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APREENSÃO DO CORREIO ELECTRÓNICO
INTERVENÇÃO JUDICIAL
PROIBIÇÃO DE PROVA
COMUNICAÇÃO DE ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
AUSÊNCIA DOS JUÍZES-ADJUNTOS NA AUDIÊNCIA
CRIME DE FRAUDE FISCAL QUALIFICADA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REPOSIÇÃO DA VERDADE FISCAL
PERDA DE VANTAGENS
TERCEIRO BENEFICIÁRIO
Sumário
I. O princípio do juiz natural não obriga o julgador que proferiu o despacho de recebimento da acusação a realizar o julgamento, se entretanto foi colocado noutra Comarca ou Juízo. II. Mostram-se cumpridas as exigências legais (e constitucionais) relativamente ao correio electrónico apreendido, porquanto ao juiz de instrução foi dado conhecimento da sua apreensão nos autos, para efeitos do art. 17.º da Lei do Cibercrime e do art. 179.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. III. A partir desse momento, os actos praticados no processo em relação ao correio electrónico apreendido, incluindo os susceptíveis de propiciar a respectiva leitura, ficaram sob a alçada da juiz de instrução, como garante da legalidade, e foi sob a sua determinação que se procedeu à respectiva análise. IV. Não há qualquer proibição de prova por violação (não autorizada) de correspondência electrónica: todo o percurso da sua aquisição e junção aos autos foi controlada por juiz de instrução; só depois – e não antes, em que as comunicações foram armazenadas com recurso a um procedimento puramente tecnológico, sem leitura do seu conteúdo – foi tal correspondência aberta e usada como prova na investigação, levada a cabo pela AT e supervisionada pelo Ministério Público. V. Se os arguidos nada trouxeram aos autos, porque não forneceram quaisquer elementos à Autoridade Tributária, não há violação do princípio da auto-incriminação. VI. Se entre a comunicação para efeitos do art. 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e a leitura do acórdão não se produziu (porque os arguidos a isso renunciaram) qualquer prova adicional que o Tribunal Colectivo tivesse de apreciar, não se verifica a nulidade prevista no art. 119.º, e), pela circunstância de, na audiência em que ocorreram aqueles dois actos, estar apenas a Mm.ª Juiz Presidente. VII. Ao inspector tributário que acompanhou a investigação não se aplica nenhum dos impedimentos do art. 133.º, n.º 1, do Código de Processo Penal; pela sua função e aptidões, toma conhecimento directo de muitos elementos (desde logo, documentais) sobre os quais pode ser inquirido. VIII. O facto de não se ter demonstrado que um arguido retirou benefício económico para si da prática do crime em nada contende com a possibilidade de, embora com sacrifício pessoal, vir a reunir, em cinco anos, os € 50.000,00 que o Tribunal a quo fixou como condição de pagamento para a suspensão de execução da pena – valor, aliás, pouco superior a 3,6% do prejuízo causado ao Estado (também) pela sua actividade criminosa, como cúmplice dos restantes dois arguidos. IX. As declarações de um arguido, ainda que confessórias – como aqui, em parte – são um meio de prova, sujeito a livre apreciação por parte do tribunal, nos termos do art. 127.º; ora, a relação paterno-filial entre dois arguidos é especialmente propícia, segundo as regras da experiência, a que um tenda a proteger outro, chamando exclusivamente a si a autoria dos factos, como forma de poupar o filho à punição (o que é susceptível de fragilizar essa prova relativamente à não participação deste). X. A letra do art. 110.º do Código Penal não estabelece a indispensabilidade de coincidência entre os agentes do crime – seja como autores ou como cúmplices – e aqueles que com ele (indevidamente) lucraram; pelo contrário, uma vez que menciona tratar-se de vantagens para quem o cometeu ou para outrem. XI. O conceito de agente do art. 110.º, n.º 1, b), inclui qualquer forma de comparticipação criminosa (autoria, co-autoria, instigação ou cumplicidade): apenas releva, por um lado, a actividade ilícita do agente e, por outro, a existência da vantagem em qualquer esfera patrimonial onde não devia estar. XII. Esta última norma está em absoluta conformidade com o princípio da proporcionalidade do art. 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa: o crime de fraude fiscal qualificada é punido com pena elevada (2 a 8 anos, no caso do autor), mina a confiança dos cidadãos na justiça e depaupera o Estado em valores muito consideráveis (no caso, ultrapassando um milhão de euros) – e, em consequência, todos os cidadãos, porque é com o dinheiro proveniente dos impostos que aquele consegue assegurar o pagamento das despesas de saúde, educação, assistência, infra-estruturas, cultura e dos seus recursos humanos, entre outras.
Texto Integral
Neste processo n.º 2303/16.3T9BRG.G1, acordam em conferência os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:
I - RELATÓRIO
No processo comum colectivo n.º 2303/16.3T9BRG, a correr termos no Juízo Central Criminal de Braga (J...), nessa Comarca, em que são arguidos[1]AA, BB e CC, foi proferido acórdão que condenou:
- o arguido AA, pela prática, em co-autoria material, de dois crimes de fraude fiscal qualificada, um deles p. e p. pelos arts. 103.º, n.º 1, a), b) e c) e 104.º, n.º 3, do RGIT (IVA) e outro p. e p. pelos arts. 103.º, n.º 1, a), b) e c) e 104.º, n.º 3, do RGIT (IRC), nas penas de quatro anos e oito meses de prisão, pelo crime referente a IVA e uma pena de quatro anos de prisão pelo crime referente a IRC; em cúmulo jurídico, foi este arguido condenado na pena única de seis anos de prisão;
- o arguido BB, pela prática, em co-autoria material, de dois crimes de fraude fiscal qualificada, um deles p. e p. pelos arts. 103.º, n.º 1, a), b) e c) e 104.º, n.º 3, do RGIT (IVA) e outro p. e p. pelos arts. 103.º, n.º 1, a), b) e c) e 104.º, n.º 3, do RGIT (IRC), nas penas de quatro anos e oito meses de prisão, pelo crime referente a IVA e uma pena de quatro anos de prisão pelo crime referente a IRC; em cúmulo jurídico, foi este arguido condenado na pena única de seis anos de prisão;
- o arguido CC, pela prática, como cúmplice, de dois crimes de fraude fiscal qualificada, um deles p. e p. pelos arts. 103.º, n.º 1, a), b) e c) e 104.º, n.º 3, do RGIT (IVA) e outro p. e p. pelos arts. 103.º, n.º 1, a), b) e c) e 104.º, n.º 3, do RGIT (IRC), nas penas de dois anos e três meses de prisão, pelo crime referente a IVA e uma pena de um ano e nove meses de prisão pelo crime referente a IRC; em cúmulo jurídico, foi este arguido condenado na pena única de três anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de cinco anos, subordinada à obrigação do arguido, durante o período da suspensão, pagar € 50.000,00 (cinquenta mil euros) à Autoridade Tributária.
Inconformados, os três arguidos interpuseram recurso, sendo conjunto o dos dois primeiros.
A. Recurso dos arguidos BB e AA
Apresentam as seguintes conclusões[2]:
«II. Analisada de forma escrupulosa a prova produzida e, bem assim, o acórdão de que ora se recorre, temos que o próprio processo se encontra a padecer de graves e insanáveis nulidades, designadamente quanto aos meios de obtenção da prova e ainda, quanto à validade e valoração das mesmas. III. Os arguidos/Recorrentes não se podem conformar com o acórdão proferido, merecendo o mesmo censura, versando o presente Recurso sobre matéria de facto e de direito, sendo que, a decisão recorrida encontra-se irremediavelmente ferida de várias nulidades, que só poderão implicar a anulação da mesma e repetição integral de todo o julgamento. IV. Os presentes autos tiveram origem num conjunto de diligências promovidas pelos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, no âmbito de um processo de processo de inspeção tributária que incidiu sobre outras empresas arguidas. V. Sucede que, toda a prova documental adquirida nos autos, foi obtida através do princípio da colaboração e da verdade dos contribuintes, quando os aqui recorrentes ainda não eram sequer arguidos no presente processo. VI. A prova proveniente dos respetivos Serviços de Inspeção que, sustentou a acusação e a decisão condenatória é nula, porque é ilícita à luz da inadmissibilidade da “transmissibilidade da prova obtida por inspeção tributária para o processo penal”. VII. Os meios de prova logrados pela autoridade tributária e aduaneira, estão sujeitos ao mesmo regime das provas produzidas em processo penal, e, nomeadamente, à observância das normas contempladas nos seus art.ºs 174°, 178° e 179° do Código do Processo Penal, sob pena de nulidade. VIII. A Constituição da República Portuguesa protege o direito à reserva da vida privada (art.º 26.º, n.º 1), sendo que, a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias dos seus cidadãos, nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art.º 18.º, n.º 2). IX. São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações (art.º 32.º, n.º 8, da CRP, com realçados nossos). X. Sendo que, ainda no domínio constitucional, estabelece o art.º 34.º da CRP, sob a epígrafe “Inviolabilidade do domicílio e da correspondência”. XI. Pelo que, no cumprimento destes preceitos constitucionais, o Código do Processo Penal determina que, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular – cfr. art.º 126.º, n.º 3 do CPP. XII. Mais se acrescentando no art.º 179.º, n.º 1 do dito diploma legal, que – sob pena de nulidade – quais as situações em que o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a sua apreensão. XIII. A violação da correspondência só pode ser feita por ordem do juiz e este é a primeira pessoa que deve tomar conhecimento do conteúdo da mesma e nestes autos, quem procedeu à apreensão da correspondência foram na verdade os órgãos da OPC (AT). XIV. A fls. 1640 dos autos, decorre que o processo foi despachado por Procuradora da República, em serviço de turno de férias judiciais (em 30.07.2020) que validou a posteriormente, a apreensão dos dados informáticos previamente, selecionada pelo OPC (AT), ordenando a conclusão ao juiz de instrução criminal. XV. A fls. 1643 dos autos, o Meritíssimo Juiz de sem que tivesse efetuado um qualquer juízo jurisdicional acerca da questão decidenda, ordenou a junção aos autos dos dados informáticos, que posteriormente, foram novamente remetidos á AT para continuar as diligências de investigação. XVI. É certo que, em determinados casos, pode admitir-se que numa situação em que haja urgência ou perigo na demora, os órgãos de polícia criminal possam efetuar apreensões de correspondência, mas tal ato fica sujeito a validação no prazo máximo de 72 horas pela “autoridade judiciária” (art.º 178.º, n.ºs 4 e 5), isto é, pelo juiz e não o M.º P.º, já que há reserva de competência daquele (art.º 179.º). Fora dessas situações, estamos perante a nulidade de um meio de prova, o que foi o caso dos presentes autos. XVII. No caso dos autos, terá havido violação dos art.ºs 18.º, n.º 2, 26.º, n.º 1, 32.º, n.º 8, e 34.º da CRP, e art.ºs 126.º, n.º 3, 178.º, n.ºs 3, 4, 5 e 6, e 179.º, n.ºs 1 e 3 do CPP, uma vez que as autoridades tributárias e aduaneiras, procederam à violação da correspondência, sem que a apreensão fosse autorizada, validada ou precedida de despacho a ordenar a sua abertura e sem qualquer tipo de fundamento ou justificação, nulidade essa que aqui expressamente se argui e se requer reconhecida. XVIII. Acresce que, toda a documentação que serviu de base ao inquérito e consequente acusação, foi na verdade obtida através dos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, através dos inspetores tributários que conduziram as investigações á várias empresas em relação comercial com as sociedades aqui arguidas. XIX. Assim, a mencionada prova documental, foi obtida à custa do desrespeito do princípio “nemo tenetur se ipsum accusare”. XX. No mais, a decisão condenatória baseou-se essencialmente nas conclusões retiradas do Relatório Final, elaborado pela AT e junto a fls 2255 do processo e tal prova que serve de base à condenação dos arguidos é, portanto, NULA nos termos supra exposto, por violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, ínsito no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação normativa dos artigos 61º, n.º 1, alínea d), 125º e 126º, n.º 2, alínea a), todos do Código de Processo Penal. XXI. A prova supra descrita não poderia fundamentar a decisão proferida, uma vez que é NULA, por violação do Princípio da Proibição da Auto-incriminação. XXII. Acresce que, conforme decorre dos presentes autos, em momento prévio as diligências efetuadas pelos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira e que deram origem á recolha de um conjunto de informações, e-mails, documentos e etc, não houve qualquer validação da apreensão efetuada pelas autoridades aduaneiras, pelo JIC, mas tão somente foi a dita apreensão. XXIII. De facto, no que concerne á investigação prévia que conduziu aos presentes autos e ao alegado auto de notícia, nada consta nestes autos que permitam aos aqui arguidos concluir que essas provas foram obtidas de forma legal e validadas por um JIC como a Lei impõe. XXIV. É sem dúvida ao JIC que compete pronunciar-se quanto a estas questões – artº 202.º CRP, porque compete aos tribunais assegurar a “defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos” - artigo 32.º da CRP, nº 1 do artigo 20º CRP. XXV. Pelo que, a validade da mencionada apreensão, por ser violadora dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, deveria ter sido objeto de pronuncia por parte do JIC e não por parte do MP e assim, estamos perante uma nulidade dos atos processuais, previstas nos art.ºs 118.º a 123.º do CPP. XXVI. Conforme o estatuído no artigo 14.º do Código de Processo Penal (C.P.P.) entende-se como Tribunal Coletivo como o Tribunal constituído por três juízes, que julga os processos respeitantes aos crimes mais graves (pena de prisão superior a cinco anos). XXVII. A composição do Tribunal Coletivo é a que resulta do artigo 133.º, n.º 1 da Lei 62/2013, de 26 de Agosto (L.O.S.J.), segundo o qual “o Tribunal Coletivo é composto, em regra, por três juízes privativos”, sendo que, “o Tribunal Coletivo é presidido pelo juiz do processo”. XXVIII. Ora, o presente foi distribuído em 09/06/2023 e o despacho que recebeu a douta acusação pública, já no Juízo Central Criminal de Braga - Juiz ..., foi proferido pelo Meritíssimo Juiz de Direito, Dr. DD em 16/06/2023, com a referência citius 185500774, sendo que, a partir dessa data, os presentes autos passaram a ser tramitados, sob a jurisdição do Meritíssimo Juiz, Dr. DD, que assinou os despachos subsequentes no mencionado processo. XXIX. O Dr. DD assumiu o papel de Juiz do Processo, no Juízo Central Criminal de Braga - Juiz ... e, como tal, deveria ter sido o referido magistrado, o Dr. DD, a presidir ao Tribunal Coletivo, conforme estatui o supra citado artigo 135.º, n.º 1 da L.O.S.J. XXX. No entanto, o Tribunal Coletivo foi presidido pela Exm.ª Sr.ª Dra. EE, auxiliada pelas juízas adjuntas, Exm.ªs Sr.as Dra. FF e Dra. GG. XXXI. O Tribunal Coletivo não foi constituído conforme a lei estatui e assim estamos perante uma nulidade insanável, nos termos do artigo 119.º, al. a) do C.P.P., na medida em que se verificou “a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respetiva composição” do Tribunal Coletivo. XXXII. A composição do Tribunal Coletivo, tal como foi constituído, violou o princípio do Juiz natural, consignado no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), donde resulta que não se pode escolher um juiz para decidir uma causa ou sequer retirar a um juiz essa mesma causa, sendo um princípio básico de defesa. XXXIII. Estamos perante uma nulidade insanável, de conhecimento oficioso, a qual desde já se argui para todos os devidos efeitos legais e a qual se requer seja declarada, nos termos do artigo 119.º al. a) do C.P.P., sob pena de violação do princípio do Juiz natural, nos termos do artigo 32.º n.º9 da C.R.P, devendo assim ser declarado nulo todo o julgamento e ordenar-se a sua repetição na íntegra. XXXIV. Todas as sessões foram presididas pela Meritíssima Juiz Dra. EE e foram Juízes Adjuntos a Dra. FF e Dra. GG e a última sessão de julgamento realizou-se no dia 12/03/2025. XXXV. Nesse dia, o Tribunal Coletivo apenas foi composto pela Meritíssima Juiz Presidente, onde a mesma comunicou a alteração não substancial de factos, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 358.º do C.P.P. XXXVI. Perante tal circunstancialismo, o Tribunal não poderia estar constituído, apenas, por um Juiz e tendo havido comunicação de alteração não substancial de factos, o Tribunal para exercer a sua plena jurisdição teria de ter composição de Tribunal Coletivo. XXXVII. Assim sendo, estamos perante mais uma causa de nulidade insanável, concretamente, a alínea e) do artigo 119º do C.P.P., que expressamente alude “a violação das regras de competência do tribunal”, importando esta declaração de nulidade a repetição da Audiência de Discussão e Julgamento. XXXVIII. Além disso, os arguidos AA e BB vêm acusados da prática, em coautoria material, de 2 (dois) crimes de fraude fiscal qualificada, por alegadas vantagens patrimoniais recebidas nos anos de 2014 a 2020, referentes ás obrigações de IVA e IRC. XXXIX. Os arguidos/ recorrentes consideram que os factos alegadamente praticados nos anos de 2014 e 2015 deverão ser declarados prescritos, da conjugação dos artigos 118º e 121º do CPenal e artigo 48.º da Lei Geral Tributária, conforme resulta da motivação. XL. Os Arguidos/Recorrentes entendem que estão a ser violados direitos que lhes assistem como a prescrição quer referente ao crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 103.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Regime Geral das Infrações Tributárias, quer referente no pagamento dos valores ao Estado Português relativos aos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, no montante de 906 647,33 euros referente ao IVA e € 310.333,82 euros referente ao IRC, nos termos do artigo 32º do CRP. XLI. Deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se o Acórdão recorrido determinando a absolvição dos crimes de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 103.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Regime Geral das Infrações Tributárias, com referência aos artigos 18.º, 19.º a 27.º, 41.º e 78.º do CIVA, bem como do pagamento ao Demandante Estado Português (Autoridade Tributária e Aduaneira), das quantias de € 1 216 981,15 euros, porquanto estão os crimes e as dívidas fiscais prescritas. XLII. O arguido AA quando prestou declarações em audiência de julgamento e confessou integralmente e sem reservas a prática dos factos pelos quais vinha acusado, com a exceção da coautoria com o arguido BB, demonstrando a sua inteira responsabilização, conforme, aliás, resulta expressamente da motivação do acórdão recorrido e exonerou de qualquer responsabilidade o co-arguido, ora Recorrente BB. XLIII. Assim, a decisão do tribunal recorrido ao ter dado como provados factos constantes da acusação no que concerne ao ora recorrente BB e responsabilizando-o criminalmente, quando houve confissão integral e sem reservas por parte do arguido AA, que negou a coautoria do seu filho BB, padece do vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c) do CPP. XLIV. Assim, tal vício determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objeto, nos termos do artigo 426.º, n.º 1 do C.P.P. XLV. A decisão recorrida é nula por violação do artigo 344.º, n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo Penal (CPP), padecendo a mesma do vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c) do CPP, o que determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objeto, nos termos do artigo 426.º, n.º 1 do C.P.P. XLVI. De facto, apenas ficou provado que o arguido BB era funcionário do seu pai nas diversas empresas, atuando como um encarregado, que agia de acordo com as ordens e instruções deste, não tendo o Recorrente BB, qualquer outra ligação com os factos destes autos, a não ser o de ter feito e cumprido com as instruções do seu pai, o aqui arguido AA. XLVII. Dos demais depoimentos prestados resulta que a maioria dos funcionários associava a posição de autoridade do arguido BB, por se tratar do filho do patrão e como tal visto como seu semelhante e não houve nenhuma testemunha capaz de elencar que o arguido BB agia sozinho e com autoridade própria. XLVIII. O Tribunal Recorrido também não justifica, nem fundamenta o porquê de não ter dado credibilidade às declarações do arguido na parte em que negava a coautoria e envolvimento do seu filho nos ilícitos praticados, e que admitiu e afirmou perentoriamente que era quem geria de facto e de direito as sociedades arguidas. XLIX. O Tribunal Recorrido, na sua motivação refere que não valorou as declarações do arguido, nesta parte, com a agravante da declaração do Arguido AA consubstanciar uma confissão integral dos factos descritos na acusação no que a si concerne o que, com o devido respeito, não se pode concordar. L. Além disso, o Tribunal Recorrido decidiu valorar e dar credibilidade aos depoimentos prestados pelo Inspetor Tributário, o qual demonstrou não ter conhecimento direto dos factos descritos na acusação e não conseguir fazer prova cabal das suposições levantadas quanto ao envolvimento do arguido BB nos factos descritos na acusação. LI. A mera troca de e-mails com fornecedores ou parceiros comerciais, não implica atos diretos de gestão, principalmente, se o próprio gerente afirma perentoriamente que foram praticados porque o mesmo deu orientações nesse sentido. LII. Fazendo um paralelismo com as funções administrativas de secretárias ou outros colaboradores administrativos estaríamos perante a ridícula situação de qualquer e-mail enviado por ordem do chefe, poder tornar um empegado num gerente de facto da empresa. Algo completamente irreal e contrário ás regras da experiência. LIII. A decisão recorrida deveria ser fundamentada, contendo uma exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, originando que a decisão recorrida padeça de nulidade por violação do n.º 2, do artigo 374.º e 379.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. LIV. Ora, a fundamentação das decisões é efetivamente uma exigência constitucional, tal como decorre do disposto no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. LV. O Tribunal Recorrido ao não ter analisado criticamente todas as provas produzidas, ao não ter fundamentado o porquê de não valorar o depoimento das testemunhas supra identificadas, que corrobora de facto que o Recorrente não tinha qualquer ligação de facto, nem de direito com as sociedades arguidas nos presentes autos, determina que a decisão é nula por falta de fundamentação. LVI. Assim, com o devido respeito, a decisão recorrida é nula por violação do n.º 2 do artigo 374.º e 379.º, n.º 1 do Código de Processo Penal (C.P.P.). LVII. Os arguidos/Recorrentes consideram que foram incorretamente dados como provados os factos elencados no acórdão recorrido sob os números 2, na parte “e BB”, 17 na parte “e BB, quem, em conjunto, a geriam”, 22 na parte “e BB, quem, em conjunto, a geriam”, 26 na parte “juntamente com o arguido BB”, 31 na parte “e BB”, 38 na parte “e BB quem geriam”, 39 na parte “e BB”, 44 na parte “e BB”, 45 na parte “e BB”, 48 na parte “e BB”, 49 na parte “e BB” 51 na parte “e BB”, 52 na parte “E BB”, 55 na parte “e BB”, 56 na parte “e BB”, 60 na parte “e BB”, 61 na parte “e BB”, 66 na parte “e BB”, 70 na parte “E BB”, 72 na parte “e BB”, 74 na parte “e BB”, 78 na parte “e BB”, 83 na parte “a pedido dos arguidos”, 84 na parte “os arguidos”, 88 na parte “os arguidos”, 90 na parte “dos arguidos”, 92 na parte “os arguidos”, 97 na parte “os arguidos”, 98 na parte “os arguidos”, 100 na parte “pelos arguidos”, 102 na parte “pelos arguidos”, 103 na parte “dos arguidos”, 104 na parte “os arguidos”, 105 na parte “pelos arguidos”, 106 na parte “dos arguidos”, 108 na parte “os arguidos”, 110 na parte “dos arguidos”, 112 na parte “os arguidos”, 118 na parte “dos arguidos”, 119 na parte “os arguidos”, 121 na parte “pelos arguidos”, 122 na parte “dos arguidos”, 126 na parte “dos arguidos”, 128 na parte “os arguidos”, 129 na parte “os arguidos”, 134 na parte “pelos arguidos”, 136 na parte “os arguidos”, 137 na parte “pelos arguidos”, 138 na parte “dos arguidos”, 140 na parte “os arguidos”, 142 na parte “os arguidos”, 144 na parte “dos arguidos”, 155 na parte “pelos arguidos”, 156 na parte “dos arguidos”, 157 na parte “os arguidos”, 158 na parte “pelos arguidos”, 159 na parte “pelos arguidos”, 166 na parte “dos arguidos”, 169 na parte “dos arguidos”, 170 na parte “dos arguidos”, 172 na parte “os arguidos”, 173 na parte “os arguidos”, 175 na parte “os arguidos”, 177 na parte “pelos arguidos”, 178 na parte “dos arguidos”, 179 na parte “os arguidos”, 180 na parte “pelos arguidos”, 181 “na parte “os arguidos”, 183 na parte “os arguidos”, 187 na parte “os arguidos”, 190 na parte “pelos arguidos”, 192 na parte “pelos arguidos”, 193 na parte “dos arguidos”, 194 na parte “os arguidos”, 195 na parte “pelos arguidos”, 196 na parte “dos arguidos”, 198 na parte “os arguidos”, 200 na parte “os arguidos”, 203 na parte “pelos arguidos”, 205 na parte “os arguidos”, 209 na parte “ os arguidos (…) BB”, 218 na parte “ os arguidos (…) BB”, 222 na parte “ os arguidos”, 223 na parte “ os arguidos (…) BB”, 224 na parte “ os arguidos”, 225 na parte “ dos arguidos”, 226 na parte “ os arguidos”, 227 na parte “ os arguidos”, 228 na parte “ os arguidos”, 229 na parte “ os arguidos”, 231 na parte “ dos arguidos (…) BB” da matéria de facto provada, em virtude de não ter havido produção de prova suficiente em audiência de discussão e julgamento para os considerar como provados. LVIII. Atenta a prova documental e testemunhal produzida e examinada em sede de audiência de julgamento, entendemos que não se podia dar como provada toda a factualidade supra descrita, bem como houve erro notório na apreciação da prova, conforme resulta da motivação do presente recurso. LIX. Pelo que, com o devido respeito, entendemos ter sido produzida prova suficiente para que o tribunal recorrido desse como não provados os factos 2, na parte “e BB”, 17 na parte “e BB, quem, em conjunto, a geriam”, 22 na parte “e BB, quem, em conjunto, a geriam”, 26 na parte “juntamente com o arguido BB”, 31 na parte “e BB”, 38 na parte “e BB quem geriam”, 39 na parte “e BB”, 44 na parte “e BB”, 45 na parte “e BB”, 48 na parte “e BB”, 49 na parte “e BB” 51 na parte “e BB”, 52 na parte “E BB”, 55 na parte “e BB”, 56 na parte “e BB”, 60 na parte “e BB”, 61 na parte “e BB”, 66 na parte “e BB”, 70 na parte “E BB”, 72 na parte “e BB”, 74 na parte “e BB”, 78 na parte “e BB”, 83 na parte “a pedido dos arguidos”, 84 na parte “os arguidos”, 88 na parte “os arguidos”, 90 na parte “dos arguidos”, 92 na parte “os arguidos”, 97 na parte “os arguidos”, 98 na parte “os arguidos”, 100 na parte “pelos arguidos”, 102 na parte “pelos arguidos”, 103 na parte “dos arguidos”, 104 na parte “os arguidos”, 105 na parte “pelos arguidos”, 106 na parte “dos arguidos”, 108 na parte “os arguidos”, 110 na parte “dos arguidos”, 112 na parte “os arguidos”, 118 na parte “dos arguidos”, 119 na parte “os arguidos”, 121 na parte “pelos arguidos”, 122 na parte “dos arguidos”, 126 na parte “dos arguidos”, 128 na parte “os arguidos”, 129 na parte “os arguidos”, 134 na parte “pelos arguidos”, 136 na parte “os arguidos”, 137 na parte “pelos arguidos”, 138 na parte “dos arguidos”, 140 na parte “os arguidos”, 142 na parte “os arguidos”, 144 na parte “dos arguidos”, 155 na parte “pelos arguidos”, 156 na parte “dos arguidos”, 157 na parte “os arguidos”, 158 na parte “pelos arguidos”, 159 na parte “pelos arguidos”, 166 na parte “dos arguidos”, 169 na parte “dos arguidos”, 170 na parte “dos arguidos”, 172 na parte “os arguidos”, 173 na parte “os arguidos”, 175 na parte “os arguidos”, 177 na parte “pelos arguidos”, 178 na parte “dos arguidos”, 179 na parte “os arguidos”, 180 na parte “pelos arguidos”, 181 “na parte “os arguidos”, 183 na parte “os arguidos”, 187 na parte “os arguidos”, 190 na parte “pelos arguidos”, 192 na parte “pelos arguidos”, 193 na parte “dos arguidos”, 194 na parte “os arguidos”, 195 na parte “pelos arguidos”, 196 na parte “dos arguidos”, 198 na parte “os arguidos”, 200 na parte “os arguidos”, 203 na parte “pelos arguidos”, 205 na parte “os arguidos”, 209 na parte “ os arguidos (…) BB”, 218 na parte “os arguidos (…) BB”, 222 na parte “ os arguidos”, 223 na parte “os arguidos (…) BB”, 224 na parte “ os arguidos”, 225 na parte “ dos arguidos”, 226 na parte “ os arguidos”, 227 na parte “ os arguidos”, 228 na parte “ os arguidos”, 229 na parte “os arguidos”, 231 na parte “ dos arguidos (…) BB”, e ao não tê-lo feito, conforme resulta do supra exposto e, concretamente, das passagens da gravação da prova devidamente assinaladas e transcritas, julgou incorretamente estes concretos pontos de facto ao dá-los como provados (artigo 412.º, n.º 3 al. a) e b) do Código de Processo Penal). LX. O tribunal recorrido ao decidir como decidiu violou o disposto no artigo 105.º, n.º 1, 4 e 5 do RGIT e artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa. LXI. Além disso, o arguido AA, confessou integralmente e sem reservas os factos pelos quais vinha acusado, assumindo-se como único responsável pelos crimes discutidos nos presentes autos, exonerando, assim, o ora Recorrente de qualquer responsabilidade. Tendo ainda nas suas alegações afirmado por diversas vezes que era a única pessoa que exercia funções de gerência nas sociedades arguidas no período de tempo referido nos autos. LXII. Sendo que, o contabilista das sociedades – CC – também arguido nos presentes autos referiu várias vezes que o arguido BB, não exerceu qualquer função de gerência nas sociedades arguidas, identificando sempre como “patrão” arguido AA, motivo pelo qual não foi da responsabilidade do arguido BB a retenção e não entrega nos cofres do Estado das prestações tributárias devidas a título de IVA e IRC no aludido período temporal. LXIII. Acresce que, o Tribunal Recorrido deveria ter dado primazia à confissão do arguido AA e valorado os depoimentos das testemunhas cujas transcrições se menciona na motivação do presente recurso e as declarações do Recorrente. LXIV. O Tribunal Recorrido ao não ter valorado a versão dos arguidos, corroborada pelas indicadas testemunhas, violou o disposto no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, ou seja, o princípio da presunção de inocência conjugado com o princípio in dubio pro reo. LXV. Acresce que, nada se provou quanto à intervenção do Recorrente BB nos factos, pelo que se encontra incorretamente julgado. LXVI. Decorre ainda da Prova Testemunhal em que veio a basear-se a convicção do Tribunal a quo, que supra se invocou e transcreveu profusamente foi clara ao afirmar que nas situações em apreço o Recorrente BB, não teve qualquer intervenção, apenas lá estava apoiando o seu pai, cumprindo as ordens deste, e que se traduzem em manifesta posição de falta de participação do Recorrente no que quer que fosse. LXVII. Tornou-se claro quer das provas carreadas para os autos, da confissão integral dos factos pelo arguido AA, quer inclusive da prova testemunhal produzida, que quem dava as ordens era o arguido AA e que nada era feito sem o seu conhecimento ou ordem. LXVIII. Não se entende, com base em que factos entendeu o tribunal que o arguido BB atuou em coautoria material com o arguido AA nos factos por este confessados. LXIX. Numa conceção restritiva do conceito de autoria só é autor quem realiza, por si mesmo, a ação típica, enquanto que a simples contribuição para a produção do resultado, mediante ações distintas das típicas, não pode fundamentar a imputação da autoria, assim se encontra estatuído no artigo 26º do Código Penal. LXX. Na coautoria, desenham-se, então e respetivamente, o elemento subjetivo: o acordo, com o sentido de decisão para a realização de determinada ação típica; O elemento objetivo: a realização conjunta do facto tomando o agente parte direta na respetiva execução. Repetindo e concretizando são pressupostos para a verificação da coautoria: a consciência da colaboração a partir do acordo prévio para a realização do facto; a realização conjunta, onde o coautor preservará, ainda, o domínio funcional da atividade que realiza, sabendo-se e querendo-se participante no conjunto da ação para a qual deu o seu acordo e que se dispôs a levar a cabo. LXXI. As circunstâncias apuradas nos autos, demonstram, segundo as regras da experiência comum, que o arguido BB não tinha o domínio que o pai tinha nas empresas aqui arguidas. LXXII. Assim, o arguido BB, não podia em face da prova produzida ter sido condenado como coautor material dos factos de que vinha acusado o seu pai, por não se verificarem preenchidos os pressupostos legais deste instituto, o que se impõe a sua absolvição. LXXIII. Caso se considere que o Recorrente BB praticou os crimes pelos quais foi proferido acórdão condenatório, o que não se aceite e nem se admite ou sequer concede, sempre se dirá que a aplicação de uma pena de seis anos de prisão efetiva é manifestamente desproporcional, exagerada e desajustada. LXXIV. De igual modo, consideramos que no que concerne ao arguido AA, a pena aplicada de seis anos de prisão efetiva é manifestamente desproporcional, exagerada e desajustada. LXXV. Além de que, o tribunal recorrida na determinação da medida concreta da pena não graduou o grau de culpa do ora recorrente na motivação, o que consubstancia uma nulidade por falta de fundamentação, por violação do n.º 2 do artigo 374.º e 379.º, n.º 1 al. a) do Código de Processo Penal (C.P.P.). LXXVI. No caso do arguido AA a verdade é que o mesmo confessou livre e espontaneamente os factos e demonstrou arrependimento e tal facto não foi de todo considerado, na determinação da medida da pena. LXXVII. No mais, a verdade é que também não foi considerada na aplicação da pena, a idade do arguido AA, que tem atualmente 73 anos e uma saúde débil. LXXVIII. De igual modo, no que concerne ao arguido BB não foi considerado o facto de ter uma filha menor, com apenas 6 anos de idade e ser atualmente gerente de uma firma, tendo a seu cargo inúmeros funcionários. LXXIX. A condenação do arguido BB numa pena de prisão efetiva, implicaria efeitos totalmente nefastos no seu contexto familiar e no desenvolvimento emocional da sua filha menor, mas também implicaria a perda dos postos de trabalho de todos os colaboradores da sua empresa. LXXX. Também foram reproduzidas as condenações do registo criminal de ambos os arguidos, aqui recorrentes, todavia, a verdade é que a maioria das penas reproduzidas já se encontravam extintas, e como tal não poderiam ser consideradas para aferição da medida da pena a aplicar. LXXXI. De qualquer modo, neste caso, a pena de prisão de efetiva de seis anos é, na realidade, desproporcional e manifestamente exagerada, atendendo às circunstâncias em que os factos se verificaram, os antecedentes criminais e a sua situação profissional, económica e social. LXXXII. Atento ao supra exposto e à matéria de facto considerada provada acerca do comportamento dos arguidos BB e AA, entendemos que bastaria a aplicação de uma pena de prisão inferior à efetivamente aplicada, para que o arguido interiorizasse a gravidade e o desvalor da sua conduta, ou seja, uma pena de prisão não superior a três anos. LXXXIII. No acórdão Recorrido não se fez a mais correta apreciação das circunstâncias que deverão ser atendidas na escolha e na determinação da medida concreta da pena, designadamente, não se fez a aplicação mais adequada dos artigos 70.º, 71.º, e 40.º do Código Penal. LXXXIV. Ponderados todos estes fatores e tendo em conta as considerações de prevenção especial e geral, a pena que se consideraria justa, proporcional e adequada, seria uma pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por um período de cinco anos, na condição de entregar ao Estado as prestações tributárias e acréscimos legais em dívida. LXXXV. Nos termos do artigo 50.º do C. Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão não superior a 5 anos de prisão se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. LXXXVI. As penas de prisão sendo fortemente restritivas de um direito constitucionalmente consagrado no n.º 1 do artigo 27.º da C.R.P (a liberdade individual), devem funcionar de acordo com uma lógica de última ratio. LXXXVII. Tendo por base as considerações de prevenção especial e geral que o presente caso requer, uma pena de prisão suspensa na sua execução realizaria e asseguraria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e revelar-se-ia adequada a cuidar das exigências de prevenção geral e especial. LXXXVIII. Pois, na verdade, os arguidos só deviam cumprir pena efetiva de prisão em que foram condenados, se esta fosse a única forma de alcançar as finalidades visadas com a punição, ou, se a privação de liberdade fosse o único meio adequado de estabilização contrafáctica das expectativas da comunidade na vigência da norma violada, podendo, ao mesmo tempo servir a socialização dos arguidos, o que não é o caso. LXXXIX. A suspensão da execução da pena de prisão de três anos, por um período de cinco anos na condição de entregar a prestação tributária e acréscimos legais da sua responsabilidade, seria o necessário e mais do que o suficiente para se poder alcançar o desiderato pretendido. XC. Pelo exposto, o tribunal recorrido devia ter aplicado uma pena de 3 anos de prisão a cada um dos arguidos (BB e AA) suspensa na sua execução, por um período de cinco anos, condicionada ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, conforme o previsto no artigo 14.º do RGIT, e ao não o ter feito, não fez nessa medida a interpretação e a aplicação mais correta e adequada do disposto nos artigos 71.º, 40.º, 77.º e 50.º do Código Penal e 14.º do RGIT, o que violou frontalmente esses citados preceitos legais, o que se impõe que este Tribunal Superior faça a devida Justiça em conformidade com o supra mencionado.»
Pugnam estes recorrentes pela revogação do acórdão recorrido e sua substituição por outro que os absolva dos crimes pelos quais foram condenados; se assim não se entender, defendem a parcial procedência do recurso, com a revogação do acórdão recorrido e sua substituição por outro que condene os recorrentes numa pena de prisão de três anos, suspensa na sua execução por um período de cinco anos, na condição de entregar ao Estado a prestação tributária e acréscimos legais em dívida.
B. Recurso do arguido CC
Este finaliza o seu recurso com as conclusões que seguem:
«I. O Acórdão sob escrutínio assentou parte da fundamentação da decisão de facto em documentos e prova obtida através dos Serviços de Inspecção Tributária. II. Alguma dessa prova foi obtida em manifesta violação do Princípio da Proibição da Auto-incriminação. III. Tal princípio assegura que nenhum indivíduo seja obrigado a produzir provas contra si mesmo em um processo penal; ou seja, uma pessoa não pode ser forçada a confessar, testemunhar ou fornecer qualquer evidência que possa resultar em sua própria condenação. IV. É ILICITA a transmissibilidade da prova obtida por inspecção tributária para o Processo Penal. V. É inconstitucional por violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, ínsito no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República portuguesa, a interpretação normativa dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a), todos do Código de Processo Penal, segundo a qual os documentos fiscalmente relevantes obtidos ao abrigo do dever de cooperação previsto no artigo 9.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira e no artigo 59.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária por uma inspeção tributária realizada a um contribuinte, durante a fase de inquérito de um processo criminal pela prática de crime fiscal movido contra o contribuinte inspecionado e sem o prévio conhecimento ou decisão da autoridade judiciária competente, podem ser utilizados como prova no mesmo processo. VI. Toda a prova documental adquirida nos autos – e, obtida através do princípio da colaboração e da verdade dos contribuintes (ainda não constituídos arguidos) perante a Autoridade Tributária – proveniente dos respectivos Serviços de Inspecção que sustentou a acusação e a decisão condenatória é NULA, porque é ILÍCITA a “transmissibilidade da prova obtida por inspecção tributária para o processo penal”. VII. Concretamente, não pode ser considerada válida a prova documental obtida à custa do desrespeito do princípio “nemo tenetur se ipsum accusare”; que, no caso, é o Relatório Final, elaborado pela AT junto aos autos a fls. 2255. VIII. O Tribunal “a quo” entendeu como válidos os elementos recolhidos, através de correio electrónico apreendido. IX. o artigo 34º, n.º 4 da CRP dispõe que o acesso ao conteúdo de comunicações privadas, incluindo mensagens electrónicas, depende de decisão judicial (e, não da autoridade judiciária); isto é, do Juiz das Garantias: o JIC. X. Trata-se de um direito fundamental que visa proteger a privacidade dos cidadãos contra ingerências arbitrárias e não autorizadas. A apreensão sem prévia autorização judicial configura uma violação desse direito (à privacidade); o que implica o desrespeito por princípios basilares do Estado de Direito e torna a prova obtida desse modo, inexoravelmente, NULA. XI. O artigo 17º da Lei do Cibercrime reforça que a obtenção e intercepção de comunicações electrónicas devem seguir um rigoroso procedimento legal que garanta a salvaguarda dos direitos fundamentais. A não observância deste procedimento compromete a legitimidade da prova, pelo que é imprescindível a exclusão da evidência obtida em desrespeito à norma. XII. O artigo 126º, n.º 3 do Código de Processo Penal (CPP) estabelece que são inadmissíveis as provas obtidas por meios que coloquem em causa os direitos fundamentais do acusado. A apreensão não autorizada de correio electrónico insere-se nesta categoria, cuja consequência é a invalidade de toda a prova assim recolhida. XIII. O artigo 179.º, n.º 3 do CPP determina que a apreensão de correspondência exige autorização judicial; o que, no caso em análise, não foi respeitado. Tal desrespeito resulta em nulidade, conforme previsto no ordenamento jurídico português. XIV. A norma que constitui o objeto do presente recurso é inconstitucional por violação dos direitos fundamentais à inviolabilidade da correspondência e das comunicações (consagrado no artigo 34.º, n.º 1, da CRP), à proteção dos dados pessoais no âmbito da utilização da informática (nos termos do artigo 35.º, n.ºs 1 e 4, da CRP), enquanto refrações específicas do direito à reserva de intimidade da vida privada, (consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição), em conjugação com o princípio da proporcionalidade (nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da CRP) e com as garantias constitucionais de defesa em processo penal (previstas no artigo 32.º, n.º 4, da Lei Fundamental). XV. A Lei do Cibercrime, lei nº 109/2009, de 15 de Setembro, a qual transpõe para a ordem jurídica interna a Decisão Quadro nº 2005/222/JAI, do Conselho da Europa, de 24 de Fevereiro, relativa a ataques contra sistemas de informação e adapta o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa, determina no seu artº 17º, sob a epígrafe da “apreensão de correio electrónico e registo de comunicações de natureza semelhante”, que, quando no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados armazenados nesse sistema informático ou noutro que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime de apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal. XVI. Aplica-se, assim, o regime de apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal; e, este encontra-se disciplinado no art.º 179º, o qual estabelece desde logo no n.º 1 que tais apreensões sejam determinadas por despacho judicial, “sob pena de nulidade” expressa. XVII. A sua violação constitui uma nulidade expressa absoluta e que se reconduz, a final, ao regime de proibição de prova. XVIII. A falta de exame da correspondência pelo juiz constitui uma nulidade, por se tratar de um acto processual legalmente obrigatório. XIX. Na sequência do acórdão da Relação de Lisboa, no processo n.º 184/12.5TELSB-B.L13: “entendemos que o legislador não quis, através da Lei do Cibercrime, consagrar uma menor protecção à correspondência electrónica do que aquele que consagra em relação à correspondência física. Na verdade, não faria sentido, deixar de considerar os restantes requisitos, fazendo a apreensão de correio electrónico depender apenas de a diligência “se afigurar ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova”, e ignorar os demais previstos no citado artigo 179.º do CPP. XX. Tendo em consideração que estão em causa direitos, liberdades e garantias constitucionalmente protegidos, como o direito à privacidade e reserva da vida privada e familiar e à inviolabilidade da correspondência e comunicações (cf. arts. 26.º, n.º 1, 34.º, n.º 1 e 18.º, n.ºs 2 e 3, todos da CRP), as respectivas restrições têm de obedecer aos pressupostos materiais da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido restrito (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2007, págs. 388 e 392). XXI. Compulsado os autos a fls. 1391, 1425, 1441, 1443, 1571 a 1579, 1580, 1581, 1582, 1594, 1636 a 1639, 1640, 1643 e 1645, concluímos que num domínio de enorme sensibilidade, como é a reserva da intimidade privada, o conteúdo efectivo da correspondência electrónica “andou nas mãos” de quem não tem Jurisdição. XXII. Uma matéria que exige tratamento “com pinças” – e do maior sigilo – e, cuja competência está reservada ao JIC [titular da Jurisdição], acabou por ser remetida à autoridade judiciária [que não é titular de nenhum poder soberano]; e, desta, baixou de nível; pois, foi relegada, para técnicos superiores que integram a estrutura de OPC’s da AT., a matéria importante para a investigação. XXIII. O procedimento de apreensão da correspondência digital, nos presentes autos, não se acha conforme a Lei; nem com a melhor Jurisprudência e Doutrina. XXIV. O procedimento adoptado para a apreensão da correspondência electrónica acima descrito, não respeitou os cânones da protecção da correspondência; concretamente, a protecção das missivas de natureza privada e particular. XXV. As violações normativas acima enumeradas demonstram de forma inequívoca que a prova obtida é nula e deve ser desentranhada dos autos. Pois, a observância das garantias fundamentais é imperativa para que se mantenha a integridade do processo penal e a confiança no sistema judiciário. XXVI. Constitui até fonte expressa de uma nulidade correspondente a proibição de prova. XXVII. A falta de exame da correspondência pelo juiz constitui uma nulidade, por se tratar de um acto processual legalmente obrigatório. XXVIII. O MP não se bastou com a junção do documento de fls. 2255 (o Relatório da AT). XXIX. o MP trouxe a depor o referido Inspector, autor do Relatório, para ser ouvido na qualidade de testemunha. XXX. para alguém ser testemunha… revela-se necessário que a pessoa tenha percepcionado algo com um – ou, mais do que um – dos seus 5 sentidos, a saber: visão, audição, olfacto, paladar ou tacto. XXXI. O Inspector não viu… não ouviu… não saboreou… não sentiu… e, não cheirou… Muito embora ele quisesse dizer que lhe “cheirava” algo. XXXII. Tanto assim é que o próprio depoente confirmou isso mesmo à advogada do arguido recorrente ao confirmar que: 00:47:56 – “Diretamente, em concreto, não viu, não ouviu e não sentiu? Certo?”; HH - 00:48:09 – “Obviamente que não.” XXXIII. Todas as afirmações deste Inspector assentaram em convicções pessoais; e, não sustentadas em factos susceptíveis de serem apreendidos e comprovados. XXXIV. Mais parece uma testemunha de II… logo, não relevante para a fundamentação da decisão de facto. XXXV. Não obstante, o depoimento do Inspector revelou-se determinante para a fundamentação da condenação, conforme resulta da fundamentação da decisão de facto. XXXVI. O depoimento prestado pelos inspector – que NÃO É testemunha – deverá ser, integralmente, EXPURGADO da fundamentação da decisão de facto. XXXVII. O Tribunal recorrido (cfr. pag. 65 do Acórdão) deu credibilidade as declarações prestadas pelo arguido AA; em detrimento do depoimento do arguido CC. XXXVIII. E ainda o Tribunal “a quo” deu relevância “à versão que trouxe em inquérito, aditada às suas declarações confessórias”. XXXIX. O Tribunal “a quo” não acreditou na versão primeira que o arguido AA terá declarado no início da audiência (em que ilibou o recorrente CC da responsabilidade criminal); todavia, acreditou na versão factual que aquele arguido terá relatado, em declarações em sede inquérito, perante o Ministério Público (porque, no final das declarações prestadas em audiência aquele arguido – já cansado do interrogatório – terá confirmado a versão INVERIDICA prestada “para memória futura”, perante o MP). XL. O valor probatório das declarações de um arguido, relativamente aos co-arguidos sempre foi um tema polémico e controvertido devido à diminuída credibilidade atribuída a essas declarações. XLI. As declarações prestadas por um arguido em fase de inquérito ou instrução podem ser lidas em julgamento e usadas como prova sujeita à livre apreciação do Juiz, como determina o art. 357º; significa isto que também podem ser usadas como meio de prova contra co-arguidos no mesmo processo; desde que, respeitado o contraditório, nos termos do n.º 4 do art. 345º. XLII. O problema que existe actualmente com este normativo, resulta do facto de quando um arguido presta declarações em inquérito, seja perante Juiz de Instrução ou Ministério Público, não estarem presentes os defensores dos co-arguidos; tendo em conta o disposto no art. 141º nº 2, o qual determina que “o interrogatório é feito exclusivamente pelo Juiz, com assistência do Ministério Público e do defensor e estando presente o funcionário de justiça. Não é admitida a presença de qualquer outra pessoa, a não ser que por motivo de segurança, o detido deva ser guardado a vista”, e alargado aos restantes interrogatórios pelo art. 144 nº 1, que determina que obedece “em tudo quanto for aplicável, às disposições deste capítulo”, e poderem até os demais co-arguidos ainda não terem sido constituídos enquanto tal no processo. XLIII. O co-arguido está impedido de depor como testemunha, de acordo com o art. 133, nº 1, al. a), pois há incompatibilidade entre as posições de arguido e de testemunha, há uma diferença no estatuto de depoente. [SEIÇA, António Alberto Medina, “O Conhecimento Probatório do Co-arguido”, Coimbra Editora, 1999] XLIV. As declarações constituem uma proibição de prova do art. 58º, n.º 5 e, portanto, não podem ser utilizadas nem contra o próprio nem contra co-arguidos. XLV. A Doutrina é praticamente unânime no sentido que as declarações prestadas por um arguido podem ser valoradas como meio de prova contra co-arguidos, todos os autores se mostram cautelosos na valoração das mesmas, apontando limites a essa mesma valoração, como sejam o direito ao silêncio dos arguidos, a possibilidade de contraditório sobre as declarações e a possível necessidade de corroboração das mesmas. XLVI. Quanto às declarações prestadas por arguido em fase preliminar do processo, parece ser hoje possível valorá-las em julgamento como meio de prova contra co-arguidos, uma vez que não há nenhuma disposição legal que o impeça e estamos no domínio da atipicidade de meios de provas, prescrito pelo art.º 125º. XLVII. Embora o Código de Processo Penal não proíba a utilização de declarações de um arguido como meio de prova relativamente a co-arguidos, exige para a sua valoração que o declarante não se remeta ao silêncio. Nos termos do artigo 345º, n.º 4 “não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recuse a responder às perguntas formuladas”. XLVIII. O Professor Germano Marques da Silva defende que “o valor do depoimento de um arguido relativamente ao co-arguido, suscita questões delicadas e exige especial ponderação por parte do julgador. Assim, se não for possível assegurar o contraditório sobre o depoimento que o co-arguido presta, as suas declarações não podem ser utilizadas em prejuízo de um co-arguido no mesmo processo”. XLIX. O facto de os arguidos terem direito ao silêncio e não prestarem juramento, implica que as declarações que prestem, especialmente as que atribuam a culpa aos seus coarguidos, são de credibilidade duvidosa; e, portanto, devem ser valoradas com cautelas pelo Juiz. L. Se estivermos perante declarações que foram prestadas em fase preliminar do processo e não em audiência, essas cautelas devem ser muito maiores. LI. As declarações de um co-arguido têm naturalmente uma credibilidade mais diluída; mas, são valoradas de acordo com as regras de experiência e a livre convicção da entidade competente. LII. Podemos concluir que, como salienta Medina de Seiça “apesar de o CPP nada dizer expressamente sobre as declarações de um co-arguido como meio de prova, não há impossibilidade da sua valoração na parte que se refere aos factos de outro arguido”. LIII. Não sendo uma prova proibida, é um meio de prova particularmente frágil que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia, muito menos para sustentar uma condenação”. LIV. Em conclusão: a necessidade de corroboração defendida pela maioria da doutrina é imprescindível. Daí considerar que a condenação de um arguido com fundamento nas declarações prestadas por um co-arguido em fase de inquérito ou instrução, sem que as mesmas tenham sido corroboradas por outros meios de prova, constitui uma violação do princípio da presunção de inocência, garantido pelo art. 32º, nº 2 da CRP. LV. O Tribunal recorrido acreditou mais nas palavras titubeantes – e nas versões contraditórias do arguido AA – do que, nas declarações verdadeiras do arguido recorrente. LVI. E, valorou o depoimento prestado pelo arguido AA, em sede de inquérito, em detrimento das declarações prestadas na audiência final (as quais ilibaram o arguido CC) … porque, segundo pareceu ao Tribunal “é muito mais compatível com as regras do normal acontecer”… (cfr. pág. 66 do Aresto recorrido). LVII. Olvidou o Tribunal os ensinamentos de Germano Marques da Silva que afirma: “a regra da experiência, qual ela seja, tem de ser confirmada ou afastada por elementos concretos recolhidos nos autos, não sendo possível um juízo abstracto, um juízo a partir de qualquer regra de experiência comum”. LVIII. Esquece, igualmente, o Tribunal recorrido que, apesar de ter a escolaridade mínima, AA é empresário há mais de 50 anos… tem muita experiência de vida… e, muitos contactos com pessoas experientes em contabilidade e em fiscalidade. LIX. AA teria capacidade para desenvolver sozinho os planos (por si) arquitectados que, mais não eram, senão réplicas uns dos outros. LX. O depoimento do co-arguido AA não é um meio de prova proibido; porém, é um meio de prova particularmente frágil que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia, muito menos para sustentar uma condenação”. Pois, tal depoimento detém uma “credibilidade diminuída… e, é insuficiente para dar segurança probatória a uma condenação em julgamento”. LXI. A ilustração das declarações do arguido AA consta do item 174 da motivação. LXII. Não se entende, por isso, por que razão o Tribunal concluiu dever dar maior crédito às declarações prestadas perante a Magistrada do MP, em sede de inquérito. LXIII. Em conclusão, como supra fundamentamos, as declarações do co-arguido AA não podem ser valoradas como depoimento de uma testemunha, pois que têm a sua credibilidade diminuída conforme supra sustentamos. LXIV. O TRG – pelo menos, assim se espera – deverá invalidar a prova decorrente dos emails apreendidos, porquanto trata-se de prova proibida. LXV. Resulta que a prova constante dos referidos emails, também, não serve de corroboração às declarações prestadas pelo co-arguido AA. LXVI. As declarações do co-arguido AA ficam a valer em singelo e por si só. LXVII. Não são elemento bastante para sustentar uma condenação do arguido aqui recorrente; pois trata-se, como toda a Doutrina reconhece, de uma prova frágil e com valor meramente indiciário. LXVIII. Inexiste prova segura da participação do arguido CC como cúmplice do esquema arquitectado – e, de resto confessado – pelo arguido AA. LXIX. Deste modo, ao abrigo – pelo menos – do princípio do in dúbio pro reo impõe-se a absolvição do arguido CC; pois, a manter-se a sua condenação (que não vislumbramos), constituiria uma violação do princípio da presunção de inocência, garantido pelo art.º 32º nº 2 da CRP. LXX. O TRG deverá julgar não provados todos os factos que coloquem o arguido CC como auxiliar consciente (na vertente de cúmplice), relativamente ao autor que confessou ter cometido a actividade delituosa. LXXI. Pugnamos para que, do rol dos factos “julgados provados”, passem a figurar como “não provados”, relativamente ao arguido CC, os seguintes factos constantes do título II do Acórdão (pág. 3 a 55): Factos nºs 2 (“criaram um estratagema com auxílio do contabilista das empresas”); 74; 77; 98; 110; 126; 130; 142; 151; 163; 173; 185; 209; 223; e, 231. LXXII. A revogação da factualidade dada como provada, conforme acima propusemos, determina a não subsunção às previsões normativas aplicáveis. LXXIII. o Tribunal “ad quem” – para concretização da Justiça a que nos tem habituado – deverá revogar a condenação do arguido; e determinar a absolvição do mesmo; porquanto, inexistem factos subsumíveis à previsão do tipo legal de crime, pelo qual o arguido foi, provisoriamente, condenado. LXXIV. Pelo menos, através da aplicação do princípio do in dubio pro reo, os factos julgados provados, em primeira instância, deverão ser dados com “não provados”; o que implica a absolvição do arguido, das condenações a que está transitoriamente sujeito. LXXV. O arguido/recorrente acredita que o TRG ajuizará, aprofundadamente, os argumentos aduzidos no presente recurso, através dos quais se pugna pela sua absolvição; e, por consequência, o presente segmento recursório revelar-se-á desnecessário. LXXVI. Subsidiariamente, a defensora do arguido aduz o presente capítulo de motivação; sendo certo que, continua a acreditar na absolvição do recorrente que patrocina. LXXVII. O Tribunal a quo proclama (na pág. 106) que “a aplicação de uma pena visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a medida da pena ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa. Toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, que fixará o seu limite máximo – cfr. artigo 40º, n.º 2 do Código Penal (“nulla poena sine culpa”).” LXXVIII. Na subsunção dos factos às previsões normativas aplicáveis, o Tribunal de 1ª instância fixou uma pena que ultrapassa os níveis de culpa do recorrente; isto é, partindo do pressuposto – não admitido – que CC cometeu a actividade delituosa, na vertente de cúmplice. LXXIX. Não devemos aferir a culpa do cúmplice pela culpa do autor; pois, se assim fosse… caso a culpa do autor fosse elevada, também, seria elevada a culpa do cúmplice. LXXX. O nível da culpa é pessoal e intransmissível. LXXXI. Depois de lermos o segmento decisório do Acórdão (das páginas 105 a 109) ficamos com a sensação de que o Tribunal recorrido transferiu níveis de culpa do autor AA, para o cúmplice CC. LXXXII. Relativamente ao nível da culpa de CC – a sua culpa concreta – o Acórdão não cuidou de quantificar. LXXXIII. O grau de prevenção especial do arguido recorrente, não poderá situar-se em níveis “médio alto”… quando muito, num nível mediano. LXXXIV. O nível da culpa deve situar-se num nível médio. LXXXV. Depois de se fixar o quantitativo máximo aplicável – por referência à punição do autor, especialmente atenuado, nos termos dos artigos 73º e 41º do CP (que o Tribunal a quo fixou em 5 anos e 4 meses, Cfr. última linha da pág. 105) – o Juiz recorrido deveria indagar pelo nível da culpa do cúmplice (que é pessoal, concreta e intransmissível). LXXXVI. O recorrente pugna para que a sua punição seja reduzida em 1/3 da pena aplicada – a título de cúmulo jurídico – e, se quantifique numa pena única nunca superior a 2 anos, suspensa por cinco, na condição de pagar a cifra de 33.000,00€. LXXXVII. No que respeita à temática “da perda de vantagens a favor do Estado” (sobre a qual o Tribunal recorrido discorreu no Título V, pág. 119 e 120 da sentença); a decisão de 1.ª Instância não cumpriu, cabalmente, o dever constitucional de fundamentação, nos termos do disposto no art. 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), e demais normas aplicáveis. LXXXVIII. Não se percebe tal condenação (!...) quando este arguido não obteve nenhuma vantagem proveniente da actividade ilícita. O Tribunal recorrido deveria ter fundamentado cabalmente a razão da necessidade da fixação de tal pena; pois, para este arguido tal condenação configura, mesmo, uma pena. LXXXIX. Decorre dos termos do artigo 205.º, n.º 1 da CRP, que todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas de forma clara e suficiente. Este dever é essencial para a garantia dos direitos das partes; de modo a permitir-lhes compreender as razões que sustentam a decisão e exercitar eficazmente os seus direitos de defesa e, concretamente, o direito ao recurso. XC. O Código de Processo Penal, no art. 374º, n.º 2, impõe que as sentenças sejam sempre fundamentadas, de forma detalhada, com descrição – e, argumentação convincente – dos factos provados e não provados, com a valoração da prova e o respectivo enquadramento jurídico. XCI. A soberania do poder jurisdicional advém do princípio da fundamentação, vertido na decisão concreta: o juiz exercerá – mais e melhor – a sua soberania democrática, quanto mais e melhor for argumentada e justificada a decisão; e, esta seja susceptível de ser compreendida pelo destinatário; bem como, pela comunidade em geral. XCII. Constata-se a preterição do dever de fundamentação no Acórdão recorrido; concretamente, na justificação explicativa da necessidade de fixação de uma perda de vantagem a favor do Estado, por parte do arguido CC. XCIII. Nesta parte, a sentença recorrida revela-se NULA, por omissão do dever de fundamentação. XCIV. É entendimento pacífico (nas, doutrina e Jurisprudência) de que a natureza jurídica da “declaração de perda a favor do Estado” justifica-se pela necessidade de prevenção. “Não se trata de uma pena acessória […] nem efeito da condenação. Trata-se de uma medida sancionatória análoga à medida sancionatória análoga à medida de segurança, pois baseia-se na necessidade de prevenção do perigo da prática de crimes”. (Anotação 2, no “Comentário do Código Penal, Paulo Pinto Albuquerque, pág. 460). XCV. É certo que “não resultaram provados concretos proventos da atividade criminosa para CC.” XCVI. Existe Jurisprudência que, clarissimamente, impõe que não se decrete a perda de vantagens, quando as mesmas se revelem inexistentes para o arguido. XCVII. “No Tribunal da Relação do Porto tem sido colocada e apreciada em vários recursos a questão de se saber contra quem deve ser declarada a perda de vantagens do crime, prevista no artigo 110º, n.º 1 do Código Penal: contra qualquer dos agentes/coautores do crime ou só contra quem delas beneficiou?” XCVIII. As respostas jurisprudenciais publicadas têm-se dividido entre as duas opções. XCIX. Até à presente data (Abril de 2005), desconhecemos a publicação de um qualquer Acórdão de Uniformização de Jurisprudência. C. A tal propósito, William Themudo Gilman, escreve: “Se o instituto da perda de vantagens atua com finalidades preventivas anulando os enriquecimentos de causa criminosa, lógico se torna que, além do caso excecional da recompensa prometida, apenas pode ser decretado contra quem enriqueceu na sequência dum ato ilícito típico e não contra o coautor ou cúmplice do crime que não enriqueceu. Se o coautor ou cúmplice não adquiriu vantagens do facto ilícito, como aplicar-lhe o instituto da perda de vantagens, tirando-lhe uma coisa que não tem ou algo de que não beneficiou? Condenar-se à perda de vantagem quem com o crime não enriqueceu não só não cumpre a finalidade do instituto, pois por definição não impede o enriquecimento de causa criminosa nem restaura a ordem patrimonial adequada ao direito, como ainda leva a um empobrecimento sem causa da pessoa que não adquiriu vantagens com o crime.” CI. Se vingasse a decisão de 1ª instância – e, acreditamos que não vingará – implicaria uma solução e consequência que nos parece irrazoável, pouco equilibrada e desproporcional. CII. No caso concreto, o arguido não apresenta “uma personalidade desviante”; “não resultou provados concretos proventos da atividade criminosa”; e, “a ameaça da pena revela-se adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição”. CIII. Acresce o facto de existir contradição na fundamentação (neste segmento decisório); porquanto, na pág. 117 da sentença afirma-se “Não resultaram provados concretos proventos da atividade criminosa para CC”… e, logo mais à frente, (na 1ª linha da pág. 119) escreve-se: “há expectativas objectivas” de que o arguido/recorrente “venha a ter meios financeiros” que lhe permita “pagar pelo menos parte do montante correspondente à vantagem patrimonial obtida com os factos em causa nos autos, mas nunca a sua totalidade, que ascende a montante que ronda o milhão de euros”. CIV. Verificamos a insuficiência de fundamentação; a contradição na fundamentação; bem como, a perplexidade do arguido (e da Comunidade em geral) porque não conseguimos vislumbrar uma justificação (que seja) para a “condenação” – sim, porque se trata de uma verdadeira “condenação” – na perda de vantagem – que não existiu – face à desnecessidade “de prevenção do perigo da prática de crime. CV. Para ser decretada a perda de vantagem contra alguém, têm de ser alegados e resultar provados: i) o facto ilícito, ii) a vantagem obtida, iii) o enriquecimento de causa criminosa e iv) quem beneficiou dessa vantagem, o enriquecido. CVI. A decisão recorrida não excute – nem problematiza sequer – a questão decidenda. Aponta a solução a que chegou sem fundamentar, convenientemente – com factos provados e com a respectiva subsunção jurídica dos mesmos – a tomada de decisão. CVII. Verifica-se, assim, insuficiência da matéria de facto para a decisão; ou, no mínimo, falta de fundamentação por não justificar a presença daquele fragmento decisório conclusivo, o que integra o vício da sentença previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. a) do CPP; ou, então, a nulidade dos artigos 374º, n.º 2 e 379º do CPP. CVIII. Acresce o facto de a decisão recorrida ter violado o princípio da proporcionalidade; ou, também conhecido como princípio da proibição do excesso, consagrado na Constituição, nos artigos 18º, nº 2; e, 2º da CRP. CIX. Para auxiliar a densificação dos conceitos de “proporcionalidade e proibição do excesso”, importará recorrer ao recorte conceptual que a Jurisprudência tem dispensado à temática. CX. Segundo o Acórdão STJ, Processo nº 257/10.9YRCBR.S1: “VI - O princípio da proporcionalidade tem inscrito uma função de controlo que emerge sempre que a protecção de interesses públicos possa entrar em conflito com os direitos fundamentais e liberdades públicas dos cidadãos, o que no âmbito penal ocorre com frequência. Nele se integram uma serie de postulados que são uma evidente derivação do respeito do bem liberdade e da assunção de um critério democrático de conformação do direito que apresentam a matriz de outros princípios como o de exclusiva protecção de bens jurídicos ou de mínima intervenção. VII - Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição Anotada, pág. 392 e ss.) sob o prisma do princípio da proporcionalidade importa distinguir os requisitos da idoneidade, necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Estas três exigências são requisitos intrínsecos de toda a medida processual restritiva de direitos fundamentais e exigíveis, tanto no momento da sua previsão pelo legislador, como na sua aplicação prática. VIII - O respeito pelo princípio da idoneidade exige que as limitações dos direitos fundamentais antecipadas pela lei estejam adaptadas aos fins legítimos a que se dirigem e que as mesmas sejam adequadas à prossecução das finalidades em função da sua adequação quantitativa e qualitativa e de seu espaço de aplicação subjectivo. Significa o exposto que o juízo sobre a idoneidade não se esgota na comprovação da aptidão abstracta de uma medida determinada para conseguir determinado objectivo, nem na adequação objectiva da mesma, tendo em consideração as circunstâncias concretas, mas também requer o respeito pelo princípio da idoneidade a forma concreta e ajustada como é aplicada a medida para que não se persiga uma finalidade diferente da antecipada pela lei. IX - Pela aplicação do princípio da necessidade a entidade vocacionada para aplicar a medida conformada pelo mesmo princípio deve eleger, entre aquelas medidas que são igualmente aptas para o objectivo pretendido que aquela é menos prejudicial para os direitos dos cidadãos. X - Por último, o uso do princípio da proporcionalidade em sentido estrito implica que se verifique se o sacrifício dos direitos individuais sujeitos à sua aplicação consagra uma relação razoável ou proporcional com a importância do objectivo que se pretende atingir. XI - O processo penal é um campo fundamental para tal exercício e, nessa sequência, as medidas restritivas de direitos, ou seja, a limitação ao jus libertatis de cada um de nós terá a sua justificação numa tarefa que é exercida em nome de toda a comunidade no exercício de um jus puniendi, que não é mais do que uma defesa de bens jurídicos indispensáveis à vida em sociedade. O mesmo princípio da proporcionalidade constitui, conjuntamente com os pressupostos materiais de previsão constitucional expressa, fundamento de restrições ao exercício de direitos, liberdades e garantias com foro constitucional.” CXI. “A perda de vantagens deve ser decidida pelo tribunal de acordo com o princípio da proporcionalidade” (acórdão do TEDH Paulet vs. Reino Unido, de 13.5.2014, § 67, e Figueiredo Dias, 1993, pág. 635, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime) – citado no Comentário ao Código Penal, de Paulo Pinto Albuquerque, pág. 462, anotação 12, ao artigo 111º do CP. CXII. Estes são os ensinamentos de Figueiredo Dias… e, perante eles, somos impelidos a pedir ao Tribunal ad quem que os acolha e, consequentemente, REVOGUE a decisão de declaração de perda de vantagens, relativamente ao arguido CC; porquanto, a decisão a quo (aqui sob escrutínio) revela-se desajustada, porque viola patentemente o princípio da proporcionalidade. CXIII. Nos itens 7 a 22 das presentes alegações arguimos a inconstitucionalidade – cuja fiscalização concreta sucessiva requeremos seja efectuada pelo TRG, por violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, ínsito no artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República portuguesa – da interpretação normativa dos artigos 61º, n.º 1, alínea d), 125º e 126º, n.º 2, alínea a), todos do Código de Processo Penal; segundo a qual, os documentos fiscalmente relevantes obtidos ao abrigo do dever de cooperação previsto no artigo 9º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira e no artigo 59º, n.º 4, da Lei Geral Tributária por uma inspeção tributária realizada a um contribuinte, durante a fase de inquérito de um processo criminal, pela prática de crime fiscal movido contra o contribuinte inspecionado e sem o prévio conhecimento ou decisão da autoridade judiciária competente, podem ser utilizados como prova no mesmo processo. CXIV. O princípio aqui em crise está intimamente ligado à presunção de inocência e ao direito ao silêncio; e, protege os direitos do acusado e garante um julgamento justo. Ele também aparece em instrumentos internacionais de direitos humanos, como o artigo 14º, n.º 3, al. g) do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos que afirma que “ninguém pode ser compelido a depor contra si mesmo ou a confessar culpa”. CXV. A prova documental obtida à custa do desrespeito do princípio “nemo tenetur se ipsum accusare” – que sustentou a condenação do arguido recorrente, proveniente dos Serviços Tributários – é NULA, porque não acolheu a jurisprudência proveniente do acórdão do TC n.º 298/2019 que declarou inconstitucional, por violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, ínsito no artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação normativa dos artigos 61º, n.º 1, alínea d), 125º e 126º, n.º 2, alínea a), todos do Código de Processo Penal. CXVI. A interpretação normativa e concatenada do artigo 16º e 17º da Lei do Cibercrime; bem como, dos artigos 126º nº 3, 179º nº 3 e 268º nº 3, todos do CPP, revela-se inconstitucional por violação do artigo 34º, nº 4 da CRP. CXVII. O mencionado artigo 34º, n.º 4 da CRP dispõe que o acesso ao conteúdo de comunicações privadas, incluindo mensagens electrónicas, depende de decisão judicial (e, não da autoridade judiciária); isto é, do Juiz das Garantias: o JIC. CXVIII. Conclui-se – conforme foi supra explanado nos itens 23 a 68 – que a interpretação normativa concretizada nos autos, aos referidos artigos de direito ordinário, revela-se inconstitucional por violação dos direitos fundamentais à inviolabilidade da correspondência e das comunicações (consagrado no artigo 34.º, n.º 1, da CRP), à protecção dos dados pessoais no âmbito da utilização da informática (nos termos do artigo 35.º, n.ºs 1 e 4, da CRP), enquanto refracções específicas do direito à reserva de intimidade da vida privada, (consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição), em conjugação com o princípio da proporcionalidade (nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da CRP) e com as garantias constitucionais de defesa em processo penal (previstas no artigo 32.º, n.º 4, da Lei Fundamental). CXIX. Nos itens 106 a 188, da motivação encontra-se explanado a violação do princípio da presunção de inocência, garantido pelo art.º 32º nº 2 da CRP; na medida em que, o Tribunal recorrido relevou o depoimento do co-arguido AA, em detrimento das declarações do arguido, aqui recorrente. CXX. Em conclusão: a necessidade de corroboração defendida pela maioria da doutrina é imprescindível. Daí considerar que a condenação de um arguido com fundamento nas declarações prestadas por um co-arguido em fase de inquérito ou instrução, sem que as mesmas tenham sido corroboradas por outros meios de prova, constitui uma violação do princípio da presunção de inocência, garantido pelo art. 32º, n.º 2 da CRP. CXXI. A interpretação normativa concatenada dos artigos 110º e 111º do CP – segundo a qual é permitido declarar a “perda de vantagens”; mesmo, perante quem não retirou nenhuma vantagem patrimonial (ou outra) da actividade criminosa (como é o caso do arguido aqui recorrente); em relação ao qual, o Tribunal recorrido deu como provado que “não resultaram provados concretos proventos da atividade criminosa para CC.” – revela-se inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade. CXXII. A decisão recorrida violou o princípio da proporcionalidade; ou, também conhecido como princípio da proibição do excesso, consagrado na Constituição, nos artigos 18º, nº 2; e, 2º da CRP (vide a argumentação supra explanada nos itens 232 a 279).»
Pede o recorrente a modificação da decisão de facto, o que implicará a sua absolvição do arguido por não ter prestado auxílio na actividade delituosa confessada; subsidiariamente, pede a redução da medida da pena em 1/3 e, em quaisquer circunstâncias, a sua absolvição da condenação da perda de vantagens.
C. Tramitação subsequente
Os recursos foram admitidos.
O Ministério Público na 1.ª instância apresentou resposta conjunta aos recursos, sendo as conclusões:
«1. Não há ilicitude na transmissão da prova obtida pela inspecção tributária. 2. O que aconteceu foi que no âmbito de uma acção inspectiva foram detectadas irregularidades que indiciavam a prática de um ilícito criminal. 3. Nessa medida foi elaborado o competente auto de notícia e dado curso a inquérito para investigação da matéria criminal. 4. A condução da investigação esteve a cargo da Autoridade Tributária enquanto órgão de policia criminal, legalmente estabelecido. 5. Toda a documentação apreendida foi objecto de autorização ou validação judicial. 6. O mesmo se diga quanto à correspondência apreendida, confome decorre dos despachos de fls. 1640 e 1643. 7. Inexiste qualquer nulidade pela eventual violação do princípio do Juiz natural. 8. O Meritíssimo Juiz de Direito, Dr. DD, tramitou o processo aqui em causa enquanto esteve colocado no Juízo Central Criminal de Braga - Juiz ..., ou seja até 15 de Julho de 2024. 9. Tendo sido movimentado, foi substituído no lugar pela Meritíssima Juiz de Direito, Dra. EE, que assumiu a tramitação subsequente do processo e a presidência do julgamento entretanto realizado. 10. No que respeita à leitura do acórdão, embora seja uma decisão colegial na leitura pública não é legalmente exigível que estejam presentes todos os juízes que compuseram o respectivo colectivo mas apenas o presidente ou quem o substitua. 11. Também a matéria que constituiu as alterações não substanciais dos factos imputados foi decidida em colectivo. 12. Caso tivesse sido requerida a produção adicional de prova na sequência da dita alteração, a audiência de julgamento seria reaberta, altura em que se constituiria novamente o colectivo para discussão e decisão sobre a matéria em julgamento. 13. Uma vez que não foi requerida a produção adicional de prova, passou-se para a leitura do acórdão já discutido colegialmente. 14. Deste modo, também nenhuma nulidade foi cometida quanto a tal matéria. 15. Aos recorrentes estava imputado a prática de dois crimes de fraude fiscal qualificada, por actos ilícitos cometidos no período compreendido entre 2014 e 2020, referentes às obrigações de IVA e IRC. 16. Nos termos do disposto no artigo 119º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, «o prazo de prescrição só corre nos crimes continuados e nos crimes habituais, desde o dia da prática do último acto». 17. No caso em apreço, os últimos actos de execução ocorreram em 2020. 18. Os crimes de fraude fiscal qualificada encontram-se previstos e punidos nos artigos 103º e 104º, n.º 2 e 3, ambos do R.G.I.T., correspondendo-lhe, em abstrato, e para as pessoas singulares, quanto ao n.º 3, uma pena de prisão de 2 a 8 anos. 19. Da conjugação do artigo 118º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, com o artigo 21º, n.º 2, do RGIT, resulta que o prazo de prescrição aplicável ao caso é de dez anos. 20. Em todo o caso, nos termos do disposto nos artigos 120º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 e 121º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, a pendência do procedimento criminal após a notificação da acusação constitui simultaneamente causa de suspensão e interrupção do prazo prescricional, sendo que a suspensão se prolonga por um máximo de três anos. 21. Conjugando todos estes elementos, resulta que o procedimento criminal nos autos não se encontra prescrito. 22. A motivação do acórdão recorrido está fundamentada de forma coerente e objectiva, sendo perfeitamente possível reconstituir e apreender o caminho lógico seguido pelo Tribunal para chegar às conclusões a que chegou, sempre orientada pelas regras da experiência comum. 23. O Tribunal da Relação só pode modificar a decisão recorrida em termos de facto quando a prova imponha decisão diversa daquela que foi tomada pelo tribunal recorrido. 24. Se a prova indicada no recurso permitiria, eventualmente, uma decisão diversa da recorrida mas não a impõe, o recurso não pode merecer provimento, por não poder o Tribunal de recurso, em casos destes, bulir na decisão recorrida. 25. A perspectiva que os recorrentes trazem da prova, admitindo-se como defensável, não é única; e não o sendo, não impõe decisão diversa da recorrida. 26. O acórdão nenhuma censura merece no que à apreciação da prova feita em audiência de discussão e julgamento e no que aos factos de tal prova retirados respeita. 27. Em todo o caso, os recorrentes, não obstante discordarem da avaliação da prova efectuada pelo Tribunal a quo, não indicam, como lhes competia nos termos do disposto no artigo 412º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, os elementos probatórios que no seu entender impunham decisão diversa, limitando-se a divagar genericamente sobre as razões da sua discordância. 28. Não decorre da decisão a quo qualquer violação do princípio in dubio pro reo, porquanto da factualidade dada como provada e da fundamentação de facto aí explanada não se alcança que se haja instalado na convicção do julgador qualquer dúvida quanto à forma como os factos ocorreram. 29. Segundo o artigo 71º, n.º 1, do Código Penal, a determinação da pena far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. 30. A culpa reflecte a vertente pessoal do crime, assegurando que a pena não irá violar a dignidade da pessoa do arguido. 31. As exigências de prevenção na determinação da pena reflectem-se em dois domínios: - no domínio da sociedade, visando restabelecer nela a confiança na norma violada e a sua vigência (prevenção geral positiva); - no domínio pessoal do agente, tentando a sua reintegração e o respeito pelas normas jurídicas (prevenção especial positiva). 32. Os vectores da medida da pena previstos no artigo 40º do Código Penal são concretizados pelos factores de determinação da medida concreta da pena que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. 33. Alguns desses factores são elencados no artigo 71º, n.º 2, do Código Penal, a título exemplificativo. 34. Sendo assim, na determinação da medida concreta da pena valorar-se-ão o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade dolosa do agente, as suas condições pessoais, a sua conduta anterior e posterior ao facto, as exigências de prevenção e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, tendo em conta as exigências de futuros crimes. 35. No caso em apreço, há que considerar: - o dolo intenso, porque directo; - a elevada gravidade dos factos praticados, patente na elevada ilicitude e culpa; - o elevado prejuízo causado ao Estado e, em contrapartida, os elevados ganhos gerados para os arguidos AA e BB; - o modo de execução do crime, com interposição de empresas fantasma, e o longo período de actuação; - as exigências de prevenção geral são muito elevadas, considerando que a fuga ao fisco é um flagelo que se arrasta desde há longos anos difícil de expurgar, com toda a danosidade social que daí advém; - as exigências de prevenção especial são também prementes, considerando, os vastos antecedentes criminais dos arguidos AA e BB; - de sopesar ainda a ausência de confissão e exteriorização de arrependimento por parte dos arguidos BB e CC. 36. Considerando os critérios estabelecidos, não merece qualquer reparo a medida das penas parcelares e da pena única aplicadas aos arguidos, ora recorrentes, atendendo ao grau de culpa por si revelado, à intensidade do dolo e grau de ilicitude, bem como às exigências de prevenção geral e especial que ao caso se fazem sentir. 37. A decisão recorrida não violou quaisquer normativos legais, designadamente os invocados pelos recorrentes. 38. A decisão recorrida não merece qualquer censura, nomeadamente na parte ora sindicada pelos recorrentes.»
Como corolário, pede a manutenção da decisão recorrida.
Nesta Relação, o Senhor Procurador-Geral Adjunto, além de acompanhar esta resposta, escalpeliza no seu parecer de forma abrangente cada uma das questões levantadas nos recursos, invocando a propósito a lei aplicável, bem como jurisprudência e doutrina, entendendo que os recursos não devem merecer provimento.
Cumprido o contraditório, houve duas respostas:
- dos arguidos BB e AA, reiterando o por si invocado no recurso;
- do arguido CC, em sentido semelhante, e concretizando os contornos do princípio da proporcionalidade do art. 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A. Delimitação do objecto dos recursos[3] 1.Recurso dos arguidos BB e AA
Nos termos do art. 412.º do Código de Processo Penal[4], e face às conclusões do recurso, são onze as questões a resolver:
a) se o procedimento criminal está prescrito (conclusões XXXVIII a XLI);
b) se ocorreu nulidade insanável do art. 119.º, a) (conclusões XXVI a XXXIII);
c) se o Tribunal a quo usou prova proibida, por violação de correspondência electrónica (conclusões VIII a XVII e XXII a XXV);
d) se houve violação do princípio da proibição da auto-incriminação (conclusões IV a VI, XVIII a XXI);
e) se foi cometida a nulidade insanável do art. 119.º, e) (conclusões XXXIV a XXXVII);
f) se há nulidade por falta de fundamentação do acórdão recorrido (conclusões XLVIII a LVI e LXXV);
g) se há erro notório na mesma sede (conclusões XLII a XLV);
h) se há erro de julgamento (conclusões LVII a LIX, LXI a LXIII, LXV a LXXII);
i) se foi violado o princípio in dubio pro reo (conclusões LX e LXIV);
j) se a medida das penas aplicadas aos recorrentes deve ser reduzida (conclusões LXXIII, LXXIV, LXXVI a LXXVIII, LXXX a LXXXIII);
l) se a pena única de cada um deles deve ser suspensa na sua execução (conclusões LXXIX, LXXXIV a XC).
2.Recurso do arguido CC
Perante as conclusões do recurso, devem ser apreciadas nove questões[5]:
a) se o Tribunal a quo usou prova proibida, por violação de correspondência electrónica (conclusões VIII a XXVII);
b) se houve violação do princípio da proibição da auto-incriminação (conclusões I a VII);
c) se há nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação (conclusões LXXXVII a XCIII);
d) se é inadmissível, como prova testemunhal, o depoimento de HH (conclusões XXVIII a XXXVI);
e) se há contradição na fundamentação da perda de vantagens (conclusões CIII a CVII);
f) se há erro de julgamento, nomeadamente que respeita à valoração das declarações do co-arguido AA em relação ao recorrente (conclusões XXXVII a LXIII, LXV a LXVII e LXX a LXXIII);
g) se foi violado o princípio in dubio pro reo (conclusões LXVIII, LXIX e LXXIV);
h) se a medida da pena deve ser reduzida, bem como o valor do pagamento fixado como condição da respectiva suspensão (conclusões LXXVIII a LXXXVI);
i) se a perda de vantagens viola o princípio da proporcionalidade (conclusões XCIV a CII e CVIII a CXII).
B. Factos provados do acórdão recorrido[6]
«1) O arguido AA é casado com JJ e são pais de BB. 2) Os arguidos AA e BB, em data não concretamente apurada, mas anterior a 2014, aproveitando os contactos familiares que tinham entre si, em conjugação de esforços e de intenções, na qualidade de gerentes e representantes de diferentes sociedades, entre as quais, a EMP01..., Lda. nos anos de 2014 a Julho de 2017, a EMP02..., Lda., de Julho de 2017 a Dezembro de 2019, e a AA, Lda. de Dezembro de 2019 até janeiro de 2020, criaram um estratagema, com o auxílio do contabilista das empresas, CC, a fim de obterem benefícios fiscais ilegítimos. 3) Tal esquema consistia na interposição de uma sociedade de fachada no circuito documental, que intermediou as aquisições efetuadas pelas sociedades EMP01..., Lda., posteriormente, EMP02..., Lda. e, por fim, AA, Lda., aos fornecedores espanhóis, e que não cumpria com as suas obrigações fiscais em Portugal, sociedades estas para as quais os arguidos designaram um mero gerente de direito (vulgo testa-de-ferro), mas que eram geridas pelos próprios. 4) Posteriormente, em nome das sociedades de fachada era faturada a venda de mercadoria adquirida aos fornecedores espanhóis às sociedades EMP01..., Lda., mais tarde, à EMP02..., Lda. e, por fim, à AA, Lda, que, por sua vez, solicitavam a dedução do IVA referente a tais aquisições. 5) De seguida, a EMP01..., Lda., mais tarde, a EMP02..., Lda. e, por fim, a AA, Lda., vendiam a mercadoria a outras sociedades que também geriam ou para outros clientes, omitindo à Administração Tributária a declaração de parte das vendas. 6) Sendo que a principal vantagem fiscal das empresas geridas pelos arguidos – apelidadas de “EMP03...” - residia na dedução do IVA por parte das empresas principais. 7) No esquema criado e executado pelos arguidos, as obrigações declarativas foram transmitidas para uma sociedade de fachada, gerida por um testa-de-ferro, que não as cumpria. 8) Pois que, em nome das sociedades de fachada, os arguidos não declararam as aquisições intracomunitárias, nem declararam as transmissões em território nacional, não declarando o respetivo imposto liquidado, que teria de ser entregue nos cofres do Estado. 9) Desta forma, não só o IVA liquidado pelas sociedades de fachada não foi declarado como, por outro lado, a empresa do EMP03... exerceu o direito à dedução do imposto, que foi abatido ao imposto que teria de entregar ao Estado. 10) Trata-se de um esquema em que se simulam negócios, com a criação de um circuito documental artificioso, inserindo uma sociedade de fachada no meio do circuito económico, com o objetivo de ser obtida uma vantagem pelo EMP03..., a dedução indevida de um imposto que não foi entregue nos cofres do Estado. 11) Tendo em conta o negócio real, a aquisição aos fornecedores espanhóis foi sempre efetuada efetivamente pela empresa do EMP03..., que teria de ter liquidado o imposto pela aquisição intracomunitária e depois ter exercido o direito à dedução, o que teria um efeito nulo; contudo, através deste esquema, beneficiou da dedução de imposto, quando não foi cumprida a obrigação de entrega do imposto liquidado. 12) O “EMP03...” logrou ainda alcançar vantagens fiscais relacionadas com a omissão de vendas da EMP01..., EMP02... e da AA, Lda. aos seus clientes. 13) Pois que a utilização das empresas intermediárias/não declarantes para efetuar as aquisições a ..., permitiu a posterior manipulação dos valores de faturação dessas empresas para a EMP01..., para a EMP02... e para a AA, Lda, que era efetuada de acordo com as conveniências fiscais e contabilísticas das mesmas. 14) Na globalidade, as simuladas compras da EMP01..., da EMP02... e da AA, Lda., às empresas intermediárias nas aquisições a ... eram controladas/manipuladas em função das vendas faturadas, para que as compras não fossem superiores às vendas declaradas e para que existisse uma pequena margem de comercialização, não provocando sinais de alerta para a Autoridade Tributária.
Caracterização das sociedades:
A – Sociedades que exerceram a actividade do “EMP03...”: EMP01..., Lda.: 15) A sociedade EMP01..., Lda., que exercia a atividade do “EMP03...”, atualmente em liquidação administrativa, tem o NIPC ...83, matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número, encontrando-se registada no Serviço de Finanças em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), na atividade de comércio por grosso e a retalho de produtos porcinos. Importação e exportação (CAE 46320). 16) Desde a data da sua constituição, em 23.12.2013, o arguido AA foi indicado como gerente da sociedade e, embora com períodos em que a gerência de direito foi registada em nome de terceiros (entre 14.08.2015 e 21.04.2016, esteve nomeado como gerente KK; entre 10.08.2016 e 31.07.2017, esteve nomeado como gerente LL e desde 24.01.2018 até à declaração de insolvência da sociedade, em 14.10.2019, esteve nomeado como gerente MM), aquele arguido exerceu sempre a gerência de facto da referida sociedade. 17) Entre 2014 e 2019, eram os arguidos AA e BB quem, em conjunto, a geriam, de direito e/ou de facto, tomando as decisões relativas ao seu normal funcionamento, representando-a perante clientes e fornecedores, incluindo as que se reportam ao preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos por esta sociedade. 18) A EMP01..., Lda., teve a sua sede na Av. ..., ..., em ..., ..., mas, em 02.02.2018, foi alterada a sede, por iniciativa dos arguidos, para a Rua ..., em ..., local este onde a sociedade nunca exerceu qualquer atividade. 19) O contabilista certificado da EMP01... era o arguido CC.
EMP02..., Lda: 20) A sociedade EMP02..., Lda., que exercia a atividade do “EMP03...”, tem o NIPC ...91, matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número, encontrando-se registada no Serviço de Finanças em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), na atividade de comércio por grosso de carne e produtos à base de carne (CAE 46320). 21) Desde a data da sua constituição, em 28.06.2017, o arguido AA foi indicado como gerente da sociedade e, embora tenha deixado de constar como tal em termos estatutários, pois que a gerência de direito foi registada em nome de terceiros (entre 27.11.2018 e 14.06.2019, esteve nomeada como gerente NN e desde 14.06.2019, esteve nomeado como gerente OO), na verdade, exerceu sempre a gerência da referida sociedade. 22) Entre 2017 e 2019, eram os arguidos AA e BB quem, em conjunto, a geriam, de direito e/ou de facto, tomando as decisões relativas ao seu normal funcionamento, representando-a perante clientes e fornecedores, incluindo as que se reportam ao preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos por esta sociedade. 23) A sede da EMP02..., Lda., era na Avenida ..., ..., na freguesia ..., em ..., tendo sido alterada, em 08.06.2020, para a Avenida ..., ..., no ..., local este onde a sociedade nunca exerceu qualquer atividade. 24) O contabilista certificado da empresa era o arguido CC.
AA, Lda.: 25) A sociedade AA, Lda., que exercia a atividade do “EMP03...”, tem o NIPC ...40, matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número, encontrando-se registada no Serviço de Finanças em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), na atividade de comércio por grosso de carne e produtos à base de carne (CAE 46320). 26) Desde ../../2019, data da constituição da sociedade, foi nomeado gerente da mesma o arguido AA que, juntamente com o arguido BB, tomava as decisões relativas ao seu normal funcionamento, representando-a perante clientes e fornecedores, incluindo as que se reportam ao preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos pela arguida sociedade. 27) Tem domicílio fiscal na Rua ..., ..., em ..., que corresponde a instalações do EMP03... em ..., mas sempre teve sede na Av. ..., ..., ..., em .... 28) O contabilista certificado da empresa foi o arguido CC até ../../2020.
B- Sociedades de fachada (usadas para aquisições em ...): Comércio de Carnes de EMP02..., Lda.: 29) A sociedade Comércio de Carnes de EMP02..., Lda., era uma sociedade por quotas, com NIPC ...05, matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número, encontrando-se registada no Serviço de Finanças em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), na atividade de importação, exportação e comércio por grosso e a retalho de carnes e seus derivados (CAE 46320). 30) Desde ../../2009 até ../../2010, esteve nomeado como gerente PP e, desde então, esteve nomeado QQ. 31) Contudo, pelo menos desde 2014, tal sociedade não exercia qualquer atividade e, na realidade, não possuía trabalhadores, clientes ou fornecedores, sendo que os arguidos AA e BB se serviam da mesma para os efeitos que bem entendiam, designadamente, para efeitos de faturação não correspondente à realidade, bem como decidiam sobre o preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos por esta sociedade. 32) A sede da empresa era na Rua ..., ..., em ..., a qual, em 22.11.2011, foi alterada para a Rua ..., em .... 33) O contabilista certificado da empresa foi o arguido CC.
EMP03..., S.A.: 34) A sociedade EMP03..., S.A., tinha o NIPC ...29, estava matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número, encontrando-se registada no Serviço de Finanças em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), na atividade de comércio por grosso e a retalho de produtos porcinos, indústria de carnes, importação e exportação (CAE 46320). 35) A sociedade EMP03... foi constituída como sociedade por quotas em 16.12.2010, sendo sócios o arguido BB e a RR e gerente AA e desde 16.02.2011, BB. 36) Em maio de 2011, a sociedade EMP03... foi transformada em sociedade anónima e o Conselho de Administração passou a ser composto, entre o mais, pelo arguido EMP04.... 37) Em 9 de Maio de 2014 foi alterado o conselho de administração, passando a constar SS, TT e UU. 38) Contudo, sempre foram os arguidos AA e BB quem a geriam, de direito e/ou de facto, tomando ambos as decisões relativas ao seu normal funcionamento, representando-a perante clientes e fornecedores, incluindo as que se reportam ao preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos por esta sociedade. 39) Pelo menos desde 2014, tal sociedade não exercia qualquer atividade e, na realidade, não possuía trabalhadores, clientes ou fornecedores, sendo que os arguidos AA e BB se serviam da mesma para os efeitos que bem entendiam, designadamente, para efeitos de faturação não correspondente à realidade, bem como decidiam sobre o preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos por esta sociedade. 40) A sede da empresa era na Avenida ..., ..., na freguesia ..., em .... 41) O contabilista certificado da empresa foi o arguido CC.
EMP05..., Lda.: 42) A sociedade EMP05..., Lda., tem o NIPC ...70, está matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número, encontrando-se registada no Serviço de Finanças em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), na atividade de comércio por grosso e a retalho de produtos porcinos, indústrias de carnes, importação e exportação (CAE 46320). 43) Tem sede registada na Avenida ..., em ..., onde nunca existiu uma instalação associada à empresa. 44) A sociedade EMP05... foi constituída em 09.06.2015, tendo como sócia e gerente TT; contudo, sempre foram os arguidos AA e BB, quem a geriam, de facto, tomando ambos as decisões relativas ao seu normal funcionamento. 45) Tal sociedade não exercia qualquer atividade e, na realidade, não possuía trabalhadores, clientes ou fornecedores, sendo que os arguidos AA e BB se serviam da mesma para os efeitos que bem entendiam, designadamente, para efeitos de faturação não correspondente à realidade, bem como decidiam sobre o preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos por esta sociedade.
EMP06..., Lda.: 46) A sociedade EMP06..., Lda., tem o NIPC ...73, está matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número, encontrando-se registada no Serviço de Finanças em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), na atividade de importação e comércio por grosso de carne e produtos à base de carne (CAE 46320). 47) Tem sede estatutária na Avenida ..., em ..., onde nunca existiu uma instalação associada à empresa. 48) A sociedade EMP06... foi constituída em 30.05.2016, tendo como sócio e gerente VV, contudo, sempre foram os arguidos AA e BB, quem a geriam, de facto, tomando ambos as decisões relativas ao seu normal funcionamento. 49) Tal sociedade não exercia qualquer atividade e, na realidade, não possuía trabalhadores, clientes ou fornecedores, sendo que os arguidos AA e BB se serviam da mesma para os efeitos que bem entendiam, designadamente, para efeitos de faturação não correspondente à realidade, bem como decidiam sobre o preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos por esta sociedade.
EMP07..., Lda.: 50) A sociedade EMP07... Unipessoal, Lda., tem o NIPC ...75, está matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número, encontrando-se registada no Serviço de Finanças em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), na atividade de comércio por grosso de carnes e produtos à base de carne, prestação de serviços na área da restauração, exploração de cafés, bar e cantina (CAE 56290). 51) A sociedade EMP07... foi adquirida pelos arguidos, em 01.06.2016, tendo sido nomeado gerente WW e, em 27.03.2017, alterada para XX; contudo, pelo menos desde junho de 2016, foram os arguidos AA e BB quem a geriam, de facto, tomando ambos as decisões relativas ao seu normal funcionamento. 52) Pelo menos desde junho de 2016, tal sociedade não exercia qualquer atividade e, na realidade, não possuía trabalhadores, clientes ou fornecedores, sendo que os arguidos AA e BB se serviam da mesma para os efeitos que bem entendiam, designadamente, para efeitos de faturação não correspondente à realidade, bem como decidiam sobre o preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos por esta sociedade. 53) Teve sede na Rua ..., ..., em Guimarães, alterada para a Rua ..., dos mesmos freguesia e concelho, em 01.06.2016, e para a Quinta ..., em Lisboa, em 27.03.2017, em local onde nunca existiu uma instalação associada à empresa.
EMP08... – Unipessoal, Lda.: 54) A sociedade EMP08... - Unipessoal, Lda., usada para aquisições em ..., tem o NIPC ...34, está matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número, encontrando-se registada no Serviço de Finanças em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), na atividade de comércio por grosso de produtos de carne e produtos à base de carne (CAE 46320). 55) A sociedade EMP08... foi constituída em 03.10.2017, tendo como sócio e gerente YY, contudo, sempre foram os arguidos AA e BB, quem a geriam, de facto, tomando ambos as decisões relativas ao seu normal funcionamento. 56) Tal sociedade não exercia qualquer atividade e, na realidade, não possuía trabalhadores, clientes ou fornecedores, sendo que os arguidos AA e BB se serviam da mesma para os efeitos que bem entendiam, designadamente, para efeitos de faturação não correspondente à realidade, bem como decidiam sobre o preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos por esta sociedade. 57) Tem sede na Rua ..., ..., ..., na ..., onde nunca existiu uma instalação associada à empresa. 58) O contabilista certificado da empresa era o arguido CC.
EMP09..., Unipessoal, Lda.: 59) A sociedade EMP09..., Unipessoal, Lda., tem o NIPC ...18, está matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número, encontrando-se registada no Serviço de Finanças em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), na atividade de comércio por grosso de carnes e produtos à base de carne (CAE 46320). 60) A sociedade EMP09..., Unipessoal, Lda., foi constituída em 21.08.2018, tendo como sócio e gerente YY e, em 12.11.2018, alterado para ZZ; contudo, sempre foram os arguidos AA e BB quem a geriam, de facto, tomando ambos as decisões relativas ao seu normal funcionamento. 61) Tal sociedade não exercia qualquer atividade e, na realidade, não possuía trabalhadores, clientes ou fornecedores, sendo que os arguidos AA e BB se serviam da mesma para os efeitos que bem entendiam, designadamente, para efeitos de faturação não correspondente à realidade, bem como decidiam sobre o preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos por esta sociedade. 62) Tem sede na Avenida ..., 8.1, no ..., onde nunca existiu uma instalação associada à empresa. 63) O contabilista certificado da empresa era o arguido CC.
C - Outras Sociedades pertencentes ao Grupo:
EMP10..., Unipessoal, Lda.: 64) A sociedade EMP10..., Unipessoal, Lda., tinha o NIPC ...97, usada para aquisições em ..., estava matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número, encontrando-se registada no Serviço de Finanças em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), na atividade de abate de suínos. 65) Desde 11.03.2011, data da constituição da sociedade, foi RR nomeada gerente da referida sociedade. 66) Contudo, entre 2011 e 2015, foram os arguidos AA e BB, quem a geriram, de facto, tomando ambos as decisões relativas ao seu normal funcionamento, representando-a perante clientes e fornecedores, incluindo as que se reportam ao preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos por tal sociedade. 67) Teve sede na Av. ..., ..., em ..., ....
EMP11..., Lda.: 68) A sociedade EMP11..., Lda., usada para aquisições em ..., tem o NIPC ...10, está matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número, encontrando-se registada no Serviço de Finanças em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), na atividade de desmancha, indústria de transformação e comércio a retalho de carnes e produtos à base de carnes (CAE 10130 e 46320). 69) Desde 2011, data da constituição da sociedade, foi o arguido BB nomeado gerente da referida sociedade, embora tenha deixado de constar como tal em termos estatutários, pois que a gerência de direito foi registada em nome de terceiros, como WW, desde 08.2016. 70) Entre 2014 e 2019, eram os arguidos AA e BB quem a geriam, de direito e/ou de facto, tomando ambos as decisões relativas ao seu normal funcionamento, representando-a perante clientes e fornecedores, incluindo as que se reportam ao preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos por tal sociedade. 71) Tem sede na Rua ..., em Guimarães, onde não existe nem nunca existiu qualquer instalação associada à atividade e, até 29.08.2016, a sociedade teve sede na Rua ..., em ..., que corresponde a instalações associadas ao Grupo. 72) Contudo, pelo menos desde 2012, tal sociedade não exercia qualquer atividade e, na realidade, não possuía trabalhadores, clientes ou fornecedores, sendo que os arguidos AA e BB se serviam da mesma para os efeitos que bem entendiam, designadamente, para efeitos de faturação não correspondente à realidade, bem como decidiam sobre o preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos por esta sociedade. 73) O arguido CC era o contabilista das seguintes empresas do EMP03...: [Imagem] 74) Tinha pleno conhecimento do esquema fraudulento supra descrito e compactuou com os arguidos AA e BB, pelo menos entre os anos 2014 a 2019, levando a cabo todos os atos contabilísticos e outros que se mostraram necessários para auxiliar a concretização do plano daqueles arguidos 75) Foi o responsável pela entrega das declarações fiscais das empresas do EMP03..., conhecendo as aquisições intracomunitárias, solicitado faturas aos fornecedores espanhóis em nome das empresas de fachada, não declarando aquisições intracomunitárias, nem as vendas em nome das empresas de fachada e declarando, no entanto, aquisições às empresas de fachada pelas principais empresas do Grupo, deduzindo assim IVA que bem sabia não ter sido liquidado, nem entregue a montante. 76) Nas declarações periódicas de IVA das empresas principais declarava o imposto deduzido, sendo que parte daquele montante tinha por base as faturas emitidas pelas empresas de fachada, tendo assim conhecimento direto que essas sociedades emitiam faturas que não declaravam através do E-Fatura, bem como não entregavam as declarações fiscais, nem consequentemente, entregavam o devido imposto ao Estado. 77) Para além disso, manipulou lançamentos contabilísticos e o preenchimento de declarações fiscais, que visaram a redução de apuramento de impostos a entregar ao Estado. Atividade do “EMP03...”: 78) A atividade principal das empresas geridas pelos arguidos AA e BB consistia na aquisição de animais vivos em ..., procedendo ao seu abate nas suas instalações em .... 79) Posteriormente, vendiam as carcaças no mercado nacional, tendo como clientes, entre o mais, indústrias transformadoras (como salsicharias), talhos, restaurantes. 80) Tinham, igualmente, como clientes empresas que pertenciam ao Grupo, mas que desenvolviam a atividade de distribuição ou venda a retalho, dirigida ao cliente final. 81) Porém, as aquisições aos fornecedores espanhóis não eram feitas, segundo o plano traçado pelos arguidos, em nome das sociedades EMP01..., EMP02... e AA, Lda, que efetivamente exerciam tal atividade, mas em nome das sociedades de fachada supra identificadas detidas/controladas pelos arguidos, nas quais colocaram como gerentes de direito pessoas por si escolhidas, nos termos vertidos infra.
Ano de 2014: 82) A atividade efetivamente desenvolvida pelos arguidos era exercida pela sociedade EMP01..., Lda.. 83) A pedido dos arguidos, as aquisições de mercadoria(carnes) aos fornecedores espanhóis pela EMP01..., Lda foram faturadas, entre janeiro e agosto, à sociedade Comércio de Carnes de EMP02... pelo fornecedor EMP12... e, de setembro a dezembro, essencialmente, à sociedade EMP03..., pelo fornecedor EMP13.... 84) No ano de 2014, os arguidos, simuladamente, através das sociedades Comércio de Carnes EMP02... e EMP03..., adquiriram mercadorias a fornecedores espanhóis[7](…) 86) A mercadoria adquirida, a pedido dos arguidos, foi sempre transportada diretamente para a sede do EMP03... na Av. ..., ..., em ..., em .... 87) Pois que quem adquiriu todas as mercadorias faturadas pelos fornecedores espanhóis à Comércio de Carnes EMP02... e à EMP03... foi a sociedade EMP01.... 88) Posteriormente, os arguidos ou alguém a seu mando, emitiram as seguintes faturas titulando uma venda simulada de parte destas mercadorias da sociedade EMP03... para a EMP01...[8](…) 89) Nenhuma mercadoria foi vendidapela EMP03... à EMP01..., neste período, nem tão pouco qualquer quantia foi paga pela EMP01... à EMP03..., relativamente a estas faturas. 90) O arguido CC, em execução do plano dos arguidos, não declarou em nome das sociedades Comércio de Carnes EMP02... e EMP03..., no mencionado período, aquelas aquisições intracomunitárias, nem tão pouco entregou o Anexo O, referente às vendas. 91) Por seu turno, em nome da EMP01..., o arguido CC entregou o Anexo P, tendo declarado compras à sociedade EMP03... no montante de 3.207.513,00 euros (IVA incluído)[9](…) 92) Os arguidos, em nome da sociedade Comércio de Carnes EMP02..., não entregaram declarações periódicas de IVA, mas emitiram faturas de vendas à EMP01.... 93) Em representação da sociedade EMP03..., apenas entregaram as declarações periódicas de IVA de janeiro a setembro de 2014 e apenas declararam aquisições intracomunitárias no mês de setembro. 94) Nos meses de outubro a dezembro, em nome da sociedade EMP03..., não entregaram as declarações periódicas de IVA, pelo que não declararam as respetivas aquisições. 95) Durante os meses de outubro a dezembro não entregaram, nem em nome da sociedade EMP03..., nem da sociedade Comércio de Carnes EMP02..., declarações periódicas de IVA, pelo que não foram declaradas as vendas, nem o correspondente IVA liquidado à EMP01.... 96) O montante global das vendas faturadas pelos arguidos da sociedade EMP03... para a EMP01... abrange aquisições efetuadas a ... pelas sociedades EMP03... e a Comércio de Carnes EMP02..., sendo que o total das vendas para a EMP01... foi inferior ao total das aquisições efetuadas em .... 97) Por sua vez, durante o ano de 2014, os arguidos ou alguém a seu mando emitiram faturas da EMP01... para clientes. 98) E, também a fim de não entregarem imposto devido aos cofres de Estado, os arguidos, de acordo com o plano traçado e com o auxílio do arguido CC, não faturaram todas as vendas realizadas pela EMP01... aos seus clientes. 99) Procederam às seguintes vendas para os seguintes clientes, sem emitirem as respetivas faturas[10](…) 100) Tais vendas foram pagas pelos clientes da EMP01..., Lda em numerário e as vendas registadas pelos arguidos em documentos que designaram por “guias”. 101) O valor do IVA calculado à taxa de 6 % que deixou de ser faturado e, consequentemente, entregue aos cofres do Estado no ano de 2014, ascendeu assim a 19.918,28 €, distribuídos pelos meses do ano (com exceção do mês de abril) (…) Ano de 2015: 102) A atividade efetivamente desenvolvida pelos arguidos era exercida pela sociedade EMP01..., Lda. 103) A pedido dos arguidos, as aquisições de mercadoria(carnes) aos fornecedores espanhóis EMP13..., S.L e EMP12..., S.L. pela EMP01..., Lda. foram faturadas, entre janeiro e março, à sociedade EMP03..., entre março e junho, à sociedade Comércio de Carnes de EMP02... e, de julho a dezembro, à sociedade EMP05.... 104) No ano de 2015, os arguidos simuladamente, através das sociedades Comércio de Carnes EMP02..., EMP03... e EMP05... adquiriram mercadorias a fornecedores espanhóis, tituladas nas seguintes faturas[11] (…) 105) Tais aquisições foram pagas pelos arguidos aos fornecedores espanhóis através de transferências bancárias da conta da EMP01... e através de depósitos em dinheiro[12](…) 106) A mercadoria adquirida, a pedido dos arguidos, foi transportada directamente para a sede do EMP03... na Av. ..., ..., em ..., em .... 107) Pois que quem adquiriu todas as mercadorias faturadas pelos fornecedores espanhóis à Comércio de Carnes EMP02..., à EMP03... e à EMP05... foi a sociedade EMP01.... 108) Posteriormente, os arguidos ou alguém a seu mando, emitiram as seguintes faturas titulando uma venda simulada de parte destas mercadorias das sociedades EMP03..., EMP10... e EMP05... para a EMP01...[13](…) 109) Nenhuma mercadoria foi vendida pelas sociedades EMP03..., EMP10... e EMP05... à EMP01..., neste período, nem tão pouco qualquer quantia foi paga pela EMP01... àquelas sociedades, relativamente a estas faturas. 110) O arguido CC, em execução do plano dos arguidos, não declarou em nome das sociedades Comércio de Carnes de EMP02..., EMP03..., EMP10... ou EMP05..., no mencionado período, aquelas aquisições intracomunitárias, nem tão pouco entregou o Anexo O referente às vendas. 111) Por outro lado, também não entregou as declarações periódicas de IVA, pelo que não foi declarado o IVA liquidado, nem entregue o correspondente imposto nos cofres do Estado. 112) Por sua vez, durante o ano de 2015, os arguidos emitiram faturas da EMP01... para clientes. 113) E, também a fim de não entregarem imposto devido aos cofres de Estado, os arguidos, de acordo com o plano traçado e com o auxílio do arguido CC, não faturaram todas as vendas realizadas pela EMP01... aos seus clientes. 114) Procederam às seguintes vendas para os seguintes clientes, sem emitirem as respetivas faturas[14](…) 115) Tais vendas foram pagas pelos clientes da EMP01..., Lda em numerário e as vendas registadas pelos arguidos em documentos que designaram por “guias”. 116) O valor do IVA calculado à taxa de 6 % que deixou de ser faturado e, consequentemente, entregue aos cofres do Estado no ano de 2015, ascendeu assim a 45.721,25 €, distribuídos pelos meses do ano (com exceção dos meses de outubro a dezembro) conforme tabela supra.
Ano de 2016: 117) A atividade efetivamente desenvolvida pelos arguidos era exercida pela sociedade EMP01..., Lda. 118) A pedido dos arguidos, as aquisições de mercadoria (carnes) aos fornecedores espanhóis EMP13..., S.L., pela EMP01..., Lda., foram faturadas, entre janeiro e agosto, à sociedade EMP05... e, de setembro a dezembro, ente outras, à sociedade EMP06.... 119) No ano de 2016, os arguidos, simuladamente, através das sociedades EMP05... e EMP06..., adquiriram mercadorias a fornecedores espanhóis, tituladas nas seguintes faturas[15] (…) 120) No mês de dezembro, foram ainda efetuadas aquisições pela própria EMP01.... 121) Tais aquisições foram pagas pelos arguidos aos fornecedores espanhóis através de transferências das contas bancárias da EMP01... e da sociedade EMP14..., gerida pelos arguidos, e através de dinheiro[16] (…) 122) A mercadoria adquirida a pedido dos arguidos foi sempre transportada diretamente para a sede do EMP03... na Av. ..., ..., em ..., em .... 123) Pois que quem adquiriu todas as mercadorias faturadas pelos fornecedores espanhóis à EMP05... e EMP06... foi a sociedade EMP01.... 124) Posteriormente, os arguidos emitiram as seguintes faturas, titulando uma venda simulada de mercadorias das sociedades EMP05..., EMP06... e EMP15..., Lda., para a EMP01...[17] (…) 125) Nenhuma mercadoria foi vendida pelas sociedades EMP05..., EMP06... e EMP15..., Lda., à EMP01..., neste período, nem tão pouco qualquer quantia foi paga pela EMP01... àquelas sociedades, relativamente a estas faturas. 126) O arguido CC, em execução do plano dos arguidos, não declarou em nome das sociedades EMP05... e EMP06..., no mencionado período, aquelas aquisições intracomunitárias, nem tão pouco entregou o Anexo O, referente às vendas. 127) Por seu turno, em nome da EMP01... também não entregou o Anexo P, declarando compras. 128) Os arguidos não apresentaram declarações periódicas neste ano em nome das sociedades EMP05..., EMP06... e EMP15..., Lda. 129) Durante o ano de 2016, os arguidos ou alguém a seu mando emitiram faturas da EMP01... para clientes. 130) E também, a fim de não entregarem imposto devido aos cofres de Estado, os arguidos, de acordo com o plano traçado e com o auxílio do arguido CC, não faturaram todas as vendas realizadas pela EMP01... aos seus clientes. 131) Procederam às seguintes vendas para os seguintes clientes, sem emitirem as respetivas faturas[18] (…) 132) Tais vendas foram pagas pelos clientes da EMP01..., Lda em numerário e as vendas registadas pelos arguidos em documentos que designaram por “guias”. 133) O valor do IVA calculado à taxa de 6% que deixou de ser faturado e, consequentemente, entregue aos cofres do Estado no ano de 2016, ascendeu assim a 83.431,82 €, distribuídos pelos meses do ano conforme tabela supra.
Ano de 2017: 134) A atividade efetivamente desenvolvida pelos arguidos era exercida pelas sociedades EMP01..., Lda e EMP02..., Lda. 135) A pedido dos arguidos, as aquisições de mercadoria(carnes) aos fornecedores espanhóis EMP13..., S.L. e EMP12..., S.L. por aquelas sociedades foram efetuadas, em simultâneo, pela EMP01... e pela EMP06... em janeiro; pela EMP01... e pela sociedade EMP07... entre fevereiro e julho; pela EMP02... e a EMP07... em agosto e setembro e, em exclusivo, de outubro a dezembro, pela sociedade EMP08.... 136) No ano de 2017, os arguidos, através das sociedades EMP06..., EMP07..., EMP01..., EMP02... e EMP08... adquiriram mercadorias a fornecedores espanhóis, tituladas nas seguintes faturas[19] (…) 137) Tais aquisições foram pagas pelos arguidos aos fornecedores espanhóis, entre o mais, através de transferências bancárias das contas da EMP01..., da EMP02... e da sociedade EMP14... e através de depósitos em dinheiro[20](…) 138) A mercadoria adquirida a pedido dos arguidos foi transportada diretamente para a sede do EMP03... na Avenida ..., ..., em ..., em .... 139) Pois que quem adquiriu todas as mercadorias faturadas pelos fornecedores espanhóis à EMP06..., EMP07... e EMP08... foram as sociedades EMP01..., de janeiro a julho, e EMP02..., de Agosto a Dezembro. 140) Posteriormente, os arguidos emitiram as seguintes faturas titulando uma venda simulada de mercadorias pelas sociedades EMP06..., EMP07... e EMP11..., Lda, à EMP01..., até julho; e pelas sociedades EMP01... e EMP08... à EMP02..., desde julho[21] (…) 141) Nenhuma mercadoria foi vendida pelas sociedades EMP06..., EMP07... e EMP11..., Lda à EMP01..., nem pelas sociedades EMP01... e EMP08... à EMP02..., neste período, nem tão pouco qualquer quantia foi paga pela EMP01... ou pela EMP02... àquelas sociedades, relativamente a estas faturas. 142) O arguido CC, em execução do plano dos arguidos, não declarou em nome das sociedades EMP06..., EMP07... e EMP08..., no mencionado período, aquelas aquisições intracomunitárias, nem tão pouco entregou o Anexo O, referente às vendas. 143) Por seu turno, em nome da EMP01... e EMP02..., o arguido CC também não declarou quaisquer aquisições às sociedades de fachada, através do Anexo P. 144) Acresce que, no ano de 2017, o arguido CC, a pedido dos arguidos, nos meses em que, não obstante a conduta supra descrita, havia IVA a entregar ao Estado, inscreveu sem qualquer suporte documental ou contabilístico valores nas declarações periódicas com o objetivo de que não fosse apurado imposto a entregar ao Estado. De modo que: 145) o arguido CC, na declaração periódica de IVA da EMP01... referente ao mês de maio de 2017, inscreveu o montante de 14.712,13 € no campo 21 (IVA dedutível existências); contudo, apenas foram realizados movimentos que totalizam um montante de 8.708,10 € (conta ...11), resultando assim um diferencial de 6.004,03 euros, que foi inscrito na declaração periódica sem qualquer suporte na contabilidade. 146) O arguido CC, na declaração periódica de IVA da EMP01... referente ao mês de agosto de 2017, inscreveu o montante de 17.981,10 € no campo 21 (IVA dedutível existências); contudo, apenas foram realizados movimentos que totalizam um montante de 11.981,10 € (conta ...11), resultando assim um diferencial de 6.000,00 euros, que foi inscrito na declaração periódica sem qualquer suporte na contabilidade. 147) O arguido CC, na declaração periódica de IVA da EMP01... referente ao mês de outubro de 2017, inscreveu o montante de 10.932,00 € no campo 21 (IVA dedutível existências); contudo, apenas foram realizados movimentos que totalizam um montante de 8.172,00 € (conta ...11), resultando assim um diferencial de 2.760,00 euros, que foi inscrito na declaração periódica sem qualquer suporte na contabilidade. 148) O arguido CC, na declaração periódica de IVA da EMP01... referente ao mês de novembro de 2017, inscreveu o montante de 12.852,95 € no campo 21 (IVA dedutível existências); contudo, apenas foram realizados movimentos que totalizam um montante de 14.202,95 € (conta ...11), resultando assim um diferencial de 1.350,00 euros, que foi inscrito na declaração periódica sem qualquer suporte na contabilidade. 149) No mês de março de 2017, o arguido CC inscreveu as seguintes faturas relativas a aquisições intracomunitárias, tendo deduzido o IVA na conta ...11, mas não o liquidou na conta ...21, resultando assim um diferencial de 8.434,74 euros, que foi inscrito na declaração periódica sem qualquer suporte na contabilidade, que terá de ser corrigido a favor do Estado[22] (…) 150) Por sua vez, durante o ano de 2017, os arguidos emitiram faturas da EMP01... e da EMP02... para clientes. 151) E também a fim de não entregarem imposto devido aos cofres de Estado, os arguidos, de acordo com o plano traçado e com o auxílio do arguido CC, não faturaram todas as vendas realizadas pela EMP01... e pela EMP02... aos seus clientes. 152) Procederam às seguintes vendas para os seguintes clientes, sem emitirem as respetivas faturas[23](…) 153) Tais vendas foram pagas pelos clientes da EMP01..., Lda e da EMP02..., Lda em numerário e as vendas registadas pelos arguidos em documentos que designaram por “guias”. 154) O valor do IVA calculado à taxa de 6 % que deixou de ser faturado e, consequentemente, entregue aos cofres do Estado no ano de 2017, ascendeu assim a 41.247,27 €, distribuídos pelos meses do ano conforme tabela supra.
Ano de 2018: 155) A atividade efetivamente desenvolvida pelos arguidos era exercida pela sociedade EMP02..., Lda. 156) A pedido dos arguidos, as aquisições de mercadoria (carnes) aos fornecedores espanhóis EMP12..., S.L., EMP16..., SA e EMP17..., SL pela EMP02..., Lda foram faturadas, à sociedade EMP08.... 157) No ano de 2018, os arguidos, simuladamente, através da sociedade EMP08..., adquiriram mercadorias a fornecedores espanhóis, tituladas nas seguintes faturas[24] (…) 158) Tais aquisições foram pagas pelos arguidos aos fornecedores espanhóis através de dinheiro, cheques da EMP01... e da EMP02... e transferências da conta da EMP02...[25] (…) 159) A mercadoria adquirida a pedido dos arguidos foi transportada diretamente para a sede do EMP03... na Av. ..., ..., em ..., em .... 160) Pois que quem adquiriu todas as mercadorias faturadas pelos fornecedores espanhóis à EMP08... foi a sociedade EMP02..., Lda. 161) Posteriormente, os arguidos emitiram as seguintes faturas titulando uma venda simulada de mercadorias da sociedade EMP08... para a EMP02..., Lda[26] (…) 162) Nenhuma mercadoria foi vendida pela EMP08... à EMP02..., neste período, nem tão pouco qualquer quantia foi paga pela EMP02... àquela sociedade, relativamente a estas faturas. 163) O arguido CC, em execução do plano dos arguidos, não declarou em nome da sociedade EMP08..., no mencionado período, aquelas aquisições intracomunitárias, nem tão pouco entregou o Anexo O, referente às vendas. 164) Entregou as declarações periódicas de IVA, embora sem declarar valores de operações ativas ou passivas e não comunicou as faturas emitidas através do E-Fatura, sendo que a partir de dezembro de 2018 deixou de entregar as declarações de IVA. 165) Por seu turno, em nome da EMP02..., Lda., o arguido CC entregou as declarações de IVA sempre em crédito de imposto, não resultando o apuramento de IVA a entregar nos cofres do Estado. 166) Acresce que, no mês de janeiro de 2018, o arguido CC, a pedido dos arguidos e com o fito de deduzir indevidamente imposto a entregar aos cofres de Estado, inscreveu na declaração periódica da EMP02... as seguintes faturas emitidas em nome da sociedade EMP18..., Lda, com NIPC ...60[27]: 167) Tais faturas não titulam qualquer transação comercial real entre a EMP02... e a EMP18.... 168) Não foram pagas quaisquer aquisições ou serviços nelas tituladas pela EMP02... à EMP18.... 169) Tal como era propósito dos arguidos, serviram apenas para que a EMP02..., no mês de janeiro de 2018, lograsse obter uma dedução indevida de IVA no valor de 22.474,45 €. 170) Acresce que, no mês de dezembro de 2018, o arguido CC, a pedido dos arguidos, não obstante a conduta supra descrita, inscreveu sem qualquer suporte documental ou contabilístico o valor de IVA dedutível no montante de 2.560,00 €, que corresponde ao valor base da Fatura ...0, enquanto o valor do IVA no montante de 588,80 € foi contabilizado na conta gastos 624111. 171) Assim, foi contabilizado e deduzido indevidamente o montante de 1.971,20 €, que resulta da diferença entre o valor deduzido e o valor que deveria ter sido deduzido. 172) Por sua vez, durante o ano de 2018, os arguidos ou alguém a seu mando emitiram faturas da EMP02... para clientes. 173) E também, a fim de não entregarem imposto aos cofres de Estado, os arguidos, de acordo com o plano traçado e com o auxílio do arguido CC, não faturaram todas as vendas realizadas pela EMP02... aos seus clientes. 174) Procedendo às seguintes vendas para os seguintes clientes, sem emitirem as respetivas faturas[28] (…) 175) Tais vendas foram pagas pelos clientes da EMP02..., Lda em numerário e as vendas registadas pelos arguidos em documentos que designaram por “guias”. 176) O valor do IVA calculado à taxa de 6 % que deixou de ser faturado e, consequentemente, entregue aos cofres do Estado no ano de 2018, ascendeu assim a 9.473,49 €, distribuídos pelos meses de janeiro, setembro, outubro e dezembro conforme tabela supra.
Ano de 2019: 177) A atividade efetivamente desenvolvida pelos arguidos era exercida pela sociedade EMP02..., Lda. e, em dezembro, pela AA, Lda. 178) A pedido dos arguidos, as aquisições de mercadoria(carnes) aos fornecedores espanhóis EMP16..., SA e EMP17..., SL pela EMP02..., Lda foram faturadas às sociedades EMP08... e EMP09.... 179) No ano de 2019, os arguidos, simuladamente, através das sociedades EMP08... e EMP09..., adquiriram mercadorias a fornecedores espanhóis, tituladas nas seguintes faturas[29] (…) 180) Tais aquisições foram pagas pelos arguidos aos fornecedores espanhóis através de transferência da conta bancária da EMP02...[30](…) 181) A mercadoria adquirida a pedido dos arguidos foi transportada diretamente para a sede do EMP03... na Av. ..., ..., em ..., em .... 182) Pois que quem adquiriu todas as mercadorias faturadas pelos fornecedores espanhóis à EMP08... e EMP09... foi a sociedade EMP02.... 183) Posteriormente, os arguidos ou alguém a seu mando, emitiram as seguintes faturas titulando uma venda simulada de mercadorias da sociedade EMP09... para a EMP08...[31] (…) 184) Nenhuma mercadoria foi vendida pela EMP09... à EMP02..., neste período, nem tão pouco qualquer quantia foi paga pela EMP02... àquela sociedade, relativamente a estas faturas. 185) O arguido CC, em execução do plano dos arguidos, não declarou em nome das sociedades EMP08... e EMP09..., no mencionado período, aquelas aquisições intracomunitárias, nem tão pouco entregou o Anexo O, referente às vendas, nem comunicou as faturas emitidas através do E-Fatura, nem entregou as declarações periódicas de IVA. 186) Por seu turno, em nome da EMP02..., o arguido CC entregou as declarações de IVA sempre em crédito de imposto, não resultando o apuramento de IVA a entregar nos cofres do estado. 187) Por sua vez, durante o ano de 2019, os arguidos emitiram faturas da EMP02... e da AA, Lda para clientes. 188) E, também a fim de não entregarem imposto devido aos cofres de Estado, os arguidos, de acordo com o plano traçado e com o auxílio do arguido CC, não faturaram todas as vendas realizadas pela EMP02... e pela AA, Lda., aos seus clientes. 189) Procedendo às seguintes vendas para os seguintes clientes, sem emitirem as respetivas faturas[32](…) 190) Tais vendas foram pagas pelos clientes daquelas sociedades em numerário e as vendas registadas pelos arguidos em documentos que designaram por “guias”. 191) O valor do IVA calculado à taxa de 6 % que deixou de ser faturado e, consequentemente, entregue aos cofres do Estado no ano de 2014, ascendeu assim a 19.805,73 €, distribuídos pelos meses de maio a agosto e dezembro do ano conforme tabela supra (já que quanto aos demais, o somatório dos valores de Iva dedutível através de sociedades “de fachada” e de IVA em falta por omissão de vendas das sociedades arguidas não atingiu os €15.000,00).
Ano de 2020: 192) A atividade efetivamente desenvolvida pelos arguidos era exercida pela sociedade AA, Lda. 193) A pedido dos arguidos, as aquisições de mercadoria (carnes) aos fornecedores espanhóis EMP16..., SA e EMP17..., SL pela AA, Lda. foram faturadas à EMP09.... 194) No ano de 2020, os arguidos, simuladamente, através da sociedade EMP09..., adquiriram mercadorias a fornecedores espanhóis, tituladas nas seguintes faturas[33] (…) 195) Tais aquisições foram pagas pelos arguidos aos fornecedores espanhóis através de transferências da conta da EMP02... e da AA, Lda.[34] (…) 196) A mercadoria adquirida a pedido dos arguidos foi transportada diretamente para a sede do EMP03... na Av. ..., ..., em ..., em .... 197) Pois que quem adquiriu todas as mercadorias faturadas pelos fornecedores espanhóis à EMP09... foi a sociedade AA, Lda. 198) Posteriormente, os arguidos emitiram as seguintes faturas titulando uma venda simulada de mercadorias da sociedade EMP02..., Lda, já inativa, para a AA, Lda[35] (…) 199) Nenhuma mercadoria foi vendida pela EMP02... à AA, Lda, neste período, nem tão pouco qualquer quantia foi paga pela AA, Lda., àquela sociedade, relativamente a estas faturas. 200) Por sua vez, durante o ano de 2020, os arguidos ou alguém a seu mando emitiram faturas da AA, Lda para clientes. 201) E, também a fim de não entregarem imposto devido aos cofres de Estado, os arguidos não faturaram todas as vendas realizadas pela EMP02... e pela AA, Lda aos seus clientes. 202) Procedendo às seguintes vendas para os seguintes clientes, sem emitirem as respetivas faturas[36] (…) 203) Tais vendas foram pagas pelos clientes da EMP02... e da AA, Lda em numerário e as vendas registadas pelos arguidos em documentos que designaram por “guias”. 204) O valor do IVA calculado à taxa de 6 % que deixou de ser faturado e, consequentemente, entregue aos cofres do Estado no ano de 2020, ascendeu assim a 4.649,01 €, referentes a janeiro do ano conforme tabela supra (já que quanto aos demais, o somatório dos valores de Iva dedutível através de sociedades “de fachada” e de IVA em falta por omissão de vendas da sociedade arguida não atingiu os €15.000,00).
Da omissão de vendas da filial de ... – “...”: 205) Os arguidos desenvolviam ainda atividade do grupo em instalações sitas em ..., em ..., que designavam por “...”. 206) Até setembro de 2016, essa atividade foi exercida através da sociedade EMP11..., Lda., a qual era cliente da EMP01.... 207) Em setembro de 2016, a atividade desenvolvida nestas instalações deixou de ser exercida em nome da sociedade EMP11..., Lda., e, por opção dos arguidos AA e BB, passou a ser incorporada nas sociedades principais do EMP03..., inicialmente a EMP01... e depois a EMP02.... 208) Assim, o envio de mercadoria para aquelas instalações da sede do EMP03... passou a ser efetuado através de transferências internas, por vezes com guias de transporte, outras vezes sem tais guias, para permitir a manipulação das vendas faturadas aos clientes também em tal filial. 209) Assim que, a fim de não entregarem imposto devido aos cofres de Estado, os arguidos AA e BB, com o auxílio do arguido CC, não faturaram todas as vendas realizadas pela filial de ... aos seus clientes. 210) Entre setembro e dezembro de 2016, procederam a vendas para clientes, sem emitirem as respetivas faturas, que registaram em documentos que denominaram por “Resumos Mensais”, como “Guias”, no seguinte valor, sobre as quais deveria ter sido liquidado IVA a entregar ao Estado[37] (…) 211) Por seu turno, nos meses de setembro, outubro e dezembro de 2018, procederam a vendas para clientes, sem emitirem as respetivas faturas, que registaram em documentos que denominaram por “Guias” manuais de vendas a clientes, no seguinte valor, sobre as quais deveria ter sido liquidado IVA a entregar ao Estado no montante global, relativamente àqueles meses, de € 11.222,52[38] (…)
Vantagens Fiscais IVA: 212) A EMP01..., a EMP02... e a AA, Lda., beneficiaram da dedução de IVA, enquanto que as empresas de “fachada” não declararam o IVA liquidado e, por conseguinte, não o entregaram nos cofres do Estado. 213) Pois que foram simuladas as aquisições aos fornecedores espanhóis supra mencionadas pelas “sociedades de fachada”, quando, na realidade, foram efetuadas pelas sociedades EMP01..., EMP02... e AA, Unipessoal, Lda. 214) Assim como foram emitidas as faturas supra mencionadas das sociedades de “fachada” para as sociedades que exerciam efetivamente a atividade do EMP03..., sendo que enquanto as sociedades de “fachada” não declararam à Autoridade Tributária quaisquer vendas, nem entregaram o respetivo IVA, as sociedades que exerciam a atividade deduziram o IVA dessas faturas. 215) As sociedades arguidas ocultaram, ainda, vendas a clientes, para as quais não emitiram qualquer fatura, não as tendo declarado à A.T., nem consequentemente, entregado o devido imposto ao Estado. 216) Ao que se somou o IVA deduzido através da introdução de valores sem qualquer justificação nas declarações de IVA. 217) Desta forma, resulta que, nos anos de 2014 a 2020, os cofres do Estado foram lesados pelos arguidos nos seguintes montantes, por período de IVA, relativos às deduções de IVA das transações simuladas por intermédio das empresas de “fachada”, às omissões de venda e IVA deduzido indevidamente[39] (…) 218) Com a conduta supra exposta, com o auxílio imprescindível do arguido CC, os arguidos AA e BB lesaram o Estado a título de IVA, entre 2014 e 2020, considerados os períodos em que foi atingido o mínimo pela qual a conduta é criminalmente punida, na quantia de 1.092.593,13 € (um milhão, noventa e dois mil, quinhentos e noventa e três euros e treze cêntimos).
Vantagens Fiscais de IRC:[40] 222) Os arguidos deixaram, assim, de entregar ao Estado as seguintes quantias a título de IRC, nos anos de 2014 a 2017[41] (…) 223) Com a conduta supra exposta, com o auxílio imprescindível do arguido CC, os arguidos AA e BB lesaram o Estado, a título de IRC, entre 2014 e 2017, considerados os períodos em que foi atingido o mínimo pela qual a conduta é criminalmente punida, na quantia de 310.333,82 € (trezentos e dez mil, trezentos e trinta e três euros e oitenta e dois cêntimos). 224) Os arguidos sabiam que estavam legalmente obrigados a contabilizar e a declarar à Administração Tributária todas as aquisições efetuadas e os rendimentos auferidos pelas sociedades EMP01..., EMP02... e AA, Lda., por conta e no interesse de quem procediam, e não obstante, agindo, com o intuito de ocultar à Administração Tributária as vantagens patrimoniais obtidas com as transações acima referidas, não as declararam ou não as declararam corretamente, e, consequentemente, não entregaram o devido imposto aos Cofres de Estado. 225) Pelo que, em virtude da conduta dos arguidos, agindo por conta e no interesse das sociedades EMP01..., EMP02... e AA, Lda, deixaram de entregar nos cofres do Estado o montante total de 1.402.926,95 € (um milhão, quatrocentos e dois mil, novecentos e vinte seis euros e noventa e cinco cêntimos), vantagem patrimonial obtida de que se apoderaram, dela dispondo como se sua fosse e em seu benefício individual e respetivo, bem como das pessoas coletivas que representavam. 226) Os arguidos agiram com o propósito, que concretizaram, de omitir ao Estado (Administração Fiscal) as vantagens patrimoniais, efetivamente, recebidas nos anos de 2014 a 2020, para desse modo, não pagarem IVA relativo às aquisições intracomunitárias e deduzirem o mesmo nas sociedades com que efetivamente exerciam atividade, assim como omitiram IVA das vendas que efetuaram, alcançando, assim, vantagem patrimonial a que não tinham qualquer direito. 227) Os arguidos sabiam e queriam impedir os Serviços da Administração Fiscal de liquidar, o devido IVA e IRC da real atividade das sociedades EMP01..., EMP02... e AA, Lda, atuando com a intenção de se furtar ao pagamento de tais impostos, como quiseram e conseguiram. 228) Para além disso, os arguidos, ao ocultarem à Administração Tributária a liquidação e cobrança daqueles montantes de IVA e IRC, ofenderam e colocaram em crise a verdade e a transparência fiscal e, consequentemente, impediram o Estado Português de concretizar a sua pretensão de lhe ver revelados todos os factos fiscalmente relevantes, lesando também assim o regular funcionamento do sistema tributário e a realização da justiça fiscal. 229) Os arguidos AA e BB agiram sempre, em comunhão de intentos e esforços, livre, voluntária e deliberadamente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei. 230) Agiram sempre em nome e no interesse coletivo das sociedades EMP01..., EMP02... e AA, Lda. 231) O arguido CC agiu também livre, voluntária e deliberadamente, conhecendo o plano e o propósito dos arguidos AA e BB, a eles aderiu, prestando sempre todo o auxílio necessário à sua concretização, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. (…) 237)AA iniciou o seu percurso laboral aos 22 anos de idade, por conta própria, ligado ao abate e comercialização de carnes, com a “Industria de Carnes EMP03...”, firma que laborou 26 anos, seguindo-se um período de maior vulnerabilidade económica, que culminou com o encerramento. 238) Neste contexto e em 2005, com o recurso a empréstimos particulares, AA adquiriu o espaço e criou uma outra firma do mesmo ramo, denominada por “Comércio de Carnes de EMP02..., Unipessoal, Lda.”. 239) Esta empresa laborou com 60 trabalhadores até 02.04.2010, altura em que foi vendida. 240) O arguido criou então (em 2010), juntamente com a mulher e filhos, uma nova firma denominada por “EMP03... S.A.”. 241) Geriu esta empresa até 23.12.2013, altura em que foi vendida e criou a EMP01.... Lda., que laborou durante 3 anos, depois a EMP02... Lda, por 2 anos e a AA, Lda., durante alguns meses. 242) Nestas instalações funcionou ainda a EMP14... S.A., empresa que que o arguido geriu até ter solicitado a pensão de reforma. 243) Na sequência do arresto dos seus bens, AA deparou-se com limitações de ordem económica e que se mantêm, usufruindo apenas do rendimento da pensão de reforma no valor de 820 €, valor idêntico ao recebido pela sua mulher. 244) Tem como despesas fixas o montante de 300 €, entregue à entidade particular que penhorou a habitação, acrescido do valor de 180 € relativo aos gastos correntes (eletricidade e água). 245) O arguido constitui agregado com a mulher e habita uma moradia contígua às dos filhos, que apresentam boas condições de comodidade e bem-estar. 246) AA dispõe de um enquadramento sociofamiliar apoiante junto da sua mulher e beneficia de uma adequada inserção comunitária. 247) O arguido BB, após o termo do 10º ano de escolaridade no Colégio ... em ..., passou a apoiar o progenitor na gestão/orientação do negócio de carnes. 248) O arguido foi sempre trabalhando com o progenitor e, em setembro/2022, criou a sua própria empresa denominada por “EMP19... – Unipessoal”, dedicada ao abate e comercialização de carnes verdes, que labora regularmente e nas instalações das anteriores empresas do pai. 249) BB constitui agregado com a mulher e filha de 6 anos de idade e habita uma moradia contígua à dos pais, que se encontra arrestada. 250) O vencimento do arguido cifra-se no valor de 980 €. 251) A mulher é comercial da EMP20...- Imobiliária, sendo o seu rendimento variável, mas que corresponde em média ao salário mínimo nacional. 252) O arguido apresenta como despesas fixas o montante de 185 €, relativas a eletricidade, água e Internet. 253) O arguido privilegia o convívio com a mulher, a filha e a família alargada (pais), com quem passa a maior parte do tempo. 254) O arguido CC integra o agregado constituído pela mulher, numa relação harmoniosa. 255) Residem em casa própria – moradia - há aproximadamente 20 anos. 256) CC concluiu o Ano propedêutico em 1975 e, posteriormente, fez um curso intensivo de Educação Física, ficando com habilitação suficiente para exercer como professor. 257) Frequentou o curso superior de Economia até ao 3º ano, não tendo concluído a licenciatura. 258) O arguido começou a trabalhar aos 19 anos de idade, como contabilista, por conta própria, profissão que sempre exerceu. 259) Durante cerca de oito anos, exerceu aquela atividade em simultâneo com a de professor de Educação Física, até aos 27 anos de idade. 260) Também é sócio de um outro escritório de contabilidade e, embora reformado desde meados de 2023, continua a dar apoio técnico no seu gabinete de contabilidade – “EMP21...”, pois é uma ocupação que lhe é gratificante. 261) O arguido recebe €1.179,00, tendo o agregado como despesas fixas mensais, os montantes de €190, com a habitação, €382, com a amortização de mútuos bancários e €70 a €80, com saúde. 262) CC ocupa o tempo livre com a família e faz parte da Assembleia de Freguesia ... desde há 10 anos. 263) Padece de diabetes há cerca de 20 anos. 264) O arguido AA demonstrou arrependimento. (…) 266) O arguido AA foi condenado: - Por sentença datada de 14.07.2003 e transitada em julgado em 02.03.2004, proferida no processo comum singular n.º 157/01.3IDBRG do Tribunal Judicial de Vila Verde, pela prática, em 1997, de um crime de fraude fiscal na pena de dois anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de três anos, na condição de o arguido pagar, no prazo da suspensão, a totalidade das prestações tributárias em dívida com acréscimos legais; - Por sentença datada de 25.06.2004 e transitada em julgado em 12.07.2004, proferida no processo comum singular n.º 80/02.4TAVVD do ... Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, pela prática em 05.02.2002, de um crime de poluição, na pena de 250 dias de multa à taxa diária de €5,00; - Por sentença datada de 06.07.2005 e transitada em julgado em 07.07.2005, proferida no processo sumaríssimo n.º 1229/04.8TABRG do ... Juízo Criminal do Tribunal de Braga, pela prática em 17.06.2004, de um crime de desobediência, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €3,50; - Por sentença datada de 09.06.2005 e transitada em julgado em 16.09.2005, proferida no processo comum singular n.º 44/98.0IDBRG do ... Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, pela prática em 15.11.1995, de um crime de fraude fiscal na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por 3 anos, na condição de proceder ao pagamento até ao final da suspensão da quantia equivalente a 5% da prestação tributária em dívida, apurada nos autos, com acréscimos legais; - Por sentença datada de 21.05.2010 e transitada em julgado em 11.06.2010, proferida no processo comum singular n.º 131/05.0IDBRG do ... Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, pela prática em 10.05.2005, de um crime de abuso de confiança fiscal na pena de 1 ano e 5 meses de prisão suspensa na sua execução por 5 anos, com sujeição a deveres; - Por sentença cumulatória datada de 29.03.2012 e transitada em julgado em 10.10.2012, proferida no processo n.º 131/05.0IDBRG do ... Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde e onde se englobou a pena do processo 44/98.0IDBRG, na pena única de três anos de prisão suspensa na sua execução por cinco anos, com regime de prova, já extinta; - Por sentença datada de 14.07.2010 e transitada em julgado em 20.09.2010, proferida no processo comum singular n.º 206/08.4IDBRG do ... Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, pela prática em 2005, de um crime de abuso de confiança fiscal na pena de 2 anos e 5 meses de prisão suspensa na sua execução por 5 anos, subordinada à condição de, dentro do prazo da suspensão, demonstrar nos autos o pagamento das prestações tributárias em dívida nos autos, já extinta; - Por sentença datada de 07.05.2013 e transitada em julgado em 27.02.2014, proferida no processo comum singular n.º 246/08.3EAPRT do ... Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, pela prática em 18.09.2008, de um crime de abate clandestino para consumo público, na pena de 600 dias de multa à taxa diária de €30,00; - No processo comum singular n.º 12/10.6GBBRG do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local de Vila Verde por decisão de 9.12.2014, transitada em julgado a 21.1.2015, pela prática em 22.7.2010 de um crime de poluição p. e p. pelo art.º 279.º., n.º 1 do C.Penal na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução, já extinta; - No processo comum coletivo n.º 188/09.5IDBRG do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de Guimarães, Juiz ... por decisão de 26.2.2014, transitada em julgado a 5.3.2015, pela prática, em 2008 e 2010, de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social p. e p. pelo art.º 107.º do RGIT; um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art.º 105.º do RGIT; e um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social p. e p. pelo art.º 107.º do RGIT, na pena única de 2 anos e 9 meses de prisão suspensa na sua execução, já extinta; - No processo comum singular n.º 139/11.7EAPRT do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Vila Verde, por decisão de 26.1.2016, transitada em julgado a 14.3.2016, pela prática em 4.3.2011 de um crime de contrafação de selos cunhos, marcas ou chancelas p. e p. pelo art.º 269.º do C.Penal na pena de 1 anos de prisão suspensa na sua execução, já extinta; - No processo comum coletivo n.º 255/14.3TAVVD do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de Braga, Juiz ... por decisão de 29.05.2017, transitada em julgado a 28.06.2017, pela prática, em 30/06/2014, de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art.º 105.º, n.º 1, do RGIT, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade; - No processo comum coletivo n.º 823/14.3TABRG do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de Braga, Juiz ... por decisão de 13.11.2019, transitada em julgado a 13.12.2019, pela prática, em 18/11/2017, de dois crimes de falsificação de boletins, atas ou documentos, ps. e ps. pelos arts. 256.º, n.º 1, al. d) e 255.º, al. a), ambos do C.P., na pena única de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, já extinta; - No processo comum singular n.º 188/21.7IDBRG do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Vila Verde, por decisão de 24.01.2023, transitada em julgado a 23.02.2023, pela prática, em 30/04/2020, de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art.º 105.º, do RGIT, na pena de 7 meses de prisão, suspensa por 2 anos; - No processo comum singular n.º 284/22.3T9VVD do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Vila Verde, por decisão de 17.11.2023, transitada em julgado a 18.11.2023, pela prática, em 07/2020, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social p. e p. pelo art.º 107.º, do RGIT, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por 2 anos e seis meses, com regime de prova; - No processo comum singular n.º 275/22.4T9LSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa, J..., por decisão de 06.06.2024, transitada em julgado a 08.07.2024, pela prática, em 11/01/2022, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social p. e p. pelo art.º 107.º, do RGIT, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa por 2 anos, com regime de prova e sujeita ao pagamento ao I.S.S., dentro do mesmo prazo, do montante de €8.129,14, acrescida de juros legais. 267) O arguido BB foi condenado: - No processo comum coletivo n.º 188/09.5IDBRG do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de Guimarães, Juiz ... por decisão de 26.2.2014, transitada em julgado a 5.3.2015, pela prática, em 2008 e 2010, de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social p. e p. pelo art.º 107.º do RGIT; um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art.º 105.º do RGIT; e um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social p. e p. pelo art.º 107.º do RGIT; na pena única de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa na sua execução, já extinta; - No processo comum singular n.º 12/10.6GBBRG do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local de Vila Verde por decisão de 9.12.2014, transitada em julgado a 21.1.2015, pela prática em 22.7.2010 de um crime de poluição p. e p. pelo art.º 279.º., n.º 1 do C.Penal na pena de 300 dias de multa à taxa diária de € 15,00; - No processo comum coletivo n.º 287/12.6IDBRG do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de Braga, Juiz ..., por decisão de 29.6.2015, transitada em julgado a 24.10.2016, pela prática em 2011 de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art.º 105.º, n.º 1, n.º 4 e n.º 5 do RGIT na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução; - No processo comum singular n.º 295/15.5T9VVD, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Vila Verde, por decisão de 04.11.2019, transitada em julgado a 10.09.2020, pela prática em 07/01/2014, de um crime de falsificação de boletins, atas ou documentos, p. e p. pelo art.º 199.º, da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14/08 e um crime de simulação de crime, p. e p. pelo artigo 366.º, do C.P., na pena única de 1 ano e 2 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos, com regime de prova, sob condição do arguido pagar à associação para a defesa dos animais e ambiente de ..., a quantia de €2.400,00; - No processo comum coletivo n.º 823/14.3TABRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de Braga, J..., por decisão de 13.11.2019, transitada em julgado a 13.12.2019, pela prática em 13/12/2023, de dois crimes de falsificação ou contrafação de documento, ps. e ps. pelos arts. 256.º, n.º 1, al. d) e 255.º, al. a), ambos do C.P., na pena única de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, já extinta; - No processo sumaríssimo n.º 417/16.9T9VVD, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Vila Verde, por decisão de 28.04.2017, transitada em julgado a 26.05.2017, pela prática em 08/01/2015, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º, n.º 1, do C.P., na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de €9, perfazendo o total de €630; - No processo comum coletivo n.º 255/14.3TAVVD do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de Braga, Juiz ... por decisão de 29.05.2017, transitada em julgado a 28.06.2017, pela prática, em 30/06/2014, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, nºs 1, al. a) e 2, do D.L. 454/91, de 28/12, e de dois crimes de abuso de confiança fiscal ps. e ps. pelo art.º 105.º, n.º 1, do RGIT, na pena única de 1 ano e 11 meses de prisão, substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade (quanto aos crimes fiscais) e na pena de multa de 180 dias, à taxa diária de €5; - No processo comum coletivo n.º 255/14.3TAVVD do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de Braga, Juiz ... por decisão de 17.05.2018, transitada em julgado a 21.06.2018, cumulando as penas aplicadas neste processo e nos processos 287/12.6IDBRG, 12/10.6GBBRG, 417/16.9T9VVD, na pena única de 450 dias de multa, à taxa diária de €6 e 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova e sujeita à condição do arguido proceder ao pagamento da totalidade da quantia correspondente aos benefícios indevidamente obtidos pela sociedade Comércio De Carnes de EMP02..., Unipessoal Lda., já extinta; - No processo sumaríssimo n.º 16/17.8GTPNF, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Guimarães, J..., por decisão de 05.03.2018, transitada em julgado a 22.03.2018, pela prática em 08/05/2017, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º, n.º 2, do C.P., por referência ao art.º 138.º, n.º 2, do C.E., na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de €9, perfazendo o total de €1260; - No processo Sumaríssimo n.º 381/16.4T9VVD, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Vila Verde, por decisão de 14.06.2018, transitada em julgado a 07.09.2018, pela prática em 14/08/2015, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º, n.º 1, do C.P., na pena de 115 dias de multa, à taxa diária de €9, perfazendo o total de €1035. 268) Os arguidos (…) e CC nunca sofreram qualquer condenação criminal.»
C. Apreciação dos recursos
1. Da excepção, nulidades e outros vícios
a) Prescrição do procedimento criminal
A este respeito, alegam os recorrentes BB e AA que há prescrição relativamente aos factos dos anos de 2014 e 2015, para tanto invocando os arts. 118.º e 121.º do Código Penal e o art. 48.º da Lei Geral Tributária (conclusão XXXIX); alargam depois a alegação para os anos de 2016 e 2017, e a (des)propósito invocam (a violação?) [d]o art. 32.º da Constituição da República Portuguesa (conclusões XL e XLI).
Começando por este último, é evidente que, lido todo o seu conteúdo, relativo às garantias de processo criminal, não se vislumbra onde poderá enquadrar-se qualquer violação do direito de defesa: no que respeita à prescrição, ou existe – e como tal deve ser declarada, com a consequente extinção do procedimento criminal – ou não, e o processo deve seguir os seus termos.
Ora, como vem salientado no parecer dos autos, no acórdão recorrido[42] concluiu-se, na parte da fundamentação de direito, terem os ora recorrentes cometido dois crimes de fraude fiscal qualificada do art. 104.º, n.º 3, do RGIT: «tratando-se de atos praticados entre os anos de 2014 a 2020 (…), enquadram-se, quanto a cada um dos tipos legais/impostos (fraude fiscal qualificada quanto a IVA; fraude fiscal qualificada quanto a IRC) numa única resolução criminosa, julgando-se não haver lugar a distinguir tais resoluções e a cindi-las em diferentes factos consumados. Assim e apesar da conduta dos arguidos se desdobrar em vários atos, apenas cometeram um crime por cada tipo legal/imposto, na medida em que estamos perante uma única resolução criminosa e não perante um crime de cada vez que apresentavam uma declaração fiscal.»
Tal subsunção jurídica não foi colocada em causa em sede de recurso; portanto, há a considerar a prática de um crime de fraude fiscal relativo a IVA para o arguido AA e outro para o arguido BB, e ainda um crime de fraude fiscal relativo a IRC para cada um dos dois recorrentes.
Nos termos do art. 119.º, n.º 1, do Código Penal, o prazo de prescrição do procedimento criminal “corre desde o dia em que o facto se tiver consumado”, esclarecendo o n.º 2, b), que nos crimes habituais o prazo só corre “desde o dia da prática do último acto”.
Ora, o último IVA não entregue pelos recorrentes nos cofres do Estado data de Janeiro de 2020 – 204) e 217) – e o não pagamento de IRC reporta-se a todos os anos entre 2014 e 2017 – 222) e 223).
Sendo o crime do art. 104.º, n.º 3, do RGIT punível com pena de prisão de 2 a 8 anos, para as pessoas singulares, o prazo de prescrição aplicável é de dez anos (art. 118.º, n.º 1, b), do Código Penal).
Fácil é concluir, portanto – e sem sequer considerar as causas de suspensão e interrupção da prescrição, que os recorrentes omitem por completo, embora estejam previstas nos arts. 120.º e 121.º deste último Código – que não decorreram aqueles dez anos, nem desde Janeiro de 2020, nem desde 2017…
É também espúria a invocação, pelos recorrentes, do art. 48.º da Lei Geral Tributária (D.L. n.º 398/98, de 17 de Dezembro), relativa à prescrição da prestação tributária, e não do procedimento criminal. Note-se, aliás, como o fez o Ministério Público no parecer, que aquele prazo se suspende “desde a instauração do inquérito criminal até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença” (art. 49.º, n.º 5, da mesma Lei).
Isto posto, é óbvio não estar prescrito o procedimento criminal instaurado contra os ora recorrentes, improcedendo esta parte do recurso.
b) Nulidade do art. 119.º, a)
Invocam os recorrentes BB e AA este vício por defenderem haver violação do princípio do juiz natural: quem presidiu ao tribunal colectivo que veio a realizar o julgamento foi juiz diverso daquele que proferiu o despacho de recebimento da acusação (conclusões XXVI a XXXIII).
Nos termos do art. 119.º, a), há nulidade insanável quando ocorra “violação das regras legais relativas ao modo de determinar a (…) composição” do tribunal.
Já o princípio do juiz natural tem consagração constitucional no art. 32.º, n.º 9: “Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior.” Com este princípio, procura-se estabelecer, “de forma expressa, o direito fundamental dos cidadãos a que uma causa seja julgada por um tribunal previsto como competente por lei anterior, e não ad hoc criado ou tido como competente”, em três aspectos: “no plano da fonte, só a lei pode instituir o juiz e fixar-lhe a competência; no plano temporal, afirmando um princípio de irretroactividade; no plano da previsão legal, a vinculação a uma ‘ordem taxativa de competência, que exclua qualquer alternativa a decidir arbitrária ou mesmo discricionariamente’ e, designadamente, com proibição de jurisdições de excepção.”[43]
Concretizando, conforme se escreveu no Tribunal da Relação de Coimbra[44], estão incluídas neste princípio “as dimensões da determinabilidade, ou seja, que o juiz chamado a decidir no caso concreto é previamente determinado através de leis gerais, o princípio da fixação de competência, que obriga à observância das competências decisórias legalmente atribuídas ao juiz, e a observância das determinações de procedimentos relativos à distribuição de processos, referentes à divisão funcional interna.”
A questão levantada pelos recorrentes não se prende, evidentemente, com a pré-existência (e competência) do Juízo Central Criminal de Braga para o julgamento dos autos – no caso, a ser presidido, a partir do seu início e até ao fim, pelo juiz titular do J..., face ao resultado da distribuição (ref.ª ...56) – mas relativamente à identidade concreta do juiz.
É verdade que, à data dessa distribuição, o juiz que exercia funções naquele Juízo – e que, nos termos do art. 135.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário), tinha competência, como juiz do processo, para presidir ao tribunal colectivo – era o Mm.º Juiz DD; aliás, precisamente por isso é que foi ele o subscritor do despacho de recebimento da acusação, datado de 16 de Junho de 2023 (ref.ª ...74).
Foram por ele marcadas datas para o julgamento destes autos, face à extensão da matéria em causa, em 29 de Setembro de 2023 (ref.ª ...10) – nessa altura, com início previsto a 23 de Fevereiro de 2024 – e, depois, a 16 deste último mês, em que foram dadas sem efeito as três datas designadas, face à precedência de serviço urgente e de audiências já iniciadas, conforme detalhadamente explicado no respectivo despacho (ref.ª ...64). Nessa mesma ocasião foram então marcadas três novas datas, entre 20 de Setembro e 18 de Outubro de 2024.
Como facilmente se pode constatar da consulta ao Diário de República, onde são publicados todos os movimentos de magistrados judiciais – não passando despercebidos aos advogados que exercem funções, ainda que não com regularidade, num tribunal –, o Mm.º Juiz em questão já se encontrava colocado, desde antes de Julho de 2021 (e assim continuou, nos termos da Deliberação n.º 907/2021 do Conselho Superior da Magistratura[45]), no Quadro Complementar de Juízos do Porto e Guimarães, como efectivo.
A gestão deste tipo de quadro, designado como bolsa de juízes e destinado a suprir “a falta ou o impedimento dos (…) titulares, a vacatura do lugar ou o número ou a complexidade dos processos existentes” (art. 88.º, n.º 1, da LOSJ), cabe ao Conselho Superior da Magistratura, nos termos do n.º 5 do mesmo artigo, regulando o destacamento de cada um dos juízes que o integram. Daí o seu exercício de funções neste concreto Juízo Central Criminal.
Porém, no movimento judicial ordinário de 2024[46] – portanto, em data anterior à prevista para o início da audiência de julgamento destes autos, 20 de Setembro desse ano – o Mm.º Juiz DD foi transferido do Quadro Complementar referido para o Juízo Central Criminal do Porto (J...).
Estes autos continuaram a sua normal tramitação, mas com nova titular, a Mm.ª Juiz EE (ref.ª ...96), também ela integrando aquele Quadro Complementar desde 1 de Setembro de 2022[47].
Portanto, quando a audiência de julgamento destes autos começou, quem tinha competência funcional e legal para a ela presidir, em obediência ao princípio do juiz natural, era precisamente – como foi – esta última magistrada judicial, e já não o seu colega e antecessor no lugar, entretanto colocado noutra Comarca.
Como lembra o Ministério Público no seu parecer, só se o julgamento já tivesse começado antes da colocação do Mm.º Juiz DD no Juízo Central Criminal do Porto é que, nos termos do art. 328.º-A, n.º 5, teria ele de o concluir; como não foi o caso, este magistrado já nem sequer era o titular do processo, pelo que carecia de competência para o fazer.
Não houve, por isso, qualquer violação das regras legais relativas à composição do tribunal colectivo, mas sim a sua estrita observância, pelo que o recurso não tem êxito nesta questão.
c) Prova proibida por violação de correspondência electrónica
Os três recorrentes vêm invocar que o Tribunal a quo usou prova proibida, infringindo várias normas constitucionais:
- os recorrentes BB e AA alegando que quem validou a apreensão foi o Ministério Público, e não o juiz de instrução criminal, tendo a AT violado aquela correspondência sem autorização, validação ou despacho judicial;
- o recorrente CC invocando a falta de exame da mesma correspondência por juiz de instrução criminal.
Importa balizar brevemente a matéria em causa do ponto de vista constitucional e legal.
O art. 34.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa consagra a inviolabilidade da correspondência, esclarecendo o n.º 4 a proibição de “toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal”, no que deve ser visto como um corolário, na mesma sede, das excepcionais restrições aos direitos, liberdades e garantias (art. 18.º, n.º 2). O n.º 8 do art. 32.º comina de nulas “todas as provas obtidas mediante (…) abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.”
Já no Código de Processo Penal, rege o art. 126.º, n.º 3: “Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão (…) na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.”
Entre os actos a praticar exclusivamente pelo juiz de instrução durante o inquérito, inclui-se, conforme art. 268.º, n.º 1, d), “tomar conhecimento, em primeiro lugar, do conteúdo da correspondência apreendida, nos termos do n.º 3 do artigo 179.º”.
Segundo o art. 269.º, n.º 1, também compete ao juiz de instrução e de forma exclusiva, “ordenar ou autorizar (…) c) buscas domiciliárias (…); d) apreensões de correspondência, nos termos do n.º 1 do artigo 179.º”.
Há ainda a ter em conta o regime especial do art. 17.º da Lei do Cibercrime[48]: “Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal.”
O correio electrónico em causa foi guardado em quatro suportes diferentes, cada um deles colocado no respectivo envelope selado, no decurso de buscas ordenadas pelo Ministério Público a várias empresas (refªs. ...55, ...36, ...03, ...45, ...87 e ...24):
- uma “pen drive” no saco de prova n.º ...43 (fls. 1180/1181);
- uma “pen drive” no saco n.º ...08 (fls. 1197);
- uma “pen drive” no saco n.º ...73 (fls. 1207/1208);
- um disco externo no saco n.º ...61 (fls. 1213/1214).
Ora, tal como estas buscas, não domiciliárias, também está no âmbito de competência do Ministério Público, como titular do inquérito, autorizar ou ordenar pesquisa em sistema informático para a obtenção de dados, desde que se torne “necessário à produção de prova, tendo em vista a descoberta da verdade” (art. 15.º, n.º 1, LC), bem como determinar a apreensão de dados informáticos (art. 16.º, n.º 1, da mesma Lei), com a restrição de que, se esta abranger elementos “cujo conteúdo seja susceptível de revelar dados pessoais ou íntimos, que possam pôr em causa a privacidade do respectivo titular ou de terceiro, sob pena de nulidade esses dados ou documentos são apresentados ao juiz, que ponderará a sua junção aos autos tendo em conta os interesses do caso concreto” (n.º 3 deste último artigo).
Note-se, ainda, que o mesmo art. 16.º, nos nºs. 7 e 8, determina a forma de apreensão, aqui relevando a possibilidade de “realização de uma cópia dos dados, em suporte autónomo, que será junto ao processo” – alínea b) do n.º 7 –, a efectuar em duplicado, “sendo uma das cópias selada e confiada ao secretário judicial dos serviços onde o processo correr os seus termos” (n.º 8).
Ora, como facilmente se constata da leitura do despacho de 6 de Março de 2020, que ordenou a realização das citadas buscas não domiciliárias (ref.ª ...91, págs. 42/43), o Ministério Público determinou o cumprimento escrupuloso das formalidades dos arts. 16.º e 17.º da LC[49]: «Caso venham a ser recolhidos no decurso da pesquisa informática dados cujo conteúdo, para além daquele que se revele fundamental para a prova nos autos, pode igualmente incluir, dados referentes a registos de comunicações e mensagens de correio electrónico, nos termos do disposto no artigo 17º da Lei do Cibercrime, deverão ser tais dados extraídos em suporte autónomo, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 7 e n.º 8 do artigo 16º da referida Lei do Cibercrime, efectuando cópias em duplicado, digitalmente encriptadas, as quais serão seladas, uma para entrega ao secretário judicial e outra entregue para posterior promoção da apreensão dos dados informáticos, sem visualização prévia, ao Juiz de Instrução Criminal. Caso venham a ser recolhidos no decurso da pesquisa informática dados cujo conteúdo, para além daquele que se revele fundamental para a prova nos autos, pode igualmente incluir, dados susceptíveis de revelar informação de natureza pessoal ou íntima dos visados, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 16º da Lei do Cibercrime, deverão ser tais dados identificados e extraídos nos termos do disposto na alínea b) do n.º 7 e n.º 8 do artigo 16º da referida Lei do Cibercrime, efectuando cópias em duplicado, digitalmente encriptadas, as quais serão seladas, uma para entrega ao secretário judicial e outra entregue para determinação da sua apreensão e posterior apresentação ao Juiz de Instrução Criminal, para ponderação da sua junção aos autos.
Passe e entregue os competentes mandados de pesquisa informática, para cumprimento no prazo determinado, sendo que, após a realização da pesquisa, deverá ser efectuado o competente relatório da mesma, a apresentar para validação da apreensão de dados informáticos no prazo de 72 horas, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 16º da lei da Cibercrime e do n.º 5 do artigo 178º do Código de Processo Penal.»
Como lembra o parecer dos autos, embora este despacho seja anterior ao acórdão do TC n.º 687/2021[50] – que versou a fiscalização preventiva da alteração que o legislador pretendia introduzir no citado art. 17.º, julgando-a inconstitucional, nomeadamente por entender indispensável a intervenção do juiz de instrução nesta matéria –, “o Ministério Público seguiu já a interpretação mais garantística, (…) por antecipação e seguindo a jurisprudência das cautelas”.
No decurso das buscas, foi feita a extracção, guarda e cópia de dados tal como previsto nos citados artigos da Lei do Cibercrime, conforme (sempre idêntico) procedimento relatado em cada um dos autos já referidos.
Tendo as buscas sido realizadas a 12 de Março de 2020, também o prazo legal do art. 16.º, n.º 4, foi respeitado:
- às 16.30h do dia seguinte, sexta-feira, os autos foram apresentados ao Ministério Público, o que mereceu, nessa data, a seguinte promoção (ref.ª ...56): «No decurso das buscas realizadas, foi apreendido e encontra-se em suporte informático (pen´s e disco externo), encerrado em envelope selado, correio electrónico. Assim, conclua os autos ao Mmº JIC, nos termos e para os efeitos estabelecidos no artigo 179.º, n.º 3, do Código de Processo Penal e 16.º e 17.º da Lei n.º 109/2009 para que tome conhecimento dos ficheiros informáticos, com extensões de correio electrónico, apreendidos nos autos e ordene a respectiva junção, caso os considere relevantes para a prova da factualidade em apreciação nos autos. Diligencie pela apresentação do referido disco externo e das pen´s à Mmº Juiz de Instrução.»;
- os autos foram remetidos à juiz de instrução criminal a 16 de Março de 2020, a segunda-feira seguinte (fls. 1441) e, no dia seguinte, objecto do respectivo despacho (ref.ª ...40): «Vem promovido que se tome conhecimento dos ficheiros informáticos, com extensões de correio eletrónico apreendidos nos autos e ordene a respetiva junção, caso os considere relevantes para a prova da factualidade em apreciação nos autos. Apreciando. Consigna-se de que se encontravam no interior do 4.º volume, e assim me foram apresentados, de forma avulsa, três envelopes fechados com o formato A4 e com o logotipo da Autoridade Tributária e Aduaneira com as seguintes inscrições manuscritas no seu rosto e que abri e conferi: - "Busca 1 = Pen com email" contendo no seu interior saco de prova com o nº ...43 relativo ao auto de busca de fls. 1177-1182; - "Busca 2 = Pen contendo email =" contendo no seu interior saco de prova com o nº ...08 relativo ao auto de busca de fls. 1195-1198; - " Busca 4 = Pen contendo email = Disco externo contendo email =" contendo no seu interior: o saco de prova com o nº ...73 relativo aos dois autos de busca de fls. 1207-1210; o saco de prova com o nº ...61 relativo ao auto de busca de fls.1221-1215. Ora, nenhuma análise foi efetuada quanto à existência de emails não lidos e só estes devem ser submetidos a apreciação judicial nos termos dos artigos 179º nº 3, 268.º, n.º 1 al. d) do CPP, ex vi do artigo 17º da Lei do Cibercrime (Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro), não competindo ao juiz de instrução escrutinar, entre milhares, quais os lidos e não lidos. Carece o material informático apreendido de exame pericial prévio por peritos informáticos, o que sugerimos. Acresce que os objetos apreendidos estão selados e, nos termos do artigo 184º do CPP, ao levantamento dos selos assistem, sendo possível, as mesmas pessoas que tiverem estado presentes na sua aposição, as quais verificam se os selos não foram violados nem foi feita qualquer alteração nos objetos apreendidos. Assim, por falta de objeto por ora a apreciar ao abrigo do artigo 179º nº 3 do CPP, devolva os autos.»
Importa referir que, à data, havia ainda divergências jurisprudenciais sobre se o correio electrónico deveria ter diferente tratamento, conforme se tratasse de lido ou não lido, o que foi resolvido pelo acórdão uniformizador n.º 10/2023[51], no sentido de, na fase de inquérito, competir “ao juiz de instrução ordenar ou autorizar a apreensão de mensagens de correio eletrónico ou de outros registos de comunicações de natureza semelhante, independentemente de se encontrarem abertas (lidas) ou fechadas (não lidas), que se afigurem ser de grande interesse para descoberta da verdade ou para a prova, nos termos do art. 17.º, da Lei n.º 109/2009, de 15/09 (Lei do Cibercrime).”
Mas, ainda mais importante para a sorte do recurso, não restam dúvidas de que foram cumpridas as exigências legais (e constitucionais) relativamente ao correio electrónico apreendido, porquanto ao juiz de instrução foi dado conhecimento da sua apreensão nos autos, assim se garantindo a sua cobertura legal, para efeitos do art. 17.º da LC e do art. 179.º, n.º 1. A partir desse momento, os actos praticados nos autos em relação ao correio electrónico apreendido, incluindo os susceptíveis de propiciar a respectiva leitura, ficaram sob a alçada da juiz de instrução – feliz expressão usada no parecer dos autos –, como garante da legalidade, e foi sob a sua determinação que se procedeu à respectiva análise.
É que tem “de reconhecer-se que, pelo menos nos casos de investigação complexa, com realidades criminais multifacetadas e dispersão probatória significativa (eventualmente mais frequentes do que se poderá pensar), não é realista considerar que o juiz de instrução estará em condições de compreender, num relance, a completa relevância probatória do acervo documental que lhe é apresentado (mormente quando este se compõe de prova recolhida em ambiente digital), sem para o efeito carecer do apoio dos investigadores envolvidos no processo (…). «Apreensão de dados informáticos, por conseguinte, tem muito mais a ver com o sinónimo de percepção, ou compreensão, apenas possível depois daquela operação de processamento, absolutamente necessário para que o seu conteúdo seja disponibilizado em termos inteligíveis. Se assim é (..), então aquela apreensão apenas ocorre, em rigor, quando o conteúdo é desvendado e depois junto ao processo em linguagem comum. E, não por acaso, é apenas nesse momento que ocorre a efectiva compressão do direito à reserva da vida privada, direito constitucional convocado aqui na vertente da inviolabilidade da correspondência, que a lei processual visa salvaguardar com as garantias e formalidades que impõe, designadamente a da reserva judicial no que respeita àquela forma de correspondência electrónica.» (…) Sob pena de, alternativamente, lançarmos o juiz de instrução num poço sem fundo de dados digitais, no qual não poderá desenvencilhar-se sem a colaboração dos OPC, ou impedirmos uma verdadeira e séria investigação de factos criminalmente relevantes (e suscetíveis de por em causa bens jurídicos pessoais especialmente valiosos), não pode excluir-se a autoridade judiciária melhor preparada para avaliar a relevância dos elementos recolhidos da respetiva seleção probatória, à semelhança do que sucede com o resultado das interceções telefónicas, nos termos previstos no artigo 188º do Código de Processo Penal (aliás, aplicável aos casos em que ocorra interceção de comunicações em tempo real, nos termos previstos no artigo 18º da Lei do Cibercrime) – não se vê, de resto, que a tutela garantística proporcionada em matéria de interceções deva considerar-se menor (ou maior) do que a que se justifica a propósito de comunicações para este efeito equiparadas a correspondência.”[52]
Assim, e em cumprimento do despacho da juiz de instrução e continuando a acautelar as garantias legais e constitucionais, o Ministério Público proferiu, a 18 de Março de 2020, o seguinte despacho (ref.ª ...51): «Ordena-se a pesquisa informática nos sistemas informáticos apreendidos, pelo prazo de 30 dias, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, al. c) e n.º 1 e n.º 2 do artigo 15º da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (Lei do Cibercrime), para apreensão dos dados informáticos contidos e armazenados nos referidos sistemas informáticos, designadamente em ficheiros de texto, de imagem ou em gravações em formatos áudio e vídeo, que se mostrem relevantes para a prova, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 16º da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (Lei do Cibercrime). Caso venham a ser detectados, no decurso da pesquisa informática dados cujo conteúdo, para além daquele que se revele fundamental para a prova nos autos, possa igualmente incluir, em abstracto, dados susceptíveis de revelar informação de natureza pessoal ou íntima dos visados, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 16º da Lei do Cibercrime, deverão ser tais dados extraídos nos termos do disposto na alínea b) do n.º 7 e n.º 8 do artigo 16º da referida Lei do Cibercrime, efectuando cópias em duplicado, digitalmente encriptadas, as quais serão seladas, uma para entrega ao secretário judicial e outra entregue para apreensão e posterior apresentação de tais dados informáticos ao Juiz de Instrução Criminal. Após a realização da pesquisa, deverá ser efectuado o competente relatório da mesma, a apresentar para validação da apreensão de dados informáticos, no prazo de 72 HORAS, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 16º da lei da Cibercrime e do n.º 5 do artigo 178º do Código de Processo Penal, com elaboração do relatório previsto no artigo 253º do Código de Processo Penal.»
Em seguida, aqueles suportes informáticos foram entregues à AT (ref.ª ...30) e, após pesquisa da respectiva equipa especializada, elaborados por esta dois relatórios, em cumprimento do despacho da Mm.ª Juiz de Instrução:
- um primeiro (fls. 1572 a 1579), em que se refere, quanto às caixas de correio e às comunicações, que «foram gravados para uma pasta autónoma, sem qualquer visionamento ou acesso ao seu conteúdo», destinando-se «a ser apresentados ao Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal» (fls. 1577); seguiu-se despacho do Ministério Público que faz uma narração detalhada sobre o que aconteceu desde o citado despacho de 17 de Março (ref.ª ...39), cumprindo destacar o seguinte excerto: «Desses elementos com relevância para os autos [os resultantes do citado relatório], constam nas pastas que criadas com a designação “Comunicações” e “M”, as mensagens de correio electrónico, mensagens de telemóvel e do whatsapp, que foram gravadas em disco externo que foi junto aos autos em envelope lacrado, a fim de ser apresentado à Mmª Juiz de Instrução. Foi ainda solicitada a elaboração de uma informação com palavras chave que deverão ser utilizadas na análise do correio electrónico apreendido. Sucede que, considerando o grande número de elementos constantes do disco externo, a factualidade complexa em investigação e para aferir de entre esses o que poderá importar para a descoberta da verdade material nos presentes autos, remeta os autos à AT para que seja efectuada uma pesquisa dos elementos contantes do suporte digital referido, indicando, como solicita a Mmº Juiz de Instrução, aqueles que constam como correio electrónico lido e não lido e aqueles com interesse para a prova. Prazo: 60 dias.»;
- o segundo (fls. 1636 a 1640), que foi remetido, a 29 de Julho de 2020, «para validação, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 16.º da lei do Cibercrime e do n.º 5 do artigo 178.º do Código de Processo Penal», apenas relativo às caixas de correio e às comunicações, no qual se refere (fls. 1638, último §) que «em todos os casos mencionados, estamos em presença de um procedimento puramente tecnológico, “cego” – porque o conteúdo das mensagens ou dos ficheiros escapa à atenção dos peritos envolvidos e, em consequência, objectivo».
Portanto, não corresponde à verdade o alegado pelo recorrente CC, de que «o conteúdo efectivo da correspondência electrónica “andou nas mãos” de quem não tem Jurisdição» (conclusão XXI): como se escreveu no parecer dos autos, “o labor da Administração Tributária, em tarefa puramente tecnológica, limitou[-se] a separar da imensidão de ficheiros aqueles que respeitavama comunicações e a caixas de correio, apresentando-os ao Juiz de Instrução, conforme por este determinado, sem tomar qualquer conhecimento do seu conteúdo.”
Diga-se, aliás, que o regime especial da Lei do Cibercrime “não se coaduna com a remissão total e acrítica (…) para o regime geral do CPP – sob pena de se deitar por terra as, já sobreditas, virtualidades materiais e processuais conferidas pela LCC. [No âmbito desta], o Juiz de instrução é garante da compressão de direitos constitucionais, na medida do estritamente necessário, conjugado com as especificidades do domínio do cibercrime e com as especificidades técnicas da prova electrónica, nomeadamente das telecomunicações electrónicas – muito diferentes da tradicional correspondência corpórea a que se reporta o art. 179º, nº 3, do CPP. Por isso, não consideramos ser obrigatório, em sede da Lei do Cibercrime (…) que o primeiro conhecimento judicial pelo JIC tenha de ser do respectivo conteúdo total/completo apreendido.”[53]
E se, até essa fase do processo, todos os direitos dos visados na busca (e ora recorrentes) tinham sido garantidos, como se disse, na mesma senda se continuou.
É que, uma vez entrado nos autos o segundo relatório de perícia informática da AT, o Ministério Público, a 30 de Julho de 2020, e perante a apresentação (mais uma vez) de um envelope selado (ref.ª ...85), validou a apreensão dos dados, nos termos do art. 16.º, n.º 1 e n.º 4, da LC, acrescentando: «Conclua ao Juiz de Instrução Criminal, com a seguinte promoção: Porquanto foram recolhidos, no decurso da pesquisa informática, dados referentes a (Nota: ficheiros de imagem, som e texto dos suspeitos, p. ex.), cujo conteúdo se revela fundamental para a prova nos autos, mas inclui dados susceptíveis de revelar informação de natureza pessoal ou íntima dos visados, os quais foram extraídos nos termos do disposto na alínea b) do n.º 7 e n.º 8 do artigo 16º da referida Lei do Cibercrime, promovo, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 16º da Lei do Cibercrime, que seja ponderada e ordenada a sua junção aos autos.»[54]
Ou seja, mais uma vez – e precisamente pela protecção constitucional que merece a intimidade da vida privada, nela incluída a troca de correspondência electrónica –, é suscitada a intervenção da única autoridade que é o garante dessa protecção, o juiz de instrução criminal.
E é assim que, no dia seguinte a tal promoção, 31 de Julho de 2020, os 3.º e 4.º volumes dos autos, bem como o envelope fechado, são remetidos à Unidade Central de Braga, com nota de urgência (ref.ª ...94), tendo nesse mesmo dia o juiz de instrução criminal proferido sobre eles despacho (ref.ª ...93): «Considerando os interesses do caso concreto e a relevância dos elementos em causa para o prosseguimento da investigação em curso, ao abrigo do disposto no artigo 16.º, n.º 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, autorizo a junção aos autos dos dados informáticos apreendidos susceptíveis de revelar informação de natureza pessoal ou íntima dos visados.»
Portanto, e ao contrário do que pretendem todos os recorrentes, não há qualquer proibição de prova por violação (não autorizada) de correspondência electrónica: todo o percurso da sua aquisição e junção aos autos foi controlada por juiz de instrução, só depois – e exactamente pelo cumprimento dos trâmites legais – tendo sido aberta e usada como prova na investigação, levada a cabo pela AT e supervisionada pelo Ministério Público.
Assim, sem que se verifique qualquer das inconstitucionalidades ou ilegalidades apontadas pelos recorrentes, naufraga este segmento do recurso.
d) Violação da proibição do princípio da auto-incriminação
Na óptica de todos os recorrentes, houve violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare (a designação latina usada), porque a prova documental foi obtida através do dever de colaboração e verdade dos contribuintes, antes da constituição como arguidos, e não é transmissível da inspecção tributária para o processo penal.
Embora sem expressa consagração constitucional, o direito de o arguido não se auto-incriminar decorre, desde logo e de forma clara, do disposto no art. 61.º, n.º 1, d): “em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei”, o arguido goza do direito de “não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar”.
Trata-se de uma “marca irrenunciável do processo penal de estrutura acusatória, visando (…) garantir que o arguido não seja reduzido a mero objeto da atividade estadual de repressão do crime, devendo antes ser-lhe atribuído o papel de verdadeiro sujeito processual, armado com os direitos de defesa e tratado como presumivelmente inocente.”[55]
Porém, e ao contrário do que defendem todos os recorrentes, a declaração de inconstitucionalidade neste último acórdão citado – relativa à “interpretação normativa dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a), todos do Código de Processo Penal, segundo a qual os documentos fiscalmente relevantes obtidos ao abrigo do dever de cooperação previsto no artigo 9.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira e no artigo 59.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária por uma inspeção tributária realizada a um contribuinte, durante a fase de inquérito de um processo criminal pela prática de crime fiscal movido contra o contribuinte inspecionado e sem o prévio conhecimento ou decisão da autoridade judiciária competente, podem ser utilizados como prova no mesmo processo” – não se aplica ao caso dos autos.
É que, naquele acórdão, a fiscalização de constitucionalidade não respeitava “diretamente ao dever de entrega de documentos no âmbito de um procedimento de inspeção, mas tão somente à utilização como prova em processo penal de documentos que foram facultados pelo suspeito – ou já arguido – ou obtidos pela Administração fiscal no decurso de uma inspeção em que o mesmo, na sua qualidade de contribuinte, se encontra sujeito a deveres de cooperação” (nomeadamente previstos nos arts. 31.º, n.º 2, 59.º, n.º 4, e 63.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, e 9.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira).
Ora, não é o que sucede no caso dos autos, como bem explica o Ministério Público no parecer dos autos (e que se transcreve infra, nas partes relevantes):
- o relatório de fls. 2555 e seguintes, que tanto impressiona o recorrente CC nesta matéria, “não é o relatório final de qualquer inspecção tributária mas o parecer fundamentado relativo à investigação criminal”, nos termos dos arts. 42.º, n.º 3, e 43.º, n.º 1, do RGIT (Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho), ambos incluídos no capítulo que tem por epígrafe “Processo penal tributário”…
- da tramitação processual resulta que os elementos probatórios, nomeadamente documentos contabilísticos e facturas, foram obtidos no âmbito da investigação criminal, de forma coerciva (na sequência de buscas e apreensões) “ou mediante acesso que não suscitou qualquer colaboração dos arguidos”.
Aliás, é de salientar que o inquérito crime foi instaurado e remetido pelo Ministério Público para investigação pelo núcleo de investigação criminal da AT, nos termos dos arts. 40.º e 41.º, n.º 1, b), n.º 2 e n.º 3 do RGIT (fls. 116): desde o início, estão os autos fora do âmbito de aplicação do princípio da colaboração do art. 59.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária (D.L. n.º 398/98, de 17 de Dezembro), ou sequer das normas de uma inspecção tributária (como o supra citado art. 9.º, n.º 1, do D.L. n.º 413/98, de 31 de Dezembro).
É que a LGT define os princípios gerais do nosso direito fiscal, os poderes da administração tributária na sua relação com os contribuintes e as garantias destes – o Fisco e o cidadão –, sendo até matéria de competência do poder executivo, enquanto as citadas normas do RGIT (de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos do art. 165.º, n.º 1, c), da CRP) são convocadas quando há necessidade de accionar o processo penal tributário, por haver “notícia de um crime tributário” – sendo já os intervenientes o Ministério Público, coadjuvado pela AT, e o suspeito/arguido.
Se dúvidas houvesse do terreno em que nos movemos, seriam esclarecidas pelo próprio desenrolar do processo:
- há várias informações prestadas, a solicitação do titular do inquérito, pela agência tributária espanhola (fls. 349 a 369 e 372 a 381);
- o Ministério Público, a 22 de Maio de 2017, define que, nos termos do art. 41.º, n.º 4, do RGIT, a investigação será feita pela Polícia Judiciária e pela AT em conjunto (ref.ª ...81);
- depois, a Polícia Judiciária leva a cabo várias diligências (fls. 573 a 577, 583 a 586, 591 e 595 a 597);
- o Banco de Portugal presta informação sobre as contas bancárias, a solicitação do titular do inquérito (fls. 685 a 729);
- a 3 de Outubro de 2017, o Ministério Público determina que seja a AT a continuar a investigação, se necessário com a colaboração da Polícia Judiciária (ref.ª ...92).
E, após o despacho de indiciação, de 3 de Março de 2020 (ref.ª ...91), por nele ser promovido, além do mais, a realização de buscas domiciliárias, o despacho do juiz de instrução que recai sobre tal promoção é esclarecedor quanto à (alegada, mas inexistente) “colaboração” dos visados (ref.ª ...61, digitalizado na ref.ª ...15): alude-se à «ausência de apresentação das declarações fiscais», à necessidade de «apurar as compras (…) a sociedades de fachada, o que poderá constar da contabilidade que se pretende apreender» (ou seja, que ninguém forneceu voluntariamente…) e de «estimar uma matéria coletável não declarada (…), o que se procura também obter da prova a recolher», referindo-se que, nomeadamente face ao «resultado das diligências já efectuadas e o actual estado da investigação, não é possível recorrer a meios de obtenção de prova que, de forma menos lesiva dos direitos dos suspeitos, permitam alcançar (…) as finalidades da investigação».
E, como refere o Ministério Público no parecer, já a 9 de Março de 2017 a AT assinalou «que para a obtenção de elementos de prova era imprescindível a] o acesso à contabilidade e b] a identificação dos sujeitos passivos que exerciam efectivamente a actividade, bem como os locais, trabalhadores e equipamentos; mas que, dado que até tal data não houvera colaboração dos intervenientes, a obtenção dos elementos de prova não podia ser efectuada sem escutas, buscas, vigilâncias…, ou seja no âmbito do processo penal [cfr. informação de fls. 460/469, e mais precisamente 469, pontos 19. e 20.].»
Portanto, quem nada trouxe aos autos, não se pode auto-incriminar; sem que tal tenha acontecido, nunca o Tribunal a quo poderia ter incorrido na violação de uma inexistência…
Não assiste razão aos recorrentes neste segmento do recurso.
e) Nulidade do art. 119.º, e)
Alegam os recorrentes BB e AA que ocorreu tal nulidade pela circunstância de, na audiência de julgamento em que foi comunicada a alteração não substancial dos factos, apenas ter estado presente a Mm.ª Juiz Presidente, e não os dois restantes membros do Tribunal Colectivo.
Nos termos do art. 119.º, e), há nulidade insanável quando são violadas as “regras de competência do tribunal”. Como já se analisou supra – C.b) –, a composição do Tribunal Colectivo que procedeu ao julgamento obedeceu às regras legais: foi sua Presidente a Mm.ª Juiz EE, e adjuntas as Mmªs. Juízas FF e GG (ref.ª ...46).
A 29 de Janeiro de 2025, na audiência a que se reporta esta última referência, houve lugar a alegações e, no final, a Mm.ª Juiz Presidente designou, para leitura do acórdão, o dia 12 de Março seguinte, às 9.20h.
Veja-se, então, o que aconteceu nesta última sessão da audiência de julgamento, no dia aprazado (ref.ª ...15):
- a única magistrada judicial presente na sala de audiências foi a Mm.ª Juiz Presidente;
- por esta, foi comunicada ao Ministério Público e aos mandatários dos arguidos, nos termos do art. 358.º, uma alteração não substancial dos factos e da qualificação jurídica;
- por aqueles mandatários, quando lhes foi concedida a palavra, «foi dito nada terem a requerer»;
- imediatamente a seguir, a Mm.ª Juiz Presidente procedeu à leitura do acórdão, «anunciando, ao abrigo do disposto no art.º 372º do C. P. Penal, que o mesmo se encontra elaborado em conformidade com a deliberação tomada por todos os elementos do Tribunal Coletivo, composto pela Meritíssima Juíza Presidente e pelas suas colegas, Dra. FF e Dra. GG, e assinado pelas mesmas.»;
- após a notificação do acórdão, «na falta de qualquer recurso, foi declarada encerrada a audiência».
No que respeita à leitura do acórdão, o art. 372.º, n.º 3, permite que seja feita “pelo presidente ou por outro dos juízes”, e foi precisamente o que aconteceu.
Já quanto à comunicação do art. 358.º, o n.º 1 estabelece expressamente ter de ser o presidente do tribunal a fazê-lo – nada dizendo quanto à presença ou ausência dos demais membros do colectivo –, sendo que também assim se concretizou nos autos. É evidente que, em caso de se tratar de um tribunal colectivo, tal comunicação pressupõe a respectiva deliberação prévia que não se trata de um acto público, mas sujeito a segredo (art. 367.º).
Ora, perante o não exercício, por parte de algum dos arguidos, da faculdade que lhes é conferida pelo art. 358.º, n.º 1 – requerer “o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa” –, produzida e analisada que estava toda a prova pelos três membros do Tribunal Colectivo, a Mm.ª Juiz Presidente mais não fez do que dar voz ao que o conjunto do Tribunal já havia deliberado: procedeu à leitura do acórdão.
Em momento algum ocorreu a nulidade apontada pelos recorrentes, porquanto, entre a comunicação para efeitos do art. 358.º, n.º 1, e a leitura do acórdão não se produziu – porque os arguidos, entre os quais os ora recorrentes, a isso renunciaram! – qualquer prova adicional que o Tribunal Colectivo tivesse de apreciar (a ser o caso, é que a – nova – audiência de julgamento teria obrigatoriamente a presença dos seus três membros). Ex abundantiae, sempre se dirá que também não há, na presença apenas da Mm.ª Juiz Presidente na última sessão da audiência de julgamento, qualquer irregularidade, face às normas supra citadas; mas, ainda que houvesse, sempre estaria sanada, porquanto não foi arguida pelos interessados na própria sessão da audiência de julgamento (art. 123.º, n.º 1).
Também aqui não é de acolher a pretensão dos recorrentes.
f) Nulidade do acórdão por falta de fundamentação
Nesta matéria, são vários os pontos de vista dos recorrentes:
- os arguidos BB e AA entendem que o Tribunal a quo não analisou de forma crítica as provas produzidas, por um lado, e não «graduou o grau de culpa» do arguido AA, por outro;
- o recorrente CC vislumbra este vício na sua condenação na perda a favor do Estado, por não ter obtido nenhuma vantagem na actividade ilícita.
O art. 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, dispõe: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.”.
No que respeita às decisões penais, esta directriz constitucional concretiza-se em várias normas da legislação ordinária:
- no art. 97.º, n.º 5, onde se lê que os actos decisórios “são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.”;
- no art. 124.º, n.º 1, definindo o objecto da prova – “todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis.”;
- no art. 368.º, n.º 2 – “se a apreciação do mérito não tiver ficado prejudicada, o presidente enumera discriminada e especificamente e submete a deliberação e votação os factos alegados pela acusação e pela defesa e, bem assim, os que resultarem da discussão da causa, relevantes para as questões de saber: a) Se se verificaram os elementos constitutivos do tipo de crime; b) Se o arguido praticou o crime ou nele participou; c) Se o arguido actuou com culpa; d) Se se verificou alguma causa que exclua a ilicitude ou a culpa; e) Se se verificaram quaisquer outros pressupostos de que a lei faça depender a punibilidade do agente”[56];
- no art. 374.º, n.º 2, relativo aos requisitos da sentença – “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”;
- o art. 379.º, relativo às nulidades da sentença (ou acórdão), cabendo aqui destacar o seu n.º 1, a) – “Que não contiver as menções referidas no n.º 2 (…) do artigo 374.º”.
Sendo a aplicação do direito aos factos uma técnica (de carácter jurídico, evidentemente), é na fundamentação de facto que reside a principal força (ou fraqueza) de uma decisão judicial; tal fundamentação é o cerne do trabalho de um juiz, porque “os factos é que decidem”[57].
Por isso, é dever do julgador explicar de forma inteligível o modo como chegou à prova (ou falta dela) de cada facto; e, ao mesmo tempo que vai escrevendo a fundamentação de facto, o juiz deve posicionar-se como um dos seus destinatários: da respectiva leitura, também para o próprio tem de resultar que dela só pode sair este ou aquele facto, essa ou a outra intenção. “Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente.”[58]
Tal exige que a linguagem empregue seja clara, acessível e simples: são factos da vida, que se devem explicar com termos que todos possam entender.
A fundamentação de facto permite “a sindicância da legalidade do acto (…) e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça (…), mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto (…) da sua decisão, actuando por isso como meio de autodisciplina.”[59]
E, como é evidente, só perante a fundamentação de facto pode o arguido exercer cabalmente a sua defesa, atacando um ou vários pontos que se afigurem insuficientes ou até contraditórios entre si, assim vendo garantido o direito constitucional de defesa em processo criminal (art. 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa). E, “num Estado de Direito Democrático, é porque o tribunal aprecia livremente a prova [de acordo com o art. 127.º] que existe a obrigação de motivar.”[60]
Para analisar se a fundamentação de facto sofre de nulidade, como alegam os recorrentes BB e AA, nada mais é necessário senão o texto da própria decisão; não chega este Tribunal a formular nenhum juízo sobre as provas, porquanto se está em passo anterior – a análise do que escreveu o julgador sobre a respectiva apreciação que o levou a concluir pela prova dos factos.
Ora, feita a leitura atenta do acórdão dos autos (Ref.ª ...77, maxime fls. 65 a 84), facilmente se constata que, ao contrário do que pretendem estes recorrentes, o Tribunal a quo escalpelizou, analisando-os de forma crítica, os meios de prova de que dispunha:
- começou pelas declarações do arguido AA, explicando porque valorou as prestadas as sede de inquérito e como as concatenou com a confissão em audiência de julgamento (págs. 65/66);
- detalhou o conteúdo das declarações do arguido CC, longamente explanando os motivos da sua falta de credibilidade (págs. 67/68);
- avaliou o depoimento do inspector tributário HH, relacionando-o com os elementos documentais juntos aos autos, que analisa em detalhe e situa individualmente, a propósito de alguns trazendo à colação a versão do arguido CC e justificando porque esta não colheu (págs. 68 a 76);
- explicou quais os elementos de prova a partir dos quais foi possível caracterizar a conduta do arguido BB, relacionando de forma lógica e encadeada as declarações dos outros dois arguidos, da testemunha HH – novamente com análise de várias emails juntos aos autos –, bem como das testemunhas AAA, BBB, KK, CCC, YY e DDD, pelas ligações de cada um a várias empresas do grupo e relação mantida com aquele arguido (págs. 76 a 80);
- são ainda mencionados, com expressa referência à sua localização no processo, as certidões juntas aos autos (das sociedades, de decisões judiciais e de dívida), facturas e recibos, informações das autoridades espanholas, dos bancos, autos de apreensão e busca e relatórios de informática forense (págs. 82/83);
- finalmente, é explicado como se chegou à demonstração do elemento subjectivo, o fundamento das condições pessoais dos arguidos, os seus antecedentes criminais e o arrependimento do arguido AA, justificando-se cabalmente a (escassa) factualidade não provada por ser contrariada pelos documentos dos autos (pág. 84).
Assim, resulta evidente que o Tribunal a quo tornou claro, perceptível e sindicável todo o caminho percorrido para chegar à matéria provada e não provada: aliás, certamente por isso é que os recorrentes se ficaram por uma alegação genérica nesta matéria…
Importa – e nunca é demais – louvar o poder de síntese que ressalta da fundamentação de facto (de particular mestria numa matéria tão complexa), nunca sacrificando os seus pilares essenciais: a limpidez de raciocínio e a análise crítica, com o detalhe necessário, da prova produzida, quer quando avaliada de forma individual quer quando comparada com outros elementos que a integram. Ao lê-la, é como se fosse possível ver o Tribunal a quo a pensar, e com esse instrumento percorrer o seu caminho.
Não assiste, portanto, qualquer razão aos recorrentes BB e AA relativamente à (alegada) deficiente fundamentação da decisão de facto.
Resulta ainda que o recorrente AA, após classificar a pena que lhe foi aplicada como «manifestamente desproporcional, exagerada e desajustada» (conclusão LXXIV), alega que, na determinação da medida concreta da pena, o Tribunal a quo «não graduou o grau de culpa do ora recorrente na motivação» (conclusão LXXV), o que se traduziria numa nulidade por falta de fundamentação.
Além do evidente pleonasmo contido neste último argumento do recorrente, bastaria – mais uma vez – proceder a uma leitura atenta e não enviesada do acórdão recorrido (maxime, págs. 106 e 107) para perceber a absoluta ausência de base para invocar tal nulidade.
Tomando aqui de empréstimo, porque explícito e eloquente, o parecer dos autos: a graduação da culpa de todos os arguidos recorrentes “está exemplarmente plasmada a fls. 106 e 107 do acórdão, a partir do grau de ilicitude dos factos, caracterizado como muito elevado, sendo oportuno mencionar que é a partir do nível de ilicitude que se gradua a culpa jurídico-penal.
Assim, ficamos a saber que para colocação da ilicitude naquele patamar, e por consequência da culpa, foram decisivos os seguintes factores: ▪ tempo por que perdurou a conduta; ▪ fraude quanto a dois tipos diferentes de imposto; ▪ uso de diferentes formas de “viciar” o cálculo dos impostos a pagar/deduzir, passando pela contabilização de operações inexistentes, ausência de faturação e manipulação da contabilidade; ▪ actuação a coberto, a maior parte do tempo, de uma gestão apenas de facto, não representando de direito as sociedades, procurando, dessa forma, camuflar, ainda mais, a actividade; ▪ utilização de cerca de sete sociedades de fachada; ▪ prejuízo causado ao Estado; [acrescente-se, não regularizado de forma voluntária, como se refere no acórdão recorrido] ▪ actuação com dolo directo».
Tomou ainda o Tribunal a quo em consideração as seis condenações criminais anteriores do arguido AA «pela prática de crimes fiscais (fraudes/abusos de confiança), todos eles com condenações em penas de prisão suspensas (e uma substituída por trabalho a favor da comunidade), tendo, ainda, condenações anteriores por crimes de abuso de confiança contra a Segurança Social, três condenações posteriores também pela prática desse tipo de crime e um outro, também em penas de prisão suspensas e cinco outras condenações por crimes de diferente natureza», bem com a circunstância de ter praticado parte dos factos provados no período de suspensão de execução das penas aplicadas em seis processos (que identifica), tirando a conclusão de que este arguido tem «uma personalidade totalmente avessa ao dever ser jurídico, praticando os factos em apreciação durante um período de cerca de 6 anos e em montantes avultadíssimos, mesmo após ter recebido várias advertências anteriores, com penas de prisão, ainda que suspensas na sua execução».
Acrescente-se que, no acórdão recorrido, o Tribunal a quo não se esqueceu de levar em conta, no que respeita ao arguido AA, os elementos que o favorecem na fixação da medida da pena: a sua admissão da «quase (…) globalidade da factualidade provada, demonstrando arrependimento» (facto provado 264) e as suas condições pessoais (factos provados 237 a 246).
É, portanto, gritante a falta de razão do recorrente AA nesta matéria, porquanto o seu grau de culpa está muitíssimo bem explicado no acórdão recorrido.
Passando ao recorrente CC, a falta de fundamentação apontada residiria na ausência de «justificação explicativa da necessidade de fixação de uma perda de vantagem a favor do Estado» (conclusão XCII), uma vez que «este arguido não obteve nenhuma vantagem proveniente da actividade ilícita» (conclusão LXXXVIII).
Ora, o acórdão recorrido explicou cabalmente a razão pela qual condenou este recorrente na perda de vantagens (págs. 119/120):
- primeiro, invocou a lei pertinente – o art. 110.º, n.º 1, b), e n.º 4 do Código Penal;
- depois, em conformidade com o que resultou dos factos provados (maxime, 218, 223 e 225), chegou ao valor de € 1.402.926,95, correspondente ao que, por causa da conduta dos três ora recorrentes, deixou de entrar nos cofres do Estado;
- finalmente, explicou que, mesmo tratando-se de uma condenação solidária, o seu limite é a medida da respectiva responsabilidade que, no caso do ora recorrente, se circunscreve a € 1.387.552,97.
Porquê? Também o acórdão o explica (pág. 107): «a responsabilidade dos arguidos BB e AA pelos valores globais é total; a do arguido CC, poderá ver excecionada apenas o valor de €15.373,98, referente à conduta da AA, Lda., do ano de janeiro/2020», quantia que, deduzida da primeira supra mencionada, resulta na segunda; tal dedução está em absoluta conformidade com a matéria provada – factos provados 73 e 74 –, já que, apesar de o recorrente CC ter sido, a partir do final de Novembro de 2019, contabilista da “AA, Lda.”, o seu «pleno conhecimento do esquema fraudulento [ocorreu] pelo menos entre os anos 2014 a 2019». Portanto, aquele valor de Janeiro de 2020 nunca poderia ser – como não foi – englobado na perda de vantagens no que respeita a este recorrente.
Finalmente, e ainda em sede de fundamentação jurídica da perda, lembra o Tribunal a quo (pág. 120) o teor do citado art. 110.º, n.º 1, b), na parte em que abrange as vantagens de facto ilícito típico, “para o agente ou para outrem” (excerto que até teve o cuidado de sublinhar no original).
Não há, por isso, qualquer falta de fundamentação nesta matéria – nem sequer, como é manifesto, qualquer insuficiência desta (alegadamente) acobertada pelo art. 410.º, n.º 2, a) –, mas antes o inconformismo do recorrente por achar incompatível pagar um valor sem que haja demonstração de ter tido a correspondente vantagem – o que, como bem se refere no parecer dos autos, é uma questão (desde já se adianta, evidente!) de interpretação da mesma norma, a analisar infra.
g) Inadmissibilidade do depoimento de HH
Alega o recorrente CC que este depoimento deve ser expurgado da fundamentação de facto, porque HH «não é testemunha» (conclusões XXVIII a XXXVI).
Cabe, desde logo, clarificar a confusão de argumentos apresentados pelo recorrente: se, por um lado, faz essa afirmação, por outro diz – referindo-se a uma concreta passagem do depoimento – que HH não percepcionou factos através dos seus cinco sentidos…
Ora, a questão que se coloca é a admissibilidade da prestação do depoimento, e não o respectivo conteúdo; ou seja, esta pessoa podia ou não ser ouvida como testemunha na audiência de julgamento?
É evidente que em relação a HH, referido no acórdão recorrido como «inspector tributário que acompanhou a investigação dos autos» (pág. 68), não se verifica nenhum dos impedimentos previstos no art. 133.º, n.º 1: não é arguido, assistente, parte civil ou perito.
Por isso, podia sem qualquer obstáculo prestar depoimento como testemunha, tal como o podem fazer os órgãos de polícia criminal (com as restrições do art. 356.º, n.º 7, que dizem já respeito ao conteúdo do depoimento).
Constituindo objecto da prova “todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime” (art. 124.º, n.º 1), é óbvio que, neste tipo de crime, um inspector tributário toma conhecimento directo, pela sua função e aptidões, de muitos elementos (desde logo, documentais), sobre os quais pode ser inquirido (art. 128.º, n.º 1).
Quanto ao (não) uso dos cinco sentidos esgrimido pelo recorrente, além de ser uma forma simplista de atacar um meio de prova que, como se percebe da argumentação do recorrente, não lhe agradou, é também legalmente inadequada, uma vez que o conteúdo do depoimento, se mal avaliado pelo Tribunal a quo, deve ser posto em causa em sede de erro de julgamento (art. 412.º, n.º 3).
Assim, e sem necessidade de mais considerações, improcede este segmento do recurso.
h) Contradição na fundamentação
Esta questão foi levantada pelo recorrente CC, que a descortina na circunstância de, simultaneamente, se afirmar no acórdão:
- não terem resultado provados concretos proventos da actividade criminosa para este arguido,
- e haver expectativas objectivas de que ele venha a ter meios financeiros para pagar parte do montante da vantagem patrimonial, mas não a totalidade (conclusão CIII).
Nos termos do art. 410.º, n.º 2, b), pode ser fundamento de recurso “desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”.
Note-se que, na análise desta questão, não se examina o mérito daquela perda de vantagens, mas tão só se se mostra contraditório escrever aquelas duas asserções; ou seja, que as duas não possam ser verdade ao mesmo tempo no contexto em que foram escritas.
Ambas se enquadram no segmento do acórdão (págs. 113 a 119) que trata – apenas – da suspensão da execução da pena de prisão, de que só o recorrente CC estava em condições objectivas de beneficiar, porque a pena única aplicada foi inferior a 5 anos de prisão (art. 50.º, n.º 1, do Código Penal).
Primeiro, o Tribunal a quo, seguindo jurisprudência obrigatória[61], explica em detalhe a razão pela qual aquela suspensão, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o art. 14.º, n.º 1, RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e acréscimos legais, “reclama um juízo de prognose reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura”.
Depois, numa tese que, embora controvertida[62], encontra apoio jurisprudencial (a propósito citado no acórdão recorrido), considerou que o regime daquele art. 14.º, n.º 1, deve ser conjugado com o do art. 51.º, n.º 2, do Código Penal (“Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.”).
Dentro deste quadro jurídico, ponderou os factores que, nos termos do citado art. 50.º, n.º 1, beneficiavam o arguido CC: a ausência de antecedentes criminais, a inserção familiar e laboral, a circunstância de ser condenado como cúmplice e, ainda, de não terem resultado «provados concretos proventos da atividade criminosa para CC» (ou seja, inexistirem sinais que demonstrem ter sido ele a lucrar pessoalmente com o crime); para concluir «ser possível fazer uma apreciação favorável relativamente ao comportamento do mesmo, baseada num risco prudencial, no sentido de antecipar ou prever que a ameaça da pena se revela adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição».
Tendo-se decidido pela suspensão da execução da pena pelo período máximo (5 anos), partiu o Tribunal a quo, de acordo com o seu entendimento, para a apreciação das condições de vida do arguido CC, que analisou em detalhe, com destaque para a sua longa carreira profissional como contabilista, os rendimentos e os gastos; daí retirou que «há pelo menos expetativas objetivas de que venha a ter meios financeiros que lhe permitam, ao longo do período de cinco anos da suspensão da execução da pena, pagar pelo menos parte do montante correspondente à vantagem patrimonial obtida com os factos em causa nos autos, mas nunca a sua totalidade, que ascende a montante que ronda o milhão de euros», e reduziu para € 50.000,00 o pagamento a fixar como condição da suspensão da execução da pena, não deixando de lembrar que o respectivo cumprimento «nunca será conseguido sem um esforço adicional e até algum sacrifício do arguido, eventualmente até com recurso a trabalho extra, mas é também isso mesmo que se pretende com a imposição daquela condição, pois sem esse esforço e sacrifício nunca haverá verdadeira responsabilização do condenado e, sem ela, falecem as finalidades punitivas da sanção.»
Isto posto, é evidente a inexistência da aludida contradição: o facto de não se ter demonstrado que ele retirou benefício económico para si da prática do crime em nada contende com a possibilidade de, embora com sacrifício pessoal, o recorrente vir a reunir, em cinco anos, os € 50.000,00 que o Tribunal a quo fixou como condição de pagamento para a suspensão de execução da pena – valor, aliás, pouco superior a 3,6% (!) do prejuízo causado ao Estado (também) pela sua actividade criminosa, como cúmplice dos restantes dois arguidos.
Relembre-se que a matéria onde foram escritas as duas afirmações nada têm a ver com a perda de vantagens: a suspensão da execução – embora também faça parte, como aquela, do Título III do Código Penal, que cuida “Das consequências jurídicas do facto” – é relativa a uma pena (Capítulo II); já a “Perda de instrumentos, produtos e vantagens” (Capítulo IX), como lembra a lapidar fórmula doutrinária adoptada pelo Tribunal Constitucional[63], tem como fundamento político-criminal “finalidades preventivas (quer de prevenção geral, quer de prevenção especial) considerando que, ao procurar colocar o arguido na situação patrimonial em que estaria se não tivesse praticado determinado ilícito, subtraindo as vantagens resultantes do mesmo, se visa demonstrar que «o crime não compensa», ideia que é reafirmada «tanto sobre o concreto agente do ilícito-típico (prevenção especial ou individual), como nos seus reflexos sobre a sociedade no seu todo (prevenção geral), mas sem que neste último aspeto deixe de caber o reflexo da providência ao nível do reforço da vigência da norma (prevenção geral positiva ou de prevenção) (…). além destas finalidades preventivas, a este regime também está subjacente uma necessidade de restauração da ordem patrimonial dos bens correspondente ao direito vigente. Um Estado de Direito não pode deixar de preocupar-se em reconstituir a situação patrimonial que existia antes de alguém através de condutas ilícitas ter adquirido vantagens patrimoniais indevidas, mesmo que estas não correspondam a um dano de alguém em concreto.”
Tem, por isso, de improceder esta parte do recurso.
i) Erro notório do art. 410.º, n.º 2, c)
A este propósito, vêm os recorrentes BB e AA dizer que tal vício se traduz na circunstância de o Tribunal a quo ter responsabilizado criminalmente o primeiro arguido, ao mesmo tempo que o segundo «confessou integralmente e sem reservas a prática dos factos pelos quais vinha acusado, com a exceção da coautoria com o arguido BB», considerando ainda que foi violado o art. 344.º, nºs. 1 e 2 (conclusões XLII a XLV).
Antes de entrar na questão do erro notório, vale a pena analisar, para efeitos do art. 344.º, o sucedido na audiência de julgamento[64] em que o arguido AA prestou declarações, a 4 de Outubro de 2024 (ref.ª ...94), bem como na de 18 do mesmo mês (ref.ª ...79):
- ao longo da manhã e de parte da tarde, o Tribunal a quo ouviu as declarações deste arguido;
- já de tarde, consta da acta que aquele arguido confessou «de forma integral e sem reservas todos os factos que lhe dizem respeito.»;
- em seguida, «Questionado, informou que o faz de forma livre e espontânea»;
- depois, «após deliberação e mantendo o M.P. nisso interesse», foi proferido despacho que, «nos termos do disposto no art. 357, nº 1, b) do CPP, admitiu a leitura das declarações do arguido AA prestadas em fase de inquérito de fls. 2583-2593, conforme requerido pelo M. P. na acusação, passando de imediato à sua leitura»;
- após essa leitura, e voltando à audição do mesmo arguido, este «confirma as declarações prestadas anteriormente prestadas perante a Digna Magistrada do M. Público»;
- na sessão de 18 de Outubro, o arguido AA, «a solicitação do Tribunal, prestou declarações, esclarecendo que a confissão efetuada na última sessão quanto aos factos que lhe dizem respeito, aceitando tudo o que está na acusação com exceção da intervenção dos arguidos BB e CC no esquema criado.»
Depois, foi produzida a restante prova testemunhal, nesse dia e em mais três sessões de julgamento, havendo ainda uma outra para as alegações orais.
Nos termos do art. 344.º, n.º 1, o arguido “pode declarar, em qualquer momento da audiência, que pretende confessar os factos que lhe são imputados, devendo o presidente, sob pena de nulidade, perguntar-lhe se o faz de livre vontade e fora de qualquer coacção, bem como se se propõe fazer uma confissão integral e sem reservas.”
Perante o que ficou supra descrito, o Tribunal a quo deu cumprimento a esta norma, face à posição assumida pelo arguido AA.
Porém, os recorrentes parecem ignorar que os efeitos da confissão integral e sem reservas (mesmo que se admitisse ter sido o caso dos autos…) previstos no n.º 2 do art. 344.º – maxime, o da alínea a), de “renúncia à produção da prova relativa aos factos imputados e consequente consideração destes como provados” – são excepcionados nos casos do n.º 3 do mesmo artigo, nomeadamente quando “a) Houver co-arguidos e não se verificar a confissão integral, sem reservas e coerente de todos eles”.
Ora, tendo o co-arguido BB usado o direito ao silêncio e não havendo confissão por parte do arguido CC (o que resulta da fundamentação do acórdão recorrido e, ex abundantiae, da análise das actas de audiência de julgamento), é evidente que o Tribunal a quo estava impedido de aplicar o art. 344.º, n.º 2, a).
Por outro lado, é patente, face à declaração adicional feita pelo arguido AA na audiência de julgamento de 18 de Outubro, que a sua confissão não foi integral e sem reservas, porquanto excepcionou a intervenção dos co-arguidos na actividade descrita nos factos provados…
Restava, por isso, ao Tribunal a quo a aplicação do art. 344.º, n.º 4: decidir, “em sua livre convicção, se deve ter lugar e em que medida, quanto aos factos confessados, a produção da prova”. E foi precisamente o que fez, não só através da audição das declarações do mesmo arguido prestadas em inquérito perante o Ministério Público, mas também da prova testemunhal arrolada pela acusação e pela defesa.
Não há, por isso, a invocada violação do art. 344.º nºs. 1 e 2.
Passando à questão central deste ponto do recurso, prevê o art. 410.º, n.º 2, c): “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento[s], desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, erro notório na apreciação da prova”.
O domínio de análise relevante para aferir da existência deste vício é o texto da decisão recorrida, e nada que dela extravase: não se trata aqui de reapreciar a prova, mas de detectar alguma deficiência no teor daquela decisão.
Tal erro ocorre, por exemplo, “quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou quando notoriamente violadora das regras de experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida.”[65]
Ora, é patente da argumentação dos recorrentes a confusão de conceitos: na sua visão, é errado que o Tribunal a quo, perante a confissão do arguido AA, possa ter concluído pela culpabilidade do co-arguido BB. Porém, isso é uma questão de valoração da prova e não um vício intrínseco do acórdão.
Como o Ministério Público assinala no seu parecer, e sempre tomando como norte o acórdão recorrido, há dois enviesamentos no raciocínio dos recorrentes:
- o conteúdo das declarações do arguido AA não se limita à exoneração do seu filho e co-arguido BB, como expressamente vem escrito na respectiva fundamentação de facto (págs. 76/77) – «o arguido AA, aquando das declarações prestadas em inquérito, a fls. 2583 e ss, cujo teor confirmou em audiência, referiu achar que quem dava instruções aos fornecedores espanhóis para faturarem às empresas intermediárias em cada período era o seu filho BB; disse, ainda, que era ao seu filho BB que do escritório de advogados onde ajudaram a implementar o esquema arquitetado todos os meses telefonavam, dando indicação das quantias a pagar a título de IVA e Segurança Social (instado sobre tal facto e de forma evasiva, disse não saber esclarecer por que é que calculavam os valores de IVA e Segurança Social e enviavam para o filho)»;
- a confissão do arguido AA está (muito) longe de ser o único meio de prova invocado pelo Tribunal a quo para fundamentar a matéria provada no que respeita ao arguido BB – chama à colação o depoimento do supra citado HH, a variada correspondência electrónica em que este arguido foi interveniente e os depoimentos das testemunhas AAA, BBB, KK, CCC, YY e DDD, funcionários de várias empresas do grupo ora em causa que tiveram contacto com o mesmo arguido (fls. 76 a 80).
Sob a capa da invocação da citada alínea c), o que impressiona (desfavoravelmente) o recorrente é a apreciação que o Tribunal a quo fez da prova produzida – o que, se verificados os necessários requisitos, deve ser apreciado por este Tribunal em sede de erro de julgamento.
É que há dois planos distintos que os recorrentes manifestamente misturam como fundamentos de recurso:
- o primeiro deles, do art. 410.º, n.º 2, não passa da análise do acórdão recorrido, de forma a que este Tribunal possa verificar se, da respectiva leitura, resulta algo dissonante;
- o segundo, de âmbito mais alargado, previsto no art. 412.º, n.º 3, que se reporta já à forma como o Tribunal a quo avaliou o conjunto da prova, e que pressupõe exorbitar do acórdão e passar para o sucedido em audiência de julgamento.
Daí as frequentes confusões dos recorrentes quando invocam a figura do erro, entre o notório na apreciação da prova e o de julgamento.
Ora, atentamente lido o acórdão recorrido (maxime, factos provados e sua fundamentação, operação já feita a propósito de C.1.f) supra), nada se vislumbra que possa configurar aquele erro notório: todos os factos provados são naturalisticamente possíveis e deles não foi extraída qualquer conclusão contrária às regras da experiência.
Ou seja, o que verdadeiramente está em causa é o inconformismo dos recorrentes em aceitar que a sua própria avaliação dos factos tenha sido afastada pelo Tribunal a quo; como bem se escreveu já na Relação de Lisboa, “o recorrente limita-se a extrair as ilações que tem por pertinentes da prova produzida, que contrapõe à do julgador, sem que da análise da leitura do próprio texto da sentença recorrida decorra a existência de qualquer ilogismo de percurso ou conclusão contrária à lógica das coisas, ao alcance, pela sua evidência, do homem comum.”[66]
É evidente, também no dizer do Supremo Tribunal de Justiça, que o invocado erro notório “não reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido” a dos recorrentes[67].
O que estes assacam ao acórdão recorrido é uma deficiente valoração da prova produzida em audiência de julgamento – em particular, da confissão do arguido AA –, dando lugar a factos provados que, na sua visão, seriam de afastar liminarmente apenas com o teor dessa confissão… E, além dos enviesamentos supra referidos (que sempre comprometeriam a sua argumentação dos recorrentes), tal só pode ter acolhimento através da impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, o que, como se referiu, é susceptível de se enquadrar no art. 412.º, n.º 3, e não no art. 410.º, n.º 2, c).
Conclui-se, portanto, que inexiste erro notório no acórdão recorrido, estando também este segmento do recurso destinado ao insucesso.
2. Das questões de mérito da causa a) Erro de julgamento
Neste particular, a discordância dos recorrentes BB e AA diz essencialmente respeito à valoração da confissão deste último, das declarações do co-arguido CC e dos depoimentos das testemunhas AAA e EEE; estes deveriam, na sua óptica, ter levado o Tribunal a quo a excluir da matéria provada os factos que implicam o domínio do arguido BB sobre as empresas arguidas e, consequentemente, sobre a sua co-autoria, juntamente com o pai (conclusões LVII a LIX, LXI a LXIII, LXV a LXXII).
Já a manifestada pelo recorrente CC tem a ver com a valoração, em relação a si, das declarações do co-arguido AA, em detrimento das declarações do recorrente; argumentava ainda com a exclusão da prova proveniente do correio electrónico apreendido bem como o depoimento de HH, o que cai por terra face ao decidido em C.1.c) e g) supra (conclusões XXXVII a LXIII, LXV a LXVII e LXX a LXXIII).
A este respeito, rege o art. 412.º, n.º 3: “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.”
Deixando de lado esta última alínea, já que os recorrentes não pretendem qualquer renovação da prova, restam as duas primeiras.
Todos os recorrentes cumpriram o requisito da alínea a):
- os recorrentes BB e AA, indicando excertos concretos dos factos provados 2, 17, 22, 26, 31, 38, 39, 44, 45, 48, 49, 51, 52, 55, 56, 60, 61, 66, 70, 72, 74, 78, 83, 84, 88, 90, 92, 97, 98, 100, 102 a 106, 108, 110, 112, 118, 119, 121, 122, 126, 128, 129, 134, 136 a 138, 140, 142, 144, 155 a 159, 166, 169, 170, 172, 173, 175, 177 a 181, 183, 187, 190, 192 a 196, 198, 200, 203, 205, 209, 222 a 229 e 231, que deveriam ter sido incluídos nos não provados;
- o recorrente CC, relativamente aos factos provados 2 (em parte), 74, 77, 98, 110, 126, 130, 142, 151, 163, 173, 185, 209, 223 e 231, que entende ter de serem dados como não provados.
Porém, para a reapreciação da matéria de facto – sempre limitada àqueles pontos –, torna-se necessário que os recorrentes indiquem provas concretas que impunham decisão diversa, nos termos da citada alínea b). Ou seja, não apenas provas que o Tribunal a quo poderia ter interpretado ou avaliado de forma diferente, mas as que o obrigariam a fazê-lo: nisso se traduz a opção legal em usar o verbo “impor”, no sentido de “obrigar a aceitar”[68].
É que “a Relação não vai fazer um segundo julgamento da matéria de facto. O seu âmbito de cognição circunscreve-se aos pontos concretos e precisos dessa matéria que sejam contestados e identificados pelo recorrente, a partir das provas específicas por ele indicadas. Só se essas provas impuserem, o que significa determinarem necessariamente, inequivocamente, uma decisão diferente sobre aquele específico ponto, a Relação poderá modificar a matéria de facto (nesse ponto preciso).”[69]
O momento por excelência para apreciação desta matéria decorre na 1.ª instância: “É na audiência de julgamento que o facto é revelado, de forma e em circunstâncias que não mais poderão ser repetidas, e é este tribunal o único que beneficia plenamente da imediação e oralidade da prova. O recurso da matéria de facto é sempre um remédio para sarar o que é tido por excepcional naquele julgamento, o cometimento de erro na definição do facto, não podendo nem devendo ser perspectivado como um novo julgamento, tudo se passando como se o realizado na 1.ª instância pura e simplesmente não tivesse existido.”[70]
É o julgador desta que está em posição privilegiada para a avaliação da prova; isto porque “só o contacto directo com os depoentes situados na audiência de julgamento, perante os outros intervenientes é que permite formar uma convicção que não pode ser reproduzida na documentação da prova e logo reexaminada em recurso”[71].
Nos termos do art. 412.º, n.º 4, “[Q]uando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta (…), devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”; esclarece o n.º 6 que, nesse caso, “o tribunal procede à audição (…) das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”
Comece-se pelo recurso do arguido BB: como bem assinala o Ministério Público no seu parecer, apenas ele (e já não o arguido AA) tem aqui interesse em agir, nos termos do art. 401.º, n.º 1, b), já que os factos postos em causa se reportam à sua co-autoria.
Desde logo, importa dizer o óbvio, quanto à confissão do arguido AA: a circunstância de este ter excluído o seu filho e co-arguido BB da autoria dos factos nunca seria suficiente para impor ao Tribunal recorrido – ou a este – a exoneração do seu filho. Ou estaria encontrada uma solução para situações similares: bastava um dos arguidos (auto)sacrificar-se no pelourinho da culpa, chamando tudo a si, para os outros se verem livres de condenação…
Por outro lado, resulta do art. 341.º que as declarações de um arguido, ainda que confessórias – como aqui, em parte – são um meio de prova, sujeito a livre apreciação por parte do tribunal, nos termos do art. 127.º; ora, a relação paterno-filial entre os arguidos AA e BB é especialmente propícia, segundo as regras da experiência, a que aquele tenda a proteger este, chamando exclusivamente a si a autoria dos factos, como forma de poupar o filho à punição (o que é susceptível de fragilizar essa prova relativamente à não participação do arguido BB).
Acresce que, pese embora o labor dos recorrentes, nomeadamente na transcrição de várias passagens das declarações do arguido AA, em sede de motivação (ref.ª ...40, págs. 84 a 97), não pode este Tribunal descurar aquilo que os recorrentes preferiram ignorar: nas suas declarações prestadas em fase de inquérito perante o Ministério Público (ref.ª ...08) – e que, como se referiu supra em C.1.i), foram pelo próprio confirmadas em audiência de julgamento após a respectiva leitura (o que resulta também da audição dessa passagem das suas declarações, na audiência de julgamento de 4 de Outubro de 2024, a partir das 15.53.49, nomeadamente minutos 17 e 21) –, o arguido AA – como se diz no acórdão recorrido a este propósito e já se citou supra em C.1.i) – «referiu achar que quem dava instruções aos fornecedores espanhóis para faturarem às empresas intermediárias em cada período era o seu filho BB; disse, ainda, que era ao seu filho BB que do escritório de advogados onde ajudaram a implementar o esquema arquitetado todos os meses telefonavam, dando indicação das quantias a pagar a título de IVA e Segurança Social».
Portanto, mesmo só atendo-nos às declarações deste arguido, não se vislumbra como o seu teor imporia a conclusão de que a montagem do esquema fraudulento nunca passou pelas mãos do recorrente BB.
Continuando na análise dos argumentos deste, ouvidos na íntegra os depoimentos das testemunhas AAA e EEE, cumpre assinalar:
- a primeira (que trabalhou pouco mais de um ano na EMP02..., onde identificou o arguido AA como seu patrão) afirmou que a “...”, uma das filiais do grupo, estava relacionada com os filhos deste, e que lá estava, “como se fosse gerente, o BB” (minutos 5.32, 6.20, 9.46 e 35.30);
- quanto à segunda, funcionária de empresas da família dos dois arguidos entre 2010 e 2017, e depois desde 2019 até à data do depoimento (em que trabalhava na “EMP19...”, gerida pelo recorrente BB – minuto 2.25), prestou um depoimento pejado de hesitações e em que a expressão mais ouvida foi “não sei”, comportamento a que não será alheia a sua actual dependência hierárquica desse arguido…
Portanto, nenhuma destas testemunhas tem a virtualidade de vincular este Tribunal a diversa decisão quanto ao papel do arguido BB na prática dos factos.
O mesmo se diga quanto às declarações do co-arguido CC: embora tenha declarado que era tudo decidido pelo co-arguido AA, também admitiu que “eventualmente, falava com o BB”.
Aqui chegados, além de se mostrar evidente que os elementos probatórios invocados pelo recorrente BB nunca seriam per si susceptíveis de impor a este Tribunal que determinasse diferente desfecho para os factos provados por ele postos em crise, cabe lembrar que o Tribunal a quo teve em conta muitos outros elementos para os fundamentar, e a cuja escalpelização não se furtou (págs. 77 a 80): o depoimento do inspector tributário HH, vários emails (que situa nos autos) em que o arguido BB figura como destinatário e/ou emissor – para nomeação de um gerente de direito para a EMP01..., formalização de cessão de quotas, renúncia de gerência, para o mesmo arguido indicar trabalhadores a transitar para outra empresa do “grupo”, sobre processamento de salários ou para confirmar os respectivos recibos e a solicitar (ao co-arguido CC) a emissão de factura de uma empresa do “grupo” para outra –, os depoimentos da citada AAA (AAA) AAA, BBB (funcionário da “...” e depois da “EMP03...”), KK (administrativo na EMP01... durante um ano, e sondado para passar a constar como seu gerente), CCC (funcionária da EMP02... no Verão de 2019), YY (que chegou a ser gerente de direito da “EMP08...”) e DDD (funcionária na “EMP03...” entre 2011 e 2013), estes últimos cinco colocando o arguido BB na qualidade de seu patrão, sozinho ou em conjunto com o seu pai e co-arguido AA.
Tal ponderação obedeceu ao princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º), encontrando-se cabalmente explicada e nela tendo o Tribunal a quo encontrado fundamentos para considerar – ao contrário do que pretende o recorrente – o papel do arguido BB nas empresas e na criação do esquema descrito nos autos.
Portanto, não há aqui qualquer erro de julgamento, mas sim uma visão diversa da prova: do que claramente o recorrente discorda é da apreciação, por parte do Tribunal a quo, da prova produzida em julgamento, tentando impor a sua própria avaliação; ora, como escreveu o Tribunal Constitucional[72], “A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode (…) assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão.”
Deve, assim, permanecer inalterada a matéria de facto relativa ao arguido BB, aqui não se acolhendo a pretensão deste recorrente.
Fica imediatamente prejudicada a peticionada (re)apreciação do enquadramento jurídico-penal da conduta do mesmo arguido, uma vez que dependia apenas da alteração da matéria de facto no sentido pretendido.
Relativamente ao erro de julgamento invocado pelo recorrente CC, são por este invocados apenas excertos das declarações do co-arguido AA, no sentido de afastar o envolvimento daquele na construção e desenvolvimento do esquema descrito na matéria provada.
Não se ignora que, da respectiva audição, resulta serem várias as vezes em que este arguido nega qualquer intervenção ou conhecimento daquele nessa matéria; porém, mais uma vez (e tal como aconteceu na apreciação do recurso do co-arguido BB), cabe lembrar o que devia ser óbvio: nas declarações do arguido AA prestadas em fase de inquérito perante o Ministério Público (ref.ª ...08) – pelo próprio confirmadas em audiência de julgamento após a respectiva leitura (audiência de julgamento de 4 de Outubro de 2024, a partir das 15.53.49, nomeadamente minutos 17 e 21) –, este fez várias afirmações que atribuem ao co-arguido CC um papel bem diferente.
Aí, o arguido AA afirmou que (citando agora o acórdão recorrido, que as respigou de forma acertada):
« - quem tratou das alterações da gerência na EMP01... foi o arguido CC, juntamente com o seu advogado, à data, Dr. FFF; - seguia instruções do arguido CC quanto ao papel das sociedades intermediárias (“de fachada”); (…) - a criação do esquema resultou da relação que tinha com o seu advogado, que lhe foi apresentado pelo arguido CC; - para tratarem de assuntos relacionados com o esquema fraudulento estava presente nas reuniões que tinham, por norma, o arguido CC; (…) - relativamente à inscrição nas declarações periódicas de IVA de valores que permitiam um apuramento de crédito de imposto a favor das empresas, era o arguido CC que tinha essa responsabilidade e tratava dessa documentação, assim como da não liquidação de imposto relativo às aquisições intracomunitárias efetuadas em nome da EMP01....»
Ora, como o acórdão recorrido expressamente refere – e o próprio recorrente admite, embora depois de muitos circunlóquios e citações doutrinárias –, tendo também o arguido CC prestado declarações em julgamento, nunca se recusando a responder a qualquer das muitas e detalhadas perguntas que lhe foram formuladas, não estão as declarações do co-arguido AA abrangidas pela proibição de prova do art. 345.º, n.º 4, podendo ser valoradas pelo Tribunal.
Lembre-se que, embora o arguido CC não tenha estado presente no acto daquelas declarações, a respectiva leitura em julgamento, levada a cabo ao abrigo do art. 357.º, n.º 1, b), assegurou àquele o pleno exercício do contraditório, uma vez que as ouviu e prestou declarações quando e da forma como quis.
Quanto à ponderação feita pelo Tribunal a quo, não foi de ânimo leve, antes mostrando uma solidez de argumentos inatacável do ponto de vista da formação da sua convicção e em total respeito pelas regras legais: considerou que a versão dos factos apresentada pelo arguido AA aquando da sua audição pelo Ministério Público, em sede de inquérito (note-se, aliás, em período mais próximo dos factos, Novembro de 2021, enquanto o julgamento decorreu três anos mais tarde) «é muito mais compatível com as regras do normal acontecer do que as prestadas inicialmente, em audiência, onde negava toda e qualquer intervenção do arguido CC, ao mesmo tempo que assumia só ter o 4.º ano de escolaridade e o seu filho BB o 12.º, não tendo ambos qualquer formação fiscal ou contabilística, não podendo explicar: como é que o contabilista não estranhava ou perguntava sobre as discrepâncias que surgiam, a título de exemplo, com a liquidação do IVA das aquisições das sociedades intermediárias; por que motivo não enviava às finanças os anexos em falta, não cumprindo com a suas obrigações, ou alterava os valores de IVA que inscrevia nas declarações periódicas, o que resultava num crédito de imposto a favor das empresas.»
Acrescenta, recorrendo adequadamente às regras da experiência comum: «Também não se perceberia como o esquema poderia ser implementado sem o auxílio do contabilista como, inicialmente, disse AA, declarando, ao mesmo tempo, que aquele nunca levantou entraves a nada do que se fazia na contabilidade e que as vendas nãofaturadas eram faladas com este, porque se apercebia que havia mercadoria que entrava e não saía faturada.»
Portanto, o Tribunal a quo explicou de forma cabal como e porque valorou as declarações do co-arguido AA na parte em que implicavam o recorrente CC na prática dos factos, tal como lhe era exigido, em nada violando o princípio da livre apreciação da prova nem os direitos de defesa deste último (que, como já se referiu, nunca deixou de responder às perguntas que lhe foram feitas).
Assim, também aqui não há quaisquer elementos probatórios que imponham a este Tribunal a tomada de posição diversa quanto aos factos postos em causa pelo recorrente CC.
Diga-se, ainda, que este recorrente não dá cumprimento ao previsto no art. 412.º, n.º 3, b), no que respeita às suas próprias declarações, queixando-se apenas da falta de relevância que o Tribunal a quo lhe conferiu. Ora, não procedendo este Tribunal a novo julgamento, não lhe compete reapreciar o conteúdo de tais declarações e respectivo valor.
E, mais uma vez, tal como no recurso dos co-arguidos, deve assinalar-se a robustez de argumentos do Tribunal a quo na apreciação das declarações do arguido CC, no exercício do princípio do art. 127.º: «ficou plenamente convencido de que [tais] declarações, ao negar os factos de que pudesse resultar a sua responsabilização criminal, se traduziram, apenas, numa tentativa de se furtar à assunção dos mesmos, apresentando um discurso vago, genérico e não compreensível à luz das regras da experiência e que é afastado pelos demais meios probatórios».
Aí se explica que a imputação por ele feita ao co-arguido AA como sendo o único autor do esquema empresarial e fiscal se mostra inverosímil, «quer atentas as declarações prestadas pelo próprio AA, quer pela circunstância de se tratar de uma pessoa com o 4.º ano de escolaridade, sem qualquer formação na área fiscal ou contabilística, como assumiu, pelo que não se vislumbra como teria conhecimentos para elaboração de um esquema com o grau de complexidade vertido na factualidade provada.» Padece do mesmo defeito, a inverosimilhança, que um contabilista certificado das empresas do EMP03...” durante 30 anos – como o próprio recorrente CC se assumiu – «pudesse não detetar as irregularidades contabilísticas admitidas por AA (integrando o esquema fraudulento), ou sequer desconfiado das mesmas, tendo presente que declarou que as empresas (aludindo às intermediárias), iniciavam e acabavam, o que é claramente indiciador de atividades menos lícitas, declarando, igualmente, que era sempre AA quem mandava, ainda que os gerentes de direito fossem outras pessoas e que havia funcionários que circulavam entre as empresas do grupo. Ao invés, é totalmente compatível com as regras do normal acontecer que, com uma relação de grande confiança, o arguido CC (que comprovou a relação de confiança com AA) colaborasse na concretização do esquema, como declarado por AA.» (perante o Ministério Público).
O acórdão recorrido faz notar que retira (ainda mais) credibilidade às declarações do ora recorrente a circunstância de afirmar que muita da correspondência electrónica que lhe foi dirigida, estava na sua posse e com que foi confrontado, sem relação com as empresas de que era contabilista, lhe foi enviada por engano… Porém, não há nela rasto de ter sido devolvida, como seria normal, o que lança mais uma camada de inverosimilhança nas suas declarações. Adita ainda que o mesmo arguido admitiu «que, relativamente à empresa EMP09..., não foram cumpridas as obrigações fiscais mas que iam acabar por ser declaradas – questiona-se o Tribunal, então, por que motivo um contabilista que nada tem a esconder, não cumpre as suas obrigações fiscais?! Dir-se-á, em jeito de resposta, que, certamente, por não ter interesse no cumprimento dessas obrigações, saindo reforçadas, mais uma vez, as declarações de AA, em detrimento das de CC.» Ex abundantiae, cumpre finalizar esta questão referindo que o Tribunal a quo considerou muitos outros elementos de prova que lhe permitiram chegar à demonstração do envolvimento do ora recorrente nos termos descritos na matéria provada (págs. 68 a 76): os depoimentos dos citados HH, KK e YY, bem como variada documentação física e correspondência electrónica, com o cuidado de, em cada um destes, os situar nos autos, dissecar o seu conteúdo e sopesá-los com outros meios de prova, inclusivamente com as próprias declarações do ora recorrente, no que é verdadeiramente uma análise crítica, profunda e coerente, que só podia conduzir à prova dos factos relativos ao arguido CC.
Assim, inexiste o invocado erro de julgamento – mas apenas uma discordância do recorrente relativamente ao modo como o Tribunal a quo avaliou a prova, que não pode fazer valer em sede de recurso –, pelo que também aqui a matéria de facto se deve manter como a 1.ª instância a fixou, improcedendo a pretensão deste recorrente.
b) Violação do princípio in dubio pro reo
Quanto aos recorrentes BB e AA, e na sequência da diversa valoração da prova pretendida (sem sucesso) neste acórdão, entendem que o Tribunal a quo «ao não ter valorado a versão dos arguidos, corroborada pelas indicadas testemunhas, violou o disposto no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, ou seja, o princípio da presunção de inocência conjugado com o princípio in dubio pro reo.» (conclusão LXIV)
O recorrente CC baseia idêntica alegação na circunstância de, na sua óptica, inexistir prova segura da sua participação na prática dos factos, que deveriam ter sido dados como não provados (conclusões LXVIII, LXIX e LXXIV).
Ultrapassada que está a questão da alteração da matéria provada, sem sucesso para o que pretendiam os recorrentes, veja-se se, ainda assim, existe a violação por eles invocada.
A regra aqui em causa é a aplicação prática do art. 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, que consagra o princípio da presunção de inocência: “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”.
O processo penal português “é um processo de estrutura basicamente acusatória integrada pelo princípio da investigação judicial, [o que] significa que, em última instância, recai sobre o juiz o encargo de investigar e esclarecer oficiosamente o facto submetido a julgamento”[73] (tal resulta claro, na fase de julgamento, do art. 340.º).
Porém, face ao princípio supra citado, deve o julgador, em caso de dúvida sobre a prova dos factos constantes da acusação (pública e/ou particular), decidir a favor do arguido, ou seja, considerá-los não provados.
Tal princípio “serve para controlar o procedimento do tribunal quando teve dúvidas em termos de matéria de facto e não para controlar as dúvidas que o recorrente entende que o tribunal recorrido não teve”[74] (e, permita-se acrescentar, os recorrentes acham que o Tribunal a quo devia ter tido). Ou seja, o que deve operar a favor do arguido é a ausência de prova ou a sua fragilidade, e não a forma como a mesma é, em si, valorada. Ao contrário do que defendem os recorrentes, não significa que a versão do arguido tem de merecer mais acolhimento pelo Tribunal do que os restantes meios de prova…
A demonstração da violação deste princípio “pode afirmar-se pela respetiva notoriedade, aferida pelo texto da decisão, ou seja, em termos idênticos aos que vigoram para os vícios da sentença”[75]. Ou seja, caso decorra do texto da fundamentação de facto da sentença recorrida que o julgador teve dúvidas sobre a actuação do arguido e sobre a respectiva culpa, o non liquet daí resultante (que, em processo civil, é valorado conforme as regras do ónus da prova em cada caso concreto) tem sempre de ser resolvido a favor do arguido.
Porém, como a própria formulação do princípio indica, o primeiro pressuposto para a sua aplicação é a existência de uma dúvida: sem ela, isto é, se o julgador tiver firme e devidamente justificada convicção do envolvimento do arguido nos factos e da sua culpa, não há qualquer dúvida a resolver a favor deste.
Ora, na fundamentação de facto do acórdão recorrido não ressaltam essas dúvidas; pelo contrário, e como já se analisou a propósito de várias questões levantadas em ambos os recursos, o Tribunal a quo mostra-se muito seguro quanto à força probatória dos elementos de que se socorreu, o que perpassa ao longo de toda a sólida e bem construída fundamentação de facto.
Portanto, não é susceptível de aplicação ao caso o princípio in dubio pro reo, inexistindo qualquer violação do art. 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, pelo que devem também os recursos improceder nesta parte.
c) Medida das penas
Também aqui há a manifestação de inconformismo por parte de todos os recorrentes:
- o arguido BB invoca não terem sido levadas em conta as circunstâncias de ter uma filha menor e de ser gerente de uma empresa;
- o arguido AA diz não terem sido consideradas a sua confissão e arrependimento, bem como a sua idade e a saúde débil;
- ambos alegam que não deveriam ter pesado as respectivas condenações criminais, por as penas já estarem extintas e pugnam pela aplicação de pena única de 3 anos de prisão;
- o arguido CC considera que a sua culpa é de nível médio e não foi devidamente quantificada pelo Tribunal a quo, peticionando a pena única de 2 anos de prisão.
Note-se, com alguma perplexidade, que os recorrentes apenas atacam a fixação da pena única, e não as penas parcelares; ora, no rigor dos princípios, isso afastaria até a apreciação desta matéria, nos termos da parte final do art. 77.º, n.º 2, do Código Penal, que estabelece como limite mínimo do cúmulo jurídico “a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”: é que cada uma das penas únicas ora pretendidas mostram-se inferiores, no caso dos recorrentes BB e AA, a ambas as parcelares e, para o recorrente CC, à mais elevada delas.
Porém, e numa interpretação mais benevolente do argumentário dos recorrentes, procede-se à análise das suas pretensões.
Cumpre liminarmente afastar a argumentação dos recorrentes BB e AA quanto à questão das condenações criminais. São aqui relevantes as seguintes regras, todas do art. 11.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio:
- nos termos do n.º 1, a), “as decisões inscritas [no registo criminal] cessam a sua vigência”, se tiverem aplicado pena de prisão, “decorridos 5 (…) anos sobre a extinção da pena, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos (…) e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza”;
- quanto às decisões que apliquem “pena de multa principal a pessoa singular (…) decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza” – alínea b) do mesmo número;
- relativamente às decisões “que tenham aplicado pena substitutiva da pena principal (…), decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza” – alínea e);
- nos termos do n.º 3, no caso de aplicação de pena de prisão suspensa na sua execução, os prazos do n.º 1, e), “contam-se, uma vez ocorrida a respectiva extinção, do termo do período da suspensão.”
Ora, no caso do recorrente AA (facto provado 266), nem sequer houve oportunidade de passarem cinco anos entre as próprias condenações (de Março e Julho de 2004, Julho e Setembro de 2005, Junho e Setembro de 2010, Fevereiro de 2014, Janeiro e Março de 2015, Março de 2016, Janeiro de 2017, Dezembro de 2019, Fevereiro e Novembro de 2023 e Julho de 2024), pelo que nenhuma das decisões inscritas no registo criminal perdeu a sua vigência.
O mesmo se verifica relativamente ao arguido BB (facto provado 267), porquanto sofreu condenações em Janeiro e Março de 2015, Outubro de 2016, Maio e Junho de 2017, Março e Setembro de 2018, Dezembro de 2019 e Setembro de 2020, sendo o acórdão de 12 de Março de 2025, ou seja, menos de cinco anos depois desta última, que foi em pena de prisão cuja execução ficou suspensa por 2 anos; note-se que a respectiva extinção da pena ocorreu a 10 de Setembro de 2022 (ref.ª ...33, boletim n.º 6), pelo que, em relação a esta, os cinco anos só operariam a 10 de Setembro de 2027, por aplicação do citado art. 11.º, n.º 1, e) e n.º 3.
Podiam, portanto, as condenações criminais de ambos os recorrentes, quer sendo anteriores ou posteriores aos factos dos autos, ser tidas em consideração para o cálculo da medida das penas.
Diga-se, ainda, que na fixação das penas está o Tribunal a quo numa posição privilegiada em relação ao Tribunal de recurso, já que a imediação, a oralidade e tudo o que estas implicam – o contacto directo com as pessoas e toda a linguagem não verbal observada – proporciona ao primeiro instrumentos de avaliação que escapam ao Tribunal ad quem.
Tal significa que só em caso de manifesta desadequação haverá fundamentos para alterar as penas ali fixadas: “A actividade judicial de determinação da pena apresenta-se como uma actividade juridicamente vinculada, mas não é uma ciência exacta, pelo que (…) o tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta apenas quando se justifique uma alteração minimamente significativa, isto é, quando se evidencie que foi aplicada, sem fundamento, com desvios aos critérios legalmente apontados.”[76]
Analisando a parte relevante do acórdão recorrido (págs. 105 a 113), constata-se ter o Tribunal a quo invocado as normas pertinentes – arts. 40.º e 71.º do Código Penal para o cálculo das penas parcelares, e art. 77.º do mesmo Código para encontrar a pena única, normas que se torna desnecessário reproduzir aqui – e os limites estabelecidos (a culpa do agente e a prevenção, geral e especial), tecendo adequadas e incisivas considerações a propósito desta matéria, quando aplicada ao caso concreto, bem como citando jurisprudência pertinente.
Lida esta parte do acórdão recorrido, e a propósito das razões de queixa formuladas em sede de recurso, pode-se constatar facilmente a falta de fundamento destas:
- foram levadas em conta as condições pessoais de todos os arguidos, inclusive as do recorrente BB, porquanto se remete para os factos a esse propósito demonstrados, como a gerência de uma empresa (248) e ter uma filha de 6 anos (249); note-se, porém, que esta última circunstância, naturalmente feliz para o recorrente, já se verificava à data da prática dos factos mais recentes em causa nos autos, e isso não o impediu de os cometer; quanto à sua actual profissão, em nada minora a gravidade da sua actuação anterior, aconselhando fortemente o seu afastamento de cargos de responsabilidade empresarial, não só para bem do Estado como dos próprios trabalhadores…
- não se vislumbra razão para ser levada em consideração pelo Tribunal a quo a idade do arguido AA, muito menos a seu favor, já que o grau de experiência e envolvimento na actividade industrial que as suas condições pessoais traduzem (237 a 242), bem como a sua idade, tornam exigível uma muito maior reflexão sobre os seus actos, que mesmo assim o recorrente não exerceu; da sua alegada saúde débil, não há rasto nos factos provados, pelo que não podia ser sopesada nesta sede;
- o Tribunal a quo levou expressamente em conta, a favor do recorrente AA, a sua admissão da quase «globalidade da factualidade provada, demonstrando arrependimento»; aliás, se dúvidas houvesse, volta a referir-se-lhe mais à frente, quando justifica a fixação de penas parcelares idênticas para pai e filho – «(embora não confessando os factos, apresenta menos antecedentes criminais do que o pai, o que justifica a dosimetria idêntica das penas, atuando ambos de forma concertada e não havendo materialização de atos em medida díspar que justifique a diferenciação das penas)»;
- do acórdão recorrido constam referências à culpa do recorrente CC – «os arguidos AA e BB atuaram com dolo direto, porquanto, no interesse e em representação das sociedades, representaram claramente o facto criminoso e atuaram com intenção de o realizar, tendo tal facto constituído o objetivo primeiro e final da sua conduta, auxiliando CC também com esse conhecimento e finalidade»; ou seja, também há dolo directo na sua conduta; esta culpa está ainda reflectida na sua responsabilidade pelo (muito elevado) valor que não foi pago ao Estado, apenas inferior em € 15.373,98 à dos co-arguidos (de € 1.402.926,95), a que o Tribunal a quo também expressamente alude. Nesta matéria, não se descortina qualquer fundamento para considerar que esta culpa é de nível médio: além dos factores já referidos, a prática dos factos estendeu-se por seis anos e diz respeito a dois tipos de impostos diferentes!
Afastados que se mostram os fundamentos dos recursos nesta matéria, sempre se dirá que, mais uma vez e de forma conveniente para os seus desejos, os recorrentes fazem tábua rasa da sólida, circunstanciada e detalhada análise feita pelo Tribunal a quo para chegar à medida das penas, quer parcelares quer únicas, que considera todos os elementos relevantes (aqui os resumindo):
- o grau de ilicitude elevado no caso dos ora recorrentes;
- o já aludido prejuízo causado ao Estado (sendo o do IVA três vezes mais elevado do que o relativo ao IRC);
- a falta de pagamento superveniente de qualquer valor;
- as condenações criminais dos arguidos BB e AA;
- as muitíssimo elevadas exigências de prevenção geral;
- as necessidades de prevenção especial, que graduou em
· elevadíssimas no caso do arguido AA, face ao tipo de crimes (seis deles no âmbito fiscal) e à prática de parte dos factos durante o período de suspensão da execução de outras penas;
· elevadas no arguido BB, por quatro condenações anteriores por abuso de confiança fiscal e outras de crimes semelhantes em relação à Segurança Social, bem como de cometimento de parte dos factos durante a suspensão da execução de penas anteriores; e
· médias/altas para o arguido CC, a seu favor a ausência de antecedentes criminais e contra si o período de tempo em que prestou auxílio aos co-arguidos, a sua qualidade de contabilista certificado, os valores em jogo e «a postura assumida em julgamento, negando os factos, o que indicia falta de autorresponsabilização».
Situando-se a moldura penal abstracta de prisão, para os autores do crime, entre os 2 e os 8 anos e, para o cúmplice, entre o mínimo de um mês e o máximo de 5 anos e 4 meses, consideram-se perfeitamente adequadas – em nada ultrapassando a culpa dos arguidos – as penas parcelares de 4 anos e 8 meses para os dois autores, no caso do crime relativo ao IVA (pouco acima do termo médio da pena, face ao elevado valor em causa), e de 4 anos para o que diz respeito a IRC (precisamente nesse termo médio) e, para o cúmplice e respectivamente, as penas de 2 anos e 3 meses e de 1 ano e 9 meses, ambas bem longe do máximo da pena e inferiores ao respectivo termo médio (2 anos, 7 meses e 15 dias).
Já em sede de fixação da pena única – entre 4 anos e 8 meses e 8 anos e 8 meses para os autores dos crimes e entre 2 anos e 3 meses e 4 anos para o cúmplice –, voltou o Tribunal a quo a demonstrar uma argumentação completa, equilibrada e bem estruturada, à luz dos critérios do art. 77.º do Código Penal, considerando:
- o contexto da prática dos factos (actividade empresarial dos arguidos), cuja ilicitude traduz uma gravidade elevada (prejuízos causados e sua não reparação);
- a personalidade dos agentes, distinguindo as desviantes dos arguidos BB e AA (percurso criminal, valores envolvidos e indiferença perante as condenações anteriores) – adequadamente observando que nem a postura colaborante do segundo chega para o contrariar e explicando que, face à actuação concertada de ambos, não há fundamento para os distinguir na pena – da falta de indícios do mesmo sintoma de desvio na actuação do arguido CC (vários actos no circuito onde exercia a sua actividade como contabilista).
E assim chegou às penas únicas de prisão, de 6 anos para cada um dos autores dos dois crimes e de 3 anos para o cúmplice, ambas inferiores ao respectivo termo médio – que era, respectivamente, de 6 anos e 8 meses e de 3 anos, 1 mês e 15 dias – numa solução absolutamente defensável e que não ultrapassa os limites da culpa dos arguidos.
Isto posto, e de acordo com a jurisprudência supra citada, não tendo havido, por parte da 1.ª instância, qualquer desvio aos critérios legais de determinação das penas, não deve este Tribunal interferir nessa operação, devendo os recursos dos três arguidos improceder.
d) Suspensão de execução da pena e suas condições
Os recorrentes BB e AA pretendiam que as penas de prisão aplicadas fossem suspensas na sua execução, por cinco anos, na condição do pagamento da prestação tributária e acréscimos legais.
Ora, o pressuposto material obrigatório da suspensão da execução da pena, previsto no art. 50.º do Código Penal e conforme se pode ler no seu n.º 1, é que a pena aplicada ao agente seja “não superior a cinco anos”.
Uma vez que as penas únicas de ambos os recorrentes não sofreram qualquer alteração em sede de recurso, e são superiores a cinco anos, é impossível a peticionada suspensão na execução.
Está, portanto, este segmento do recurso destinado a fracassar.
Aproveita-se para referir que, quanto ao recorrente CC, decorre do supra já explanado – C.1.h) – que o Tribunal a quo justificou de forma cabal e coerente (e, até, generosa!) o valor da condição de pagamento que acompanha a suspensão da execução da pena, pelo que não se vislumbram fundamentos para o baixar para o pretendido pelo recorrente (que, aliás, nem sequer explica nas suas conclusões o porquê daquele montante de € 33.000,00 e não outro…).
Assim, também aqui improcede o peticionado.
e) Perda de vantagens e princípio da proporcionalidade
Nesta matéria, manifesta o recorrente CC particular indignação pela sua condenação, pugnando por decisão contrária, em virtude da ausência de ganhos para si resultantes da actividade delituosa.
Ora, é aqui particularmente clara a redacção do art. 110.º, n.º 1, b), do Código Penal: “São declarados perdidos a favor do Estado as vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, directa ou indirectamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.”
Nos termos do n.º 4 desta norma, caso não haja possibilidade de apropriação em espécie, “a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor” e, acrescenta o n.º 5, “ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto”.
Não se trata de uma pena acessória, mas de “uma providência sancionatória de natureza análoga à da medida de segurança. Análoga, pelo menos, no sentido em que é sua finalidade prevenir a prática de futuros crimes, mostrando ao agente e à generalidade que, em caso de prática de facto ilícito, é sempre e em qualquer caso instaurada uma ordenação dos bens adequada ao direito; e que, por isso mesmo, esta instauração se verifica com inteira independência de o agente ter ou não actuado com culpa”[77].
É, portanto, claro que o relevante para o legislador é que ninguém – seja quem for – lucre com uma actividade criminosa. Esse é o espírito do instituto da perda de vantagens.
Ficou provado que os beneficiários da vantagem patrimonial obtida – num total de € 1.402.926,95 – foram os arguidos BB e AA (os sujeitos das frases vertidas nos factos provados 218 e 223, que assumem a mesma qualidade para o facto provado 225), para eles e para as pessoas colectivas que representavam.
Porém, o citado artigo não estabelece, na sua letra, a indispensabilidade de coincidência entre os agentes do crime – seja como autores ou como cúmplices – e aqueles que com ele (indevidamente) lucraram; pelo contrário, uma vez que menciona tratar-se de vantagens para quem o cometeu ou para outrem (que, note-se, até pode ser um terceiro alheio ao processo, que desconheça a proveniência do que recebeu: pode haver um Robin Hood contemporâneo que resolva assaltar um local onde há muito dinheiro e o ofereça anonimamente a instituições de beneficência). Assim, tendo em conta a norma em causa, “a perda de vantagens não depende, necessariamente, da demonstração de um efetivo ganho patrimonial ou enriquecimento na esfera jurídica do arguido recorrente”[78].
No conceito de agente do art. 110.º, n.º 1, b), está, naturalmente, incluída qualquer forma de comparticipação criminosa (autoria, co-autoria, instigação ou cumplicidade).
“O que releva é a causa – a razão – da obtenção da vantagem e não o seu concreto beneficiário, pois que se assim não fosse claramente que muitas das situações ocorridas não permitiriam a declaração de perda, como seriam os casos em que não se apurava quem, concretamente, teve esse benefício patrimonial, designadamente qual dos arguidos com ele se locupletou (no caso de comparticipação), ou até a proporção em que foi repartido entre os comparticipantes.Desse modo não seriam atingidas as finalidades do referido instituto, na medida em que, estando embora provada a existência de uma vantagem económica resultante do crime, não se lograva a sua declaração de perda por não se saber quem com ela efectivamente beneficiou.”[79]
Assim, na letra desta lei não há aquele “mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (art. 9.º, n.º 2, do Código Civil), que permita ao intérprete considerar o pensamento legislativo que o recorrente defende: não está escrito que o agente do crime só pode ser condenado a pagar o que ganhou com o crime, nem se estabelece qualquer outro limite à perda que não seja a do valor da vantagem ilícita. Apenas releva, por um lado, a actividade ilícita do agente e, por outro, a existência dessa vantagem em qualquer esfera patrimonial onde não devia estar.
Portanto, onde a lei não distingue, não pode o intérprete arrogar-se a fazê-lo: o julgador está impedido de sobrepor a sua interpretação de uma forma que subverte o espírito da lei e a sua razão de existir.
Vale inteiramente no caso a passagem de um acórdão do Tribunal Constitucional com quase vinte anos, a propósito do art. 111.º do Código Penal, equivalente ao actual art. 110.º (e citado no parecer dos autos): “Sendo a aquisição das vantagens propiciadas directamente pela prática do facto ilícito típico, não é de modo algum desproporcionado ou desadequado que o legislador faça relevar, nessa mesma sede, essa aquisição das vantagens, independentemente de a detenção ou posse delas estar ou poder-se logo originariamente concretizar na esfera de terceiro. Condenado a entregar ao Estado é, de acordo com a dimensão normativa aplicada pela decisão recorrida, apenas quem deu, pela prática dos factos ilícitos típicos, resultado à obtenção dessa vantagem ilícita, sendo-lhe alheios os termos como entre o agente e o terceiro essa perda acabe por concretizar-se.”[80]
Bem andou, por isso, o Tribunal a quo ao condenar o ora recorrente na perda de vantagens, na estrita medida do âmbito temporal da sua comparticipação como cúmplice.
A este propósito, alega ainda o recorrente que o acórdão recorrido violou o princípio da proporcionalidade, ou da proibição do excesso, do art. 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa: “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”
Em defesa da sua tese, o recorrente convoca (conclusão CX) jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça proferida a propósito de matéria completamente diversa – uma extradição –, um acórdão do TEDH em que o Estado requerido é o Reino Unido (e onde foi, por isso, analisada a lei e a decisão judicial desse país, e não o art. 110.º) e cita doutrina nacional de forma truncada… (além de olvidar o básico: onde se verifica a desproporcionalidade, na sua óptica? Entre o dinheiro que tem e aquele que agora se vê obrigado a pagar?)
Veja-se o que escreve Figueiredo Dias na obra em causa[81] sobre a perda de vantagens: “tem de ter [correlacionação], através do princípio da proporcionalidade, com a gravidade do ilícito-típico cometido. Trata-se de um pressuposto (jurídico-constitucionalmente imposto e, por conseguinte, irrenunciável) (…):só poderá [ser decretada] relativamente a uma(s) vantagem(ns) que ainda conserve(m) proporção com a gravidade do ilícito típico cometido.”
Ora, não deixa de ser significativa a omissão do recorrente relativamente à questão dessa gravidade. Porque é exactamente aí que o argumento da falta de proporcionalidade funciona contra si: o tipo de crime em causa nos autos não só é punido com pena elevada (2 a 8 anos, no caso do autor), como também depaupera o Estado em valores muito consideráveis (no caso, ultrapassando um milhão de euros) e, em consequência, todos os cidadãos, porque é com o dinheiro proveniente dos impostos que aquele consegue assegurar o pagamento das despesas de saúde, educação, assistência, infra-estruturas, cultura e dos seus recursos humanos, entre outras.
O arguido (convenientemente…) esquece que, durante seis anos completos, auxiliou os seus co-arguidos a criar um complexo esquema de fuga aos impostos, de tal forma que o Estado foi lesado em dois deles – IVA e IRC –, num total de € 1.387.552,97. Perante crimes desta constelação de “colarinho branco”, não há qualquer desproporção entre a sua enorme gravidade jurídico-penal e a perda de vantagens: este tipo de ilícito corrói as próprias funções básicas do Estado social, além de minar a confiança dos cidadãos na justiça, e não há qualquer violação do princípio constitucional invocado pelo recorrente em obrigá-lo a arcar com as consequências dos seus actos (que agora lhe parecem assustadoras, mas com as quais não se preocupou ao longo dos 6 anos da prática dos factos).
Em conclusão, está o art. 110.º, n.º 1, b), do Código Penal em absoluta conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que também aqui o recurso não colhe.
III - DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar totalmente improcedentes o recurso interposto pelos arguidos AA e BB, bem como o recurso do arguido CC, confirmando integralmente o acórdão recorrido.
Custas de cada um dos recursos a cargo dos respectivos recorrentes, com 5 UC de taxa de justiça.
Guimarães, 11 de Novembro de 2025
(Processado em computador e revisto pela relatora)
Os Juízes Desembargadores
Cristina Xavier da Fonseca Paulo Alexandre da Costa Correia Serafim Armando Azevedo