RECURSO DE REVISTA
CASO JULGADO PARCIAL
IDENTIDADE SUBJETIVA
CONTA BANCÁRIA
CONTRATO DE DEPÓSITO
UTILIZAÇÃO ABUSIVA
HERDEIRO
CÔNJUGE
Sumário


I. Para que se verifique a exceção de caso julgado é necessário que se verifique identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.
II. Há identidade parcial de sujeitos (além de identidade do pedido e da causa de pedir) se na primeira ação o Autor atua como titular exclusivo de um depósito a prazo que alegadamente veio a ser utilizado abusivamente, pelo banco R., para a aquisição de instrumentos financeiros e na segunda ação o mesmo A. se apresenta como contitular do mesmo depósito a prazo juntamente com a sua esposa, já falecida aquando da propositura da primeira ação, propondo a segunda ação acompanhado dos dois filhos do casal, invocando todos a qualidade de herdeiros daquela, mantendo-se a alegação de utilização abusiva do depósito pelo banco R.

Texto Integral


Processo n.º 1123/24.6T8LRA.C1.S1

Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. Em 20.3.2024 AA, BB e CC, instauraram no Juízo Central Cível de Leiria ação declarativa de condenação com processo comum contra Banco BIC Português, S.A. pedindo que o R. fosse condenado a restituir aos AA. a quantia de € 669 424,66, acrescida de juros vincendos, à taxa supletiva legal, contados sobre a quantia de € 500.000,00, até integral e efetivo pagamento.

Para sustentar a pretensão supra referida, os AA. alegaram, em resumo, o seguinte: O primeiro A. foi casado, no regime da comunhão geral, com DD, a qual faleceu em ....5.2014; o segundo A. e a terceira A. são filhos do dissolvido casal, sendo, conjuntamente com o primeiro A., os únicos e universais herdeiros da falecida DD; o R. é um banco comercial que girava anteriormente sob a denominação “BPN – Banco Português de Negócios, S.A.”; a totalidade do capital social do banco em causa (BPN) era detida, na íntegra, pela sociedade então denominada “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A; o primeiro A. e a sua falecida mulher eram simples aforradores que tinham no banco R. um depósito a prazo, sendo o primeiro A. cliente do banco R. havia mais de 24 anos; o primeiro A. e a sua falecida mulher tinham depositada no banco R., em outubro de 2004, a quantia de € 500 000,00; no início do ano de 2004, na sequência de mais uma auditoria às contas do banco R., o Banco de Portugal ordenou que este reforçasse os seus capitais próprios, através de um aumento de capital subscrito pelos respetivos acionistas; foi, nessa altura, engendrado um plano ao mais alto nível, pela cúpula dirigente do banco R., com vista ao empossamento, pelo mesmo, de grande parte das quantias que os seus clientes, como o A., ainda ali tinham depositadas; o plano assentava em três pilares fundamentais: a) captação, pela “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”, de cinquenta milhões de euros através de um empréstimo obrigacionista, denominado “SLN – Rendimento Mais 2004”, por “emissão de 1.000 obrigações subordinadas, sob forma escritural e ao portador, com o valor nominal de €50.000,00 cada”; b) emissão de obrigações a dez anos, a amortizar, ao par, de uma só vez, em 25/10/2014; c) instruções rigorosas a todos os funcionários do banco, nomeadamente aos gerentes e aos gestores de conta, para seduzirem os depositantes do banco para o novo produto, que devia ser vendido como um sucedâneo de um mero depósito a prazo e que, como tal, pudesse ser movimentado sempre que o respetivo titular assim o desejasse; no dia 11.10.2004 o primeiro A. recebeu um telefonema de um funcionário do banco R., o qual lhe disse que tomara a liberdade de, em nome daquele, subscrever 10 (dez) obrigações “SLN – Rendimento Mais 2004”, apropriando-se para o efeito da quantia de € 500 000,00 que o mesmo, juntamente com a sua falecida mulher, tinha no referido depósito a prazo; não foi pedida ao primeiro A. nem à sua falecida mulher autorização para a realização de tal operação, nem lhes foi solicitada a assinatura de qualquer boletim de subscrição; o primeiro A. e a sua falecida mulher nunca se conformaram com a subscrição dos títulos aqui em causa, feita à sua revelia pelos funcionários do banco R.; e só se calaram porque lhes foi afiançado pelos mesmos que o retorno das quantias subscritas era garantido pelo próprio banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características; tendo os funcionários do banco referido de que se tratava de um produto sem qualquer risco e que podia ser resgatado a qualquer altura, com o que apenas sofreria, como sucede nos depósitos a prazo, uma penalização nos juros; o primeiro A. nunca se conformou com a operação aqui relatada e nunca teria aceitado a subscrição de 10 (dez) obrigações “SLN – Rendimento Mais 2004”, se lhe tivessem sido bem explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido; a “SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”, entretanto denominada “Galilei, SGPS, S.A.”, não pagou as obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2004 na data do seu vencimento, em 24.10.2014; a “Galilei, SGPS, S.A.” foi declarada insolvente por sentença de 29/06/2016, proferida pelo Tribunal da Comarca de Lisboa, 1.ª Secção de Comércio-J4, no âmbito do processo número 23449/15.0T8LSB; a declaração de insolvência levará à liquidação do ativo da devedora, sendo certo que, por o crédito dos autores ser um crédito subordinado, estes só receberão alguma coisa depois de todos os credores comuns terem recebido a totalidade do seu crédito, o que seguramente nunca acontecerá; por estes motivos, os AA. desinteressaram-se por completo do recebimento de quaisquer quantias por parte da “Galilei, SGPS, S.A.”, e, por essa razão, demandam neste processo apenas o banco R., de quem exigem o pagamento da quantia que lhes é devida.

2. O R. contestou, arguindo as exceções de caso julgado (ou da sua autoridade) – alegando que a presente causa era a repetição da que fora julgada no âmbito do Processo nº 3759/15.7T8LRA – e de prescrição, mais tendo impugnando, de forma motivada, parte da factualidade alegada pelos autores.

3. A convite do tribunal, os AA. responderam, pronunciando-se no sentido da improcedência das invocadas exceções.

4. Em 11.11.2024 foi proferido saneador-sentença no qual se julgou procedente a exceção de caso julgado e, nessa sequência, se absolveu o R. do pedido.

5. Os AA. apelaram da aludida sentença e, por acórdão de 25.3.2025, a Relação de Coimbra revogou a decisão referida em 4 e determinou que os autos prosseguissem os seus termos.

6. O R. interpôs recurso de revista contra o aludido acórdão, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1. Vem o Banco-Réu interpor o presente recurso do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que, dando procedência ao alegado pelos Recorridos AA, BB e CC, veio revogar o despacho recorrido e ordenar o prosseguimento dos autos.

2. Todavia, apesar do respeito, o maior pela decisão proferida, não podemos deixar de com ela discordar pelas razões que passaremos a enunciar infra, adiantando desde já prender-se essencialmente com a tríplice identidade que a exceção de caso julgado exige, sobretudo, com a identidade de sujeitos.

3. A exceção de caso julgado constitui uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, nos termos dos artigo 577.º, alínea i) e 578.º, ambos do CPC, que se traduz num pressuposto processual negativo cuja função consiste em impedir o prosseguimento do processo com o objetivo de evitar que o Tribunal se veja na contingência de proferir decisão de mérito que contrarie ou repita uma outra, anterior e definitiva, conduzindo à absolvição da instância nos termos do artigo 576.º, n.º 2 do CPC.

4. Para que o caso julgado se imponha fora do processo, vinculando o juiz e as partes, é indispensável que se verifiquem os requisitos do artigo 581.º do CPC, isto é, que entre a ação em que se formou o caso julgado e ação em que se pretende fazer projetar a sua eficácia se verifiquem as três identidades previstas no referido preceito legal: sujeitos, pedido e a causa de pedir.

5. Para existir identidade dos sujeitos, a lei não exige a presença das mesmas e concretas pessoas físicas ou jurídicas nas duas causas, mas que as partes sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

6. No presente processo, a única diferença que se verifica em relação ao processo n.º 3759/15.7T8LRA, é o facto, de agora o Autor AA se fazer acompanhar dos seus filhos, BB e CC. No entanto, é importante ter em consideração que a esposa do 1.º Autor e mãe dos 2.º e 3.º Autores faleceu em ... de maio de 2014, ou seja, antes de ser intentada a ação que deu origem ao processo n.º 3759/15.7T8LRA, uma vez que a entrada da Petição Inicial no referido processo ocorreu a 13 de dezembro de 2015.

7. Nesta senda, não restam dúvidas de que a introdução destes dois Autores mais não é do que uma ostensiva forma capciosa de os Recorridos fazerem renascer um processo, com exata entidade de pedido e causa de pedir, mas com a diferença (aparente) de sujeitos processuais.

8. Constata-se, da leitura das duas petições iniciais, que o Autor AA foi informado por um funcionário do Banco Recorrente que teria subscrito as obrigações SLN Rendimento Mais 2004 em seu nome, sendo que “só se calou” porque lhe terá sido afiançado pelos funcionários do Banco Recorrido que o retorno das quantias subscritas era garantido pelo próprio banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características. Tudo isto com base no incumprimento contratual, por banda do Banco Recorrido, dos deveres de informação que lhe incumbem enquanto intermediário financeiro.

9. Sendo que em ambos os processos, os Recorridos pretendem exatamente o mesmo – obter uma indemnização em virtude da violação dos deveres de informação do Banco – seria um formalismo ou artifício inaceitável e contrário à segurança jurídica não considerar preenchido o requisito da identidade das partes e admitir que fosse discutida novamente, a mesma causa.

10. A isto acresce que, qualquer tipo de alegada viciação na vontade e/ou alegada falta de formação, sempre seria de aferir na pessoa do subscritor das Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, leia-se o Recorrido AA – que foi precisamente o que aconteceu naquele processo!

11. Sem prejuízo do alegado, sempre se dirá que atuando os Autores na qualidade de herdeiros, verifica-se na mesma a identidade de sujeitos, pelo facto de os 2.º e 3.º Autores demandarem enquanto herdeiros de alguém que não pode estar na demanda por ter falecido, mas que já tinha falecido à data da primeira demanda.

12. Nesta senda, verifica-se a exceção dilatória de caso julgado, prevista no artigo 577.º, alínea i), não sendo lícito, portanto, ao 1.º Autor, em nova ação e depois de ter sido proferida decisão de mérito na primeira, vir pretender que seja de novo submetida a julgamento aquela mesma relação, sob pena de ficar completamente prejudicada a paz jurídica que o instituto de caso julgado pretende salvaguardar.

Termos em que se conclui pela admissão do presente recurso, e sua procedência, e, por via dele, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que julgue verificada a exceção de caso julgado e, consequentemente, absolva o Banco Recorrente, assim se fazendo... JUSTIÇA!”

7. Os AA. contra-alegaram, tendo formulado as seguintes conclusões:

“A. Deverá ser mantido na íntegra o douto acórdão recorrido, por se tratar de um brilhante aresto, bem elaborado e melhor fundamentado.

B. Ao contrário do que propugna o recorrente, inexiste, entre a ação de processo comum n.º 3759/15.7T8LRA (que correu termos pelo Juiz 15 do Juízo Central Cível de Lisboa) e a presente, identidade de sujeitos, “sendo as mesmas partes do ponto de vista da qualidade jurídica”.

C. Como estatui o n.º 1 do artigo 580.º do C.P.C., o caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, decidida por sentença transitada em julgado.

D. Os limites do caso julgado são determinados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença: os sujeitos, o objeto e a causa de pedir.

E. Os efeitos do caso julgado reportam-se à própria decisão e não aos respetivos fundamentos, muito menos aos fundamentos de facto, e, menos ainda aos factos declarados não provados em pretérita ação judicial.

F. A exceção dilatória do caso julgado, refletindo a função negativa do caso julgado, pressupõe a verificação cumulativa da tríplice identidade de sujeitos, pedidos e causas de pedir, nos termos do art.º 581.º do CPC.

G. A decisão proferida em qualquer ação judicial uma vez transitada, adquire força de caso julgado, mas apenas entre as partes e não em relação a terceiros, que não foram ouvidos em juízo.

H. Só se repete uma causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

I. Não se verifica identidade de sujeitos se a 1.ª ação foi intentada apenas pelo viúvo e a 2.ª por ele acompanhado dos seus filhos, na qualidade de herdeiros da decessa.

J. O caso julgado abrange os sujeitos que puderam exercer o contraditório sobre o objeto da decisão; dito de outro modo, os limites subjetivos do caso julgado coincidem com os limites subjetivos do próprio objeto da decisão.

K. No caso dos autos, não se verifica identidade de sujeitos porquanto, na ação n.º 3759/15.7T8LRA, foram partes o aqui 1.º autor (também como autor) e o aqui réu (também como réu), enquanto nos presentes autos, são autores o aqui 1.º autor, conjuntamente com os seus dois filhos, BB e CC.

L. Pelo que, sempre os autores podem, como fizeram, instaurar nova ação, sem que se lhes possa opor vitoriosamente nem a exceção de caso julgado, nem a autoridade de caso julgado,

M. Não podendo, por isso, de modo algum, a decisão proferida nos autos de processo comum n.º 3759/15.7T8LRA determinar os fundamentos da decisão que venha a ser proferida nos presentes.

N. Acresce que, a esposa do 1.º autor e mãe da 2.ª e do 3.º, faleceu em ....05.2014, deixando como únicos e universais herdeiros os autores.

O. As ações objeto dos presentes autos foram adquiridas pelo 1.º autor e pela sua falecida mulher, em 11.10.2004, ainda em vida desta,

P. Integrando o acervo hereditário deixado por óbito da mesma.

Q. Uma vez que os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros, exige-se, assim, a intervenção de todos os interessados na relação controvertida – litisconsórcio necessário ativo.

R. O interesse relevante em casos de litisconsórcio necessário é um interesse uno, incindível ou indivisível, sendo a falta de qualquer um dos interessados na relação controvertida motivo de ilegitimidade, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 33.º do Código de Processo Civil.

S. Não se verificando ocorrer, no caso vertente, identidade de sujeitos nas ações judiciais em referência, não ocorre exceção de caso julgado.

T. De igual modo, não ocorre a autoridade de caso julgado, que apenas pode ser oposta a quem seja tido como parte do ponto de vista da sua qualidade jurídica, como definido pelo artigo 581.º, n.º 2 do CPC.

U. De resto, seria absolutamente inconstitucional, por contrário à proibição de indefesa, prevista no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição e no artigo 3.º do Código de Processo Civil, que uma decisão vinculasse quem foi terceiro à causa.

V. No caso em apreço, ainda que se aceite que a questão trazida aos presentes autos tenha sido já apreciada e decidida no processo n.º 3759/15.7T8LRA, relativamente ao 1.º autor, não é concebível que a eficácia externa da decisão proferida nesse processo se estenda aos 2.º e 3.º autores, os quais não foram ali parte, nem são titulares da relação jurídica em causa naquele processo.

W. Os aqui 2.º e 3.º autores são terceiros juridicamente prejudicados, titulares de relações jurídicas independentes e incompatíveis com o caso julgado alheio, pelo que, como bem entendeu o tribunal recorrido, nenhuma razão haverá para serem por ele atingidos.

X. Impõe-se, assim, a total improcedência do presente recurso e a confirmação do in totum do douto acórdão recorrido.

Termos em que deverão V/ Exas. manter na íntegra o douto acórdão recorrido e julgar totalmente improcedente, por não provado, o presente recurso, com o que farão, como é timbre deste Colendo Supremo Tribunal, a já costumada JUSTIÇA!”.

8. Foram colhidos os vistos legais.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. O objeto desta revista consiste na avaliação da existência da exceção dilatória de caso julgado.

2. O factualismo a levar em consideração é o supra relatado em I, e ainda o seguinte:

a. Em 13.11.2015 o ora 1.º A., no estado de viúvo, intentou ação declarativa de condenação com processo comum contra o Banco BIC Português S.A., pedindo que o R. fosse condenado a restituir ao A. a quantia de € 504 249,32, acrescida de juros vincendos, à taxa supletiva legal para as operações comerciais, até integral e efetivo pagamento, bem como em custas e em procuradoria condigna.

O A. fundamentou a sua pretensão alegando o seguinte:

O R. é um banco comercial que girava anteriormente sob a denominação “BPN – Banco Português de Negócios, S.A.”; a totalidade do capital social do banco em causa (BPN) era detida, na íntegra, pela sociedade então denominada “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A; o A. era um simples aforrador que tinha no banco R. um depósito a prazo, sendo o A. cliente do banco R. havia mais de 12 anos; o A. tinha depositada no banco R., em outubro de 2004, a quantia de € 500 000,00; no início do ano de 2004, na sequência de mais uma auditoria às contas do banco R., o Banco de Portugal ordenou que este reforçasse os seus capitais próprios, através de um aumento de capital subscrito pelos respetivos acionistas; foi, nessa altura, engendrado um plano ao mais alto nível, pela cúpula dirigente do banco R., com vista ao empossamento, pelo mesmo, de grande parte das quantias que os seus clientes, como o A., ainda ali tinham depositadas; o plano assentava em três pilares fundamentais: a) captação, pela “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”, de cinquenta milhões de euros através de um empréstimo obrigacionista, denominado “SLN – Rendimento Mais 2004”, por “emissão de 1.000 obrigações subordinadas, sob forma escritural e ao portador, com o valor nominal de €50.000,00 cada”; b) emissão de obrigações a dez anos, a amortizar, ao par, de uma só vez, em 25/10/2014; c) instruções rigorosas a todos os funcionários do banco, nomeadamente aos gerentes e aos gestores de conta, para seduzirem os depositantes do banco para o novo produto, que devia ser vendido como um sucedâneo de um mero depósito a prazo e que, como tal, pudesse ser movimentado sempre que o respetivo titular assim o desejasse; no dia 11.10.2004 o A. recebeu um telefonema de um funcionário do banco R., o qual lhe disse que tomara a liberdade de, em nome daquele, subscrever 10 (dez) obrigações “SLN – Rendimento Mais 2004”, apropriando-se para o efeito da quantia de € 500 000,00 que o mesmo tinha no referido depósito a prazo; não foi pedida ao A. autorização para a realização de tal operação, nem lhe foi solicitada a assinatura de qualquer boletim de subscrição; o A. nunca se conformou com a subscrição dos títulos aqui em causa, feita à sua revelia pelos funcionários do banco R.; e só se calou porque lhe foi afiançado pelos mesmos que o retorno das quantias subscritas era garantido pelo próprio banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características; tendo os funcionários do banco referido de que se tratava de um produto sem qualquer risco e que podia ser resgatado a qualquer altura, com o que apenas sofreria, como sucede nos depósitos a prazo, uma penalização nos juros; o A. nunca se conformou com a operação aqui relatada e nunca teria aceitado a subscrição de 10 (dez) obrigações “SLN – Rendimento Mais 2004”, se lhe tivessem sido bem explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido; a “SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”, entretanto denominada “Galilei, SGPS, S.A.”, não pagou as obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2004 na data do seu vencimento, em 24.10.2014; a “Galilei, SGPS, S.A.” apresentou um Processo Especial de Revitalização, pelo que o A. se desinteressou por completo do recebimento de quaisquer quantias por parte da “Galilei, SGPS, S.A.”, e, por essa razão, demanda neste processo apenas o banco R., de quem exige o pagamento da quantia que lhe é devida.

b. Foi proferida sentença, na ação referida em b., em que se julgou a ação improcedente e, em consequência, se absolveu o R. do pedido.

c. Após diversas vicissitudes processuais, no decurso das quais a Relação de Lisboa julgou a ação parcialmente procedente, condenando o R. a restituir ao A. a quantia de € 500 000,00, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação, à taxa legal, até integral e efetivo pagamento, em 18.4.2023 o Supremo Tribunal de Justiça proferiu acórdão, transitado em julgado, no qual, julgando procedente a revista interposta pelo banco R., revogou o acórdão recorrido, que substituiu por decisão a julgar a ação totalmente improcedente e absolver o banco R. de todos os pedidos formulados.

3. O Direito

Existe caso julgado quando a apreciação jurisdicional de uma determinada questão ganha foros de definitividade, sendo insuscetível de recurso ordinário ou de reclamação (art.º 628.º do CPC), ficando a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º do CPC (caso julgado material – art.º 619.º n.º 1 do CPC), ou apenas dentro do processo (caso julgado formal – art.º 620.º do CPC).

Como já dizia o Prof. Alberto dos Reis em meados do século passado, ”a razão da força e autoridade do caso julgado é a necessidade da certeza do direito, da segurança nas relações jurídicas. Desde que uma sentença, transitada em julgado, reconhece a alguém certo benefício, certo direito, certos bens, é absolutamente indispensável, para que haja confiança e segurança nas relações sociais, que esse benefício, esse direito, esses bens constituam aquisições definitivas, isto é, que não lhe possam ser tirados por uma sentença posterior” (Código de Processo Civil anotado, volume III, reimpressão, 1985, Coimbra Editora, pág. 94). De igual modo, não pode sentença posterior compelir alguém ao cumprimento de uma obrigação de que sentença anterior, transitada em julgado, o havia absolvido, posto que não tenha ocorrido posteriormente à sentença facto cuja não verificação motivara o decaimento (art.º 621.º do CPC).

Visa-se, conforme decorre do art.º 580.º do CPC, evitar a repetição de uma causa, repetição essa que ocorre quando se propõe ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (art.º 581.º do CPC).

No caso concreto destes autos, é manifesto que entre a causa atualmente pendente e aqueloutra que foi definitivamente julgada pelo mencionado acórdão do STJ de 18.4.2023 existe identidade de pedido e de causa de pedir.

A questão põe-se em relação à identidade dos sujeitos.

Sobre a identidade dos sujeitos, o art.º 581.º n.º 2 do CPC explicita que “Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica”.

Assim, o que releva é a identidade da titularidade da situação jurídica, independentemente da identidade da concreta pessoa física ou jurídica que intervém nas sucessivas ações. O adquirente ou cessionário do direito que constituiu objeto de ação anteriormente proposta pelo transmitente ou cedente desse direito ocupa posição juridicamente idêntica à do transmitente ou cedente, em ação que o adquirente ou cessionário venha ulteriormente a instaurar com o mesmo objeto (cfr., v.g., Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 4.ª edição - reimpressão, 1985, Coimbra Editora, pág. 98). O mesmo se passará no caso de sucessão mortis causa, ocorrida entre o primitivo autor e o herdeiro, atinente ao objeto de uma ação ulteriormente instaurada pelo herdeiro (Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 98).

Conforme refere o recorrente, na apreciação da identidade das partes para aplicação da exceção dilatória do caso julgado, os tribunais não se atêm a critérios estritamente formais.

No acórdão do STJ, de 24.02.2015, processo n.º 915/09.0TBCBR.C1.S1 (citado pelo recorrente), em sumário, exarou-se o seguinte: “Para averiguar o preenchimento do requisito da identidade de sujeitos, deve atender-se, não a critérios formais ou nominais, mas a um ponto de vista substancial, ou seja, ao interesse jurídico que a parte concretamente actuou e actua no processo”. Nesta linha de pensamento, nesse acórdão, no âmbito de duas sucessivas ações de reivindicação, considerou-se que havia identidade de sujeitos entre ações em que, na segunda ação, para além da R. BB (uma associação privada de fiéis), que interviera sozinha na primeira ação, intervinham também (na segunda ação), como RR., CC, que era uma fundação sub-rogada nos direitos de BB, sua instituidora, DD, que era representante da fundação, não alegando qualquer direito em seu nome, e EE, que era a representante legal de BB, não alegando qualquer direito em seu nome próprio. Neste quadro, entendeu-se que CC, DD e EE não representavam, face a BB, uma individualidade jurídica distinta relevante, para o efeito de arredar a identidade das partes elemento da exceção de caso julgado.

No acórdão da Relação de Guimarães, de 30.3.2023, processo n.º 1254/20.1T8BRG.G2, também citado pelo recorrente, analisou-se a seguinte situação: uma primeira ação foi intentada por A contra dois RR., pedindo a anulação de um contrato de dação em pagamento, por alegada simulação. Essa ação foi julgada improcedente. Posteriormente, a mesma A. intentou ação contra os mesmos RR. e, ainda, contra mais sete irmãos, formulando o mesmo pedido e pedindo ainda a anulação de um outro acordo, associado ao primeiro. A Relação entendeu que ocorria identidade quanto às partes, na medida em que, analisadas as posições substantivas de todos os intervenientes, apenas as situações jurídicas da A. e dos dois primeiros RR. estavam em causa na ação, sendo o desfecho da ação irrelevante para os restantes RR.

Finalmente, continuando a analisar os arestos citados pelo recorrente, vejamos o acórdão proferido pelo STJ em 26.4.2023, processo n.º 1798/22.0T8STB.E1.S1. Nesse processo considerou-se que existia identidade jurídica, enquanto partes, entre, por um lado, um município e uma freguesia, demandados numa determinada ação de reivindicação, e, por outro lado, um grupo de cidadãos, que ulteriormente haviam instaurado uma ação popular em defesa dos interesses patrimoniais públicos cuja defesa cabia àquelas entidades autárquicas.

Voltemos, agora, a nossa atenção para a jurisprudência citada pelos recorridos.

No acórdão do STJ de 30.3.2017, processo n.º 1568/09.1TBGDM.P1.S1, estava em causa uma nova ação de reivindicação proposta, não só pelos primitivos autores, mas também, agora, pelos seus cônjuges, que não haviam intervindo na primeira ação como autores, nem lhe haviam dado o seu consentimento. O STJ considerou que havia caso julgado quanto aos primitivos autores, mas não quanto aos seus cônjuges, nem quanto a outras pessoas que, na nova ação, haviam sido chamadas como intervenientes principais.

Transcreve-se os pontos IV e V do respetivo sumário:

IV. Para a aferição da excepção dilatória de caso julgado, verifica-se diversidade parcial de sujeitos quando, a par dos autores que intervieram formalmente na primeira acção, surgem na segunda acção como co-autores os respectivos cônjuges e, além disso, é requerida e deferida a intervenção principal provocada activa de outros co-interessados.

V. Em tais circunstâncias, a excepção de caso julgado apenas abarca os sujeitos que intervieram como co-autores na primeira acção e não afecta o prosseguimento da mesma na parte que respeita aos demais co-autores para apreciação do mérito da respectiva pretensão material”.

No acórdão do STJ proferido em 30.4.2019, processo n.º 4435/18.4T8MAI.S1, considerou-se que não havia identidade jurídica entre R. que, numa primeira ação, interviera exclusivamente na qualidade de tutora de um interdito, e, numa segunda ação, havia sido demandada em nome próprio, além de na qualidade de tutora do referido interdito.

No acórdão do STJ proferido em 18.02.2021, processo n.º 3159/18.T8STR.E1.S1, analisou-se a seguinte situação:

Foi instaurada uma ação por um A., casado, contra um banco, pedindo a restituição do valor de um depósito de que o A. e a mulher eram titulares. A ação foi julgada improcedente. O mesmo A. instaurou, contra o mesmo banco, nova ação, agora acompanhado da esposa. O STJ considerou que “a Autora não tem a “mesma qualidade jurídica” que o Autor; ela é portadora de um interesse próprio e autónomo do Autor marido, e não tendo intervindo na 1ª acção não se verifica quanto a ela a excepção de caso julgado”.

Finalmente, vejamos o acórdão do STJ, de 23.9.2021, processo n.º 1201/19.3T8LRA.C1.S1.

Um casal instaurou uma ação contra um banco, pedindo a condenação solidária deste no pagamento de indemnização pela perda de um depósito de que os AA. eram contitulares no banco. A ação foi julgada improcedente. O casal instaurou nova ação contra o banco, desta vez acompanhado dos dois filhos, alegadamente contitulares da mesma conta.

Aqui se respiga, do respetivo sumário, o seguinte:

V. Estão excluídos da identidade subjectiva aqueles que podendo participar da acção em litisconsórcio voluntário o não fizeram, sendo, no entanto, de admitir a coincidência parcial entre sujeitos quanto àqueles que concretamente estiveram na causa; mas já se terá de entender haver identidade subjectiva nos casos de litisconsórcio voluntário que seja unitário, porquanto neste cada interessado processual representa, em substituição processual, todos os demais interessados não partes do processo, que ficam sujeitos aos efeitos da sentença.

VI. A pluralidade activa de partes na acção destinada a obter a reparação do prejuízo decorrente da actuação do banco na aquisição de valores mobiliários configura uma situação de litisconsórcio voluntário.

VII. Há identidade (parcial) de sujeitos se na primeira acção os Autores (casal) actuam como co-titulares exclusivos de uma conta bancária que veio a ser utilizada para a aquisição de instrumentos financeiros e na segunda acção se apresentam como Autores o mesmo casal e dois filhos, invocando agora que são eles os co-titulares exclusivos daquela conta”.

Tendo em consideração o acima exposto, vejamos o caso destes autos.

Na primeira ação o A., viúvo, demandou o banco sozinho, invocando ser o titular do depósito a prazo de que o banco, alegadamente, se havia apoderado abusivamente, adquirindo, em nome do A., instrumentos financeiros sem qualquer valor.

Nesta segunda ação o A., acompanhado dos seus dois filhos, alegou que o aludido depósito era contitulado por si e pela sua mulher, falecida após o banco R. se ter apoderado abusivamente do respetivo valor, nos termos já indicados na primeira ação. Invocou que tanto ele como os seus dois filhos são os herdeiros da falecida esposa.

Face a esta situação o tribunal a quo ponderou, no acórdão recorrido, que “não pode considerar-se que os sujeitos, do ponto de vista da sua qualidade jurídica, são os mesmos.

Vejamos.

No primeiro processo, existia apenas um autor, que formulou um pedido com base num suporte factual que não abarca qualquer relação jurídica em que a respectiva esposa (já falecida, à data) tivesse intervenção.

Na presente acção, intervêm outros sujeitos processuais, para além do primeiro autor, na qualidade de herdeiros da falecida DD, estando, por isso, em causa direitos que poderiam ter integrado a esfera jurídica da mesma, logo, passíveis de ser transmitidos por via sucessória (art. 2024º do Código Civil).

Deste modo, os elementos a que o art. 581º do C.P.C. se refere não coincidem na sua totalidade, em particular ao nível dos sujeitos processuais, pelo que não se verifica a exceção dilatória (caso julgado) que a 1ª instância julgou procedente.

Atentos os motivos apontados, deve o recurso proceder, com as consequências legais”.

Na sua singeleza, cremos que o acórdão recorrido disse quase tudo o necessário e suficiente. Os 2.º e 3.º AA. intervêm na qualidade de sucessores por herança da sua mãe, esta que era alegadamente contitular de um depósito a prazo no banco R., de que o banco, alegadamente, se apoderou indevidamente. Enquanto herdeiros, os 2.º e 3.º RR. são, juntamente com o 1.º A., também herdeiro da falecida esposa (artigos 2024.º, 2132.º, 2133.º, n.º 1, al. a) do Código Civil), titulares de posição jurídica que não foi levada à apreciação jurisdicional na primeira ação instaurada. Daí que, nessa medida, não se verifica a suposta identidade das duas ações quanto aos sujeitos.

Nesta linha, veja-se o disposto no art.º 531.º do Código Civil, quanto à solidariedade entre credores: o caso julgado entre um dos credores e o devedor não é oponível aos outros credores, embora possa ser oposto por estes ao devedor, sem prejuízo das exceções pessoais que o devedor tenha o direito de invocar em relação a cada um deles.

Note-se que o 1.º A. não está, face ao direito adjetivo, inibido de invocar em ulterior ação esta nova situação, a da contitularidade do depósito bancário juntamente com a sua esposa, o falecimento desta e a consequente abertura da sucessão, abrangendo o 1.º A. e os seus dois filhos. O autor não está sujeito ao ónus da preclusão, pelo menos na mesma medida que o réu, que está sujeito ao ónus da preclusão na apresentação da sua defesa (art.º 573.º do CPC) -neste sentido, cfr., na doutrina, v.g., Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 2.ª edição, 1997, página 585 e 586; na jurisprudência, v.g., acórdão do STJ, de 23.9.2021, processo n.º 1201/19.3T8LRA.C1.S1.

Assim, o A. apenas está inibido, nessa parte havendo caso julgado, de peticionar, nesta causa, qualquer direito na qualidade de titular do aludido depósito, qualidade essa que invocou na pretérita ação, em que naufragou.

Apenas nessa medida a revista é, pois, procedente.

III. DECISÃO

Pelo exposto, julga-se a revista parcialmente procedente e, consequentemente, altera-se o acórdão recorrido nos seguintes termos:

a) Julga-se verificada a exceção dilatória do caso julgado quanto ao 1.º A., no que concerne aos seus invocados direitos perante o R. enquanto titular do depósito bancário objeto da causa, nessa se parte absolvendo o R. da instância;

b) No mais, confirma-se o acórdão recorrido.

As custas da revista, na vertente das custas de parte, são a cargo do banco recorrente e do 1.º A., na medida em que ambos decaíram parcialmente, fixando-se a proporção em ½ pelo R. e ½ pelo 1.º A. (artigos 527.º n.ºs 1 e 2, 528.º n.º 3, 607.º n.º 6 e 533.º do CPC).

Lx, 16.12.2025

Jorge Leal (Relator)

Maria João Vaz Tomé

Nelson Borges Carneiro