CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
INCUMPRIMENTO
MODIFICABILIDADE
ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
EQUILÍBRIO DAS PRESTAÇÕES
PRESSUPOSTOS
INEXIGIBILIDADE
RESOLUÇÃO
DIREITO POTESTATIVO
NEGÓCIO JURÍDICO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
BOA -FÉ
VOTO DE VENCIDO
RECURSO DE REVISTA
Sumário


I – A emissão e apresentação-entrega de fatura junto do devedor da remuneração correspondente a contrato de prestação de serviços, sem prejuízo de ser uma obrigação legal imposta em sede do imposto IVA, uma vez convencionada pelas partes, configura um ónus necessário para o credor, com o significado de se assumir como uma condição de exigibilidade da obrigação negocial de pagamento do serviço.
II – O exercício do direito potestativo de resolver ou de modificar equitativamente um contrato, ao abrigo do regime previsto no art. 437º/1, do CCivil, depende da verificação dos seguintes requisitos: “(i) uma drástica alteração das circunstâncias que constituem a base bilateral do negócio (que levou os contraentes, comummente, a contratar nos termos em que o fizeram); (ii) que configure um obstáculo anómalo (grave e extraordinário) ao normal desenvolvimento do quadro contratual previsto; (iii) que afete supervenientemente o equilíbrio patrimonial e a funcionalidade própria do negócio, de modo que a exigência da prestação por um contraente comporte uma desproporção inadmissível entre a vantagem própria e o sacrifício, ou seja, uma prestação excessivamente onerosa para um contraente face à da contraparte.
III – De entre os pressupostos de aplicabilidade de tal art.º 437.º há que ressaltar os seguintes: - A alteração deve caracterizar-se por ser “anormal”, conceito que deve ser associado à ideia da imprevisibilidade, não bastando que se trata de uma “grande alteração”; - Uma das partes deve ser lesada de modo “significativo” por essa alteração, no sentido de sofrer consequências de certa envergadura; - Dessa alteração deve resultar a afetação dos “princípios da boa fé”, se acaso a contraparte exigir as prestações que da mesma decorram; - As alterações devem ocorrer numa área que não esteja coberta pelos “riscos próprios do contrato” em causa.
IV – O instituto previsto no art. 437º/1, do CCivil pressupõe que o contrato não seja de execução imediata e que alguma das prestações deva ser realizada no futuro.

Texto Integral

RECURSO DE REVISTA3738/18.2T8AVR.P2.S1
RECORRENTE:MAIS VAGOS – SOCIEDADE GESTORA DE PARQUES EMPRESARIAIS DE VAGOS, SA.
RECORRIDAS: SBS - ENGENHARIA CIVIL HIDRÁULICA E AMBIENTE, LDA.

MV – PLANEAMENTO E ARQUITECTURA, LDA.



***

ACÓRDÃO



Acordam os juízes da 1ª secção (cível) do Supremo Tribunal de Justiça:

1. RELATÓRIO

SBS - ENGENHARIA CIVIL HIDRÁULICA E AMBIENTE, LDA. e MV – PLANEAMENTO E ARQUITECTURA, LDA., intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra MAIS VAGOS – SOCIEDADE GESTORA DE PARQUES EMPRESARIAIS DE VAGOS, SA., pedindo a condenação desta a pagar:

- à autora, SBS, LDA. a quantia de 40 000€, correspondente à sua parte nos honorários previstos nas alíneas e) e f) da cláusula 9º do contrato de prestação de serviços, celebrado entre autoras e ré;

- à autora, MV, LDA. a quantia de 80 000€, correspondente à sua parte nos honorários previstos nas alíneas e) e f) da cláusula 9º do contrato de prestação de serviços, celebrado entre autoras e ré.

E respetivos juros de mora vencidos, desde a data da resolução contratual, a que acrescerão os juros vincendos.

Foi proferida sentença em 1ª instância que julgou improcedente

a ação e procedente a reconvenção e, consequentemente, absolveu a ré dos pedidos contra a mesma formulados, ficando desobrigada do pagamento dos 120 000,00€ remanescentes e que as autoras reclamavam.

Inconformadas, as autoras interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto proferido acórdão que julgou procedente o recurso, revogando a decisão recorrida, que substituiu por outra a condenar a ré a pagar à autora, SBS - ENGENHARIA CIVIL HIDRÁULICA E AMBIENTE LDA., a quantia de 40 000€ (quarenta mil euros), e à autora, MW MV – PLANEAMENTO E ARQUITECTURA, LDA., a quantia de 80 000€ (oitenta mil euros), acrescidas dos juros de mora, à taxa comercial, vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento.

Inconformada, veio a ré interpor recurso de revista deste acórdão, tendo extraído das alegações que apresentou as seguintes


CONCLUSÕES:


1 – Na sequência da prolação do d. Acórdão da Relação do Porto de que se recorre, a Mais Vagos foi condenada a pagar às AA. o capital de 120.000€ acrescido de juros à taxa comercial desde a data da citação (que ocorreu em Novembro de 2018).

2 - Para alcançar essa consequência, os Exmos. Srs. Drs. Juízes Desembargadores consideraram que as tranches f) e e) da cláusula 9ª do contrato de prestação de serviços celebrado entre as AA. e a R. estavam vencidas.

3 – Mais consideraram, revogando a d. decisão da 1ª Instância, que ao caso não se aplica o regime jurídico da Modificação do Contrato por Alteração das Circunstâncias, nomeadamente, por a R. estar em mora, e ainda por cima, por isso estar coberto pelos riscos do próprio contrato.

4 – Ora, a R. discorda da fundamentação e do raciocínio jurídico que constam do d. Acórdão da Relação e entende que foram violados (mal interpretados e/ou aplicados ou afastados indevidamente) os arts. 270º, 334º, 437º, 438º, 762º, 790º, 798º, 799º, 804º, 805º e 806º, todos do Cód. Civil.

5 – Dos factos provados consta que o Facto 32 que tem o seguinte teor: “Não foram emitidas faturas relativamente às quantias peticionadas nestes autos”.

6 – A Cláusula 9ª contrato de prestação de serviços determina que o valor das diversas tranches do preço será pago pela R. às AA. nos 30 dias subsequentes à data em que forem rececionadas nos seus serviços administrativos as respetivas faturas.

7 – Assim, as partes contratantes fizeram subordinar e depender o pagamento, da prévia emissão das faturas por parte das prestadoras do serviço.

8 – Por isso, a obrigação de pagamento só surge nessa altura (da entrega das faturas nos serviços administrativos da R.), o que até hoje não aconteceu relativamente às tranches reclamadas neste processo.

9 – Como tal, inexistindo dívida relativamente às tranches reclamadas nestes autos (por falta de emissão de faturas), e muito menos vencida, não há obrigação de pagar, assim como não poderá haver mora e os seus inerentes juros.

10 – Ao decidir em contrário, o Tribunal da Relação do Porto violou o disposto nos arts. 270º, 762º, 798º, 799º, 804º, 805º e 806º do Código Civil, o que se requer que seja declarado.

11 – Apesar da questão da falta de faturas, no d. acórdão do Tribunal da Relação defende-se (por exemplo, nos 5º e 6º parágrafos de fls. 60 na impressão em papel ou 48 no CITIUS) que as tranches e) e f) da cláusula 9ª já são devidas porque bastou para isso o decurso de 60 dias contados da receção pela Mais Vagos do 2º Parecer da CCDR, chegado a esta entidade em 17 de Março de 2014.

12 – Porém, novamente, o Tribunal da Relação do Porto, interpreta mal o contrato e chegou a uma aplicação errada da lei, aplicando indevidamente os artigos do Cód. Civil acima referidos em 10.

13 – Ao contrário do defendido no d. Acórdão da Relação do Porto, a conjunção disjuntiva “ou” que separa em 2 trechos a alínea f) da cláusula 9ª não implica, de todo, a interpretação que este faz (ou seja, que o 2º trecho dessa alínea nada tem que ver com a Conferência de Serviços, ou que é independente disso).

14 – Na verdade, é obrigatório estar-se em sede de Conferência de Serviços para se poder pôr a possibilidade de essas tranches (a f), e posteriormente a e)) se vencerem e passarem a ser devidas.

15 – Assim, estando-se em Conferência de Serviços, das duas uma:

a) havendo aprovação/parecer favorável do/ao PES, vence-se essa tranche (sem ser preciso o “compasso de espera” dos 60 dias);

b) não havendo aprovação/parecer favorável, a tranche vence-se 60 dias após a última diligência ou ato processual efetuado por qualquer um dos intervenientes no processo de apreciação e aprovação do plano, os quais são as entidades a convocar para a Conferência de Serviços, sendo que o vencimento desse tranche f) apena ocorre após esses 60 dias em que a Conferência de Serviços permaneça “estagnada”.

16 – O Sr. Eng. AA (que era sócio-gerente de uma das AA. na altura, e hoje continua a ser sócio) disse/confirmou expressamente e sem margem para dúvidas nenhumas, em email enviado à R. em 26/06/2010, que o vencimento desta tranche (a da alínea f) da Cláusula 9ª do Contrato) apenas ocorreria no contexto de Conferência de Serviços (com o Parecer favorável desta ou com a necessidade de ocorrerem diligências ou atos processuais na sequência de um parecer desfavorável), cfr. doc. nº2 junto pelas próprias AA. na sessão de julgamento de 5 de Julho de 2023, o qual configura uma declaração confessória, feita no processo judicial (porque foi junto aos autos pelas AA.) e tendo, por isso, força probatória plena, nos termos do art. 356º, nº1 e 358º, ambos do Cód. Civil.

17 – Ora, apenas no caso de a Conferência de Serviços não dar Parecer favorável à Proposta apresentada é que teriam lugar as diligências ou atos processuais com vista à apreciação e aprovação do Plano.

18 – E, caso passassem mais de 60 dias sobre a última dessas diligências ou atos processuais sem se ter obtido a aprovação/parecer favorável, então vencer-se-ia a tranche dessa fase.

19 - Porém, o Plano não avançou para a Conferência de Serviços, devido à recusa das AA. em aceitarem efetuar as correções que a Mais Vagos e a CMV, ao abrigo do seu direito de supervisionar aquelas (e na sequência do Parecer da CCDR-C de 22/05/2013, doc. 11 da contestação), lhe determinaram que fizesse.

20 – Consequentemente, também dos próprios termos da cláusula 9ª, al. f) do contrato (independentemente da questão acima referida da falta das faturas) resulta que essa tranche não se venceu.

21 – Quanto à tranche da alínea e) da cláusula 9ª, a mesma vencer-se-ia após a Aprovação do Plano pela Assembleia Municipal ou 60 dias após o vencimento da tranche anterior (a tranche da alínea f))

22 – Ora, como nem o Plano obteve parecer favorável na Conferência de Serviços, nem passaram os 60 dias acima mencionados (por não se ter entrado na fase de Conferência de Serviços), então a tranche anterior (a f)) não se venceu.

23 – Consequentemente, não se vencendo a anterior (a f)), também não se venceu a subsequente (a tranche da al. e)).

24 – Por isso, nenhuma das duas tranches de 60.000€ que as AA. reclamam nesta ação, chegou a vencer-se, inexistindo mora da R. quanto a qualquer uma delas.

25 – A este propósito, e com interesse para se perceber a questão do prosseguimento para Conferência de Serviços, o Tribunal da Relação do Porto minimiza a questão da supervisão da Mais Vagos e da CM Vagos que as AA. aceitaram contratualmente,

26 - reduzindo-a ao ponto de dizer que, na medida em que os limites dessa atividade não foram definidos (no contrato), então a liberdade de atuação destas é (quase) total, até porque se está no âmbito de um contrato de prestação de serviços e não de trabalho.

27 – No entanto, além de ter ficado estabelecida a “supervisão”, os pedidos que a Mais Vagos e a CM Vagos fizeram às AA. não se prendiam com a sua liberdade intelectual, de procura de soluções, no fundo, com a parte criativa do trabalho, mas com a ausência ou incompletude de peças ou documentos essenciais à instrução do processo.

28 – Esta obrigação das AA. de aceitarem a supervisão da Mais Vagos e da CM Vagos ficou estipulada no contrato, pelo que não há razão para se defender, tal como no Acórdão sob recurso, que as AA. não teriam que agir nessa conformidade.

29 – Por isso, também por aqui, a conduta das AA., de recusa de aceitação da supervisão da R., e da CM Vagos (nos moldes acima referidos) e de acatamento das recomendações da CCDR-C levou ao arrastar da fase de entrega de proposta de plano por 2 anos e meio (cerca de 900 dias), entre Janeiro de 2011 e Julho de 2013, quando as AA. tinham 60 dias para a concluir.

30 – E ainda assim, insiste-se, a Proposta de Plano que apresentaram em Julho de 2013 continha falhas graves ao nível da sua fundamentação e da documentação de instrução, as quais determinariam um parecer desfavorável da CCDR-C, caso não fossem corrigidas.

31 – No entanto, note-se que a Mais Vagos cumpriu com todas as suas obrigações contatuais pois, não tendo poder nem legitimidade para enviar nada para a CCDR-C (quem o podia fazer era a CM Vagos, cfr. arts. 69º e 74º do Dec.-Lei 380/99, de 22/9), fez o que podia fazer: enviou tudo o que foi recebendo para a CM Vagos e foi articulando entre esta e as AA. todas as respostas que foram sendo dadas e recebidas, promovendo todos os contactos que foram necessários.

32 – Aqui chegados, e em jeito de conclusão quanto às tranches f) e e) da Cláusula 9º do Contrato de Prestação de Serviços, as mesmas não se venceram e por isso não há mora:

a) seja porque nem sequer se chegou ao momento de desenvolvimento dos trabalhos em que poderiam ter sido emitidas as faturas (na medida em que não se entrou em Conferência de Serviços e isso era condição necessária à possibilidade de se vencerem as tranches e serem emitidas e enviadas as faturas), e neste cenário não há, nem pode vir a haver, dívida;

b) seja porque, mesmo que a Conferência de Serviços não fosse condição prévia disso (hipótese que apenas se coloca por efeito de raciocínio, sem se conceder), as faturas até hoje não foram emitidas nem entregues à R., razão pela qual não há dívida neste momento.

33 – Ao decidir com decidiu quanto ao vencimento das tranches f) e e) e à existência de mora, o Tribunal da Relação do Porto interpretou mal a lei e o contrato de prestação de serviços, acabando a violar os artigos 270º, 762º, 798º, 799º, 804º, 805º e 806º do Código Civil.

34 – A inexistência de mora da R. leva a uma outra questão, que é a de afastar a tese de que devido a isso, não poderia a Mais Vagos lançar mão do Instituto da Modificação do Contrato por Alteração das Circunstâncias.

35 – Relativamente às tranches f) e e) da cláusula 9ª do contrato, a mora não existe de todo, face ao acima exposto (não se entrou na fase de Conferência de Serviços e nem sequer há faturas emitidas).

36 – Além disso, mesmo que as faturas das tranches f) e e) da cláusula 9ª do contrato tivessem sido emitidas e entregues nos seus serviços administrativos, ainda assim o seu não pagamento não poderia impedir à mesma o recurso ao instituto acima referido.

37 – Por outro lado, se se pretender considerar a mora das faturas reclamadas na ação anterior (e que respeitava à alínea c) da cláusula 9ª do contrato), também a mesma não pode relevar.

38 – Baseando-se o espírito da lei na boa-fé (art. 437º, nº1 do Cód Civil), ainda mais no que respeita ao cumprimento dos contratos (cfr. art. 762º do Cód. Civil), a existência de mora a que se refere art. 438º do Cód. Civil não poderá ser toda e qualquer uma, pois poderá haver situações em que não é defensável que alguém que não pagou, por ter uma razão muito forte e atendível para isso, não possa, caso entretanto ocorra uma alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, invocar isso.

39 – O artigo 438º do Cód. Civil deverá ser interpretado no sentido de que, nos casos em que a alteração das circunstâncias seja de tal forma radical, mesmo que exista mora (em especial uma mora justificada ou justificável), apreciado tudo à luz dos princípios da boa-fé, aquela (a alteração das circunstâncias) se sobrepõe ou anula esta (a mora).

40 – Ou seja, o desequilíbrio entre as partes provocado pela alteração das circunstâncias é tão grande e injusto, que ponderados à luz dos princípios da boa-fé referidos no art. 437º, nº1 do Cód. Civil os efeitos da mora (justificada ou justificável) e os da imposição do cumprimento do contrato, aquela acaba por não ter gravidade atendível para afastar a resolução ou modificação deste.

41 – No que se refere à mora relativa ao pagamento das faturas cobradas na ação anterior a esta, o Tribunal da 1ª Instância considerou, e bem, que, por serem tantas e tão graves as insuficiências da Proposta de Plano apresentada pelas AA., era lícito à R. não pagar o valor que lhe estava a ser solicitado nesses autos enquanto não houvesse uma decisão judicial nesse sentido.

42 – Assim, a mora relativa às faturas reclamadas na ação anterior era justificável, atendível, e não sustenta a aplicação do art. 438º do Cód. Civil ao caso dos autos para afastar a possibilidade de modificação do contrato por alteração das circunstâncias.

43 – Quanto às tranches reclamadas nesta ação não há mora nenhuma (pois nem se entrou na Conferência de Serviços, nem há faturas emitidas) e por isso é indubitável que, por esse prisma, o art. 438º também não tem aplicação.

44 – Ainda em abono do que se vem defendendo, a própria Cláusula 12ª do Contrato de Prestação de Serviços estabeleceu que o R. poderia não cumprir as obrigações que assumia (onde se inclui a de pagar), caso tivesse causa justificativa (o texto da cláusula diz “O não cumprimento … sem qualquer causa justificativa”).

45 – Ora, o enorme e complexo conjunto de falhas de que padeciam as Propostas de Plano que as AA. entregaram, é expressão da manifesta existência de causa justificativa (note-se que mesmo no trecho do Ac. TRP acima transcrito em 93 das alegações, esse Tribunal confirma que a última versão da Proposta continua a ter falhas que implicarão parecer não favorável da Conferência de Serviços, caso não sejam corrigidas).

46 – Independentemente disso, a verdade é que, após a prolação do Ac. da Relação do Porto que encerrou a ação anterior, a R. pagou a dívida relativa a essas faturas.

47– Por isso, quando esta ação se iniciou e a contestação-reconvenção foi apresentada, nem existia a mora relativa às faturas das fases anteriores do contrato (sendo que a mora que existiu quanto às mesmas, enquanto perdurou, foi justificável e não se integra no conceito do art. 438º do Cód. Civil), nem existia, nem existe ainda hoje, dívida alguma, pois os valores que as AA. reclamam nesta ação, além de não serem devidos nem poderem ser faturados (por não se ter iniciado a fase da Conferência de Serviços) não estão suportados por quaisquer faturas (caso a Conferência de Serviços não fosse condição necessária a isso).

48 – Desta forma, seja em que cenário for, à luz da interpretação que se defende para o conceito de mora do art. 438º do Cód. Civil, não há, nem houve, mora alguma da R., e por isso, não se pode lançar mão dessa norma para afastar a aplicação ao caso dos autos do art 437º do Cód. Civil.

49 – Assim, quanto ao Acórdão de que se recorre, e no que respeita a esta parte, a R. entende que o Trib. da Relação do Porto:

a) interpretou mal e aplicou indevidamente o art. 438º do Cód. Civil, pois ainda hoje não há mora relativamente ao peticionado nesta ação;

b) não teve em consideração que a mora relativa às faturas anteriores, além de já não existir há cerca de 2 anos quando foi deduzida a contestação-reconvenção nesta ação, teve no passado uma causa de justificação que a faz cair fora do conceito de mora do art. 438º do Cód. Civil;

c) por tudo isso, afastou indevidamente a aplicação do art. 437º do Cód. Civil.

50 – O Tribunal da Relação do Porto confirmou todos os requisitos de aplicabilidade do Instituto da Modificação do Contrato Por Alteração das Circunstâncias, exceto o relativo ao facto de a lesão causada estar coberta pelos riscos próprios do contrato.

51 – Porém, e com todo o respeito, o trecho do texto do contrato (cláusula 8ª, nº1) de que o Tribunal da Relação do Porto se socorre para fazer essa interpretação, não a consente.

52 – A expressão “mudanças de fundo nos termos de referência ou contexto atual” não permite chegar-se a alterações de lei, nomeadamente dos Instrumentos de Gestão Territorial, ainda para mais com a profundidade, alcance, incidência e relevância da que veio a verificar-se 5 anos depois da sua assinatura por via do Dec.-Lei 80/2015, de 14/5.

53 - O cerne da cláusula não são as “mudanças de fundo nos termos de referência ou contexto atual”, mas antes as “Quaisquer alterações ao Plano…”.

54 – A única coisa que resulta do texto desse nº1 da cláusula 8ª é que, se a Mais Vagos pretendesse trabalhos que as partes entendessem que extravasavam dos previstos na cláusula 7ª e se enquadrassem no nº1 da cláusula 8ª, então os mesmos não estavam incluídos no âmbito do contrato e do preço inicialmente acordado, ou seja, eram “extras” e teriam que ser pagos à parte.

55 – A alteração da Lei dos IGT foi de tal modo profunda que hoje, e desde 2015, para se poder concluir o contrato, o Plano teria que passar a ser um Plano de Pormenor com efeitos registais (arts. 101º, 108º e 165º do Dec-Lei 80/2015, de 14/5), o que implicaria que a Mais Vagos tivesse que passar a ser dona de todos os terrenos dos 340 hectares do projetado Parque Empresarial (o que significaria um esforço financeiro da ordem dos milhões de euros que seria incomportável),

56 - ou então passar a ter um contrato de urbanização com todos os proprietários dessas centenas de terrenos (o que seria tarefa impossível, face ao facto de serem milhares de pessoas, muitas delas emigradas ou herdeiros de falecidos), cfr. Factos Provados 23 a 28

57 – Está-se, assim, perante um caso de indiscutível e profundíssima alteração das circunstâncias em que as partes contrataram inicialmente, a qual de forma nenhuma se pode considerar coberta pelos riscos próprios do contrato, nomeadamente por supostamente estar “prevista” na sua cláusula 8ª, nº1.

58 – Mesmo que com muito boa vontade se quisesse aceitar que o objetivo e o sentido da cláusula 8ª era o de prever os “riscos próprios do contrato” (e não apenas o de estabelecer o que eram os extras), e por isso, que as partes aí tinham posto a possibilidade de haver “alterações de Lei” (o que apenas se coloca para efeitos de raciocínio, sem se conceder), ainda assim a alteração dos IGT que veio a ocorrer 5 anos depois da assinatura foi de tal forma profunda que nunca se poderia imaginar ou de maneira nenhuma considerar/prever.

59 – Se a Mais Vagos tivesse a mínima suspeita de que tal alteração legislativa poderia vir a ocorrer, nem sequer se abalançaria a contratar um Plano com as AA. (ou com quaisquer outras entidades), pelas razões acima explicadas em 56 e 57 das conclusões.

60 – Por isso, também por aqui não esteve bem o Tribunal da Relação do Porto ao considerar que a alteração da Lei dos IGT publicada em 2015 cabe nos riscos próprios do contrato e que isso foi estabelecido na sua cláusula 8ª, nº1.

61 – Consequentemente, também por esta razão o Tribunal da Relação do Porto violou o art. 437º do Cód. Civil, ao não permitir a sua aplicação por considerar não verificada a previsão da última pate do seu nº1.

62 – Face à alteração da lei ocorrida em 2015, nem o Plano existente é possível de concluir e de ser concluído no que falta pelas AA. (pois a Mais Vagos não é dona, nem consegue ser, de todos os terrenos abrangidos pela zona de implantação do Parque empresarial que falta adquirir, assim como não consegue outorgar um Contrato de Urbanização com todos os milhares de proprietários), nem se consegue alternativa utilizando a Proposta de Plano entregue pelas AA. em Julho de 2013.

63 – Há, assim, uma radical Alteração das Circunstâncias que justifica plenamente a modificação do contrato.

64 – Por outro prisma jurídico, mas pelas mesmas razões de facto (teimosia em não aceitar a supervisão da R. e da CM Vagos, não acatamento das recomendações da CCDR-C, atraso de 900 dias na entrega da proposta de Plano), hoje, por culpa das AA há também uma impossibilidade do objeto do contrato (e, bem assim, da prestação em falta daquelas), que determina a extinção deste/da obrigação da Mais Vagos, nos termos do art. 790º do Cód. Civil, o que igualmente se pediu na reconvenção e aqui se reitera, pois também esta solução para a questão é aplicável ao caso e não foi ponderada pelo Tribunal da Relação.

65 – Ora, na medida e que a restituição (com base nos arts. 473, nº2 e 479º do Cód. Civil) dos 180.000€ + IVA já pagos foi afastada no despacho da 4/3/2022 da 1ª Instância, deveria pelo menos o contrato ter sido reduzido ao que as partes cumpriram e foi possível executar.

66 - Com efeito, tendo-se tornado impossível a prestação das AA., bem como a conclusão do que falta, deveria ter ficado a R. desobrigada da sua contraprestação, ou seja, do pagamento dos 120.000€ que aquelas reclamam, fosse com base no art. nos termos do art. 795º, nº1, do Cód. Civil, fosse com base no art. 437º, nº1 do Cód. Civil.

67 – Ao não decidir assim (escolhendo em alternativa uma dessas duas soluções), violou o Tribunal da Relação do Porto essas normas, quando optou por não aplicar nenhuma delas ao caso dos autos.

68 – Com efeito, sopesados os direitos e obrigações das partes à luz da boa-fé e da equidade, temos:

a) por um lado, a R., que que se arrisca a pagar um total de 300.000€ + IVA por um trabalho (ainda não terminado) e que já não lhe servirá para nada;

b) por outro, as AA. que já receberam 180.000€ + IVA e que tinham ainda muito por fazer;

c) uma situação de profundo desequilíbrio entre as partes e de absoluta impossibilidade de aproveitar o plano contratado, a que se chegou por culpa exclusiva das AA., cfr. já acima explicado.

69 - Ao que vai acima, soma-se ainda o que consta de 29 e 30 dos Factos provados, nos quais se reproduz parte do Parecer da CCDR-C de 26/10/2018 que refere que o prazo de 24 meses para a conclusão deste procedimento, está há muito extinto, pelo que nos termos do disposto no nº7 do artigo 76º do RJIGT, o mesmo encontra-se caducado.

70 – Assim, a solução jurídica do Tribunal da Relação do Porto deveria ter passado sempre pela declaração de que a R. nada mais tem a pagar às AA, fosse por Modificação do Contrato por Alteração da Circunstâncias (art. 437º do Cód. Civil), fosse porque a prestação das AA se tornou impossível (art. 795º, nº1 do Cód. Civil).

71 – Relativamente aos trechos dos últimos parágrafos da resposta à “4ª Questão”, o Tribunal da Relação do Porto refere que a R. não diligenciou no sentido de promover a realização de conferência serviços e que esteve em mora entre Maio de 2014 e Janeiro de 2017.

72 – Quanto à mora, remete-se para tudo quanto já se disse acima nestas alegações.

73 – Relativamente a não diligenciar pela promoção da realização da Conferência de Serviços, a Mais Vagos nunca poderia pegar na Proposta de Plano que as AA. elaboraram e enviá-la para a CCDR-C e pedir essa diligência.

74 – A única coisa que a Mais Vagos poderia fazer, e fez, foi encaminhar e fazer seguir para CM Vagos e para as AA todas as comunicações e documentos recebidos de uns e de outros, bem como promover e articular contactos entre as partes envolvidas, sempre com vista à aprovação do Plano, cfr. resulta dos Factos Provados 11, 13, 16, 18 e 19.

75 – Ao decidir esta parte do recurso da forma como o fez, o Tribunal da Relação do Porto interpretou mal os arts. 69º e 74º do Dec.-Lei 380/99, de 22/9.

76 – O Tribunal da Relação do Porto descartou também a existência de abuso de direito por parte das AA., solução com a qual a R. também não concorda, caso fossem ultrapassadas todas as questões acima referidas.

77 – Com efeito, por incompreensível e injustificada teimosia das AA., estas recusaram sempre as sugestões e pedidos da R. e da CMV quanto a completarem o seu trabalho.

78 – Dito de outra maneira: as AA., que se obrigaram a aceitar a supervisão da CM Vagos, no desenvolvimento do contrato passaram a querer obrigar esta autarquia a assumir perante a CCDR-C um Plano cheio de falhas (cfr. os expressivos Pareceres da CCDR-C juntos aos autos), impondo-lho.

79 – Além disso, as AA., que tinham um prazo de 60 dias contados da aprovação da Proposta Preliminar (cfr. Facto Provado 4 e Cláusula Quinta do Contrato) demoraram 2 anos e meio a fazê-lo, ou seja, 900 dias.

80 – Do exposto acima, resulta que as AA., sem justificação séria ou válida, violaram obrigações contratuais (que nada contendiam com a sua liberdade intelectual, criativa ou de trabalho) que levaram ao arrastar da apresentação da Proposta por muitos anos, chegando ao ponto de acionar a R., quando bastava que aceitassem a supervisão a que contratualmente se haviam obrigado.

81 – E no meio tempo, ocorreu uma alteração legislativa que tornou impossível aproveitar-se o trabalho realizado, concluir o que faltava e cumprir objeto do contrato, por todas as razões já acima explicadas.

82 – Por isso, também por abuso de direito das AA., o Tribunal da Relação do Porto deveria ter julgado improcedente o recurso.

83 - Ao não o fazer, violou o art. 334º do Cód. Civil, na modalidade de venire contra factum proprium.

Termos em que, e nos mais de direito, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o d. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto e absolvendo-se a Ré do pedido.

As recorridas contra-alegaram, pugnando pela improcedência da revista e a manutenção do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

OBJETO DO RECURSO

Emerge das conclusões de recurso apresentadas por MAIS VAGOS – SOCIEDADE GESTORA DE PARQUES EMPRESARIAIS DE VAGOS, SA., ora recorrente, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões:

1.) Saber da interpretação da lei e do contrato, quanto à contagem dos prazos e as condições de exigibilidade das prestações relativas às tranches e) e f) da cláusula 9ª do contrato (por violação dos artigos 270º, 762º, 798º, 799º, 804º, 805º e 806º, todos do CCivil).

2.) Saber dos requisitos do direito à resolução/modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias que determinaram a decisão de contratar (art. 437.º do CCivil).

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA

1 - A. “MW – Planeamento e Arquitetura, Lda.”, tem por objeto social a elaboração de estudos e projetos de arquitetura.

2 - A. “SBS – Engenharia Civil, Hidráulica e Ambiente, Lda.”, tem por objeto social a elaboração de estudos e projetos de engenharia civil, hidráulica e ambiental.

3 - A Ré “Mais Vagos – Sociedade Gestora de Parques Industriais de Vagos, S.A.”, na qualidade de 1ª Outorgante, “MW – Planeamento e Arquitetura, Lda.”, na qualidade de 2ª Outorgante e “SBS – Engenharia Civil, Hidráulica e Ambiente, Lda.”, na qualidade de 3ª Outorgante, outorgaram o contrato de prestação de serviços datado de 13/05/2010, através do qual a primeira outorgante adjudicou à MW e à SBS a elaboração da Proposta do Plano de Urbanização do Parque Empresarial do Sosa.

4 - Constam (além do mais que não interessa transcrever) os seguintes considerandos e cláusulas:

I – A primeira contraente é uma sociedade anónima, maioritariamente detida pelo Município de Vagos e que foi constituída com o intuito de desenvolver um parque empresarial moderno, versátil e inovador no panorama nacional dos parques empresariais.

II – A segunda e terceira outorgantes concorreram ao concurso lançado pela primeira outorgante para elaboração do plano de urbanização, ou instrumento equivalente de ordenamento do território no âmbito do Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro, que estabelece o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), que permita o desenvolvimento do Parque Empresarial de Sosa, doravante designado abreviadamente por PES.

III – O PES visa ser um parque empresarial, em regime de condomínio, em que a primeira outorgante será o administrador das zonas comuns que venham a ser afetas ao uso de todos os espaços industriais e não industriais que venham a surgir, para o qual é necessário idealizar e conceber e aprovar um regulamento que satisfaça as pretensões da primeira outorgante.

IV – Atendendo a que o processo de conceção do PES é dinâmico, evolutivo e de longo prazo não seria curial a criação de uma definição rígida de todos os passos e detalhes urbanísticos do PES, pois não se coaduna com o modelo de desenvolvimento do parque que se pretende ver implementado.

V – Atendendo à complexidade e número de entidades que terão de se pronunciar sobre o plano ou equivalente que vierem a ser elaborados no âmbito do PES são fixados um conjunto de prazos.

VI – A área a considerar UOPG 9 já se encontra parcialmente intervencionada através de dois planos de pormenor já eficazes, que é necessário enquadrar e integrar no PU do PES.

É celebrado e reciprocamente aceite o presente contrato, que é de Prestação de Serviços, regendo-se o mesmo pelas seguintes cláusulas:

PRIMEIRA: A área de intervenção do PES (Parque Empresarial do Sousa) corresponde à totalidade da Unidade Operativa de Gestão nº 9 do Plano Diretor Municipal de Vagos em vigor à data deste contrato, acrescida dos eventuais ajustes que venham a ocorrer durante o processo de elaboração e licenciamento do plano, desde que não se verifique uma alteração de área superior a 10%

SEGUNDA: 1 - Pelo presente contrato, a Mais Vagos, S.A., adjudica a “MW” e a “SBS” a elaboração do PU (Plano de Urbanização) do PES, devendo estas, para tanto, efetuar, designadamente, os seguintes trabalhos:

- A “MW”, de elaborar, sob sua supervisão e do Município de Vagos, o Plano com todos os elementos necessários à sua aprovação pelas entidades competentes.

- A “SBS” de desenvolver, sob supervisão da Mais Vagos e do Município de Vagos, os projetos das especialidades de Engenharia das infraestruturas da Estrutura Central e respetivo núcleo de equipamentos e serviços dos instrumentos de licenciamento da operação urbanística necessária à concretização do referido Plano, ao nível do estudo prévio, nos termos do presente contrato.

2 – A “MW” e a “SBS” aceitam, em regime de solidariedade e cooperação, todas as obrigações do desenvolvimento, conceção, realização e articulação dos estudos, projetos e elementos de planeamento referidos no nº 1.

3 – No caso de alguma das sociedades prestadoras do serviço não venha, por motivo não imputável à primeira outorgante, a cumprir as disposições do presente contrato e respetivos documentos anexos, a outra sociedade fica com a obrigação de assegurar a concretização do trabalho da faltosa, sem que tal facto implique o pagamento de qualquer remuneração adicional pela Mais Vagos.

TERCEIRA: É da responsabilidade da promotora a articulação com o Município de Vagos e deste com as demais entidades públicas e privadas intervenientes no processo de licenciamento, o que a obriga à realização das diligências necessárias no prazo de 30 dias contados a partir da data da sua determinação por carta ou ata; obrigando-se a “MW” e a “SBS” a acompanhar a promotora e/ou os representantes do Município em todas as diligências técnicas que se mostrem necessárias à prossecução do objeto do presente contrato colaborando com a apresentação das soluções técnicas e legais necessárias ao bom desenvolvimento do processo de licenciamento urbanístico do PES.

QUARTA: A Promotora, a “MW” e a “SBS” acordam que o Plano de Urbanização a elaborar para o Parque Empresarial do Sosa será elaborado tendo como princípio estruturante que a sua regulação possa vir a ser variável e ajustável, em função das Unidades de Execução (UE) ou eixos que venham a ser estrategicamente estabelecidos pela primeira outorgante para o desenvolvimento faseado e harmonioso do PES, o que se traduzirá:

a) Na definição dos parâmetros urbanísticos mínimos para toda a área do Plano, com os quais seja possível o desenvolvimento faseado e parcial de cada UE, sendo que estas serão concretizadas através de loteamentos cujas características de parcelamento serão posteriormente definidas, caso a caso, em função da dinâmica e necessidades de gestão do empreendimento.

b) A definição urbanística de tudo quanto diga respeito à Estrutura Central (EC) do Plano, que compreenderá, não só, todas as redes infraestruturais centrais, mas também um núcleo de serviços de vincadas características urbanas.

QUINTA: 1 – A elaboração do Plano será executada em três fases e nos seguintes prazos, aos quais será sempre deduzido o mês de Agosto de cada ano:

1ª Fase – Elaboração do “Programa Base” que será proposto no prazo de 50 dias contados da data em que for outorgado o presente contrato.

2ª Fase – Apresentação para discussão e votação de uma “Proposta Preliminar do Plano”, 50 dias após a aprovação do Programa Base. Esta proposta será acompanhada de todos os elementos necessários à sua interpretação.

3ª Fase – Entrega da Proposta de Plano, 60 dias após a comunicação formal da aprovação da Proposta Preliminar.

2 – As alterações decorrentes do processo de apreciação de cada uma das fases – pareceres de entidades, conferência de serviços e discussão pública – serão processados no prazo máximo de 33 dias contados a partir da comunicação formal dos referidos pareceres ou atas.

SEXTA: 1 - O preço global, a pagar pela primeira contraente à segunda e terceira contraentes, pela elaboração do Plano com as características já melhor identificadas neste contrato, será de € 300.000,00 (trezentos mil euros), a que acrescerá o IVA à taxa legal em vigor à data em que cada pagamento for devido nos termos da cláusula NONA.

2 – Ao valor global que futuramente venha a ser contratualizado em trabalhos de projeto das infraestruturas, incluindo arranjos exteriores e paisagismo, necessários à concretização do PES que venham a ser formalizados entre as contraentes, será abatida quantia de € 100.000,00 (cem mil euros) acrescidos de IVA, provenientes da redução do preço estabelecido no número um da presente cláusula.

4 – A dedução referida no número anterior será efetuada através do abatimento de 20% ao valor de cada uma das futuras adjudicações, até que seja atingido o montante de € 100.000,00 em abatimentos.

5 – O desconto efetuado no número anterior poderá ser realizado até que sejam decorridos cinco anos sobre a data em que o PU do PES venha a ser aprovado pela Assembleia Municipal de Vagos.

SÉTIMA: O montante, referido na cláusula anterior, compreende, designadamente, a realização das seguintes tarefas:

1 – A elaboração de todos os elementos e o desenvolvimento de todas as tarefas necessárias ao estabelecimento, apreciação e aprovação do Plano e respetivos regulamentos, compreendendo o conteúdo material do Plano constante do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), designadamente: - O Mapa do Ruído; - O Relatório da Avaliação Ambiental Estratégica; - O processo de desafetação da REN e RAN; - A perequação de encargos e benefícios; E além disso: - O estudo genérico de caracterização geológica e geotécnica da área de intervenção com vista à identificação de eventuais pontos críticos; - Elaboração do regulamento de gestão e condomínio; - Recolhas de dados e estudos que se revelem indispensáveis ao desenvolvimento do plano; - Participação em todas as reuniões necessárias ao desenvolvimento do processo. - O desenvolvimento dos estudos para as infraestruturas e espaços públicos da Estrutura Central do Plano e respetivo núcleo de equipamentos e serviços ao nível do estudo prévio, ou seja, para cada especialidade (movimentos de terras, redes de abastecimento de água e gás, de drenagem e tratamento de águas residuais e pluviais, infraestruturas várias, elétricas e de dados), e com base numa análise técnico-económica, serão definidas as peças escritas e desenhadas que permitam a conveniente definição e estimativas orçamentais, bem como o esclarecimento da sua execução e das soluções construtivas que melhor se adequam. - Avaliação das quantidades de trabalho e respetiva estimativa de custos da obra e tarefas a realizar, assim como o tempo estimado para a execução da obra.

2 – A segunda e terceira outorgantes obrigam-se ainda a fornecer, sem qualquer acréscimo de custo para a primeira outorgante, as imagens simples ou em 3D dos trabalhos que venham a ser efetuados, e que sejam necessários para a concretização de quaisquer campanhas publicitárias e de marketing alusivos ao PES que a promotora venha a desenvolver.

OITAVA: Não estão incluídos neste contrato e, consequentemente, no preço global referido na cláusula sétima, os pontos a seguir discriminados que, caso venham a ser efetuados pela segunda e terceira outorgantes, serão encargos a suportar autonomamente pela promotora – “Mais Vagos”:

1 – Quaisquer alterações ao Plano, motivadas por mudanças de fundo nos termos de referência ou contexto atual para a elaboração do Plano.

2 – A elaboração e/ou obtenção de:

a) Bases de trabalho como levantamento topográfico georreferenciado, levantamento cadastral, ortofotomapas.

b) Elementos relativos a servidões administrativas e restrições de utilidade pública.

c) Elementos relativos a operações urbanísticas precedentes.

d) Análises de águas e efluentes.

e) Termos de referência e demais compromissos já assumidos para a área de intervenção.

f) Maquetas.

g) Estudos geológicos e geotécnicos através de sondagens que cubram a globalidade da área de intervenção e não incluídos nos trabalhos geológicos e geotécnicos já referidos neste contrato.

h) Estudos económicos, de exploração ou de mercado.

3 – Não estão ainda incluídos o pagamento do IVA e as deslocações com as seguintes exceções:

- Todas aquelas que venham a ser realizadas ao concelho de Vagos;

- Todas aquelas que venham a ser realizadas à CCDRCoimbra.

- Uma deslocação anual a Lisboa.

Parágrafo único – Os elementos referidos no ponto nº 2 alíneas a), b), c), d) e e) desta cláusula (a obter junto do Município de Vagos) deverão ser fornecidos pela primeira contraente à “MW” e “SBS”, nos suportes informáticos existentes nos serviços do Município de Vagos à data da assinatura do presente contrato, ficando as prestadoras do serviço obrigadas à confidencialidade dos dados recebidos e a não os utilizar para outro ou quaisquer outros fins que não os constantes no presente contrato, bem como à assinatura do termo de responsabilidade pelo uso dos referidos suportes que a Câmara Municipal venha a solicitar.

NONA: O montante acordado na cláusula Sétima será pago pela primeira contraente, às segundas contraentes, na seguinte proporção – dois terços à “MW” e um terço à “SBS” -, nos 30 dias subsequentes à data em que forem rececionadas nos serviços administrativos da primeira contratante as correspondentes notas de honorários, a emitir nos prazos seguintes:

a) € 30.000,00, correspondentes a 10% do total acordado, na data da assinatura deste contrato;

b) € 30.000,00, correspondentes a 10% do total acordado, após a aprovação do Programa Base;

c) € 30.000,00, correspondentes a 10% do total acordado, após a aprovação da Proposta Preliminar;

d) € 90.000,00, correspondentes a 30% do total acordado, após a entrega da Proposta Plano;

f) € 60.000,00, correspondentes a 20% do total acordado, após a data em que venha a ser concluída a conferência de serviços e, se necessário, as reuniões de concertação que, definitivamente, aprovem o PES ou 60 dias após a última diligência ou ato processual efetuado por qualquer um dos intervenientes no processo de apreciação e aprovação do Plano;

e) € 60.000,00, correspondentes a 20% do total acordado, após a aprovação do Plano pela Assembleia Municipal de Vagos ou 60 dias após o vencimento da prestação anterior.

Parágrafo único – A falta de pagamento, no prazo estabelecido, de qualquer das prestações retro referidas, implica a suspensão dos prazos fixados na cláusula Quinta.

(…)

DÉCIMA PRIMEIRA:

A primeira contraente poderá resolver o presente contrato nos seguintes casos:

1 – A “MW” e a “SBS” de forma isolada ou conjunta se dissolverem ou forem consideradas falidas.

2 – Se forem ultrapassados, por culpa exclusiva da MW” e da “SBS”, em 60 dias, os prazos para a entrega de qualquer uma das fases discriminadas neste contrato.

3 – Se a segunda e terceira contraente faltarem, sem qualquer causa justificativa ou bastante, às obrigações impostas pelo presente contrato.

DÉCIMA SEGUNDA:

1 – O não cumprimento das obrigações assumidas pela promotora, sem qualquer causa justificativa ou bastante, implicará a perda, a favor da segunda e terceira outorgantes dos montantes já pagos a título de honorários.

2 – A obrigação assumida no número anterior inclui o pagamento da fatura correspondente aos trabalhos que estiverem a ser executados no momento em que o contrato venha a ser resolvido ou, no caso de já ter sido formalmente entregue a Proposta do Plano, das prestações seguintes.

O disposto no número um desta cláusula é aplicável a partir do momento em que estejam ultrapassados 150 dias contados da data da entrega da fatura em mora.

DÉCIMA TERCEIRA:

O não cumprimento das obrigações assumidas no presente contrato pela segunda e terceira outorgantes, fá-las incorrer na obrigação de devolver à primeira o valor pago a título de honorários correspondentes a 5% do valor global do contrato, no prazo de 30 dias contados da data em que forem notificadas para o efeito, pela Mais Vagos.

DÉCIMA QUARTA: Os prazos estabelecidos na cláusula QUINTA serão passíveis de interrupção e/ou prorrogação a pedido devidamente justificado e formulado por escrito pela “MW” ou da “SBS” à Mais Vagos, sem que tal configure situação de incumprimento ou conduza a aplicação de penalidades, nos seguintes casos:

1 – Acordo dos contraentes.

2 – Por necessidade de introdução de alterações em elementos já elaborados e apresentados, quer por iniciativa da promotora, quer por recomendação das entidades oficiais, e exclusivamente na medida do necessário para o acolhimento no plano dessas alterações.

3 – Quando esteja pendente a aprovação ou fornecimento de dados e/ou esclarecimentos por parte da “Mais Vagos” ou de outras entidades intervenientes com interesses legalmente estabelecidos ou carácter vinculativo.

Parágrafo único – Toda e qualquer interrupção e/ou prorrogação dos prazos referidos nesta cláusula deverá ser devidamente justificada e solicitada por escrito pela “MW” ou da “SBS” à “Mais Vagos” dela constando, explicitamente, o prazo previsto para a interrupção ou prorrogação.

DÉCIMA SÉTIMA:

1 – Todas as comunicações escritas que venham a ser efetuadas entre a primeira, a segunda e terceira outorgantes, no âmbito do presente contrato, serão dirigidas para os endereços constantes no início do presente contrato, devendo as partes comunicar reciprocamente eventuais alterações daqueles.

2 – Qualquer comunicação enviada para os endereços indicados no presente contrato ou para quaisquer outros que, entretanto, venham a ser designados pelas partes, considera-se realizada ainda que a carta seja devolvida por falta da sua receção pelo destinatário ou por falta do seu levantamento no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, ou ainda que o aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente da do destinatário.

3 – O disposto no presente artigo não se aplica às comunicações que venham a ser efetuadas durante o mês de Agosto.

DISPOSIÇÕES FINAIS.

1 – A contagem do prazo para realização da segunda fase do PU, prevista no número um da cláusula 5ª, inicia-se no dia de hoje.

2 – Nesta data já foram cumpridas todas as obrigações das partes relativas às alíneas a) e b) da cláusula nona.

3 – O prazo para pagamento do remanescente da fatura emitida pelas segunda e terceira outorgantes, a qual já foi rececionada nos serviços administrativos da Mais Vagos, apenas se iniciará quando estiver cumprido o prazo disposto na alínea c) da cláusula nona, e será paga nos termos e prazos previstos no presente contrato (C).

5 - Correu termos entre as aqui AA e a aqui Ré o Processo de Injunção com o nº 15867/14.7YPRT nas quais as aqui AA, MW – Planeamento e Arquitetura, Lda. e SBS – Engenharia Civil, Hidráulica e Ambiente, Lda., requererem a condenação da Ré Mais Vagos – Sociedade Gestora de Parques Industriais de Vagos, S.A., no pagamento, respetivamente das quantias de € 49.200,00, e de € 24.600,00, quantias acrescida de juros de mora, à taxa comercial, a partir de 08/04/2013 e até integral pagamento.

6 - Tais quantias referiam-se ao remanescente que ainda estava em falta relativamente à tranche de pagamento prevista na alínea d) da cláusula 9º do contrato celebrado entre as partes, isto é € 90.000,00, correspondentes a 30% do total acordado, a pagar após a entrega da Proposta Plano;

7 – A Ré contestou essa ação, alegando, além do mais, que as Autoras não conseguiram até esse momento apresentar ao Município de Vagos um dossier que pudesse ser aceite e assumido por esta edilidade como uma proposta plano, por não ter as condições técnicas, jurídicas e de instrução documental que permitissem a sua aprovação fácil e rápida pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional e pelas demais entidades a convocar pata conferência de serviços.

8 – A ação foi considerada procedente pelo que a Ré Mais Vagos foi condenada ao pagamento:

- à sociedade MW – Planeamento e Arquitetura, Lda., € 49.200,00, com juros de mora, à taxa comercial, desde a citação;

- à sociedade SBS – Engenharia Civil, Hidráulica e Ambiente, Lda., € 24.600,00, com juros de mora, à taxa comercial, desde a citação;

9 – Para tanto considerou-se, em suma, que “não obstante a proposta de plano apresentada pelas autoras possam já ser detetadas insuficiências que, se não forem ultrapassadas, muito provavelmente impedirão a obtenção de parecer favorável das entidades envolvidas, o que as autoras elaboraram e apresentaram reúne as condições formais para constituir uma proposta de plano passível de ser submetida à conferência de serviços e corrigida e/ou melhorada na conferência de serviços inicial, nas reuniões de concertação e mesmo, se necessário na nova conferência de serviços, estando assim verificado o evento de que o contrato faz depender o vencimento da prestação exigida pelas autoras.”

10 - A ação referida em 5, foi proposta a 03 de Dezembro de 2013, e teve o seu epílogo em Janeiro de 2017, com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto.

11 – Ficou provado no âmbito desse processo que:

a) - A proposta base foi aprovada a 17 de Fevereiro de 2010 - ponto 18 dos factos provados.

b) - A proposta preliminar foi aprovada a 20 de Janeiro de 2011 - ponto 31 dos factos provados.

c) – Por carta datada de 17/02/2011, a A. MW enviou à Ré a proposta da PUPES (ou proposta do plano) – ponto 32 dos factos provados.

d) - Essa proposta não foi aceite pela Ré, seguindo-se uma série de reuniões entre as partes e de diligências por parte das AA e Ré – pontos 34 a 52 dos factos provados.

e) – A 27/03/2013, as AA. procederam à entrega à Ré de nova proposta de plano PUPES – ponto 53 dos factos provados.

f) - A Câmara Municipal de Vagos pediu à CCDR-C um parecer sobre o dossier de Proposta de Plano de Urbanização do Parque Empresarial do Sosa, nos termos previstos no art. 75.º-C, nº 2, do RJIGT - ponto 7 dos factos provados.

g) - Tal parecer foi pedido para se confirmar, através de outra entidade, a opinião da Câmara Municipal de Vagos e da ora Ré acerca de incompletudes do dossier, e para auxiliar as ora AA. na identificação/resolução das falhas do mesmo – ponto 55 dos factos provados.

h) - No dia 24/05/2013 deu entrada na Câmara Municipal de Vagos o parecer solicitado à CCDR-C – ponto 8 dos factos provados.

i) - Nesse parecer, datado de 22 de Maio de 2013 a CCDR –C considerou que a proposta de plano que lhe foi apresentada enfermava de um conjunto de situações que, na sua opinião, necessitavam de ser alteradas, melhoradas ou complementadas, conforme documento de folhas 281/294 – ponto 64 dos factos provados, na redação dada pelo Acórdão da Relação do Porto.

j) – A 12/06/2013, a A. MW recebeu da Câmara Municipal de Vagos uma carta acompanhada de cópia do parecer solicitado à CCDR-C, datado de 22/05/2013, de apreciação técnica da PPUPEs – Ponto 56 dos factos provados.

k) - Este parecer identifica um conjunto de situações que necessitam de melhoria, de ser instruídas com documentação complementar, de ser contraditadas ou esclarecidas – ponto 57 dos factos provados.

l) - A 19/07/2013, a A. MW entregou à Ré proposta de plano PUPES revista, na qual são acolhidas em parte as recomendações do parecer da CCDR-C, e articulado de contraditório, da autoria da Prof. Doutora BB, em relação às questões jurídicas que esta considerou que não tinham fundamento legal – ponto 58 dos factos provados.

m) – E enviou-lhe, ainda, a carta junta a fls. 278/2791, na qual a informa que alguns dos requisitos daquele parecer só podem ser supridos pelos serviços da Câmara Municipal de Vagos ou da ora Ré – ponto 59 dos factos provados.

n) – O Parque Empresarial do Soza tinha um grande interesse estratégico para o Município de Vagos antes do início da crise de 2010/2011 – ponto 62 dos factos provados.

o) - Em finais de 2009/início de 2010, houve alterações ao nível da administração da Ré, com a saída do Dr. CC, substituído nas funções pelo Dr. DD, ... da Câmara Municipal de Vagos à data – ponto 63 dos factos provados.

p) - A CCRR-C considerou, em parecer de 17/03/2014 que a proposta de plano que lhe foi apresentada (com as alterações introduzidas pelas autoras após o anterior parecer) continuava a enfermar de um conjunto de situações que, na sua opinião, necessitavam de ser alteradas, melhoradas ou complementadas – ponto 65 dos factos provados, aditado no Acórdão da Relação do Porto.

12 - Na proposta referida em 11 l) previa-se a reclassificação do solo rural como urbano em toda a área.

13 – Após a entrega do plano referido em l), mais concretamente a 03 de Setembro de 2013 a divisão de gestão urbanística da Câmara emitiu parecer, no sentido de a nova proposta continuar a não reunir condições técnicas e jurídicas para ser submetida a conferência de serviços2.

14 - Por cartas datadas de 06 de Novembro de 2013, as Autoras interpelaram a Ré para proceder ao pagamento de 49.200,00 € e 24.600,00 €, depois peticionados, na ação referida no ponto 5 dos factos provados.

15 – Por cartas datadas de 28 de Novembro de 2013, a Mais Vagos respondeu a esta carta, invocando que o documento apresentado pelas autoras não configura uma proposta de plano”, pelo que recusa o peticionado pagamento.

16 - O parecer referido em 11 p) foi emitido na sequência de novo pedido de parecer, pedido pela Ré, em Fevereiro de 2014.

17 – Nesse parecer a CCDR –C pronuncia-se no sentido da “existência das seguintes ilegalidades:

- Omissão do relatório e/ou planta com indicação das licenças ou autorizações de operações urbanísticas emitidas, bem como das informações prévias favoráveis em vigor, previstas na al. c) do ponto 2º da Portaria n.º 138/2005 de 02/02, então em vigor;

- Não constavam do programa de execução, disposições indicativas sobre os meios de financiamento das intervenções municipais previstas (al. c) do nº 2 do art. 89º do RGIT;

- Não era apresentada a estruturação das opções de perequação compensatória (cf. al. i) do mesmo artigo referido no item anterior;

- Não se encontrava demonstrada a necessidade e a excecionalidade da reclassificação de solo rural para urbano prevista, tal como determinava o art. 7º do Decreto Regulamentar n.º 11/2009 de 29 de maio;

- O Relatório apresentado não explicitava os objetivos estratégicos do plano e a respetiva fundamentação técnica, suportada na avaliação das condições económicas, sociais,

culturais e ambientais para a sua execução, tal como determinava a al. a) do n.º 2 do artigo 899 do RJIGT vigente à data;

- Em vez da designação "Espaços canais", estabelecida no artigo 129º do decreto regulamentar n.º 11/2009, de 29 de maio, para qualificar as áreas de solo afetas às infraestruturas territoriais ou urbanas de desenvolvimento linear, era utilizada a designação "Espaços de infraestruturas";

- O plano não estabelecia os parâmetros aplicáveis ao estacionamento para indústrias e ao estacionamento público, em conformidade com o previsto no n.º 2 do artigo 439 do RJUE;

- As recomendações apresentadas no Relatório Ambiental eram muito limitadas, não abarcando todos os fatores ambientais analisados, (não dando cumprimento à al. f) do n.º 1 do artigo 62 do D.L. n.º 232/2007, de 15/06);

- Não era apresentada no RA qualquer análise de eventuais alternativas às propostas do Plano, nem tão pouco a fundamentação para essa omissão (cf. determina a al. g) do art. 62º do D.L. n.º 232/2007, de 15/06);

- O RA também não continha uma descrição das medidas de controlo previstas, tal como estabelece a al. h) do n.º 1 do D.L. n.º 232/2007, de 15/06.

18 – Após ter recebido o Acórdão da Relação do Porto, referido no ponto 10 dos factos provados, a R. deu nota disso à Câmara Municipal de Vagos.

19 – Esta por sua vez contactou a CCDR –C a 05 de abril de 2017 solicitando um esclarecimento sobre quais as questões a ter em consideração no prosseguimento futuro do plano, face ao lapso de tempo decorrido desde o pedido de acompanhamento da elaboração do plano efetuado em finais de 2009 e face às alterações entretanto ocorridas a nível legislativo.

20 - Em resposta, a CCDR-C, por ofício de 29 de Maio de 2017 informou que, além do plano dever ser completado de modo a incluir os elementos já identificados no parecer de 17 de Março de 2014, as regras tinham entretanto mudado, nomeadamente quanto à reclassificação do solo de Rústico para Urbano.

21 – A CCDR informou que deveria a proposta de plano “ser completada de modo a incluir todos os elementos estabelecidos nos números 1 a 5 do artigo 100º do RJIGT em vigor, em particular os seguintes, que não se encontravam previstos no D.L. n.º 46/2009, de 20/02:

• Modelo de redistribuição de benefícios e encargos;

• Plano de financiamento e fundamentação da sua sustentabilidade económica e financeira;

• Mapa de ruído, nos termos do n.º 1 do artigo 7º do Regulamento Geral do Ruído;

• Indicadores qualitativos e quantitativos que suportem a avaliação da adequação e concretização da disciplina consagrada no plano.

22 - Por outro lado, no mesmo ofício, esclareceu-se que, envolvendo este processo a reclassificação de solo rústico para urbano, destinado à criação de um parque empresarial, essa reclassificação só poderia ocorrer através da elaboração de um Plano de Pormenor com efeitos registais acompanhado de contrato de urbanização e teria de obedecer aos requisitos estabelecidos no artigo 72º do RJIGT e densificados no artigo 8º do Decreto Regulamentar n.º 15/2015, de 19/08, dos quais se destacam:

- A demonstração da inexistência de áreas urbanas disponíveis para os usos e funções pretendidas, suportada nos indicadores e critérios estabelecidos no n.º 4 do referido artigo 8º;

- A demonstração da sustentabilidade económica e financeira, a qual deveria integrar os seguintes elementos:

- demonstração da indisponibilidade de solo urbano na área urbana existente para a finalidade em concreto;

- demonstração do impacto da carga urbanística proposta no sistema de infraestruturas existente e da previsão dos encargos necessários ao seu reforço, à execução de novas infraestruturas e à sua manutenção;

- demonstração da viabilidade económica e financeira, incluindo a identificação dos sujeitos responsáveis pelo financiamento, das fontes de financiamento contratualizadas e do investimento público;

- estimativa de todos os custos associados à execução das infraestruturas, equipamentos, espaços verdes e outros espaços exteriores de utilização coletiva,, respetivos prazos de execução e sua distribuição pelos sujeitos responsáveis pelo financiamento da sua execução;

- estimativa da capacidade de investimento público das propostas preconizadas no plano, a médio e a longo prazo, tendo em conta os custos de execução referidos anteriormente;

- A fixação, por via contratual, dos encargos urbanísticos das operações previstas, do respetivo prazo de execução e das condições de redistribuição dos benefícios e encargos;

- O Plano de Pormenor com efeitos registais deveria ainda delimitar a área objeto de reclassificação e definir o prazo para a execução das obras de urbanização e das obras de edificação, o qual deve constar expressamente da certidão do plano a emitir para efeitos de inscrição no registo predial;

- O Plano de Pormenor com efeitos registais terá de observar o conteúdo material e documental estabelecidos nos artigos 102º e 107º do RJIGT.

23 – Tal implicava que a Mais Vagos teria que ser dona de todos os prédios rústicos (na ordem das centenas) a reclassificar para urbanos e a incluir no Plano, o que não acontecia, nem acontece, ainda hoje.

24 - Ou então, não sendo dona de todos esses terrenos, o contrato de urbanização a acompanhar a reclassificação do solo teria que ser subscrito por todos os proprietários desses imóveis.

25 - A aquisição de todos os prédios, implicaria um enormíssimo esforço económico e implicaria também ser possível fazer-se a negociação de todos esses prédios ao mesmo tempo, num curto espaço de tempo e tê-los em condições de escriturar, o que não se revelava possível por razões de tempo e dinheiro.

26 - Essa sua aquisição também passaria por identificar e contactar todos os seus proprietários, muitos falecidos ou emigrados.

27 - E após essa primeira tarefa havia ainda que conseguir contactá-los, fazer-se a negociação dos preços e lograr a presença dessas centenas ou milhares de pessoas nas escrituras (desde habilitações de herdeiros, partilhas e venda, passando por retificações várias ao nível da matriz e do registo predial e civil).

28 - Se em vez de comprar os imóveis, a R., optasse pelo contrato de urbanização, a tarefa, ao nível da identificação dos proprietários e das negociações a fazer, teria as mesmas dificuldades.

29 – Através do ofício n.º ... de 21 de Setembro de 2018, com registo de entrada na CCDR de 26/10/2018, a Câmara Municipal de Vagos solicitou à CCDRC o agendamento de conferência procedimental, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 86º do RGIT, em vigor, remetendo uma proposta de plano com data de Julho de 2013.

30 - Esse pedido foi rejeitado com os seguintes fundamentos: “Constata-se que os elementos agora enviados, e que têm a data de julho de 2013, são exatamente os mesmos que estiveram na base da emissão do parecer da CCDRC datado de 17.03.2014, não tendo sido objeto de qualquer correção e completamento, de acordo com o referido naquele parecer, nem tão pouco de acordo com o referido no ofício DOTCN 310/10, datado de 23.05.2017, estando por isso manifestamente incompletos face ao que dispõe o atual quadro legal nesta matéria. Assim, considera-se que a proposta apresentada não reúne condições para que possa ser sujeita a conferência procedimental. Acresce que a decisão de elaborar o presente plano data de 27.03.2009 (Aviso n.º .../2009), tendo na mesma sido estabelecido um prazo de 24 meses para a conclusão deste procedimento, prazo este há muito extinto, pelo que, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 76º do RJIGT, o mesmo encontra-se caducado, sendo necessário iniciar um novo procedimento”.

31 – No mês de Setembro de 2013 decorreu a campanha eleitoral para as eleições autárquicas que se realizaram em 29 de Setembro, eleições de que resultou a mudança de Presidente da Câmara.

32 - Não foram emitidas faturas relativamente às quantias peticionadas nestes autos.

2.2. O DIREITO

Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).

1.) SABER DA INTERPRETAÇÃO DA LEI E DO CONTRATO, QUANTO À CONTAGEM DOS PRAZOS E AS CONDIÇÕES DE EXIGIBILIDADE DAS PRESTAÇÕES RELATIVAS ÀS TRANCHES E) E F) DA CLÁUSULA 9ª DO CONTRATO (POR VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 270º, 762º, 798º, 799º, 804º, 805º E 806º, TODOS DO CCIVIL”).

A recorrente alegou que “até hoje, as AA. nem emitiram as faturas, nem as entregaram nos serviços administrativos da R, por isso, o acontecimento futuro e incerto a que ficou subordinada a obrigação de pagamento, ainda não se verificou, inexistindo dívida, e muito menos vencida, não há obrigação de pagar nem, muito

menos, poderá haver mora e os seus inerentes juros”.

Mais alegou que “as próprias faturas relativas às tranches e) e f) da cláusula 9ª não podem sequer ser emitidas, pois o desenvolvimento dos trabalhos não chegou a essa fase, pois é necessário estar-se em sede de Conferência de Serviços

para se poder pôr a possibilidade de essas tranches a f), e posteriormente a e)) passarem a ser devidas, ou seja, o vencimento da tranche f) ocorre sempre quando já se está efetivamente em sede de Conferência de Serviços”.

Alegou ainda que “apenas no caso de a Conferência de Serviços não dar Parecer favorável é que teriam lugar as diligências ou actos processuais com vista à apreciação e aprovação do Plano e, caso passassem mais de 60 dias sobre a última dessas diligências ou actos processuais sem se ter obtido a aprovação/parecer favorável, então vencer-se-ia a tranche dessa fase”.

“A tranche de 60.000€ da alínea f) da Cláusula 9ª do contrato só se vencia após ser convocada e reunida a Conferência de Serviços e, quanto à tranche da alínea e) da cláusula 9ª, a mesma vencer-se-ia após a Aprovação do Plano pela Assembleia Municipal ou 60 dias após o vencimento da tranche anterior (a tranche da alínea f)), pelo que, não se vencendo a anterior (a f)), também não se venceu a subsequente (a tranche da al. e))”.

Assim, concluiu que “Ao decidir em contrário, o Tribunal da Relação do Porto violou o disposto nos arts. 270º, 762º, 798º, 799º, 804º, 805º e 806º do Código Civil”.

Vejamos as questões.

Quanto à emissão das faturas

Na cláusula 9ª do contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes consta o seguinte: “O montante acordado na cláusula 7ª será pago pela primeira contraente, às segundas contraentes, na seguinte proporção – dois terços à “MW” e um terço à “SBS” -, nos 30 dias subsequentes à data em que forem rececionadas nos serviços administrativos da primeira contraente as correspondentes notas de honorários”.

Mesmo que as partes não tivessem sujeitado o pagamento à condição de apresentação de fatura, seria a mesma, por força da lei, obrigatória, constituindo um ónus para o credor.

A emissão e apresentação-entrega de fatura (ou fatura-recibo sem pagamento) junto do devedor da remuneração correspondente a contrato de prestação de serviços, sem prejuízo de ser uma obrigação legal imposta em sede do imposto IVA (arts. 1º, 1, a), 2º, 1, a), 4º, 1, 7º, 1, b), 8º, 1 e 2, 29º, 1, b), e 36º, 1 e 5, do CIVA), uma vez convencionada pelas partes (quanto ao momento da execução contratual), configura um ónus necessário (traduzido em “interpelação”) para o credor, com o significado de se assumir como uma condição de exigibilidade da (constituída e eficaz) obrigação negocial de pagamento do serviço, assim suscetível de vencimento, nos termos da vinculação a que respeitam os arts. 762º, 1, 763º, 1, 777º, 1 e 2, e 817º do CCivil3.

Esta confluência de regimes civil e fiscal – com relevância jusnormativa – tem conduzido justamente a nossa jurisprudência a encontrar neste ato jurídico – prestação de serviço sujeita ao imposto IVA – e noutros equivalentes uma verdadeira condição legal imprópria (também dita “implícita”) enquanto requisito de eficácia da obrigação negocial de pagamento da remuneração acordada como contrapartida da prestação do serviço contratado: a emissão e apresentação junto do devedor da fatura4,5.

No caso, a condição de entrega de fatura face ao desenrolar das relações entre as partes pautadas por litigiosidade e sobretudo pela necessidade de obtenção de condenação judicial prévia (face a pagamentos de outras tranches cujo prazo terminara antes) seria justificada?

As recorridas alegaram que as faturas não chegaram a ser emitidas, porquanto “nas datas do eventual vencimento das respetivas prestações, a 28/04/2014 e 27/06/2014, se encontravam em pleno litigio judicial com a R. recorrente, onde se discutia se teria ou não havido entrega da proposta do Plano, e se por isso seriam devidas as faturas relativas à tranche do preço global prevista na alínea d) da cláusula 9.ª, pelo que, sabiam à partida que a R. recorrente não iria pagar as eventuais faturas, relativas às tranches subsequentes do preço global previstas nas alíneas e) e f)”.

Decerto não considera a lei fatores excludentes do dever de emissão e apresentação de fatura, nem tão-pouco no contrato se faz alguma referência a situações que permitissem protelar de forma justificada a emissão da fatura.

Ou seja, apesar de se poder reconhecer injustiça na exigência da fatura em situações como as descritas (pelas consequências quanto ao pagamento de IVA em relação a montante eventualmente não pago), não pode ainda assim deixar de se reconhecer que esse dever não ficou adstrito à efetiva realização da prestação correspondente.

Seria, todavia, inadmissível não reconhecer o direito substantivo da realização da contraprestação perante citação do devedor em ação de condenação, razão pela qual no tribunal a quo se concluiu ser o momento da citação coincidente com a data de vencimento, razão pela qual os juros de mora se contam a partir dele.

Assim se compreende, de facto, o teor da decisão do acórdão do tribunal a quo, que subscrevemos: Por força do disposto no corpo da cláusula 9ª, a prestação mencionada na alínea d) da cláusula 9ª vencia-se no prazo de “30 dias subsequentes à data em que forem rececionadas nos serviços administrativos da primeira contratante [Ré] as correspondentes notas de honorários”. Conforme resulta da matéria de facto provada, as Autoras não emitiram as faturas [“notas de honorários”] correspondentes às prestações objeto das alíneas f) e e) da cláusula 9ª. Assim, considerar-se-á que o vencimento de tais prestações ocorreu com a citação para a presente ação, assistindo à Autora SBS, o direito à quantia de €40.000 (quarenta mil euros), correspondente à sua parte nas prestações previstas nas alíneas f) e e) da cláusula 9.ª do contrato; e à Autora MW, a quantia de €80.000 (oitenta mil euros), correspondente à sua parte nas prestações previstas nas alíneas f) e e) da cláusula 9.ª do contrato [pedido deduzido na petição de 3/5/2021]. Sobre as quantias de € 40.000,00 e de €80.000,00, acrescem juros de mora, à taxa comercial, contados desde a data do respetivo vencimento até integral e efetivo pagamento”.

Quanto ao momento inicial da contagem do prazo para pagamento

O acórdão do tribunal a quo entendeu que “o prazo mencionado na alínea f) da cláusula 9ª não se inicia após a data da última diligência efetuada, na sequência da notificação do Acórdão. A prestação mencionada na alínea f) é exigível logo que decorram sessenta dias sobre a data da última diligência efetuada após a entrega da proposta, em Julho de 2013, que marca o início de uma nova fase: de apreciação do mérito da proposta e decisão. Considerando o sucedâneo de factos ocorridos, após a entrega da proposta e da carta, em 19/7/2013, pela Autora MW, à Ré, e a suspensão dos prazos, no mês de Agosto (cláusula 5ª, nº1), após o parecer de 17/3/2014, decorreram sessenta dias sem ter sido efetuada qualquer diligência”.

A recorrente alegou quanto ao prazo, que “é indubitável que a tranche de 60.000€ da alínea f) da Cláusula 9ª do contrato só se vencia após ser convocada e reunida a Conferência de Serviços. Quanto à tranche da alínea e) da cláusula 9ª, a mesma vencer-se-ia após a Aprovação do Plano pela Assembleia Municipal ou 60 dias após o vencimento da tranche anterior (a tranche da alínea f))”.

Em concreto, discute-se o teor da cláusula 9ª do contrato de prestação de serviço, quanto às tranches f) e e):

O montante acordado na cláusula 7ª será pago pela primeira contraente, às segundas contraentes, na seguinte proporção – dois terços à “MW” e um terço à “SBS” -, nos 30 dias subsequentes à data em que forem rececionadas nos serviços administrativos da primeira contratante as correspondentes notas de honorários, a emitir nos prazos seguintes:

f) € 60.000,00, correspondentes a 20% do total acordado, após a data em que venha a ser concluída a conferência de serviços e, se necessário, as reuniões de concertação que, definitivamente, aprovem o PES ou 60 dias após a última diligência ou ato processual efetuado por qualquer um dos intervenientes no processo de apreciação e aprovação do Plano;

e) € 60.000,00, correspondentes a 20% do total acordado, após a aprovação do Plano pela Assembleia Municipal de Vagos ou 60 dias após o vencimento da prestação anterior.

A dúvida prende-se com a dicotomia apresentada (data em que venha a ser concluída a conferência de serviços ou 60 dias após a última diligência ou o último ato processual no processo de apreciação do plano) que a recorrente interpreta como exigindo a conclusão da conferência de serviços quer para a primeira hipótese, quer para a segunda.

O tribunal a quo entendeu que da articulação entre o teor das cláusulas 3ª e 9ª, alínea f), a Ré estava obrigada a diligenciar junto do Município de Vagos no sentido de a proposta entregue pelas Autoras ser sujeita à apreciação da conferência de serviços. Decorridos 60 dias sem ter tido início a conferência, verificou-se o evento do qual as Autoras podem exigir aquela prestação.

Da cláusula 9ª al. f), não resulta que a prestação em causa apenas se vence “quando já se está efetivamente em sede de Conferência de Serviços”, argumento aduzido pela recorrente.

Para a recorrente, quando se escreve “ou 60 dias após a última diligência ou ato processual” para efeitos de apreciação e aprovação do plano, estar-se-ia ainda a exigir que tivesse ocorrido a conferência de serviços (o que não chegou a acontecer), conferência de serviços mencionada na primeira opção prevista na cláusula.

Como refere o acórdão do tribunal a quo “A conjunção disjuntiva separa dois segmentos. No segundo segmento, não há qualquer referência ao início da Conferência de Serviços, mas ao processo de apreciação e de aprovação do plano que se inicia, necessariamente, após considerar-se efetuada a entrega da proposta.

O tribunal a quo concluiu que “da articulação entre o teor das cláusulas 3ª e 9ª, alínea f), a Ré estava obrigada a diligenciar junto do Município de Vagos no sentido da proposta entregue pelas Autoras ser sujeita à apreciação da conferência de serviços. Decorridos 60 dias sem ter tido início a conferência, verificou-se o evento do qual as Autoras podem exigir aquela prestação”.

O recorrente alegou que “Ao contrário do defendido no Acórdão da Relação do Porto, a conjunção disjuntiva “ou” que separa em 2 trechos a alínea f) da cláusula 9ª não implica, de todo, a interpretação que este faz (ou seja, que o 2º trecho dessa alínea nada tem que ver com a Conferência de Serviços, ou que é independente disso). Na verdade, é obrigatório estar-se em sede de Conferência de Serviços para se poder pôr a possibilidade de essas tranches (a f), e posteriormente a e)) se vencerem e passarem a ser devidas”.

O tribunal a quo entendeu que “da articulação entre o teor das cláusulas 3ª e 9ª, alínea f), a Ré estava obrigada a diligenciar junto do Município de Vagos no sentido da proposta entregue pelas Autoras ser sujeita à apreciação da conferência de serviços. Decorridos 60 dias sem ter tido início a conferência, verificou-se o evento do qual as Autoras podem exigir aquela prestação. Salienta-se que a Autora MW, na carta enviada em 19/7/2013, dirigida à Ré, termina referindo “Após a vossa apreciação e logo que o entendam oportuno e conveniente forneceremos os ficheiros em suporte digital para que possam proceder à impressão dos exemplares necessários para o envio para a conferência de serviços. Ficamos, contudo, ao dispor e interessados em reunir para trocar impressões sobre estes assuntos”, ou seja, presta esclarecimentos sobre a tomada de posição que assumiu, informa que fica a aguardar a conferência de serviços e disponibiliza-se para “trocar impressões”. Assim, o prazo de 60 dias tem início na data da entrega do parecer de 17/3/2014 e não em data posterior ao Acórdão proferido no processo nº 15867/14.7YPRT. Pelo exposto, as Autoras demostraram os factos constitutivos do direito de crédito que reclamam: a entrega da proposta e o decurso do prazo de 60 dias, após o parecer de 17/3/2014, sem qualquer diligência efetuada pela Ré no sentido de articular com o Município de Vagos para a realização da conferência prevista no nº 3 do artigo 75º C do Decreto-Lei 380/99”.

Perante esta divergência interpretativa, qual o sentido da cláusula a adotar?

Mobilizando elementos interpretativos do contrato, conclui-se que o sentido pretendido pela recorrente não tem qualquer correspondência com o texto da cláusula, nem com a vontade real nele expressa em termos literais.

A teoria da impressão do destinatário (razoável) (nos termos do art. 236.º, do CCivil, com o sentido objetivista da interpretação que comummente se lhe reconhece) mina um resultado interpretativo que abstrai da existência de uma disjuntiva.

Se se pretendesse que a opção das duas datas surgisse aquando do términus da conferência de serviços (e, note-se que no caso nem chegou a ocorrer a conferência), deveria a redação ter expressamente mencionado que ambas as alternativas estariam na dependência da conferência de serviços (ora porque terminara, ora porque decorria sem desfecho positivo quanto à avaliação do projeto).

Por outro lado, a razão pela qual se introduz uma opção (para além da existência ou resultado da conferência) visava, precisamente, evitar que ficasse totalmente à disposição da ré o vencimento da prestação, já que a falta de diligência na marcação da conferência de serviços, em articulação com o Município, levaria a que não se verificasse o evento necessário ao vencimento da prestação.

Acolhemos, assim, esta interpretação, adotada pelo tribunal a quo.

Face a esta interpretação, não pode ser aceita a posição da recorrente quanto à inexistência de mora.

Para a recorrente, não haveria mora, a) seja porque nem sequer se chegou ao momento de desenvolvimento dos trabalhos em que poderiam ter sido emitidas as faturas (na medida em que não se entrou em Conferência de Serviços e isso era condição necessária à possibilidade de se vencerem as tranches e serem emitidas e enviadas as faturas), e neste cenário não há, nem pode vir a haver, dívida; b) seja porque, mesmo que a Conferência de Serviços não fosse condição prévia disso (hipótese que apenas se coloca por efeito de raciocínio, sem se conceder), as faturas até hoje não foram emitidas nem entregues à R., razão pela qual não há dívida neste momento.

Pelo contrário, entendemos que há mora da ré, uma vez que se ultrapassaram os 60 dias após a última diligência ou ato processual efetuado por qualquer um dos intervenientes no processo de apreciação e aprovação do Plano.

2.) SABER DOS REQUISITOS DO DIREITO À RESOLUÇÃO/ MODIFICAÇÃO DO CONTRATO POR ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS QUE DETERMINARAM A DECISÃO DE CONTRATAR (ART. 437.º DO CCIVIL).

No acórdão de 2017-01-12, proferido pelo Tribunal Relação do Porto, no processo 15867/14.7YPRT, descreveu-se o contrato celebrado pelas partes como um contrato em que as recorridas, mediante o pagamento de contrapartida económica, assumiram a obrigação de “idealizar, conceber e projetar a implementação de um parque empresarial num determinado espaço territorial e elaborar os elementos e documentos (com exceção de alguns que o próprio contrato elenca) necessários à criação do correspondente plano de urbanização e à sua apreciação e aprovação pelas entidades competentes. Trata-se, portanto, de uma obra intelectual que deverá assumir a forma de um projeto de ordenamento do território, arquitetónico, urbanístico e de engenharia, vertido para diversas plantas, documentos e relatórios”.

O acórdão recorrido aderiu à configuração do acordo entre as autoras e ré como um contrato de prestação de serviço atípico ao qual são aplicáveis as regras contidas nas suas próprias cláusulas e, subsidiariamente, as disposições sobre o mandato nos termos dos arts. 1154º e 1156º do CCivil, admitindo, ainda, a aplicação de disposições do regime do contrato de empreitada quando as do contrato de mandato se mostrem inadequadas ao caso.

Afastou-se, assim, a conceção segundo a qual o contrato em causa (de criação de uma obra intelectual) seria um contrato de empreitada (conceção que no momento atual se considera ultrapassada, como se confirma pela jurisprudência abundante mencionada no acórdão recorrido), cujo regime é também caracterizado por um especial poder de direção e supervisão.

Ora, as regras da empreitada não são aplicáveis diretamente, ainda que por insuficiência ou inaplicabilidade das regras do mandato possam ser invocáveis.

Destarte, não existe uma obrigação de resultado correspondente à realização de obra, realização sujeita a fiscalização (nos termos do art. 1209.º CC) e adstrita a um fim específico ou aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.

De forma sintética, não se obrigaram as parte a um resultado útil; no sentido de ser o projeto necessariamente a base da intervenção posterior da ré/recorrente e o Município de Vagos, consideração que parece importante tomar como ponto de partida para a discussão quanto à verificação dos pressupostos do art. 437.º CCivil, maxime, quanto ao pressuposto de não estar a alteração coberta pelos riscos próprios do contrato.

Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato – art. 437º/1, do CCivil.

Que circunstâncias são invocadas in casu?

Tratar-se-ia da alteração da Lei de Bases Gerais de Politica Pública de Solos, Lei n.º 31/2014 de 30-05, e a criação do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, DL. n.º 80/2015, de 14-05.

Como refere o acórdão do tribunal a quo, o contrato celebrado entre as partes tinha por objeto a elaboração da Proposta do Plano de Urbanização do Parque Empresarial de Sosa ou instrumento equivalente de ordenamento do território no âmbito do Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro, que permitisse o seu desenvolvimento. Na proposta do plano elaborado pelas Autoras era prevista a reclassificação de solo rural como urbano em toda a área (ponto 12 dos factos provados). Em consequência do novo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, alteraram-se as regras de reclassificação do solo rústico para urbano. Envolvendo o plano de urbanização do Parque Empresarial de Soza a reclassificação de solo rústico para urbano, a execução desse plano implicava, face à alteração das regras de reclassificação, que a Ré tivesse de ser proprietária de todos os prédios rústicos a reclassificar e a incluir no plano ou, pelo menos, que celebrasse um contrato de urbanização com todos os proprietários (pontos 23 a 28 dos factos provados) o que pressupunha, além do esforço económico, o contacto com os diversos proprietários e a existência de negociações com os mesmos.

A primeira instância considerou estarem preenchidos os pressupostos da resolução/modificação dos contratos por alteração das circunstâncias, nos termos do art. 437º/1, do CCivil.

O Tribunal da Relação, por sua vez, afastou a invocação do direito de resolução ou de modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias, nos termos do art. 437º/1, do CCivil, pelo facto de a lesão causada estar coberta pelos riscos próprios do contrato, além de não estar preenchido o requisito negativo (a inexistência de mora do devedor).

O exercício do direito potestativo de resolver ou de modificar equitativamente um contrato, ao abrigo do regime previsto no art. 437º/1, do CCivil, depende da verificação dos seguintes requisitos: (i) uma drástica alteração das circunstâncias que constituem a base bilateral do negócio (que levou os contraentes, comummente, a contratar nos termos em que o fizeram); (ii) que configure um obstáculo anómalo (grave e extraordinário) ao normal desenvolvimento do quadro contratual previsto; (iii) que afete supervenientemente o equilíbrio patrimonial e a funcionalidade própria do negócio, de modo que a exigência da prestação por um contraente comporte uma desproporção inadmissível entre a vantagem própria e o sacrifício, ou seja, uma prestação excessivamente onerosa para um contraente face à da contraparte6.

Deve igualmente chamar-se à colação a existência ou não de referências à base subjetiva do negócio no próprio clausulado.

O que aqui, como veremos, acontece.

Este preceito não pode ser reduzido à ideia de que não cabe a revisão ou a resolução, quando se deem alterações dentro da álea que todo o contrato, ainda que em medida variável, sempre implica. Tal álea está já duplamente salvaguardada no artigo 472.º, n. º1, pela normalidade da modificação e pela boa fé. Na verdade, as alterações registadas dentro da álea dos contratos são normais e não contundem com a boa fé. A ideia da lei é outra: trata-se de conferir ao disposto do artigo 437.º, n.º 1, natureza supletiva, perante o regime legal ou contratual do risco, e, mais latamente, a todas as regras de imputação de danos”7.

Precisamente na cláusula 8ª do contrato, lê-se que “Não estão incluídos neste contrato e, consequentemente, no preço global referido na cláusula sétima, os pontos a seguir discriminados que, caso venham a ser efetuados pela segunda e terceira outorgantes, serão encargos a suportar autonomamente pela promotora – “Mais Vagos”: 1- Quaisquer alterações ao Plano, motivadas por mudanças de fundo nos termos de referência ou contexto atual para a elaboração do Plano”.

A recorrente reage contra a interpretação mobilizada pelo acórdão recorrido segundo o qual a alteração do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial e as consequências decorrentes dessa alteração, desde logo na reclassificação dos solos, não podem deixar de constituir uma das situações integradoras do conceito “mudanças de fundo” perspetivadas pelas partes no ponto 1 da referida cláusula.

Refuta este enquadramento uma vez que a leitura que promove circunscreve o âmbito de aplicação da cláusula à mera repartição de encargos adicionais.

Ora, é inegável que, ainda que uma consequência específica tenha sido equacionada para essa alteração, a cláusula aborda o problema de certos riscos do contrato, sendo compaginável com a invocação do regime geral da alteração, desde que se verifiquem os seus pressupostos.

Nas alegações, em relação ao afastamento do art. 437º/1, do CCivil, alega que o acórdão a) interpretou mal e aplicou indevidamente o art. 438º do Cód. Civil, pois ainda hoje não há mora relativamente ao peticionado nesta ação; b) não teve em consideração que a mora relativa às faturas anteriores, além de já não existir há cerca de 2 anos quando foi deduzida a contestação-reconvenção nesta ação, teve no passado uma causa de justificação que a faz cair fora do conceito de mora do art. 438º do Cód. Civil; c) por tudo isso, afastou indevidamente a aplicação do art. 437º, nº1 do CCivil.

Concluiu assim, que a solução jurídica do Tribunal da Relação do Porto deveria ter passado sempre pela declaração de que a R. nada mais tem a pagar às AA, fosse por Modificação do Contrato por Alteração da Circunstâncias (art. 437º do Cód. Civil), fosse porque a prestação das AA se tornou impossível (art. 795º, nº1 do Cód. Civil).

As recorridas contra-alegam que não se tratou de alteração anormal, nem estamos perante situação não coberta pelos riscos próprios do contrato.

É certo que a alteração legal inviabilizou ou pelo menos dificultou de forma considerável a utilidade do projeto nos termos apresentados, ainda que corrigidos e complementados.

Como refere a ré, nem o Plano existente é possível de concluir e de ser concluído no que falta pelas AA. (pois a Mais Vagos não é dona, nem consegue ser, de todos os terrenos abrangidos pela zona de implantação do Parque empresarial que falta adquirir, assim como não consegue outorgar um Contrato de Urbanização com todos os milhares de proprietários), nem se consegue alternativa utilizando a Proposta de Plano entregue pelas AA. em Julho de 2013.

Como se pode ler nas conclusões das alegações, 55 – A alteração da Lei dos IGT foi de tal modo profunda que hoje, e desde 2015, para se poder concluir o contrato, o Plano teria que passar a ser um Plano de Pormenor com efeitos registais (arts. 101º, 108º e 165º do Dec-Lei 80/2015, de 14/5), o que implicaria que a Mais Vagos tivesse que passar a ser dona de todos os terrenos dos 340 hectares do projetado Parque Empresarial (o que significaria um esforço financeiro da ordem dos milhões de euros que seria incomportável), 56 - ou então passar a ter um contrato de urbanização com todos os proprietários dessas centenas de terrenos (o que seria tarefa impossível, face ao facto de serem milhares de pessoas, muitas delas emigradas ou herdeiros de falecidos), cfr. Factos Provados 23 a 28.

No entanto, não só as partes chegaram a prever situações onde se enquadra esta alteração (e veremos infra que a previsibilidade permite aferir a natureza anormal da alteração), como em termos gerais alterações legislativas e flutuação do regime jurídico são suscetíveis de integrar os riscos contratuais.

De entre os pressupostos de aplicabilidade de tal art. 437.º há que ressaltar os seguintes: - A alteração deve caracterizar-se por ser “anormal”, conceito que deve ser associado à ideia da imprevisibilidade, não bastando que se trata de uma “grande alteração”; - Uma das partes deve ser lesada de modo “significativo” por essa alteração, no sentido de sofrer consequências de certa envergadura; - Dessa alteração deve resultar a afetação dos “princípios da boa fé”, se acaso a contraparte exigir as prestações que da mesma decorram; - As alterações devem ocorrer numa área que não esteja coberta pelos “riscos próprios do contrato” em causa8.

A título ilustrativo, numa situação em que o contexto jurídico foi alterado, A interdição de produção de um tinteiro usado numa impressora por aplicação da Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (POP), 22 de Maio de 2001 insere-se nos riscos próprios do contrato de compra e venda de impressoras não permitindo a modificação do contrato com base na alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a sua decisão de contratar – art. 437.º do Código Civil9.

A aplicação em abstrato do art. 437º/1, do CCivil também estaria sujeito ao crivo da natureza do contrato e da situação de (total) cumprimento do mesmo.

O art.º 437 do CC destina-se, em princípio, a regular consequências indesejáveis de relações contratuais ainda pendentes. Assim, a alegação de alteração das circunstâncias só é eficaz perante contratos pendentes, isto é, havendo contratos de execução continuada ou periódica ou, ainda, de execução diferida; depois da execução, tudo quanto se alegue pertence aos riscos próprios do contrato10.

Na doutrina, prevalece a tese de que o instituto previsto no art. 437º/1, do CCivil pressupõe que o contrato não seja de execução imediata e que alguma das prestações deva ser realizada no futuro11.

Seria espúrio o desenvolvimento sobre a possibilidade de aplicar o instituto do art. 437º/1, do CCivil a contratos cujas prestações já hajam sido integralmente cumpridas, uma vez que o contrato em causa não o foi (quanto às prestações pecuniárias), parcialmente cumprido (ainda que por prévia condenação relativamente ao pagamento de uma tranche).

A não verificação da pressuposição só deverá afetar os contratos ainda não completamente cumpridos. A resposta afirmativa é a corrente na doutrina, e nesse sentido vão os Códigos italiano e brasileiro (respetivamente, arts. 1467.° e 478.°: «contratos de execução continuada ou periódica ou de execução diferida»). Mas, excecionalmente, acentua Larenz, pode ser de atender depois do cumprimento das prestações, «quando o fim contratual só no futuro deve realizar-se e doravante se toma inatingível”12.

Dá como exemplo de aplicação do instituto do art. 437º/1, do CCivil a contratos já cumpridos a situação em que uma compra é feita e “logo, para instalação de uma indústria, um terreno sáfaro que não teria outro comprador; vem a ser, posteriormente, recusada autorização sanitária para a instalação da indústria naquele local”.

Inexistindo este obstáculo, cumpre determinar se a alteração foi anormal.

Para as recorridas, a resposta é claramente negativa: Não há pois agravamento da remuneração global e unitariamente acordada das AA. em função da alegada alteração das circunstâncias, uma vez que o valor contratado (o preço global) mantém-se exatamente o mesmo, após a ocorrência dos factos (a alteração legislativa) que constam da matéria provada.

A imodificabilidade da prestação não pode representar per se um obstáculo ao recurso ao regime previsto no art. 437º/1, do CCivil. Pode manter-se a mesma em termos objetivos e alterar-se a sua exigibilidade, face precisamente a essas alterações, que, todavia, devem ser qualificadas.

A norma do art.º 437.º n.º1 do CCiv não se basta com a constatação de que as circunstâncias em que o contrato se celebrou foram alteradas – é necessário correlacionar a alteração com a teoria do risco, com a ideia de cooperação intersubjetiva, com a interpretação contratual e com o princípio da segurança, este visando manter o contratado como expressão do princípio da autonomia privada13.

Pode acontecer, porém, que uma mudança profunda das circunstâncias em que as partes se vincularam torne excessivamente oneroso ou difícil para uma delas o cumprimento daquilo a que se encontra obrigada, ou provoque um desequilíbrio acentuado entre as prestações correspetivas, quando se trate de contratos de execução diferida ou de longa duração. Nestas situações, às vantagens da segurança, aconselhando a rigorosa aplicação do princípio da estabilidade, opõe-se um imperativo de justiça, que reclama a resolução ou modificação do contrato”14.

A natureza anormal da alteração implica, deste modo, uma conjugação com a ideia de imprevisibilidade dos riscos e inexigibilidade.

Em Portugal, o Código Civil não exige expressamente que a alteração seja imprevisível, mas somente anómala, o que conduzirá a resultados semelhantes, porque o requisito da imprevisibilidade está dependente da extensão do risco assumido pelos contratantes e da análise que estes devem fazer das flutuações normais do contrato causadas por possíveis acidentes que, dada a sua probabilidade de ocorrência, devem ser considerados15.

Quanto à inexigibilidade, a resolução do contrato dá-se em decorrência de alterações próximas ao contrato que interferem imediatamente no cumprimento – com o aumento dos esforços necessários para a execução ou do valor da prestação –, circunstâncias que configuram a base do negócio subjetiva e não a grande base do negócio16.

Afigura-se-nos que não só a alteração não foi anormal (concordando com a posição defendida pelas recorridas), como não existe aqui uma inexigibilidade da realização da prestação que redundaria em esforços adicionais.

Acrescente-se que também não se pode concluir pela verificação do último pressuposto (“não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato”).

Foi inclusivamente prevista alteração de enquadramento legislativo (obviamente não o sentido e alcance dessa alteração).

Escreve Oliveira Ascensão, no art. 437º, do CCivil, na parte final do n.º 1 aparece o texto: “e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato”. Qual o sujeito desta proposição? Aparentemente, seria a exigência das obrigações assumidas pela parte lesada. Mas não é assim, porque não é a exigência que está ou não coberta pelos riscos próprios do contrato. O que pode estar ou não coberto pelos riscos do contrato é a alteração anormal. (…) Pode-se por isso acrescentar que a alteração anormal é a alteração extraordinária e imprevisível”17,18.

Alega ainda a recorrente que não existia situação de mora ou de mora relevante para efeitos do art. 438.º, que exclui o direito de resolução ou modificação do contrato se o devedor estava em mora quando a alteração das circunstâncias se verificou

Assim, conclui que o artigo 438º do Cód. Civil deverá ser interpretado no sentido de que, nos casos em que a alteração das circunstâncias seja de tal forma radical, mesmo que exista mora (em especial uma mora justificada ou justificável), apreciado tudo à luz dos princípios da boa-fé, aquela (a alteração das circunstâncias) se sobrepõe ou anula esta (a mora). Ou seja, o desequilíbrio entre as partes provocado pela alteração das circunstâncias é tão grande e injusto, que ponderados à luz dos princípios da boa-fé referidos no art. 437º, nº1 do Cód. Civil os efeitos da mora (justificada ou justificável) e os da imposição do cumprimento do contrato, aquela acaba por não ter gravidade/ relevância atendível para afastar a resolução ou modificação deste.

Em síntese, a ré contesta a posição sufragada pelo Tribunal da Relação do Porto, que rejeitou a possibilidade de alteração ou resolução do contrato, face à existência de mora (nos temos do art.º 438.º), uma vez que este: a) interpretou mal e aplicou indevidamente o art. 438º do Cód. Civil, pois ainda hoje não há mora relativamente ao peticionado nesta ação; b) não teve em consideração que a mora relativa às faturas anteriores, além de já não existir há cerca de 2 anos quando foi deduzida a contestação-reconvenção nesta ação, teve no passado uma causa de justificação que a faz cair fora do conceito de mora do art. 438º do Cód. Civil.

Não haveria de todo mora ou ela, à luz da ratio do art. 438.º do CCivil, não seria relevante (sic).

Por outro lado, também não se poderia falar da mora reconhecida previamente em Tribunal relativa à prestação da tranche d).

Quando se trata de contratos de execução dividida ou periódica, a análise da mora do devedor deve efetuar-se por referência a cada fração ou prestação, pressupondo a manutenção da obrigação19.

Em primeiro lugar, justifica-se uma ponderação sobre a fundamentação deste regime.

Trata-se de solução coerente com os requisitos fixados no art. 437º do CCivil, uma vez que a mora do devedor provoca uma inversão do risco da prestação (artigo 807º), pelo que, se o devedor, por causa que lhe é imputável, não cumprir na data fixada, irá assumir o risco de verificação de posteriores desequilíbrios contratuais, não podendo impor ao credor uma distribuição do risco distinta.

Por outro lado, se fosse possível ao devedor invocar alterações das circunstâncias verificadas na situação de mora teria este um prémio concedido apesar de uma falha contratual, uma vez que se o devedor tivesse cumprido em tempo, o contrato já estaria executado.

Ainda assim, há quem entenda que “esta norma não pode ser de aplicação generalizada e cega: só perderá o direito à resolução ou modificação do contrato a parte lesada em mora que, com a sua mora, tenha colocado o contrato sujeito a uma alteração das circunstâncias que, de outro modo, se teria verificado com a obrigação já cumprida”20.

É, deste modo, determinante, em segundo lugar, verificar se a mora é imputável ao devedor e se o desequilíbrio contratual seria algo evitável sem a mora no caso concreto, ou seja, exige-se que que a mora seja causal (mesmo que co causal, acrescentaríamos) em relação ao desequilíbrio21,22.

Na doutrina, há quem defenda inclusivamente, como Nuno Pinto Oliveira, que as regras da alteração superveniente das circunstâncias correspondem a uma explicitação do princípio da proporcionalidade, pelo que independentemente de o devedor lesado estar ou não em mora, “sempre que a injustiça do conteúdo de um contrato atinja um tão alto grau que a segurança jurídica deixe de representar algo de positivo em confronto com esse grau de violação de justiça”23.

Voltando ao caso concreto, concluímos que existe mora (como referido supra) do devedor, podendo, é certo, discutir-se se se trata de mora relevante para efeitos de aplicação desta orientação que exige uma mora qualificada, ora insistindo na causalidade (Oliveira Ascensão), ora propugnando a coadjuvação de elementos valorativos (Nuno Pinto Oliveira).

Atendendo aos fundamentos e pressupostos do art. 437.º do CCivil, cremos que se justificaria aplicar o art. 438.º do CCivil, (não fora não se verificarem esses mesmos pressupostos), por não se configurar aqui uma especial necessidade de proteger o devedor inadimplente que, outrossim, beneficiaria de uma situação de não pagamento por força de circunstâncias posteriores ao incumprimento da prestação pecuniária.

Concluímos, assim, que a não aplicação do art. 437.º do CCivil resulta, como aliás referiu o acórdão recorrido, sobretudo do não preenchimento dos seus requisitos: não existe anormalidade na alteração nem tão pouco estamos fora dos riscos próprios cobertos pelo contrato.


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Pugna a recorrente, em alternativa, pela aplicação do art. 790º (nas conclusões das alegações de recurso) pelas mesmas razões de facto (teimosia em não aceitar a supervisão da R. e da CM Vagos, não acatamento das recomendações da CCDR-C, atraso de 900 dias na entrega da proposta de Plano), hoje, por culpa das AA há também uma impossibilidade do objeto do contrato (e, bem assim, da prestação em falta daquelas), que determina a extinção deste/da obrigação da Mais Vagos, nos termos do art. 790º do Cód. Civil.

Para a ré, ter-se-ia tornado impossível a realização da prestação o que determinaria a extinção da obrigação, com a consequência da desoneração do credor, nos termos do art. 495.º CCivil.

Não nos parece de todo correto este entendimento.

Não existiu uma impossibilidade da prestação objetiva, superveniente, absoluta e inimputável ao devedor (o que é contrariado pela própria menção de um suposto incumprimento contratual culposo das recorrentes), pelo que se encontra arredada a aplicação do art. 495.º e seguintes.

Também não se acolhe a pretensão de paralisação do direito por invocação do abuso do direito, na modalidade venire contra factum proprium.

Segundo a recorrente, as recorridas teriam contribuído para protelar a entrega do projeto, sem na realidade acolher os pedidos de correção feitos, pelo que a reação das mesmas se apresentaria agora como contraditória face a esse prévio comportamento.

Na perspetiva da ré/recorrente, as AA., em vez de contribuírem para a solução do problema, levaram ao seu empolamento e eternização, chegando ao ponto de acionar a R., quando bastava que aceitassem a supervisão a que contratualmente se haviam obrigado e acatassem as correções, complementos e sugestões que lhes eram solicitadas.

No acórdão 2017-01-12, a questão do abuso do direito fora afastada com a seguinte argumentação: para que possamos estar perante o exercício abusivo de um direito emergente do contrato é necessário que nos deparemos com um afastamento intolerável em relação à concreta composição de interesses alcançada no contrato, com uma situação geradora de um desequilíbrio gritante entre as posições de ambas as partes. Ora não parece que no caso isso possa ser afirmado por duas razões essenciais. A primeira é que as partes entenderam e acordaram não condicionar o vencimento da prestação que as autoras ora exigem a qualquer exigência específica ao nível do mérito do conteúdo material da proposta de plano (para além, naturalmente, de a mesma respeitar o programa base e a proposta preliminar aprovados, condições que aqui não estão me causa), designadamente à inexistência de reservas à sua aprovação pela CCDR logo em sede de acompanhamento do processo de aprovação do plano e/ou à necessidade de a proposta reunir de imediato condições para obter parecer favorável de forma fácil e rápida. Neutralizar agora pela via do abuso do direito o direito ao recebimento de uma parcela da remuneração com fundamento em condições desse jaez seria afinal introduzir no contrato uma cláusula que as partes não consagraram, em manifesta violação do princípio do contrato e da autonomia das partes, que nem as regras da boa fé nem os ditames dos bons costumes são capazes de justificar. A segunda razão é a de que a exigência desta prestação tem como razão de ser o volume de trabalho já realizado para se conseguir elaborar a proposta de plano. Ora não está provado nenhum facto que permita concluir que não foi realizado o volume de trabalho e/ou suportadas as correspondentes despesas. Por essa razão, à luz da economia do contrato, pode presumir-se que as autoras têm um interesse atendível em receber a parte da remuneração que lhe proporcionará condições não apenas para suportar as despesas já realizadas como gerar as despesas que ainda será eventualmente necessário para obter a aprovação do plano. Já o interesse atendível da ré é o da aprovação do plano, pelo que existindo no Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial normas que permitem a sanação das falhas ou insuficiências da proposta na fase seguinte, de forma alguma se pode concluir que a pretensão das autoras (quanto ao pagamento) posterga ou coloca em sério risco o interesse contratual da ré. Sendo o instituto do abuso do direito não um meio de reconformação jurisdicional de composições contratuais de interesses disponíveis, porventura deficientes ou imprevidentes, mas a ultima ratio de sindicância dos princípios da boa fé, não se pode, no aludido contexto, considerar que as autoras estão a atuar em abuso do direito.

Não existe atuação abusiva do direito a ser remunerado, uma vez que a prestação foi realizada, para tal sendo irrelevante reputar de defeituosa a prestação, característica que poderia levar a acionar o regime do cumprimento defeituoso, que não foi sequer convocado, antes pelo contrário e de forma contraditória, como se acaba de dizer, apontou-se para o regime da impossibilidade inimputável.

Em conclusão, e como também se entendeu no acórdão recorrido, não se mostram preenchidos os requisitos previstos no art. 437.º do CCivil.

Destarte, improcedendo as conclusões do recurso de revista, há

que confirmar o acórdão recorrido

3. DISPOSITIVO

3.1. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (1ª) do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso de revista e, consequentemente, em confirmar-se o acórdão recorrido.

3.2. REGIME DE CUSTAS

Custas pela recorrentes (na vertente de custas de parte, por outras não haver), porquanto a elas deu causa por ter ficado vencida.

Lisboa, 2025-12-1624

(Nelson Borges Carneiro) – Relator

(Henrique Antunes) – 2º adjunto

(Maria Clara Sottomayor) – 1º adjunto (com voto de vencido)

(Voto de vencido)25

1. Com todo o respeito por opinião diferente e louvando o rigor da argumentação do acórdão que fez vencimento, voto vencida, pois entendo que, no caso, se verificam os requisitos do artigo 437.º do Código Civil, em termos que conferem à ré, Mais Vagos, Sociedade Gestora de Parques Empresariais de Vagos, SA, o direito de resolver ou modificar o contrato dos autos segundo juízos de equidade, por alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar.

Está em causa a execução de um contrato de prestação de serviços datado de 13/05/2010, através do qual a Mais Vagos adjudicou à MW e à SBS a elaboração da Proposta do Plano de Urbanização do Parque Empresarial do Sosa. Durante a execução desse contrato mudaram as regras quanto à reclassificação do solo de Rústico para Urbano, por força de alterações legislativas ao RJIGT (Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial) (cfr. factos provados n.º 20 a 22). No essencial, para o que aqui releva, essas alterações legislativas implicavam que a ré Mais Vagos teria que ser dona de todos os prédios rústicos (na ordem das centenas) a reclassificar para urbanos e a incluir no Plano (cfr. facto provado n.º 23) ou que não sendo dona de todos esses terrenos, o contrato de urbanização a acompanhar a reclassificação do solo teria que ser subscrito por todos os proprietários desses imóveis (facto provado n.º 24).

Diferentemente do acórdão que fez vencimento, considero que esta alteração legislativa, surge como anómala, imprevisível e situa-se fora dos riscos próprios do contrato. Sendo a aquisição da propriedade ou a subscrição do contrato de urbanização por todos os proprietários um resultado que não depende apenas da vontade da Mais Vagos, mas também da vontade dos múltiplos proprietários (centenas) dos terrenos rústicos abrangidos pelo Plano, compreende-se a extrema dificuldade da sua concretização (factos provados n.º 25 a 28), que depararia, não só com a legítima recusa de alguns proprietários, como também representaria, mesmo que fossem ultrapassadas tais dificuldades, um custo excessivo para a Mais Vagos e para a Câmara Municipal de Vagos, que não foi previsto no contrato nem era previsível à data da sua celebração.

Vejamos para ilustrar a excessiva onerosidade da execução da prestação da Mais Vagos os seguintes factos provados:

«25 - A aquisição de todos os prédios, implicaria um enormíssimo esforço económico e implicaria também ser possível fazer-se a negociação de todos esses prédios ao mesmo tempo, num curto espaço de tempo e tê-los em condições de escriturar, o que não se revelava possível por razões de tempo e dinheiro.

26 - Essa sua aquisição também passaria por identificar e contactar todos os seus proprietários, muitos falecidos ou emigrados.

27 - E após essa primeira tarefa havia ainda que conseguir contactá-los, fazer-se a negociação dos preços e lograr a presença dessas centenas ou milhares de pessoas nas escrituras (desde habilitações de herdeiros, partilhas e venda, passando por retificações várias ao nível da matriz e do registo predial e civil).

28 - Se em vez de comprar os imóveis, a R., optasse pelo contrato de urbanização, a tarefa, ao nível da identificação dos proprietários e das negociações a fazer, teria as mesmas dificuldades».

A citada alteração legislativa, operada por via do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14/5, tem, pois, no quadro fáctico dos autos, um impacto profundo e definitivo no conteúdo do contrato e na possibilidade prática de a Mais Vagos conseguir executar as suas obrigações, constituindo uma alteração drástica das circunstâncias que constituem a base bilateral do negócio e que levou os contraentes a contratar nos termos em que o fizeram. Configura esta alteração legislativa um obstáculo anómalo (grave e extraordinário) ao normal desenvolvimento do quadro contratual previsto suscetível de afetar o equilíbrio patrimonial e a funcionalidade própria do negócio, de modo que a continuação do contrato implicaria uma desproporção inadmissível entre a vantagem obtida para as autoras e o sacrifício imposto à Mais Vagos, maxime com o pagamento do preço dos bens imóveis rústicos aos proprietários, o que constituiria uma prestação excessivamente onerosa, na medida em que o custo de pagar o preço dos terrenos rústicos, para os adquirir aos proprietários, seria muito elevado, e não foi previsto na determinação das prestações e contraprestações a que as partes se vincularam. Ainda que estivesse ao alcance da Mais Vagos obter a subscrição dos proprietários dos prédios rústicos em causa (em vez da aquisição por compra), o que seria menos oneroso em dinheiro, teria de se deparar com as dificuldades descritas nos factos provados das quais decorre a impossibilidade de identificação e contacto de todos os proprietários para os devidos efeitos, num tempo razoável.

Esta alteração legislativa foi profunda e de grande alcance e relevância jurídica e económica, não podendo considerar-se incluída nos riscos próprios do contrato, pois seria impensável que a Mais Vagos se vinculasse a adquirir os prédios rústicos ou a obter a subscrição de todos os proprietários para o plano de urbanização, alguns emigrados ou falecidos (o que exigiria a convocação dos herdeiros) dentro dos prazos previstos no contrato e com custos muitíssimo acrescidos em relação aos implicados na vinculação originária.

A alteração legislativa operada em 2015 inviabilizou, assim, a execução do projeto elaborado pelas autoras, que deixou de ter qualquer interesse para a Mais Vagos e sua sócia maioritária, a Câmara Municipal de Vagos, sendo certo que com esta alteração as partes não teriam contratado ou tê-lo-iam feito em termos diferentes.

Por outro lado, como se constatou na sentença do tribunal de 1.ª instância, cujos fundamentos, no que respeita à aplicação do artigo 437.º do Código Civil, subscrevemos, a alteração legislativa de 2015 causou um desequilíbrio entre as partes: de um lado, temos as Autoras a receberem todo o valor acordado, retirando, portanto, o benefício total almejado; do outro lado, temos a Ré a despender todo esse valor, não retirando qualquer benefício desse dispêndio. Surge, pois, como manifestamente desproporcionado e ofensivo da boa fé, que a Ré tenha de pagar às Autoras um valor relativo a trabalhos de que não usufruiu e que as Autoras recebam um valor por trabalho que não desenvolveram.

Por último, a questão de a Mais Vagos estar em mora não exclui a possibilidade de resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias, por dois motivos que a doutrina tem abordado:

a. O artigo 438.º do Código Civil tem sido interpretado pela doutrina como abrangendo apenas a mora culposa ou censurável (cfr. Henrique Sousa Antunes, “Anotação ao artigo 438.º do Código Civil”, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, pp. 160-161);

b. O atraso do devedor lesado constitui apenas uma circunstância do caso a considerar, a par de outras, para saber se a relação contratual originária é gravemente injusta e afeta gravemente os princípios da boa fé (cfr. Nuno Pinto de Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, 2011, Coimbra Editora, Coimbra, p. 579).

O Direito dos Contratos orienta-se atualmente não por uma conceção unilateral e egoística dos interesses em conflito, mas por um princípio relacional e ético-jurídico de cooperação entre as partes e por uma ideia de justiça baseada no equilíbrio das prestações e no princípio da proporcionalidade.

Num contexto em que as autoras instadas duas vezes a corrigir as insuficiências e incorreções dos projetos apresentados, nada fizeram, incumprindo os pareceres proferidos por entidade pública (factos provados n.º 11, 12, 13, 15 a 17, 20), e em que a proposta elaborada pelas autoras não reunia as condições para que pudesse ser sujeita a conferência procedimental (facto provado n.º 30), não se pode dizer que a mora da ré, Mais Vagos, seja culposa ou sequer que lhe seja imputável. Sendo a Câmara Municipal uma entidade pública sujeita a normas de ordem ambiental e ordenação do território, não convinha à MAIS VAGOS dar execução a um projeto chumbado por entidades públicas, surgindo como justificada a perda de interesse no contrato.

Da apreciação valorativa de todos os elementos de facto do caso, à luz do princípio da proporcionalidade, decorre que seria incomportável financeiramente e do ponto de vista da possibilidade de execução em tempo útil, a reconversão dos prédios rústicos em urbanos, requisito essencial para a continuação do contrato como supõe o princípio da boa fé e sem o qual o contrato deixa de poder desempenhar a sua função.

Conclui-se pois, que, em face das exigências da nova legislação, o conteúdo do contrato atingiu um tão alto grau de injustiça e onerosidade para a Mais Vagos, que lhe assiste o direito de operar a modificação do contrato ou a sua resolução.

Maria Clara Sottomayor

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1. A carta em causa foi junta aos presentes autos com a petição inicial (fls. 59).↩︎

2. O artigo foi alterado pelo Tribunal da Relação porquanto existia lapso na data indicada conforme se podia verificar pela leitura do parecer – documento nº 12 junto com a Contestação.↩︎

3. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2024-02-22, Relator: RICARDO COSTA, Processo: 571/20.5T8LAG.E1.S1, https://www.dgsi. pt/jstj.↩︎

4. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2024-02-22, Relator: RICARDO COSTA, Processo: 571/20.5T8LAG.E1.S1, https://www.dgsi. pt/jstj.↩︎

5. Num imposto como o IVA, de disciplina harmonizada ao nível europeu, a jurisprudência do TJUE impõe-se às Administrações Fiscais dos Estados Membros em geral, e como tal também à Autoridade Tributária e Aduaneira nacional – MARIA ODETE OLIVEIRA, IVA e faturação corretiva o tempo e o modo no direito à dedução. Os recentes acórdãos do Tribunal Europeu de Justiça, Revista da Faculdade de Direito e Ciência Política, nº 12 (2018), pp. 72/85.↩︎

6. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-04-06, Relator: ALEXANDRE REIS, Processo: 5760/18.0T8STB.E1.S1 https://www.dgsi. pt/jstj.↩︎

7. MENEZES CORDEIRO, A Proposta na Contratação Pública e a Alteração das Circunstâncias, o Direito, ano 142.º, 2010, II, p. 292.↩︎

8. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-03-07, Relator: SOUSA PINTO, Processo: 328/21.6T8PTG.E1.S1, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

9. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 20250-10-25, Relatora: ANA PAULA LOBO, Processo: 1073/21.8T8VCT.S1, https://www.dgsi. pt/jstj.↩︎

10. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2002-01-31, Relator: NASCIMENTO COSTA, Processo: 4292/01, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

11. Tem sido a posição tradicional, seguida por VAZ SERRA, Resolução ou modificação dos contratos por alteração das circunstâncias, in BMJ, n.º 68, 1957, p. 326, por PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed, 1987, anot. ao art. 437º do CC, p. 413), por VASCO DA GAMA LOBO XAVIER, Alteração das Circunstâncias e Risco (arts. 437.º e 796.º do Código Civil, in CJ, ano VIII, tomo V, 1983, p. 21, por ANTUNES VARELA/M. HENRIQUE MESQUITA, Resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias, in CJ, ano VII, tomo 2, 1982, p. 9, col. 2, e por ANA PRATA Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 558.↩︎

12. MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição por A. PINTO MONTEIRO e PAULO MOTA PINTO, Coimbra, 2005, p. 613.↩︎

13. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-12-15, Relator: VIEIRA E CUNHA, Processo: 56149/21.1YIPRT.L1.S1, https://www.dgsi. pt/jstj.↩︎

14. ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 12.ª edição, Coimbra, Almedina, 2013, p. 857, pp. 342-343.↩︎

15. RENATO NETO, Times they are a-changin: De novo sobre a alteração superveniente das circunstâncias no direito privado português, no direito europeu e nos instrumentos europeus e internacionais de harmonização do direito privado, Ars Iuris Salmanticensis: AIS : revista europea e iberoamericana de pensamiento y análisis de derecho, ciencia política y criminología, Vol. 4, nº 1, 2016, pp. 159-160.↩︎

16. PAULO MOTA PINTO, O contrato como instrumento de gestão do risco de “alteração das circunstâncias”» in António Pinto Monteiro (coord.). 2015, 46: O contrato na gestão do risco e na garantia da equidade. Coimbra: Instituto Jurídico/Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 107.↩︎

17. Onerosidade excessiva por alteração das circunstâncias, in Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, a.65n.3(Dez.2005), p.625-648, https://portal.oa.pt/publicacoes/revista-da-ordem-dos-advogados-roa/ano-2005/ano-65-vol-iii-dez-2005/doutrina/jose-de-oliveira-ascensao-onerosidade-excessiva-por-alteracao-das-circunstancias/.↩︎

18. Também neste sentido, HENRIQUE SOUSA ANTUNES, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações - Das obrigações em Geral - Coord. JOSÉ BRANDÃO PROENÇA, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2021, anotação ao art. 437.º, pp. 156 e 157.↩︎

19. HENRIQUE SOUSA ANTUNES, Comentário ao Código Civil, Universidade Católica, p.160 (neste sentido, ver, por exemplo, Carvalho Fernandes, 2001: 292-293).↩︎

20. ALBERTO DE SÁ E MELLO, convoca como reforço argumentativo o art. 807, n.º 2, Modificação ou Resolução do Contrato por alteração das Circunstâncias no contexto da pandemia COVID-19, https://observatorio.almedina.net/index.php/2021/01/28/ modificacao-ou-resolucao-do-contrato-por-alteracao-das-circunstancias-no-contexto-da-pandemia-covid-19/↩︎

21. OLIVEIRA ASCENSÃO, Onerosidade excessiva…, pp. 645-647.↩︎

22. Neste sentido, também ALMEIDA COSTA, ob. cit., p. 342.↩︎

23. Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, 2011, p. 578.↩︎

24. Acórdão assinado digitalmente – certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.↩︎

25. O acórdão definitivo é lavrado de harmonia com a orientação que tenha prevalecido, devendo o vencido, quanto à decisão ou quanto aos simples fundamentos, assinar em último lugar, com a sucinta menção das razões de discordância – art. 663º/1, do CPCivil.↩︎