro de 2021 até ao fim das penas (14/03/2023), que cumpria no âmbito dos processos 6164/15.1T8LRS, 2345/13.0TACSC e 245/11.8PCLRS, são incompatíveis com a aplicação da pena de multa.
Vejamos.
Ao crime pelo qual foi condenado (ameaça agravada) é aplicável, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, pelo que se impõe ao julgador a escolha entre uma delas.
O critério de escolha é-nos dado pelo artigo 70º do Código Penal, que estabelece a obrigatoriedade de o tribunal dar preferência à pena não privativa da liberdade sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Esta preferência pela pena não privativa da liberdade radica, com salienta Figueiredo Dias [in, “Direito Penal Português – Parte Geral II - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas” - Editorial Notícias, 1993, pp. 74, 75 e 113], no princípio da necessidade e subsidiariedade da intervenção penal, do qual resulta que a pena privativa da liberdade, pelos efeitos que causa - em especial, a dessocialização derivada do corte de relações familiares e profissionais do condenado, a infâmia social e inserção na subcultura prisional, em si mesmo criminógena -, só deve ser aplicada como última ou extrema ratio da política criminal.
No que se refere às finalidades da punição encontram-se as mesmas expostas no artigo 40º, do Código Penal, que dispõe: “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
Esta disposição apresenta, como refere, de forma bem conseguida, Anabela Rodrigues [in O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena Privativa de Liberdade, in Problemas Fundamentais de Direito Penal, Homenagem a Claus Roxin, Lisboa, 2002, pp. 179 ss., designadamente pp. 185-186]: «uma forma plástica de um programa político criminal, cujo conteúdo e principais proposições cabe ao legislador fixar», condensado em «três proposições fundamentais» - a de que o direito penal é um direito de proteção de bens jurídicos, que a culpa é tão só limite da pena, mas não seu fundamento, e de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena».
As finalidades das penas (na previsão, na aplicação e na execução) são assim, na filosofia da lei penal portuguesa expressamente afirmada, a proteção de bens jurídicos (prevenção geral positiva e de integração) e a integração de agente do crime nos valores sociais afetados (prevenção especial de socialização), que se conjugam na prossecução do objetivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.
A mesma autora sustenta que «decisivas para a escolha da pena são só razões de prevenção, não cabendo aqui à culpa qualquer papel autónomo ou independente» [in Critério e Escolha das Penas de Substituição no Código Penal Português, Separata do número especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia – p. 24].
E, no se refere à relação entre os dois tipos de prevenção, sustenta ainda a mesma autora [in ob., cit., p. 23] que «é a prevenção especial que deve estar na base da escolha da pena pelo juiz». Esta «preponderância da prevenção especial na escolha da pena é algo que não resulta de qualquer preceito que verse diretamente sobre a matéria, mas da conceção geral dominante do nosso ordenamento jurídico». Dito de outro modo, a preponderância primordial da prevenção especial na escolha da pena «é resultado da imposição jurídico-constitucional própria do Estado de Direito material, de intenção social, em que não há alternativa para a realização do dever de auxílio e de solidariedade em que se analisa aquele princípio e em que se traduz a ação de socialização exercida sobre o delinquente» [in ob., cit., pp. 23/24].
A prevenção geral surge aqui unicamente sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico.
Tal «resulta do facto de nenhum ordenamento jurídico suportar pôr-se a si próprio em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal. A sociedade tolera uma certa «perda» de efeito preventivo geral – isto é, conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição; mas quando a sua aplicação possa ser entendida pela sociedade, no caso concreto, como injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime, quaisquer razões de prevenção especial que aconselhassem a substituição cedem, devendo aplicar-se a prisão» [in ob., cit., p. 23].
Revertendo ao caso concreto, tendo presentes as considerações acabadas de tecer, não se podem deixar de considerar como acertadas as considerações tecidas pelo tribunal recorrido para justificar a opção pela pena de prisão.
Com efeito, tendo o arguido, em data anterior aos crimes cometidos nestes autos, sido condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave, e um crime de ofensa à integridade física qualificada, um crime de ofensa à integridade física simples, um crime de injúria, dois crimes de roubo, um crime de furto qualificado dois crimes de detenção de arma proibida, dois crimes de condução sem habilitação legal [total de onze crimes], cumprido penas de prisão efetiva, praticado os crimes no decurso da liberdade condicional e relevado ausência de sentido crítico relativamente às condutas adotadas, torna-se patente que o mesmo é portador de uma personalidade refratária ao cumprimento das regras da vida em sociedade, sobretudo no que concerne ao respeito pelos bens jurídicos integridade física, propriedade e património, bem como refratária às leis e a princípios de autoridade, como revela o efeito nulo das condenações de já foi alvo tiveram para o afastar da prática dos crimes em causa.
Assim sendo, as exigências de prevenção especial e geral são bastante levadas e, como tal, incompatíveis com a aplicação de penas pecuniárias, a que, aliás, o arguido já foi sujeito, o que se revelaram manifestamente insuficientes para acautelar a prática de futuros crimes.
Correta, pois, a opção pela pena de prisão, pelo que o recurso, nesta parte, também improcede.
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2.4. Da dosimetria das penas concretas de prisão e do cúmulo jurídico das mesmas:
Insurge-se o recorrente contra a dosimetria das penas aplicadas, alegando, em síntese, que as mesmas são exageradas, em face das factualidade apurada e as condições pessoais e socioeconómicas do arguido.
No que concerne a este assunto, o tribunal recorrido sustentou a fixação das penas concretas em nove e o cúmulo jurídico em um ano e dois meses, tecendo as seguintes considerações [transcrição]:
O dolo do arguido é muito intenso, sendo directo;
- A culpa situa-se em patamar médio a elevado;
- As exigências de prevenção geral são bastantes significativas, no que respeita aos ilícitos em causa, de ameaça agravada, a agentes de autoridade no exercício das suas funções, pelo que se impõe reforçar a validade da norma violada aos olhos da comunidade;
- Relativamente às exigências de prevenção especial as mesmas afiguram-se muito elevadas, atentos os inúmeros antecedentes criminais do arguido, espelhados nos factos dados como provados, e já acima mencionados, o qual, como já acima se disse, sofreu diversas outras condenações, e as penas que anteriormente lhe foram aplicadas, incluindo penas de prisão efectiva, em nada serviram para o arredar do cometimento dos crimes aqui em apreço, tendo cometido tais ilícitos aqui em apreço no período da liberdade condicional que lhe foi concedida, com efeitos a 17 de Fevereiro de 2021 até ao fim das penas (14/03/2023), que cumpria no âmbito dos processos 6164/15.1T8LRS, 2345/13.0TACSC e 245/11.8PCLRS, sendo que o referido passado criminal do arguido revela uma personalidade avessa ao direito, completamente indiferente aos valores tutelados pelas normas penais violadas, não tendo o arguido demostrado qualquer arrependimento, nem autocrítica sobre as consequências da sua conduta.
- Importa ainda ter presentes as condições pessoais do arguido, espelhadas nos factos provados.
No que diz respeito à pena única, o tribunal recorrido, exarou:
Na determinação de cada pena única serão considerados em conjunto os factos e a personalidade do arguido (artigo 77º, n.º1 do Código Penal).
Sobre os factos há que ter em conta o acima exposto, sendo que os mesmos são graves e a ilicitude elevada, uma vez que o arguido agiu com dolo directo.
Importa ainda aqui considerar os factos atinentes à sua personalidade, o qual, como já acima se disse, tem uma tendência para a prática de crimes de diversa natureza, na sua maioria de natureza violenta e contra pessoas, considerando o seu passado criminal, o que revela uma personalidade mal formada, indiferente aos valores tutelados pelas normas penais violadas e à ameaça das respectivas sanções, o que resulta também evidenciado pela ausência de arrependimento ou de qualquer conduta demonstrativa de ter interiorizado a sua culpa e necessidade de censura penal.
Assim, tudo ponderado, em face do conjunto dos factos e da personalidade do arguido, reputa-se equilibrado, em cúmulo jurídico, condenar o mesmo na pena única de 1 ano e 2 meses de prisão.
Apreciando.
Para proceder à determinação da medida concreta da pena de prisão interessa ter presente o disposto no artigo 71º, n.º 1 do Código Penal, segundo o qual a determinação da pena concreta se faz em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes.
Do modelo de determinação da medida concreta da pena:
Vários modelos têm surgido para solucionar a questão de saber a forma como estas entidades distintas (culpa e prevenção) se relacionam no processo unitário da medida da pena.
Face ao disposto no artigo 40.º do Código Penal, que veio tomar posição expressa quanto à questão dos fins das penas, afigura-se-nos inquestionável que é o modelo da “moldura da prevenção” proposto por Figueiredo Dias [in, "Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime", pág. 285, § 409pp. 227/231], aquele que melhor se adequa ao espírito desta norma, quanto mais não seja por “nela ter sido consagrado o seu pensamento” [assim o afirma José Gonçalves da Costa, in RPCC, ano III, 1993, pág. 327].
O que fica dito resulta reforçado pelo facto de o Supremo Tribunal de Justiça, pelo menos na última década, ter acolhido, de modo largamente maioritário, as lições de Jorge de Figueiredo Dias [sobretudo plasmadas na obra Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime] e de Anabela Miranda Rodrigues [plasmadas na obra A determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra Editora, 1985]. Isso mesmo é referido, sob uma perspetiva crítica por Lourenço Martins [In Medida da Pena, Finalidades e Escolha, sobretudo pp. 187 e ss.] Para este autor, o modelo que melhor se adapta ao nosso quadro legal, é o da teoria mista ou integradora dos fins das penas, cujos pressupostos são desenvolvidos a fls. 491/492 da obra citada], e, sob numa perspetiva concordante, por Souto Moura [In estudo intitulado a jurisprudência do S.T.J. sobre a fundamentação e critérios da escolha e medida da pena, publicado in www.stj.pt/documentacao/estudos/penal, pp. 12 e ss.].
Segundo aquele modelo, primordialmente, a medida da pena há de ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida, que fornece uma «moldura de prevenção», isto é, que fornece um quantum de pena que varia entre um ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se até atingir o limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Através do requisito da culpa, dá-se tradução à exigência de que aquela constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas (limite máximo) – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela dignidade da pessoa do agente. Por último, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva – entre o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável – podem e devem atuar ponto de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve, em toda a sua extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade [In Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do crime, p. 227 e ss. e, quanto ao juízo de culpa, Anabela Rodrigues, in A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, pp. 478 e ss.].
Critérios de aquisição e de valoração dos fatores de medida da pena:
Tendo presente o modelo adotado, importa, de seguida, eleger, no caso concreto, os critérios de aquisição e de valoração dos fatores da medida da pena, nomeadamente os referidos nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal.
Neste âmbito, há que ter em consideração:
A determinação do substrato da medida da pena:
Para efeito de medida da pena o conceito «substantivo» de facto é insuficiente para conter todos os fatores de medida da pena, se se considerar que aquele conceito é somente integrado pelas categorias do tipo-de-ilícito e do tipo-de-culpa.
Na medida da pena deve ser tido em consideração um tipo complexivo total, isto é, que não se basta com as categorias do tipo-de-ilícito e do tipo-de-culpa, mesmo quando a elas se acrescente a categoria da punibilidade, mas que abarque a categoria da punição (que suporta a consequência jurídica), integrada pelo princípio da carência punitiva [Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas - Editorial Notícias, 1993, pp. 232/234].
O princípio da proibição de dupla valoração:
O referido princípio, consagrado no artigo 71º, n.º 3, do Código Penal, implica que não devem ser tomadas em consideração, na medida concreta da pena, as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime. Todavia, o que fica dito não obsta em nada a que a medida da pena seja elevada ou baixada em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de um elemento típico de um elemento típico e, portanto, da concretização deste, segundo as especiais circunstâncias do caso, v.g. não deve ser valorado da mesma forma um sequestro de 3 dias ou de 3 meses [Figueiredo Dias, ob., cit., pp. 234 e ata da 26º sessão da Comissão Revisora do Projeto da parte geral do Código Penal, in BMJ, 49, pág. 74/75].
Ainda neste âmbito importar referir que os fatores que influem na determinação da medida são, muitas vezes, dotados de particular ambivalência. Por exemplo um mesmo fator, na perspetiva da culpa, pode funcionar como agravante e, na perspetiva da prevenção, funcionar com atenuante.
Os concretos fatores de medida da pena:
O artigo 71º, n.º 2, do Código Penal elenca, de forma não exaustiva, os concretos fatores de medida de pena que o tribunal deve ter em consideração, os quais, como se infere do que atrás ficou dito, devem valorados de acordo com o modelo adotado e dentro dos limites impostos pelo substrato da medida da pena e o princípio da proibição da dupla valoração.
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Do cúmulo jurídico:
No que toca à determinação da medida concreta da pena do concurso, verifica-se que a lei elegeu como elementos determinadores da pena conjunta os factos e a personalidade do agente, elementos que devem ser considerados em conjunto.
Acolhendo-nos ao ensinamento de Figueiredo Dias [In Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 290/292], entendemos que a pena conjunta deve ser encontrada, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique, relevando, na avaliação da personalidade do agente sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sem esquecer o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro daquele, sendo que só no caso de tendência criminosa se deverá atribuir à pluriocasionalidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura da pena conjunta.
Adverte no entanto que, em princípio, os fatores de determinação da medida das penas singulares não podem voltar a ser considerados na medida da pena conjunta (dupla valoração), muito embora, «aquilo que à primeira vista possa parecer o mesmo fator concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração» [Cf. Eduardo Correia no seio da Comissão Revisora do Código Penal– cf. ata já atrás referida].
Daqui que se deva concluir, como concluímos, que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respetivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.
Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos [visto que estes, como resultado da vontade e atuação do delinquente, espelham a sua forma de pensar e o seu modo de ser, o seu temperamento, caráter e singularidade, isto é, a sua personalidade], tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele.
Tendo presentes estas considerações, concluímos, tal como fizemos para a questão da escolha da pena, que o tribunal recorrido justificou de forma adequada, quer as penas parcelares, quer a pena do concurso, pois ponderou, de forma acertada, o grau de ilicitude, a intensidade do dolo, os factos anteriores e posteriores à conduta, as condições pessoais e socioeconómicas do arguido e a personalidade do mesmo, manifestada no facto.
Tirando as suas atuais condições pessoais e socioeconómicas, nada mais depõe a favor do arguido, sendo que tais condições não o impediram de praticar os crimes de ameaça sobre agentes policiais, pelo que a integração familiar, social e profissional do arguido não oferece um efeito atenuativo suficientemente sólido para fazer baixar as penas parcelares e a pena única fixadas pelo tribunal a quo.
Termos em que, nesta parte, o recurso improcede.
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2.4. Da desproporcionalidade da aplicação de uma pena de prisão efetiva:
Sustenta o recorrente, com os mesmos argumentos que invocou para sustentar a redução do quantum das penas parcelares e da pena única, que a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão se revela suficiente para evitar a prática de futuros crimes.
Já o tribunal recorrido, para sustentar a aplicação de pena de prisão efetiva, invocou o seguinte [transcrição]:
Os já mencionados antecedentes criminais do arguido, não permitem formular um juízo de prognóstico favorável relativamente ao seu comportamento.
Entendemos, assim, que a repetição da conduta do arguido e as penas que já lhe foram anteriormente aplicadas, incluindo várias penas de prisão efectiva, e o facto de ter cometido os ilícitos penais aqui em apreço no referido período de liberdade condicional que lhe foi concedido, bem como a ausência de qualquer arrependimento, arredam a possibilidade de efectuar qualquer juízo de prognose favorável, no sentido de que a simples censura do facto e ameaça da prisão bastarão para o afastar da prática de novos crimes, pelo que entendemos que não se encontram verificados os pressupostos, para a aplicação do disposto no artigo 50º, nº 1 do Código Penal, que prevê a possibilidade da suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
De igual modo, tendo em conta particularmente as supra referidas elevadas exigências de prevenção especial, entendemos que não se encontram verificados os pressupostos, para a aplicação do disposto nos artigos 58º, nº 1 do Código Penal, que prevê a possibilidade de substituição da pena de prisão não superior a dois anos por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Importa ainda aqui referir, considerando o quantitativo da pena única de prisão aplicada, que a execução em regime de permanência na habitação também não iria satisfazer a finalidade primordial de restabelecer a confiança comunitária na validade das normas violadas e na eficácia do sistema jurídico-penal, em face das já mencionadas elevadas exigências de prevenção geral e especial, considerando o mencionado passado criminal do arguido e a sua personalidade, o qual já foi várias vezes condenado pela prática de inúmeros crimes, a maioria dos quais de forma violenta e nomeadamente contra as pessoas, incluindo em penas de prisão efectiva. A reiteração deste tipo de conduta evidencia relevante perigosidade social do arguido, reafirmando-se aqui que o arguido cometeu os crimes aqui em apreço logo pouco tempo depois de lhe ter sido concedida liberdade condicional, sendo que as condenações anteriores e tal medida de liberdade condicional a que estava sujeito não contribuíram para a adopção de um comportamento normativo, mostrando-se o arguido totalmente insensível aos valores jurídico-penalmente tutelados, não apresentado adequada atitude de autocrítica face à sua conduta e às consequências da mesma, o que constitui um constrangimento face a uma possível e desejável mudança comportamental, num quadro de risco para outras pessoas, não sendo, por conseguinte, de aplicar o disposto artigo 43º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na redacção introduzida pela citada Lei nº 94/2017, de 23/8.
A referida pena de prisão institucionalizada, mesmo que de curta duração, configura-se como única forma de convencer o agente da gravidade dos crimes praticados e de estabilizar as expectativas comunitárias na manutenção da validade das normas infringidas.
Apreciando.
É hoje entendimento largamente dominante que o artigo 50º, do Código Penal impõe ao juiz o dever de fundamentar especificamente quer a concessão, quer a denegação da suspensão, pese embora o n.º 4 do artigo 50º apenas fale em dever de fundamentação no caso de concessão da suspensão. Assim o afirma Figueiredo Dias [In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 345, § 12 o texto deste comando - sugerindo que a fundamentação (específica, é claro, e que em nada contende com o dever geral de fundamentação de toda e qualquer decisão judicial [...] só se torna necessária quando o tribunal se decida pela suspensão - deve ser interpretado em termos amplos e os únicos corretos. O tribunal, perante a determinação de uma medida da pena de prisão não superior a 3 anos [na data na publicação da obra citada na nota anterior, vigorava a redação que apenas permitia aplicar a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão não superior a três anos, pelo que, numa interpretação atual, se deve considerar o período de cinco anos], terá sempre de fundamentar especificamente quer a concessão, quer a denegação da suspensão, nomeadamente no que toca ao caráter favorável ou desfavorável da prognose e (eventualmente) às exigências de defesa do ordenamento jurídico. Outro procedimento configuraria um verdadeiro erro de direito, como tal controlável mesmo em revista, por violação, além do mais, do disposto no artigo 71º [atual artigo 70º, do Código Penal].
No mesmo sentido se pronunciou o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 61/06, de 18 de janeiro [disponível em www.tribunalconstitucional.pt], em que decidiu julgar inconstitucionais as normas dos artigos 50° do Código Penal e 374°, n.º 2, e 375°, n.º 1, do CPP, quando interpretadas no sentido de não imporem a fundamentação da decisão de não suspensão da pena de prisão aplicada em medida não superior a três anos [atualmente cinco anos].
Em cumprimento do específico dever de fundamentação atrás exposto, dir-se-á que é dever do juiz assentar o incontornável «juízo de prognose», favorável ou desfavorável, em bases de facto capazes de o suportarem com alguma firmeza. O que não quer dizer, obviamente, que o juiz tenha de atingir a certeza sobre o desenrolar futuro do comportamento do arguido. É o que salienta Figueiredo Dias, quando refere “que o que está aqui em causa não é qualquer «certeza», mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, o tribunal deve encontrar-se disposto a correr certo risco - digamos: fundado e calculado - sobre a manutenção do agente em liberdade” [In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 344, §521].
Havendo, porém, razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada, o que significa que o princípio in dubio pro reo vale só para os factos que estão na base do juízo de probabilidade, mas desta deve o tribunal estar convencido [Jescheck, § 79, I 3, apud Figueiredo Dias, in ob., loc. cit.].
Por outro lado, convém ainda ter na devida conta, que "apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial e socialização - a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime». Pois “que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade, que ilumina o instituto em análise" [Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 344, § 520].
Aditar-se-á, em remate, que, se é certo que a socialização do arguido deve ser uma preocupação sempre presente na aplicação de qualquer que seja a pena, ela não é o objetivo primeiro nessa delicada tarefa, pois há limites inultrapassáveis que importa observar: a socialização não pode sobrelevar a prevenção.
Na verdade, como discorre Anabela Miranda Rodrigues [in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2, págs. 182], embora com pressuposto e limite na culpa do agente, o único entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena é a tutela de bens jurídicos e, [só] na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade.
Aplicando as considerações ora expendidas ao caso concreto, verifica-se que as considerações tecidas pelo tribunal recorrido para justificar a não aplicação de quaisquer da penas de substituição aplicáveis [prestação de trabalho a favor da comunidade e suspensão da execução da pena de prisão] se mostra perfeitamente acertadas.
Com efeito, o arguido, mesmo quando tem sua situação financeira e familiar estabilizada, que, via de regra, funcionam como fatores protetores, não deixa de praticar crimes, o que revela que o mesmo, como já atrás ficou dito, é portador de uma personalidade refratária ao cumprimento das regras da vida em sociedade, sobretudo no que concerne ao respeito pelos bens jurídicos integridade física, propriedade e património, bem como refratária às leis e a princípios de autoridade, como revela o efeito nulo das condenações de já foi alvo tiveram para o afastar da prática de crimes.
Assim sendo, inexistem bases sólidas que possam sustentar a formulação de um juízo de prognose favorável, pelo que bem andou o tribunal a quo ao não suspender a execução da pena de prisão.
Por último, no que se refere ao modo de execução da pena de prisão, ou seja, a execução em regime de permanência na habitação, as considerações tecidas pelo tribunal recorrido para não optar por esse modo de execução também se revelam pertinentes, acrescentando-se que, como referido no acórdão da Relação do Porto de 22.02.2023 [disponível, em texto integral, in wwwdgsi.pt] que tal forma de cumprimento da pena não dispensa ser alicerçada essencialmente na atitude crítica que o arguido deva mostrar (associada ao seu expresso consentimento) e supõe: uma estável ou razoável inserção social pré-existente, cuja promoção profissional se deve incentivar, com um leque de permissões de saída exigências de prevenção geral moderadas e que não exista perigo de continuação da atividade criminosa nas ausências autorizadas.
Aplicando o que fica dito ao caso dos autos, verifica-se que tais requisitos não se mostram verificados, considerando que o arguido não reconheceu a prática dos crimes, não ressarciu os prejuízos e a inserção familiar, social e profissional não se revela suficiente para obstar ao perigo da prática de futuros crimes.
Termos que o recurso improcede na totalidade.
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- Da responsabilidade tributária:
O recorrente, dada a improcedência total do recurso, é responsável, pelo pagamento das custas, atento o disposto nos termos do artigo 513º, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP), em conjugação com o artigo 8º, n.º 9 e tabela III d Regulamento das Custas Processuais (RCP), fixando-se a taxa de justiça, atenta a atividade processual que este processo implicou, em 4 Unidades de Conta [UC].
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III. Decisão:
Em face do exposto, decide-se julgar não provido o recurso e, em conformidade, manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, que se fixam em 4 UC.
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Lisboa, 18 de dezembro de 2025
Joaquim Jorge Cruz
Rosa Vasconcelos
Ana Rita Loja
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1. - Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, pag. 342.
2. – in ob. cit., pag. 343 a 349.
3. – in ob. e loc. cit..