NULIDADE DA SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
COLIGAÇÃO ACTIVA
EMBARGOS DE TERCEIRO
Sumário


I – Pode conduzir à nulidade da sentença prevista no art.º 615.º n.º 1 al. b) do C.P.C. não só a absoluta falta de fundamentos de facto ou de direito, como também a sua insuficiência grave, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões da decisão judicial. Diferente da falta ou insuficiência grave da fundamentação são os argumentos e as razões jurídicas (alegadas pelas partes ou utilizadas pelo julgador), que não têm imperativamente que ser integralmente rebatidas sob pena de nulidade, bem como a mera discordância com a fundamentação da decisão.
II – Na coligação há distintas relações materiais, vários litígios distintos, uma cumulação de acções, mas com pontos em comum que justificam a sua tramitação conjunta num único processo, sob certas condições estabelecidas no art.º 36.º do C.P.C.. Não preenche estas condições, sendo por isso ilegal, a coligação de terceiros embargantes quando cada um deles invoca factos aquisitivos distintos e autónomos entre si, relativamente a cada um dos bens apreendidos.

Texto Integral


Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães,

I – Relatório

AA, residente na Rua ..., ..., ..., EMP01... - UNIPESSOAL LDA, com sede na Rua ..., ..., ..., ... e BB, residente na Rua ..., ..., ..., ..., por apenso ao procedimento cautelar nominado de arresto preventivo n.º 130/22.8T9VNF-C, vieram deduzir os presentes embargos de terceiro, em que são embargados CC, EMP02..., Unipessoal Lda. e DD, pedindo que seja ordenado o levantamento do arresto preventivo decretado sobre os seguintes bens, quota e saldos bancários:

a) todas as existências, mobiliário de escritório, incluindo secretárias, cadeias, computadores incluindo servidores, impressoras, fotocopiadoras, etc., máquinas e mobiliário que se encontrem no interior da EMP01... UNIPESSOAL, L.DA., com sede na Rua ..., ..., na freguesia ..., concelho ..., cujo giro é feito com o nome comercial de “EMP03...”;
b) quota da sociedade EMP01... UNIPESSOAL, L.DA, NIPC ...56, com sede na Rua ..., ..., na freguesia ..., concelho ..., cujo giro é feito em nome comercial de “EMP03...”;
c) casa de habitação de ..., andar e quintal, sita na Rua ..., na freguesia ..., concelho ..., prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...28 e inscrito na matriz sob o artigo ...85 da referida freguesia ...;
d) veículo automóvel marca ..., matrícula ..-..-RE;
e) todos os saldos das contas bancárias que a citada AA (NIF ...71) e a sociedade EMP01... Unipessoal, L.da (NIPC ...56), possuem e que se encontram domiciliadas na Banco 1..., com sede na Avenida ..., ... ....
Para tanto, alegaram que tais bens, a quota e saldos bancários não são pertencentes aos aí requeridos, sendo antes propriedade sua, assim individualizada:
- os bens indicados em a) integram o estabelecimento comercial da 2.ª embargante;
- a quota referida em b) e a casa de habitação identificada em c) pertencem à 1.ª embargante AA;
- o veículo indicado em d) é propriedade do 3.º embargante BB;
- os saldos bancários identificados em e) pertencem às 1.ª e 2.ª embargantes.

*
Admitidos liminarmente os presentes embargos e citados os embargados, em 07/10/2024 foi apresentada contestação por CC, na qual, além do mais, excepcionou a ilegalidade da coligação de embargantes.
*
Os embargantes responderam a esta excepção, pugnando pela sua não verificação.
*
Finda a fase dos articulados foi proferido despacho saneador em 02/07/2025, no qual foi concedido provimento à mencionada excepção dilatória de coligação activa ilegal, com a consequente absolvição da Embargada da instância.
Fundamentou o tribunal de primeira instância a referida decisão, em suma, na circunstância de, nos presentes embargos, não estarmos perante a mesma causa de pedir respeitante a cada um dos embargantes, nem os pedidos dependerem da interpretação das mesmas regras de direito. Estas variam em função da causa de aquisição, pelo que cada sujeito titular terá que deduzir embargos de terceiro de forma individualizada, em relação aos bens de que se arroga proprietário e/ou possuidor.
*
Inconformados com esta parte do despacho saneador, dele interpuseram os embargantes o presente recurso, pedindo que seja julgada verificada a nulidade da decisão e, consequentemente, que seja revogado o despacho saneador, substituindo-se o mesmo por outro que admita a coligação dos embargantes, determinando a sua admissão.

Para o efeito, formularam as seguintes conclusões:

1. O presente recurso tem por objecto o despacho saneador-sentença proferido em 02-07-2025, no qual o tribunal de 1.ª instância decidiu julgar-se verificada a excepção dilatória de coligação ilegal, e, em consequência, absolver-se a Embargada da instância;
2. Salvo melhor entendimento, o Tribunal a quo andou mal ao julgar procedente a excepção dilatória de coligação ilegal, prevista no artigo 577.º, alínea f), do CPC, absolvendo a Embargada da instância, nos termos do artigo 38.º, n.ºs 1 e 2 deste diploma;
3. A decisão recorrida não fundamenta, não se percebe o porquê da questão ser enquadrada por factos autónomos entre os Embargantes;
4. O Tribunal a quo limita-se a mencionar o artigo 36.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, sem realizar
qualquer esforço de confronto sério com a argumentação dos embargantes, que sustentaram, com base nesse mesmo artigo, a admissibilidade da coligação;
5. A decisão recorrida não explicita quais os factos e fundamentos concretos que justificam a conclusão de que a apreciação das pretensões dos embargantes não depende da análise dos mesmos factos nem da aplicação das mesmas regras de direito — afirma-o apenas, de forma apodítica, sem motivação suficiente;
6. A decisão recorrida nada refere se os pedidos formulados dependem da apreciação de um núcleo factual comum; se a análise da oponibilidade do direito de propriedade à medida de arresto consubstancia uma apreciação convergente entre os embargantes; nem tão-pouco considera o princípio da economia processual ou o risco de decisões contraditórias em caso de fracionamento processual;
7. Neste conspecto deve ser declarada a nulidade do despacho por falta de fundamentação, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, que se invoca e argui para todos os legais efeitos.
8. O Julgador a quo confunde a questão da alegada propriedade dos embargantes, quando na verdade, em todos os casos, esta decorre em cada situação de mera eficácia real dos respectivos contratos e o que todos tem em comum é, jamais a propriedade, mas antes e só a perpetrada ofensa à propriedade de todos que em coligação reagiram quanto à agressão.
9. A coligação dos embargantes permite o reconhecimento dos pressupostos processuais da ação, sem exigir que a causa de pedir seja a mesma e única para todos, na justa medida que a procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação dos mesmos factos e não ocorre qualquer obstáculo;
10. Para o apuramento da legitimidade releva apenas o pedido e a causa de pedir, tal como configurada pelo autor, pois está em causa um mero pressuposto processual, irrelevando, para esse estrito efeito, a prova dos factos e a apreciação do mérito da causa.
11. Contrariamente ao alegado na decisão recorrida, não existe qualquer ilegalidade de coligação e, ao contrário do decidido, o artigo 36.º do Código de Processo Civil é aplicável no caso sub judice;
12. Na coligação de autores e de réus não é exigível que a causa de pedir seja a mesma e única, como é o caso.
13. No caso sub judice é admissível a coligação ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 30.º e do artigo 36.º, ambos do CPC quando a procedência das diferentes pretensões depende da apreciação do mesmo núcleo factual essencial.
14. Não podemos descurar que todos os embargantes alegaram a aquisição dos bens por contratos de compra e venda, peticionando o levantamento do arresto.
15. Nesta perspectiva, embora sejam diferentes as causas de pedir, a procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação dos mesmos factos, ao reconhecimento da agressão ao direito de propriedade dos embargantes, e visto que nada obsta à coligação, nos termos do artigo 37.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – aos pedidos corresponde a mesma forma de processo, e não se vislumbra qualquer ofensa às regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia – sempre seria de admitir a coligação activa.
16. O disposto no artigo 36.º, n.º 2 do CPC refere que é lícita a coligação embora com diferente causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas.
17. No caso em apreço, embora os embargantes aleguem factos aquisitivos distintos, têm como núcleo comum o decretamento da mesma medida de arresto judicial, implicam a mesma apreciação da validade e eficácia dessa medida cautelar sobre bens alheios e dependem da análise da titularidade do direito de propriedade no momento do arresto, e da interpretação dos mesmos preceitos jurídicos, nomeadamente sobre o regime da posse e do registo predial (artigos 1268.º, 1269.º e 1277.º do CC, e artigos 5.º e 6.º do Código do Registo Predial).
18. Exigem, em termos probatórios, a mesma base fática essencial, ou seja, a avaliação de que os bens arrestados pertencem a terceiros alheios ao ilícito criminal, nos termos do artigo 342.º e seguintes do CPC.
19. O que está em causa não é apenas a origem do direito de propriedade, mas sim a sua oponibilidade ao arresto judicial: essa questão é comum a todos os embargantes, justificando o julgamento conjunto e evitando decisões contraditórias.
20. O instituto da coligação de autores (e de réus) é legitimado e suportado, além do mais, pela ideia da obtenção de ganhos em sede de economia processual, no sentido de se conseguir, com a menor actividade e intervenção dos tribunais, a resolução do maior número possível de pretensões dos interpelantes da justiça; o suprimento só é legal se visar e puder conseguir o prosseguimento da lide com as partes originárias em coligação, desenhada na petição inicial.
21. O Tribunal a quo ao decidir pela coligação ilegal viola os princípios da concentração da atividade processual, da celeridade e da economia de meios, além de contrariar o espírito do artigo 36.º do CPC.
22. Pelo que, o douto despacho saneador-sentença ora recorrido padece de erro de apreciação, interpretação e aplicação da lei, incorrendo em errada aplicação dos artigos 36.º, n.º 2, 38.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, e), do CPC, e consequentemente violação dos mesmos e do disposto nos artigos 342.º, 576.º, n.º 2 e 577.º/ f), todos do CPC;
23. Em razão do que antecede, deve o(a) douto(a) despacho saneador-sentença ser revogado e substituído por outro que admita a coligação dos embargantes, e, consequentemente, ordene que a acção prossiga para julgamento dos pedidos formulados no aperfeiçoamento da petição inicial.”.
*
Não foi apresentada resposta às alegações de recurso dos embargantes.
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, por se tratar de decisão que põe termo à causa e respeita, em parte, a propriedade e posse da casa de habitação da embargante.
*
Nesta Relação foi considerado o recurso corretamente admitido e com o efeito legalmente previsto.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
***
II – Das questões a decidir

O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente.
Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC).
Assim, as principais questões que importa apreciar e decidir, neste recurso, são as seguintes:
a) conhecer da nulidade da sentença invocada pelos recorrentes, por falta de fundamentação (prevista na alínea b) do nº 1 do art. 615º do C.P.C.);
b) saber se é ou não admissível, no caso concreto, a coligação activa de embargantes.
***
III – Fundamentação

III – I. Da Fundamentação de facto
Os factos que aqui importa considerar e que, em função dos elementos constantes dos autos, se mostram provados, são os acima descritos no relatório desta decisão, os quais, por razões de economia processual, se dão aqui por integralmente reproduzidos.
***
III - II. Do objeto do recurso
           
a) Nulidade da sentença:

Os recorrentes invocam que a decisão recorrida enferma da nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do art. 615º do C.P.C., respeitando a esta questão as conclusões 3.ª a 7.ª.
Para tanto, alegam, em suma, que a decisão recorrida não fundamenta a conclusão de que a apreciação das pretensões dos embargantes não depende da análise dos mesmos factos nem da aplicação das mesmas regras de direito.
Vejamos:
A nulidade aqui prevista ocorre quando a sentença “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” e constitui uma consequência directa do incumprimento do disposto no art.º 607.º n.º 3 do C.P.C., que estabelece que o juiz deve “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”.
Como tem vindo a ser entendido na doutrina e jurisprudência, pode conduzir a esta nulidade não só a absoluta falta de fundamentos de facto ou de direito [neste sentido, vide “Manuel de Processo Civil” de Antunes Varela, M. Bezerra e Sampaio e Nora, 2ª edição, 1985, pág. 687, e “Código de Processo Civil anotado” de José Lebre de Freitas, vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 669], como também a sua insuficiência grave, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial (neste sentido, Acórdão do STJ de 02/03/2011, Proc. nº 161/05.2TBPRD.P1.S1, Rel. Cons. Sérgio Poças, disponível em www.dgsi.pt.).
No caso em apreço, tratando-se de uma decisão sobre uma excepção dilatória cujo conhecimento não depende de produção de prova, apenas estão em causa os respectivos fundamentos de direito.
Relativamente a estes, na decisão recorrida foi exposto o seguinte:
Conforme se anotou no despacho de 29.05.2025, embora a necessidade de embargar tenha resultado do decretamento da medida de cautelar de arresto, os factos de onde deriva a titularidade do direito de propriedade dos Embargantes em relação a cada grupo de bens apreendidos – e que geram a controvérsia quanto a essa matéria e justificam a propositura dos embargos – são autónomos entre si.
Com efeito, não obstante estar em causa, nos embargos de terceiro com fundamento no direito de propriedade, a determinação da existência desse direito na esfera de cada um dos embargantes, essas causas de aquisição são necessariamente diferentes, como, aliás, resulta patente do requerimento com a REFª: ...37, onde, a respeito de cada um dos bens arrestados à Embargante AA (saldos de contas bancárias, prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...28 e quota social), à Embargante EMP01... - Unipessoal, Lda (bens móveis e saldos bancários) e ao Embargante BB (veículo automóvel com a matrícula ..-..-RE), houve lugar à identificação da origem do facto aquisitivo do direito de propriedade, todos distintos entre si, e sem ligação entre os mesmos.
Nesta medida, consoante o sujeito titular, deverá cada um intentar, em relação aos bens de que se arroga proprietário e/ou possuidor, a ação de forma individualizada, pois que não se trata nem da mesma causa de pedir, nem os pedidos dependem da interpretação das mesmas regras de direito, na medida em que estas variam em função da causa de aquisição.
De outro modo, independentemente do número de bens atingido pela decisão de arresto e de quantos fossem os sujeitos arrestados e das especificidades das causas de aquisição, os embargantes poderiam, em todas as situações, coligar-se entre si, já que, nos embargos de terceiro, está sempre em questão a reação à apreensão judicial decretada pelo arresto e a apreciação de atos de posse e da titularidade do direito de propriedade.
Trata-se de solução que não se perfilha: como se disse, a inexistência de coincidência subjetiva dos destinatários da decisão judicial de arresto, em cuja esfera jurídica os bens ingressaram com fundamento em factos aquisitivos distintos entre si (e sem conexão entre os mesmos), impede a coligação entre os arrestados”.
Ora, analisada esta fundamentação é manifesto que da mesma se alcança de forma clara e cristalina as razões que levaram à decisão final, a qual é de resto uma consequência lógica daqueles fundamentos.
Com efeito, a posição assumida pelo tribunal de primeira instância tem por base o entendimento aí manifestado de que os factos aquisitivos do invocado direito de propriedade dos embargantes são autónomos entre si, não tendo ligação uns com os outros. Ou seja, a causa de pedir é distinta, tal como são distintas, naturalmente, as regras de direito a interpretar para cada pedido, consoante o respectivo facto aquisitivo, levando por isso à ilegalidade da coligação.
Ao contrário do que defendem os recorrentes, estão assim devidamente explicitados os fundamentos concretos que levaram à decisão proferida: o núcleo factual de que emerge a pretensão de cada um dos embargantes é distinto, tendo apenas como elemento convergente a existência de uma apreensão (no presente caso um arresto) determinada no âmbito do mesmo processo.
Questão diversa e que já não se prende com a apontada nulidade por falta de fundamentação está na apresentação pelo tribunal de primeira instância de distintas razões jurídicas das defendidas pelos recorrentes, com vista a fundamentar a decisão proferida.
Por outras palavras, diferente da falta ou insuficiência grave da fundamentação são os argumentos, as razões jurídicas (alegadas pelas partes em favor dos seus pontos de vista ou utilizadas pelo julgador), que não têm imperativamente que ser integralmente rebatidas sob pena de nulidade.
Também distinta é, naturalmente, a questão da discordância com a fundamentação da decisão. Se foi ou não correcta a argumentação e decisão de direito alcançada é questão que não se prende já com a existência de qualquer nulidade da sentença, mas sim com a materialidade do litígio, com o assunto de fundo, que, como tal, trá que ser objecto de apreciação no âmbito da análise questão seguinte.
Mas a verdade é que o tribunal fundamentou de forma absolutamente suficiente, compreensível e inteligível a decisão tomada, dando assim cumprimento ao disposto na segunda partes do n.º 3 do art.º 607.º do C.P.C..
Como tal, não se verifica a nulidade em análise.
*
b) Coligação de embargantes:

Passemos, agora, à segunda questão: saber se se a coligação activa de embargantes é, no caso concreto, ilegal, como decidiu a primeira instância.
A esta questão referem-se as conclusões 8.ª a 23.ª do presente recurso.
A coligação é uma das modalidades previstas na lei processual civil mediante as quais é permitida a presença, numa mesma acção, de mais do que uma parte do lado activo, ou do lado passivo, ou ainda de ambos, tendo como principais desígnios a economia processual e a uniformidade de decisões.
Sendo ambos casos de pluralidade de partes, a lei distingue, no entanto, de forma clara a coligação e o litisconsórcio.
No litisconsórcio, a relação material controvertida em que se funda o pedido (de ambos os autores e/ou contra vários réus) é a mesma (as partes estão numa posição jurídica idêntica perante o mesmo objeto do litígio). Contrariamente, na coligação há distintas relações materiais, embora conexas (vários litígios distintos, uma cumulação de acções, mas com pontos em comum que justificam a sua tramitação conjunta num único processo) – sobre esta distinção, vd. “Manual de Processo Civil”, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, 2.ª Edição, págs. 160 e 161.
Existindo na coligação uma “cumulação de acções” (como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa no “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 3.ª Edição, pág. 72), o tratamento unitário destes diferentes litígios apenas é permitido sob certas condições estabelecidas no art.º 36.º do C.P.C.:
a) quando haja identidade de causas de pedir, ou quando os pedidos, mesmo que provenham de causas de pedir diferentes, estejam entre si numa relação de prejudicialidade (a decisão de um pedido influencia a decisão do outro) ou de dependência (n.º 1);
b) quando, sendo diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos análogas (n.º 2); ou
c) quando os pedidos deduzidos contra os vários réus se baseiam na invocação da obrigação cartular, quanto a uns, e da respectiva relação subjacente, quanto a outros (n.º 3).
Caso o tribunal entenda que não se verificam os requisitos legais para a coligação, pode haver lugar ao seu suprimento mediante convite do tribunal ou, caso tal suprimento não venha ser efectuado, à absolvição da instância (como acabou por acontecer no presente caso) – art.º 38.º do C.P.C..
Afastando, desde logo, esta última hipótese prevista no n.º 3 do art.º 36.º do C.P.C., dado que manifestamente não se aplica à presente situação, vejamos se se verifica alguma das restantes previsões que permitem a coligação.
*
Identidade de causas de pedir ou relação de prejudicialidade ou dependência

A causa de pedir é o facto jurídico concreto de que emerge o direito que se propõe fazer declarar e pretende fazer valer (vd., entre outros, Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, pág. 369 e 374 e ss.; Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 110 e ss.; Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., pág. 245).

Nos termos do disposto no art. 342º nº 1 do C.P.C., os embargos de terceiro assentam em três elementos estruturantes:

- a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa;
- a lesão ou ameaça de lesão dos mesmos, através de acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens; e
- a qualidade de terceiro do embargante.

Nos casos como o dos autos em que o acto de apreensão consiste num arresto determinado no âmbito de processo judicial, os dois últimos pressupostos resultarão desde logo intrinsecamente do próprio processo (derivando a qualidade de terceiro apenas da circunstância do embargante não ser parte no processo principal).
Assim, a questão fundamental a decidir e que integra o núcleo essencial da causa de pedir deste incidente de embargos de terceiro prende-se com a titularidade do invocado direito incompatível com a apreensão, devendo por isso as respectivas formas de aquisição ser objecto de alegação e prova.
É que os embargos de terceiro (excluindo os fundados na posse) destinam-se a fazer valer o gozo, de modo pleno e exclusivo, dos direitos de fruição e disposição que sobre os bens e direitos deterão os embargantes (art.º 1305.º do Cód. Civil). Daí que os embargantes tenham necessariamente que fazer prova dos factos constitutivos do seu alegado direito, sendo essencialmente esta, por isso, a causa de pedir (neste sentido, delimitando a causa de pedir do incidente de embargos de terceiro, cfr. entre outros os Ac. STJ, de 03/05/1995, Proc.º n.º 087101, Rel. Miranda Gusmão e RG, de 21/04/2022, Proc. n.º 799/21.0T8VNF-A.G1, Rel. Conceição Sampaio, ambos in www.dgsi.pt).
Chegados a esta conclusão, facilmente se terá também que concluir que a causa de pedir de cada uma das relações materiais controvertidas invocadas, em coligação, pelos embargantes não é a mesma, apenas tendo em comum o mesmo acto judicialmente ordenado de apreensão.
Este elemento comum, porém, não é o mais relevante, nem pode ser suficiente para viabilizar a coligação, pois, como bem se argumentou na decisão sob recurso “De outro modo, independentemente do número de bens atingido pela decisão de arresto e de quantos fossem os sujeitos arrestados e das especificidades das causas de aquisição, os embargantes poderiam, em todas as situações, coligar-se entre si, já que, nos embargos de terceiro, está sempre em questão a reação à apreensão judicial decretada pelo arresto e a apreciação de atos de posse e da titularidade do direito de propriedade.”.

Com efeito, cada um deles alegou (como lhe competia) os factos constitutivos do direito de propriedade sobre cada um dos bens e direitos, em concreto:
- a 1.ª embargante AA sobre: a quota da referida sociedade EMP01... UNIPESSOAL, L.DA.; a casa de habitação de ..., andar e quintal, sita na Rua ..., na freguesia ..., concelho ..., prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...28 e inscrito na matriz sob o artigo ...85 da referida freguesia ...; os saldos das contas bancárias arrestados;
- a 2.ª embargante EMP01... UNIPESSOAL, L.DA. sobre: todas as existências, mobiliário de escritório, incluindo secretárias, cadeias, computadores incluindo servidores, impressoras, fotocopiadoras, etc., máquinas e mobiliário que se encontravam no interior da sua sede; os saldos das contas bancárias arrestados;
- o 3.º embargante BB sobre: o veículo automóvel marca ..., matrícula ..-..-RE.

Não existe, por isso, identidade de causas de pedir.
Por outro lado, não existe entre estas relações materiais controvertidas qualquer conexão de prejudicialidade ou dependência.
Pelo que não se verifica o pressuposto para a admissibilidade de coligação de autores (embargantes de terceiro) previsto no n.º 1 do art.º 36.º do C.P.C..
*
Identidade dos factos essenciais a apreciar ou das regras de direito ou de cláusulas de contratos análogas que caiba interpretar e aplicar
Sendo diferente a causa de pedir, a coligação poderá, ainda, ser lícita, de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 36.º do C.P.C., caso a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos análogas.
O requisito apreciação dos mesmos factos preenche-se quando “os factos forem comuns às pretensões de todos os autores, de forma que se possa concluir que, provando-se os factos alegados por um dos autores, existirá suporte fáctico total ou parcialmente necessário para a procedência das pretensões de todos eles” (cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, ob. cit., pág. 73).
Por sua vez, a interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos análogas refere-se a situações que, embora emergentes de contratos diversos, mas que obedecem ao mesmo tipo ou padrão, diferentes autores demandam o mesmo réu para obterem a interpretação e execução de cláusulas negociais perfeitamente análogas (neste sentido, exemplificando com contratos-promessa e contratos de seguro, vd. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., págs. 160 e 161, em particular a nota 4 inserida na pág. 161; vd., ainda, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código do Processo Civil Anotado”, Vol. 1.º, 4.ª Edição, pág. 105).
Ora, perante esta análise das situações contempladas no n.º 2 do art. 36.º do C.P.C., facilmente se conclui que a situação dos embargantes é manifestamente distinta, não tendo guarida em nenhuma das suas previsões.
Com efeito, a cada um dos bens e direitos arrestados corresponde a alegação por parte dos embargantes uma forma de aquisição distinta, sendo os respectivos factos (como bem se salientou na decisão recorrida) absolutamente autónomos entre si, não implicando, como é óbvio, a prova da factualidade respeitante ao facto aquisitivo de um deles a procedência das pretensões dos restantes embargantes, nem estão em causa a aplicação e interpretação das mesmas cláusulas contratuais ou regras de direito.
Em suma, também não se verifica, de igual forma, o requisito previsto no referido n.º 2 necessário para viabilizar a coligação entre os embargantes.
*
Em face do exposto, não existindo nenhum dos elementos de conexão exigidos pelo art. 36.º do C.P.C., conclui-se que a coligação de embargantes em apreço é ilegal.
Tendo sido dado cumprimento ao disposto no art. 38.º n.ºs 1 e 2 do C.P.C. e não tendo os embargantes indicado qual o pedido que pretendiam ver apreciado no processo, bem andou a primeira instância ao absolver os embargados da instância, conforme prevê o n.º 1 do aludido normativo.
Assim, a apelação improcede na totalidade, confirmando na íntegra a decisão recorrida.
*
As custas do presente recurso ficam a cargo dos embargantes, por a elas terem dado causa (art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC)
***
IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores da 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães em:
- julgar improcedente o recurso e, consequentemente, manter integralmente a decisão recorrida.
*
Custas da apelação pelos Apelantes.
*
Notifique.
***
04/12/2025

Relator: João Paulo Pereira
1.º Adjunto: Luís Miguel Martins
2.ª Adjunta: Margarida Alexandra de Meira Pinto Gomes
(assinado eletronicamente)