DECISÃO SURPRESA
LIQUIDAÇÃO DA EXECUÇÃO
JUROS COMPULSÓRIOS
Sumário


I – Não constitui uma decisão surpresa o despacho no qual se refere serem devidos os juros compensatórios constantes de conta corrente discriminada previamente junta por Agente de Execução e de qual os executados tiveram conhecimento e tiveram oportunidade de sobre eles se pronunciarem.
II – A liquidação e exigência aos executados dos juros compulsórios não constitui excesso de pronúncia, pois sendo a mesma automática e sem necessidade de intervenção das partes ou do próprio juiz, não depende de pedido (das partes ou do Estado) nesse sentido, nem de decisão judicial condenatória.
III – Os juros compulsórios não resultam da discussão do processo, nem integram a relação material controvertida, pois resultam directamente da lei e não têm natureza indemnizatória, pelo que o facto de não terem sido fixados em nenhuma decisão anterior não permite concluir que eles não sejam devidos e que se formou caso julgado, tal como não se verifica a impossibilidade da sua liquidação posterior por extinção do poder jurisdicional.

Texto Integral


Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães,

I – Relatório

Na presente execução movida por “Banco 1...” contra AA e BB, em 13/02/2017 foi celebrado entre as partes acordo de pagamento em prestações, pelo qual os executados, considerando o valor da quantia exequenda de € 8.972,23 e despesas prováveis de € 897,22, procederam à entrega de € 1.000,00, comprometendo-se a liquidar o remanescente em dívida em prestações iguais, mensais e sucessivas no montante de € 100,00, desistindo dos embargos de executado e prescindindo, ambos os intervenientes, de custas de parte, sem prejuízo do apoio judiciário de que gozam os executados.

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Não obstante este acordo ter determinado a extinção da execução, em 31/01/2024 a exequente veio requerer a renovação da instância, em virtude dos executados não terem cumprido integralmente o referido acordo de pagamento.
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Em 14/01/2025 a Agente de Execução notificou os executados do seguinte: “O valor em dívida (incluindo a quantia peticionada, juros e custas é provisoriamente fixado em 21.619.59 Euros, já aqui estando incluídos os honorários e despesas previsíveis com o agente de execução no valor de 389,69 Euros”.
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Na sequência desta notificação, por despacho de 11/02/2025 foi a Agente de Execução notificada para, em 10 dias, e considerando o valor da execução, esclarecer o valor indicado naquela notificação, como sendo o valor em dívida, de € 21.619,59.
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Nesse mesmo dia, a Agente de Execução, correspondendo ao solicitado pelo tribunal de primeira instância, veio anexar conta corrente discriminada da execução, com os seguintes pontos:

1 – Honorários e Despesas: € 313,57 (valor a ser pago pelo exequente);
2 – Custas de Parte: € 1.320,34 (a cargo do executado);
3 – Devido ao Exequente: € 20.934,18 (valor a ser pago ao exequente);
4 – Devido aos cofres: € 1.737,50 (50% de juros compulsórios a entregar aos cofres).
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Sobre esta conta corrente pronunciaram-se os executados através do requerimento de 17/02/2025, insurgindo-se contra o valor aí indicado como devido ao exequente e alegando que a Agente de Execução ignorava o valor liquidado em acordo, já que a execução apenas poderia prosseguir para cobrança das despesas e honorários quanto à quantia incluída no acordo celebrado, sendo que tal valor corresponde a € 897,22, sem que seja acrescido de outras despesas.
Concluíram, pedindo que se proceda à rectificação do valor devido à exequente.
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De seguida, em 10/03/2025 foi proferido despacho com o seguinte teor:
 “Do prosseguimento da execução:--
O valor em dívida foi fixado, em 13/2/2017, na quantia de €: 9 869,45.—
Os executados pagaram, nos termos acordados, a quantia de €: 9.072,23, tendo o último pagamento sido efectuado em 30/12/2023.—
A SE apenas pode, após 30/12/2023, considerar em falta:--
- €: 797,22 de capital;--
- juros moratórios, à taxa de 4%, sobre o capital, desde 31/12/2024;--
- juros compulsórios, sobre a quantia de €: 8972,23, desde o trânsito do requerimento de injunção, quanto ao montante devido ao Estado (50%), pois que nos termos do acordo depreendese que a exequente prescindiu do mesmo, desde que assim seja exigido pela DMMP.—
Assim, antes do mais, vão os autos com termo de vista à DMMP e, vindos, conclua”.
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O Ministério Público pronunciou-se em 14/03/2025 no sentido de não prescindir dos juros compulsórios devidos ao Estado, tendo seguidamente sido ordenada a notificação às partes do despacho de 10/03/2025 e da posição assumida pelo Ministério Público, bem como foi a Agente de Execução notificada, além do mais, para juntar nota de honorários e despesas provisória com reporte para as condições enunciadas no mencionado despacho.
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Inconformados com o despacho de 10/03/2025, dele interpuseram os executados o presente recurso, pugnando pela sua revogação, tendo formulado as seguintes conclusões:

I - A questão respeitante aos juros compulsórios ínsita na decisão recorrida não foi precedida pelo devido exercício do direito ao contraditório dos Apelantes, consubstanciando, aliás, uma decisão-surpresa em violação do que dispõe o artigo 3.º do CPC o que importa uma nulidade processual (artigo 195.º, n.º 1 do CPC), mas também, a nulidade da decisão por excesso de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC).
II - Sobre a questão do valor e seu balizamento que estava em falta e seria fundamento para a renovação da instância executiva, decidiu o Tribunal a quo em 12/12/2024 que nada aportou a juros compulsórios em falta e devidos ao Estado, pelo que consolidada que estava pelo caso julgado a decisão recorrida viola aquele.
III - Igualmente viola a consolidação do caso julgado ou o mesmo efeito que deve estruturar as decisões do Agente de Execução, nomeadamente a de extinção da instância de 19/2/2018 que consolidou o acordo junto aos autos.
IV - O Ministério Público que não requereu a renovação da instância executiva não pode prevalecer-se de quantias que extravasaram o acordo e sobre o que nada disse, ou invocou, designadamente qualquer irregularidade, antes ou agora.
V - O Tribunal a quo não pode decidir novamente esta matéria por esgotado o seu poder jurisdicional – artigo 613.º do CPC.
VI - A decisão sempre erraria ao considerar os juros desde 31/10/2012 conquanto os juros têm de ter em conta o valor em dívida neste momento e, por outro lado, nunca os que tenham mais de 5 anos por prescritos – o que se invoca – nos termos do que dispõe a alínea d) do artigo 310.º do Código Civil.”.
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Não foi apresentada resposta às alegações de recurso por parte da exequente, nem por parte do Ministério Publico.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
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Nesta Relação foi considerado o recurso corretamente admitido e com o efeito legalmente previsto.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – Das questões a decidir

O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente.
Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC).
Antes de se proceder à delimitação, propriamente dita, das questões a decidir no presente recurso, importa fazer uma apreciação prévia.
Na conclusão de recurso VI, os apelantes invocam a prescrição dos juros compensatórios respeitantes a um período superior a 5 anos, nos termos do disposto no art.º 310.º al. d) do Cód. Civil.
Trata-se, contudo, de questão que não pode ser objecto de apreciação no presente recurso, pois é absolutamente nova, não tendo sido invocada no decurso do processo em primeira instância até ao momento da interposição do presente recurso (apenas o foi mais tarde, mediante o requerimento apresentado em 28/05/2025, sobre o qual terá que recair, ainda, despacho judicial).
Ora, como vem sendo entendido de forma unânime na jurisprudência e na doutrina, os recursos não são um meio para obter decisões de questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido, destinando-se apenas à reapreciação de uma decisão proferida sobre determinada questão (com excepção daquelas que são do conhecimento oficioso, desde que o processo tenha todos os elementos necessários para a sua apreciação).
Como tal, as questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos: destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida (neste sentido, por todos, cfr. o Ac. do STJ de 08/10/2020, Proc.º n.º 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1, Rel. Ilídio Sacarrão Martins e Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil”, 8ª ed., 2024, págs. 160, 161, 164 a 166).
A prescrição invocada pelos recorrentes não é de conhecimento oficioso (art.º 303.º do Cód. Civil).
Assim, por ser matéria nova, não se toma conhecimento da invocada excepção de prescrição suscitada na conclusão VI.
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Encerrado este ponto prévio, passa a enunciar-se as principais questões que importa apreciar e decidir neste recurso:
a) conhecer das nulidades invocadas pelos recorrentes por alegada decisão surpresa e excesso de pronúncia;
b) saber a quem a decisão violou caso julgado formal e se foi proferida depois de esgotado o poder jurisdicional.
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III – Fundamentação
III – I. Da Fundamentação de facto

Os factos que aqui importa considerar e que, em função dos elementos constantes dos autos, se mostram provados, são os acima descritos no relatório desta decisão, os quais, por razões de economia processual, se dão aqui por integralmente reproduzidos.
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III - II. Do objeto do recurso

a) Nulidades da sentença:
 
Direito ao Contraditório

Os Recorrentes invocam (conclusão I) que a sentença recorrida constitui uma decisão surpresa, por não ter sido antecedida da possibilidade dos executados exercerem o direito ao contraditório, sendo por isso nula, por violação do disposto nos art.ºs 195.º n.º 1 e 3.º do C.P.C.. Defendem, também, que a mesma enferma da nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do art. 615º do C.P.C., por excesso de pronúncia.
Alegam os Recorrentes que, ao determinar que a Agente de Execução deveria considerar os juros compulsórios como em falta e se exigidos pelo Ministério Público, o tribunal de primeira instância não ouviu as partes, não lhes dando conhecimento prévio do propósito de vir a proferir decisão nesse sentido, não tendo esta questão sido discutida nos autos.
Porém, desde já se adianta que não têm razão.
Decisão surpresa é aquela que é proferida sem observância do princípio do contraditório e em violação do disposto no art.º 3.º n.º 3 do CPC.
Prevê esta norma que «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».
O que se pretende é impedir, a coberto deste princípio, que as partes sejam confrontadas com soluções jurídicas inesperadas ou surpreendentes, por não terem sido objecto de qualquer discussão (neste sentido, cfr. António Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 3.ª edição, em anotação ao art.º 3.º do CPC).
Como resulta da ressalva prevista no citado n.º 3 do art.º 3 do CPC, a audição das partes pode, porém, ser dispensada em casos de “manifesta desnecessidade”, ou seja, sempre que as partes não possam, objetivamente e de boa-fé, alegar o desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir ou as respetivas consequências (neste sentido, Ac. RL, de 24/04/2018, Rel. Luís Filipe Sousa, in https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/2018-116294416).
No caso em apreço, está em causa a parte do despacho sob recurso respeitante aos juros compulsórios, tendo aí ficado a constar, a este propósito, o seguinte:
A SE apenas pode, após 30/12/2023, considerar em falta:--
(…)
- juros compulsórios, sobre a quantia de €: 8972,23, desde o trânsito do requerimento de injunção, quanto ao montante devido ao Estado (50%), pois que nos termos do acordo depreende-se que a exequente prescindiu do mesmo, desde que assim seja exigido pela DMMP.”.
Este despacho, porém, foi proferido na sequência da pronúncia apresentada por estes últimos em 17/02/2025 quanto à conta corrente discriminada da execução, a qual foi apresentada pela Agente de Execução em 11/02/2025.
Não se condenam, aí, os executados no pagamento de juros compulsórios, ao contrário do que parecem entender os recorrentes, nem esse despacho foi uma absoluta surpresa para eles, pois os juros compulsórios já constavam da referida conta corrente sobre a qual se pronunciaram.

Vejamos, então, o que está na génese do despacho sob recurso.
Como resulta do relatório do presente acórdão:
- a Agente de Execução notificou os executados de que o valor em dívida (incluindo a quantia peticionada, juros e custas) era provisoriamente fixado em € 21.619.59;
- a Agente de Execução foi notificada para, em 10 dias esclarecer este valor;
- correspondendo ao solicitado pelo tribunal de primeira instância, veio anexar conta corrente discriminada da execução, onde estava incluída, entre outras, uma rúbrica discriminatória dos juros compulsórios devidos (50%) no valor de € 1.737,50;
- os executados pronunciaram-se sobre esta conta corrente, insurgindo-se apenas contra o valor aí indicado como devido ao exequente, mas nada dizendo quanto aos juros compulsórios;
- o despacho sob recurso, dando razão aos executados, fixou o valor em dívida em €: 797,22 de capital e, quanto aos juros compulsórios, manteve que estes são devidos, embora esclarecendo desde quando e sobre que quantia.
Destas vicissitudes processuais resulta desde logo inquestionável que os executados não só tiveram a oportunidade para se pronunciarem sobre o valor que a Agente de Execução considerava em dívida (onde foi discriminado o valor correspondente aos juros compulsórios), como efectivamente o fizeram, embora sobre os juros compulsórios não tenham querido pronunciar-se, como aconteceu quanto ao capital em dívida ao exequente.
Assim, fica claro que a decisão recorrida não constitui uma decisão surpresa, pois os executados tiveram conhecimento da conta corrente onde lhes eram exigidos os juros compulsórios e tiveram oportunidade de sobre eles se pronunciarem, como sucedeu com o valor do capital em dívida.
Aliás, a decisão em crise acabou, mesmo, por dar razão aos próprios recorrentes quanto à questão que estes colocaram no requerimento de 17/02/2025, confirmando ainda que são devidos juros compensatórios, conforme constava da conta corrente sobre a qual se pronunciaram e que, assim, aceitaram tacitamente ao nada terem dito neste particular.
Caso discordassem da liquidação dos juros compulsórios constante dessa conta corrente deveriam tê-lo feito, também nesse requerimento de 17/02/2025, momento processualmente adequado para sobre este aspecto invocarem as questões que considerassem pertinentes, incluindo a eventual prescrição.
O contraditório foi exercido pelos executados na medida e amplitude que quiseram e sobre as questões com as quais discordavam. E nestas não constava a questão dos juros compulsórios.
Os executados não foram, assim, confrontados com uma solução jurídica inesperada, pelo que não se verifica a arguida nulidade por violação do direito ao contraditório.
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Excesso de Pronúncia

Pelos mesmos motivos já expostos, também não incorreu a decisão sob recurso em nulidade por excesso de pronúncia.
Esta nulidade ocorre “quando o juiz (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” [art. 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C.) e é a consequência directa do incumprimento do disposto no art.º 608.º n.º 2 do C.P.C., que estabelece que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Para o tratamento desta subquestão, comecemos previamente por analisar a natureza e escopo dos juros compensatórios.
Os juros compensatórios encontram-se previstos no n.º 4 do art.º 829.º-A do Cód. Civil, que estabelece que “Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar”.
Tratam-se de uma sanção pecuniária compulsória legal no âmbito das obrigações pecuniárias que funciona automaticamente, sem necessidade de ser requerida (cfr. João Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, Coimbra, pág. 456).
E compreende-se que assim seja, operando sem qualquer intervenção do juiz, pois os juros compulsórios não têm natureza indemnizatória, servindo antes o escopo de pressionar ou até forçar ou compelir (como, aliás, resulta etimologicamente da denominação dada pelo legislador) ao cumprimento da obrigação que impende sobre o devedor, desmotivando um eventual incumprimento e, assim, assegurando e reforçando, também, o respeito e o acatamento das decisões judiciais e, em suma, o prestígio da justiça (neste sentido, vd. o Acórdão do STJ de 23/01/2003, proc. nº. 02B4173, relatado pelo Cons. Araújo Barros, in www.dgsi.pt).
Sendo automáticos e sem necessidade de intervenção das partes ou do próprio juiz, a sua liquidação e exigência pelo tribunal aos executados não constitui excesso de pronúncia, pois não dependem de pedido (das partes ou do Estado) nesse sentido, nem de decisão judicial condenatória.
Em consequência, não se verifica, de igual forma, a nulidade processual por excesso de pronúncia, improcedendo, assim, a respectiva conclusão de recurso apresentada pelos recorrentes.
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b) Violação de caso julgado e extinção do poder jurisdicional

Passemos, agora, à segunda questão, à qual respeitam as conclusões II a V.
Alegam os recorrentes que a decisão de de 12/12/2024, que incidiu sobre uma reclamação por si apresentada, balizou os termos mediante os quais a execução iria prosseguir, confinando os respectivos valores à quantia incluída no acordo celebrado e não incluindo aí as despesas e honorários da Agente de Execução, nem os juros compulsórios.
Acrescentaram que a decisão sob recurso viola a consolidação do caso julgado decorrente da extinção da instância de 19/02/2018 resultante do acordo celebrado entre as partes e que a pronúncia do Ministério Público nesta fase e a intervenção do tribunal ocorrem numa altura em que já se encontra esgotado o poder jurisdicional,
Face aos conceitos analisados para o tratamento da primeira questão, facilmente se concluir que nenhuma das decisões a que apelam os recorrentes poderá ter o efeito pretendido.
Como é sabido, o caso julgado (formal) traduz-se na insusceptibilidade de modificação de uma decisão já proferida no processo, decorrente do respectivo trânsito em julgado (cfr. art.ºs 619.º n.º 1 e 628.º, ambos do C.P.C.), que lhe confere força obrigatória dentro desse processo.
Essa força obrigatória verifica-se quanto ao objecto da decisão sobre a relação material controvertida. Esta é a relação jurídica de direitos e obrigações que decorre da discussão objecto do processo judicial, entre as partes.
Ora, como vimos, os juros compulsórios não necessitam de invocação das partes, não resultam da discussão do processo, nem dependem da intervenção do juiz. Não integram, assim, a relação material controvertida, pois resultam directamente da lei e não têm natureza indemnizatória.
Sendo automáticos, a sua liquidação é também ela automática, não sendo necessária a sua fixação por qualquer decisão judicial.
Daí que o facto dos juros compulsórios não terem sido fixados em nenhuma das decisões invocadas pelos recorrentes não permite concluir que eles não sejam devidos e que se formou caso julgado.
É ao Agente de Execução que compete liquidar os juros compulsórios (mensalmente e no momento da cessação da sua aplicação) e notificar o executado dessa liquidação, para que este proceda ao pagamento no prazo que lhe for fixado (cfr. art.º 716.º, n.º 3, do CPC), o que ainda não decorreu sequer.
Na falta desse pagamento, compete à secretaria judicial promover a entrega à administração tributária da certidão daquela liquidação, juntamente com a decisão transitada em julgado que constitui título executivo quanto a estes montantes.
Antes deste procedimento e da consolidação desta liquidação (que apenas pode acontecer a final) nunca poderíamos, por isso, falar de qualquer caso julgado. Muito menos em fases tão prematuras e precoces, como as invocadas pelos recorrentes, pois os juros compulsórios apenas podem ser definitivamente liquidados após o pagamento integral da quantia exequenda.
Por sua vez, ao contrário do que referem os recorrentes, a intervenção do Ministério Público não “repristinou” valores fora do acordo e nenhum efeito teve quanto à fixação dos juros compulsórios (nem podia, pois tal como as partes e o próprio juiz, não tem qualquer intervenção da sua fixação, que opera ipso iure, podendo apenas não os exigir, se assim entender).
O tribunal de primeira instância (e bem) convocou o Ministério Público apenas para indagar se pretendia exigir a parte dos juros compulsórios em causa (50%) destinados legalmente ao Estado, pois caso contrário a questão estaria naturalmente prejudicada.
Atendendo a que a posição adoptada pelo Ministério Público foi no sentido afirmativo, a respectiva liquidação final terá que ser efectuada oportunamente e, posteriormente, a importância apurada ser paga pelos executados, dado ser sua responsabilidade.
Por fim, na sequência do que já ficou dito, não se encontrando a questão no âmbito do poder jurisdicional, nem dependendo os juros compulsórios de qualquer decisão para que sejam reconhecidos e liquidados, naturalmente que o despacho sob recurso não foi proferido em violação do disposto no art. 613.º do C.P.C., normativo que não tem qualquer aplicação à situação concreta aqui em apreciação.
Conclui-se, assim, pela inexistência de caso julgado e demais questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões de recurso II a V, que, como tal, improcedem.
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Improcede, pois, a apelação na totalidade.
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IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores da 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães em:
- julgar improcedente o recurso e, consequentemente, manter o despacho recorrido.
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Custas da apelação pelos Apelantes, por terem ficado vencidos no recurso (art.ºs 527.º e 529.º do CPC).
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Notifique.
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04/12/2025

Relator: João Paulo Pereira
1.ª Adjunta: Conceição Sampaio
2.ª Adjunta: Paula Ribas
(assinado eletronicamente)