RESPONSABILIDADES PARENTAIS
REGULAÇÃO
PROGENITOR NÃO RESIDENTE
DIREITO AO CONVÍVIO
ACOMPANHAMENTO TÉCNICO
Sumário


.1- O regime de visitas deve ser definido segundo o superior interesse da criança, atendendo a todas as circunstâncias, como o grau de vinculação com cada progenitor, as necessidades do menor e ao nível de conflituosidade entre os progenitores.
.2-Neste caso, a inexistência de vínculo afetivo consolidado com o progenitor, a prática, em data anterior ao nascimento da criança, de um crime de violência doméstica contra a progenitora e a tenra idade da menor exigem reforço do acompanhamento técnico e prudência no processo de aproximação entre progenitor e filha e impedem, nesta fase, a fixação de um regime de visitas com períodos extensos de convívio, deslocações internacionais ou divisão das férias escolares, por não assegurarem o bem-estar emocional da criança.
.3- As visitas devem iniciar-se de forma gradual e supervisionada, garantindo a criação progressiva de um vínculo securizante entre a criança e o progenitor, com a intervenção das Equipas Técnicas Multidisciplinares para a elaboração de um plano de aproximação, incluindo a preparação dos progenitores, a definição de contactos por videochamadas e o acompanhamento das visitas presenciais em Portugal, bem como a avaliação da viabilidade de visitas no país de residência da criança.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
 
.I - Relatório

O Ministério Público intentou a presente ação de regulação das responsabilidades parentais, em representação da criança AA, para definição da residência da menor, dos termos em que devem ser exercidas as responsabilidades parentais, o regime de convívio e o contributo mensal a título de alimentos do progenitor não residente.
Alegou, em síntese, que os progenitores viveram em união de facto durante cerca de um ano, até novembro de 2021, e que o progenitor se encontrava sujeito a medidas de afastamento da residência, proibição de contacto e proibição de aproximação a menos de 300 metros da progenitora ofendida, com quem a menor residia.

Após a decisão final condenatória do processo em que foram impostas essas medidas cautelares e o arquivamento de um outro que fora instaurado contra o progenitor, foi proferida sentença que definiu o regime das responsabilidades parentais, nos seguintes termos:
1) A menor fica confiada aos cuidados da mãe, com quem residirá, e a quem incumbirá, unilateralmente, o exercício das responsabilidades parentais (art.º 1906.º, n.º 2 do Código Civil).
2) O progenitor poderá estar com a filha, ao sábado ou ao domingo, das 14h00 às 19h00, semanalmente, se a progenitora voltar para Portugal e até que estejam criadas condições para que a AA possa estar o dia inteiro com o pai; enquanto a progenitora se mantiver emigrada, as visitas devem ocorrer sempre que venha a território nacional, na sua presença ou de alguém por si indicado.
3) O progenitor fica obrigado a contribuir com a quantia mensal de €120,00 mensais, a actualizar, em Janeiro de cada ano, no valor de €3,00.
Nos meses em o requerido receber o subsídio de férias e décimo terceiro mês deverá contribuir com €175,00 mensais, ao invés de €120,00, comparticipando desse modo nas despesas de educação e saúde da criança.”

O Requerido apelou desta decisão, quanto ao regime convivial, formulando, para tanto, as seguintes
conclusões:
A. Com o devido respeito, e salvo opinião contrária - não se nos afigura correcta a decisão ora posta em crise, no que respeita à apreciação da matéria de Direito.
B. O Tribunal a quo errou ao fixar o regime de convívios e visitas do menor no sentido de restringir o contacto com o progenitor apenas aos períodos em que a progenitora se encontre em território nacional, condicionando, de forma desproporcionada, o direito-dever do pai de conviver e participar ativamente na vida da sua filha menor.
C. Tal decisão, para além de violar o superior interesse da criança, consagrado no artigo 1906.º do Código Civil, traduz-se numa limitação injustificada e não razoável do convívio por parte do Recorrente, na medida em que transfere para a vontade da progenitora – e para a sua deslocação a Portugal – a possibilidade de o menor manter uma relação efetiva com o pai.
D. O regime fixado pelo tribunal a quo coloca o pai numa posição manifestamente desigual, já que a manutenção da relação com a filha depende única e exclusivamente da vontade ou disponibilidade da mãe regressar a Portugal.
E. Ao condicionar os contactos à deslocação da progenitora, cria-se o risco sério de enfraquecimento dos laços afetivos entre pai e filha, com evidentes prejuízos para o desenvolvimento psicológico e emocional da menor.
F. O afastamento prolongado e incerto compromete a estabilidade emocional da criança.
G. Restringir os convívios apenas a deslocações ocasionais da mãe a Portugal impede que a criança crie raízes e memórias com toda a família paterna.
H. O regime tal como definido gera incerteza quanto às visitas, ficando dependente de um facto futuro, incerto e alheio ao progenitor (viagens da mãe).
I. Destarte, o direito de visita não pode ficar sujeito a condição potestativa exclusiva da progenitora, pois isso contraria os princípios da segurança jurídica e da previsibilidade das decisões judiciais, essenciais em matéria de regulação das responsabilidades parentais.
J. Existem meios alternativos menos restritivos, como a fixação de férias, períodos letivos ou visitas programadas no estrangeiro, que asseguram o contacto regular sem afetar a estabilidade da menor.
K. Assim, deve ser definido um regime de visitas claro, estável e equilibrado, que assegure o estreitamento da relação afetiva com o progenitor, independentemente da residência da mãe. L. Deve, por conseguinte, ser estabelecido:
a) O direito do progenitor a estar com a filha durante metade das férias escolares de verão, em períodos alternados a definir (ex.: de 1 a 15 de julho com a mãe e de 16 a 31 de julho com o pai, ou viceversa);
b) O direito a conviver com a filha em metade das férias do Natal, alternando anualmente a passagem da consoada e da passagem de ano;
c) O direito a conviver igualmente em metade das férias da Páscoa, de forma alternada entre os progenitores;
d) O direito de o progenitor se deslocar a ... para estar com a filha, mediante aviso prévio de 15 dias, não podendo a progenitora obstar a tal contacto, devendo facilitar e colaborar para a efetiva concretização das visitas.
M. Esta solução, para além de respeitar o interesse superior da criança, garante que a mesma mantém uma relação próxima e contínua com o pai, independentemente da residência da mãe, equilibrando responsabilidades e prevenindo a alienação parental.
N. A distância geográfica entre a criança e o progenitor não pode justificar a ausência de contacto frequente. A tecnologia atual permite que, de forma simples e acessível, se mantenham interações regulares entre pai e filha, promovendo a continuidade da relação afetiva.
O. A comunicação frequente através de videochamada reforça o sentimento de pertença e estabilidade emocional da criança, evitando que esta se sinta afastada ou esquecida pelo progenitor.
P. As videochamadas não representam qualquer ónus excessivo para a progenitora, exigindo apenas disponibilidade mínima e acesso a um meio digital básico (telefone, computador ou tablet com internet). Pelo contrário, constituem medida razoável e prática para compensar a menor frequência de encontros presenciais, sendo solução comummente adotada em contextos de residência no estrangeiro.
Q. Esse direito não se limita ao contacto físico, abrangendo igualmente a comunicação digital, sobretudo em contextos de residência em países distintos.
R. O Tribunal a quo deve fixar de forma clara a obrigatoriedade de contactos por videochamada em dias e horas determinados (ex.: duas ou três vezes por semana, com duração mínima de 15 minutos).
S. Pelo que, decidindo como decidiu, a Douta Sentença recorrida violou o disposto nos arts. 1877º, 1906º, 1912º, entro outros do Código Civil.

NESTES TERMOS e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado, e, em consequência:
a) deverá ser revogada a Douta Sentença recorrida, substituindo-a por outro, que definida um regime de visitas claro, estável e equilibrado, que assegure o estreitamento da relação afetiva com o progenitor, independentemente da residência da mãe, nomeadamente: a) O direito do progenitor a estar com a filha durante metade das férias escolares de verão, em períodos alternados a definir (ex.: de 1 a 15 de julho com a mãe e de 16 a 31 de julho com o pai, ou viceversa); b) O direito a conviver com a filha em metade das férias do Natal, alternando anualmente a passagem da consoada e da passagem de ano; c) O direito a conviver igualmente em metade das férias da Páscoa, de forma alternada entre os progenitores; d) O direito de o progenitor se deslocar a ... para estar com a filha, mediante aviso prévio de 15 dias, não podendo a progenitora obstar a tal contacto, devendo facilitar e colaborar para a efetiva concretização das visitas.
b) Bem como, fixar de forma clara a obrigatoriedade de contactos por videochamada em dias e horas determinados (duas ou três vezes por semana, com duração mínima de 15 minutos)
 
A Recorrida progenitora respondeu, terminando as suas alegações com as seguintes
Conclusões:

“1. A decisão do Tribunal a quo foi fundamentada no intuito de garantir, de forma clara e eficaz, a estabilidade emocional e o bem-estar da AA, que se encontra numa fase de desenvolvimento.
2. A decisão do tribunal respeita as necessidades emocionais e psicológicas da menor, evitando o risco de causar-lhe confusão, ansiedade e insegurança, típicos de mudanças abruptas ou visitas prolongadas com o pai em contextos fora da sua rotina.
3. A decisão de limitar as visitas ao regime de deslocações da mãe não visa prejudicar o direito de convivência do pai, mas sim proteger o bem-estar da criança, pois, cria-se uma maior previsibilidade e estabilidade para a AA.
4. O Recorrente, ao solicitar um regime de visitas alternadas nas férias escolares e viagens constantes a ..., desconsidera a realidade prática da situação.
5. É essencial que o regime de convivência seja progressivo, considerando as necessidades da menor e o seu desenvolvimento emocional.
6. A exigência de um regime rígido de visitas nas férias escolares, que envolva deslocações de AA entre dois países, comprometeria diretamente a estabilidade e segurança emocional.
7. A flexibilidade do regime é fundamental para a criança para além de não ser possível sobrecarregar a mãe com compromissos que podem ser fisicamente, psicologicamente desgastantes e monetariamente impossíveis.
8. A exigência de um horário fixo e uma quantidade mínima de chamadas por semana (como propõe o Recorrente) não é realista, considerando a tenra idade da criança e as exigências das rotinas, num outro país. A obrigação de chamadas frequentes pode causar-lhe frustração ou até ansiedade, caso não compreenda plenamente o conceito de comunicação à distância.
9. Ao contrário do que sustenta o Recorrente, o Tribunal a quo não prejudicou o direito de convivência do pai, mas assegurou, ao invés disso, uma solução que privilegia a segurança emocional da criança.
10. Em face de tudo o que foi exposto, a Recorrida reafirma que a sentença recorrida está em conformidade com o superior interesse da criança, respeitando as suas necessidades emocionais e psicológicas. A decisão tomada pelo Tribunal a quo ao fixar o regime de visitas condicionado à disponibilidade da mãe, bem como ao não estabelecer exigências rígidas para videochamadas, está em harmonia com os princípios da flexibilidade e da estabilidade emocional da criança.
11. Com o devido respeito, deve ser mantida a decisão de primeira instância, pois não só protege o interesse superior da menor como também se alinha com a realidade prática e emocional da criança, garantindo-lhe o melhor desenvolvimento possível em numa estrutura familiar que, por ora, exige adaptação e paciência.”

O Ministério Público respondeu igualmente, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

II- Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas forem de conhecimento oficioso ou se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º, nº 2, do mesmo diploma.
 A questão a decidir consiste em saber se, no âmbito da fixação da regulação das responsabilidades parentais, deveria ter sido estabelecido um regime de visitas nos termos propostos pelo Recorrente.
 
III- Fundamentação de Facto

A sentença vem com a seguinte matéria de facto provada e não provada, que não sofreu impugnação:

Factos Provados:
1º A menor de idade, AA, nascida a ../../2022, é filha dos requeridos, os quais viveram em união de facto entre Dezembro de 2020 até 22 de Novembro de 2021.
2º Nesta data o requerido foi interrogado e constituído como arguido no âmbito do NUIPC 350/21.2GAEPS, que correu termos na Comarca de Braga, DIAP de Esposende, e onde se averiguava a eventual prática de um crime de violência doméstica, tendo-lhe sido aplicadas as seguintes medidas coactivas: “1 – obrigação de abandonar a residência do casal, sita na Rua ..., ..., em ..., ..., e de dela se aproximar; 2 - proibição de contactar com BB, por qualquer meio, pessoal ou tecnológico, diretamente ou por intermédio de terceira pessoa. 3 - proibição de se aproximar de BB a uma distância inferior a 300 metros, bem como da residência sita na Rua ..., ..., em ..., ..., e local de trabalho, proibição esta que deverá ser fiscalizada por meios técnicos à distância, nos termos do art 35.º, n.º 1 e 36.º n.º 7, da Lei n.º 112/09, de 16/9”.
3º Atenta a pendência do processo referido em 2) foi determinada a suspensão da instância até ao desfecho daquele.
4º Por sentença, transitada em julgado, proferida a 19-09-2022, o ali arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, subordinada ao cumprimento de regime de prova mediante a frequência de programas específicos de sensibilização para a violência doméstica.
5º Por decisão cautelar e provisória proferida a 26-10-2023, determinou-se a suspensão do regime convivial entre o progenitor e a menor atenta a pendência do NUIPC 2512/23.9JABRG, onde se investigava a prática de ilícito criminal de natureza sexual, alegadamente perpetrado pelo progenitor, o qual veio a ser arquivado.
6º Na pendência dos presentes autos, a 2 de abril de 2024, a progenitora da AA deslocou-se para ..., a fim de iniciar atividade profissional na área das limpezas particulares, passando a residir naquele país, juntamente com a filha, e o atual companheiro, CC, residente na Rue ..., ... ....

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 B - Factos não provados: Inexistem com relevância para a decisão da causa.
IV -Fundamentação de Direito
 
A- Do direito de visitas

A questão em apreço, face às conclusões do recurso, consiste na fixação do regime de visitas. O direito de visitas corresponde ao período destinado ao relacionamento e convívio dos menores com o progenitor com quem não residem habitualmente, bem como com a família cuja ligação decorre desse ramo.
Não restam dúvidas de que a decisão a proferir nos presentes autos deve ser orientada pelo superior interesse da criança. Importa sublinhar que este princípio deve igualmente orientar as atitudes dos pais, o que nunca é demais repetir neste tipo de processos, marcados por conflitos parentais, muitas vezes influenciados por questões emocionais que dificultam a tomada de decisões racionais.
Cabe aos pais procurar resolver tais conflitos, com cedências mútuas, por vezes difíceis, em benefício dos filhos, que não devem ser expostos nem afetados por tais divergências. Os pais devem ter como objetivo garantir aos filhos um ambiente saudável, assente em liberdade, dignidade e respeito, o qual abarca não só a sua pessoa, embora menor de idade, como também a sua ascendência e a sua família -- seja materna, seja paterna, por serem elementos essenciais da sua identidade.
O artigo 1906º do Código Civil afirma como regra que “o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.”
Assim, em situações normais, assiste a ambos os progenitores o dever de participar no crescimento e educação dos filhos. Do mesmo modo, os menores têm direito ao convívio com ambos os pais e ao benefício da sua companhia, ainda que um deles não partilhe a mesma residência durante a maior parte do tempo.
Deste modo, e salvo circunstâncias excecionais, a convivência regular, contínua, segura e estável com o progenitor não residente satisfaz o superior interesse da criança, assumindo por isso o regime de visitas particular relevância para o seu desenvolvimento equilibrado.
O artigo 3.º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e o artigo 24.º, n.º 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia reforçam o direito da criança a manter contactos diretos com ambos os progenitores, salvo se tal for contrário aos seus interesses, submetendo qualquer decisão nesta matéria ao critério essencial do seu bem-estar.
Para concretizar este interesse é necessário atender, em cada caso, às necessidades próprias da criança.

Na definição do regime de visitas, a jurisprudência e a doutrina têm considerado diversos fatores, designadamente:
- a maturidade e capacidade de adaptação da criança a novas situações e ambientes;
- o grau de ligação afetiva a cada progenitor, nomeadamente a existência de vínculo prévio seguro com o progenitor não guardião ou a necessidade de o estabelecer;
- as rotinas diárias da criança e as suas necessidades específicas;
- a capacidade do progenitor não guardião para satisfazer tais necessidades e assegurar um ambiente seguro;
- o grau de conflito parental e a capacidade de ambos os progenitores para cooperar e comunicar entre si.

O direito de visitas abrange várias formas de contacto: desde a comunicações à distância, incluindo contactos telefónicos ou por meios digitais, até ao convívio presencial por diferentes períodos — desde visitas breves a estadias de fim de semana ou períodos mais longos.
Importa, portanto, analisar as circunstâncias concretas do caso e determinar o regime de visitas que melhor promova o desenvolvimento da criança.
É evidente — e deve ser evidente para ambos os progenitores — que o regime de visitas deve ser estabelecido em benefício da criança. O interesse desta e dos pais exige que as visitas sejam proveitosas para a criança, porque   imagem e a relação que a criança constrói com cada um dos progenitores influenciam a formação da sua personalidade e se pretende que o seu desenvolvimento seja o mais harmonioso possível.

Concretização

No presente caso, a concretização do direito de visitas não é simples, pois existem diversas circunstâncias que impedem a fixação de um regime com maior amplitude e liberdade, como seria desejável.
A menor é ainda de muito tenra idade (nascida em janeiro de 2022, com menos de quatro anos) e nunca residiu com o progenitor. Assim, importa considerar, por um lado, a forte dependência afetiva relativamente à progenitora, com quem sempre viveu; e, por outro, a inexistência de vínculo de vinculação com o progenitor — vínculo esse que importa construir — atendendo aos reduzidos períodos que passaram juntos, de curta duração e de que a criança dificilmente terá memória.
Sem que se estabeleçam previamente, de forma gradual, relações de confiança entre a criança e o progenitor, seria excessivamente exigente e até prejudicial obrigar a menor a afastar-se do ambiente conhecido e seguro junto da mãe, permanecendo por longos períodos com pessoas com quem ainda não criou uma relação securizante.
Releva igualmente o facto de a menor residir presentemente em ..., enquanto o progenitor se encontra em Portugal. Tal circunstância dificulta a aproximação física entre pai e filha e impede que, nesta fase inicial, seja possível o acompanhamento presencial das visitas por Equipas Técnicas Multidisciplinares com competência específica para apoiar a construção desta relação.
Acresce que o progenitor foi condenado, três meses antes do nascimento da criança, pela prática de um crime de violência doméstica contra a progenitora, na pena de dois anos e nove meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período. Tal facto impõe, na prática, maior prudência e empenho por parte de ambos os progenitores. O pai deve ter especial cuidado em respeitar a dinâmica familiar estabelecida entre a mãe e a menor, evitando perturbar o ambiente em que esta se encontra integrada. Deve igualmente respeitar o ritmo da criança, que não o conhece e não pode ser sujeita a exigências incompatíveis com a sua idade. A mãe, por seu turno, deve ter presente que, no processo de crescimento, frequentemente surgem questões relacionadas com a paternidade biológica e que uma relação saudável entre pai e filha contribuirá para um desenvolvimento mais harmonioso desta e com menos conflitos internos. Importa, assim, que a progenitora facilite a construção das relações afetivas entre a filha e o pai e o reconhecimento mútuo.
O que verdadeiramente importa é que ambos os progenitores procurem, em primeiro lugar, não prejudicar a criança, evitando ser fonte de instabilidade no seu ambiente natural.
Deste modo, a situação em apreço exige um acompanhamento técnico numa fase inicial, que permita ajudar a criar uma dinâmica saudável nos contactos entre o progenitor e a criança, facilitando, com o tempo, a evolução para um regime de visitas de maior amplitude.
Perante os fatores expostos, não se mostra ainda possível — e muito menos adequado ao bem-estar da menor — estabelecer um regime de visitas amplo, nos termos pretendidos pelo progenitor.
Constituiria uma violência retirar esta criança de quatro anos da proximidade da mãe, com quem sempre esteve, durante vários dias e sujeitá-la a um ambiente estranho, com pessoas com quem ainda não estabeleceu qualquer vínculo seguro.
A inexistência desse vínculo, aliada à tenra idade da menor, justifica que as visitas se iniciem de forma gradual e supervisionada.
Assim, não é viável, sem violar o bem-estar da criança, impor-lhe de imediato períodos prolongados de afastamento da progenitora, entregando-a aos cuidados do progenitor que não conhece, sem que antes se crie na menor uma sensação de segurança na presença deste.
O progenitor também pretende deslocar-se a ... para estar com a filha, mediante aviso prévio de quinze dias, não podendo a progenitora impedir tal contacto e devendo facilitar a sua realização. Contudo, como já referido, sem preparação prévia que assegure um vínculo securizante entre pai e filha — condição essencial para a realização de visitas — tais encontros terão necessariamente de ser organizados com prudência, de modo a não prejudicar o bem-estar da criança e garantindo a sua utilidade para a criação da relação afetiva pretendida.
As visitas por videochamada são igualmente pertinentes, mas devem ser devidamente planeadas e estruturadas, para que efetivamente contribuam para o fortalecimento da ligação entre pai e filha.
Assim, revela-se necessário solicitar a intervenção das Equipas Técnicas Multidisciplinares, para que estas elaborem um plano destinado a potenciar a relação entre o progenitor e a criança. Esse plano deverá incluir a preparação do progenitor para o exercício desta função; a consciencialização da progenitora quanto aos benefícios de uma relação saudável entre ambos; a definição de modalidades adequadas de contacto digital (incluindo vídeo-chamadas) e da colaboração da progenitora na sua viabilização; bem como o acompanhamento de visitas presenciais caso a criança se desloque a Portugal; e, ainda, a definição das condições e momentos em que poderão ocorrer visitas no país de residência da menor.
Uma vez elaborado o referido plano, deverá ser dado conhecimento ao tribunal, a fim de se avaliar em que medida o mesmo se articula com o regime já definido e se este carece de ajustamentos.
 
V- Decisão

Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e em consequência, mantém-se a decisão recorrida, mas determina-se que seja solicitada a intervenção das Equipas Técnicas Multidisciplinares, para que estas elaborem um plano de aproximação entre o progenitor e a criança.

Esse plano deverá incluir:
— a consciencialização prévia de ambos os progenitores quanto às necessidades da menor, realizada presencialmente ou por videoconferência;
— a possibilidade de implementação de vídeo-chamadas regulares, bem como o respetivo acompanhamento, caso necessário;
— o acompanhamento de visitas presenciais caso a criança se desloque a Portugal;
— e a definição das condições, modo e momento em que poderão ocorrer visitas no país onde a menor reside.
Elaborado o referido plano, deverá ser dado conhecimento ao tribunal, a fim de se verificar a sua articulação com o regime já estabelecido e em que medida este carece de adaptação.
Sem custas.
Guimarães, 4 de dezembro de 2025

Sandra Melo
João Paulo Pereira
Conceição Sampaio