PRINCÍPIO INQUISITÓRIO
PRODUÇÃO OFICIOSA DE PROVA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário


1- De acordo com o princípio do inquisitório, consagrado na lei processual civil no art. 411º do CPC, o juiz tem a iniciativa da prova, podendo realizar e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade.
2- Mas, o exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal não serve para suprir comportamentos negligentes das partes - pressupõe que estas cumpriram minimamente o ónus que sobre elas recai de indicarem as provas de que pretendem socorrer-se, como no caso da invocação da impugnação de documento por falsidade, não sendo os elementos constantes dos autos diferentes.
3- Neste contexto, a investigação oficiosa não deve ser exercida com a finalidade da parte poder contornar a preclusão processual decorrente da sua inércia, sob pena de violação do princípio da preclusão e da autorresponsabilidade das partes conjugado com o princípio da igualdade das partes no processo.
4- Interpor um recurso de apelação, só por si, ainda que sem fundamento, não constitui litigância de má fé, mas uma tentativa de a parte demonstrar a valia da sua pretensão, esgotando todas as possibilidades e graus de jurisdição, na esperança de conseguir ganho de causa.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

*
I- RELATÓRIO:

Nos presentes autos de ação declarativa de processo comum instaurados por AA contra a EMP01... em que é Interveniente BB, antes de finalizar a audiência de julgamento e no intervalo entre sessões de audiência de julgamento, por requerimento juntos aos autos, veio o Interveniente requerer que seja solicitado ao Hospital ... o envio de informação sobre “a entidade policial e/ou judicial que ordenou colheita e análise de sangue para efeitos de alcoolemia” e de “declaração e/ou documento de consentimento para a colheita” com “o respectivo termo devidamente assinado” e a disponibilização da “amostra remanescente e para a realização de contraprova”, alegando que tal “diligência é indispensável para verificar a legalidade, autenticidade e fiabilidade da prova em causa”.

A A. pronunciou-se por requerimento ( em 16-9-2025), bem como a Ré ( em 23-09-2025), pugnando ambas pelo indeferimento.

A audiência de julgamento finalizou conforme ata de 02-10-2025.

Em 09-10-2025 foi proferido o seguinte despacho ( ora recorrido):
“…Desde já dizemos que a pretensão é para ser indeferida in tottum por inútil e desnecessária, portanto, impertinente.
Resulta dos elementos clínicos juntos aos autos (vide ref.ª ...37 de 22.06.2021) que o Interveniente recebeu assistência médica no Hospital ... imediatamente a seguir ao acidente, tendo nesse âmbito sido submetido a vários exames, incluindo análises sanguíneas (na penúltima página está a descrição de todos os «MCDT Requisitados / Procedimentos Efectuados») – portanto, sabemos com segurança que não foi qualquer entidade policial nem judicial que ordenou a colheita de sangue e até sabemos que foi na «Cirurgia Geral» que a mesma foi feita, por ordem do Médico Dr. CC, conforme menção daqueles registos clínicos «colhe estudo analítico» (o mesmo Médico solicitou «rx de torax e coluna cervical»); com base no documento n.º 2 junto com a contestação, a colheita foi feita às 09h09 do dia 12.02.2017.
Também sabemos, porque o Interveniente disse que não se lembra de lhe ter sido colhido sangue, apenas tendo a ideia de lhe ter sido administrada uma injecção para as dores, que não lhe foi colhida qualquer autorização por escrito para tal acto clínico, o que, de resto, seria procedimento anormal, inusual, porquanto, segundo a prática habitual, conhecida por tantos quantos recorrem às urgências hospitalares, nunca é pedida autorização por escrito a quem está a ser assistido e carece de ser sujeito a exames, sobretudo num caso destes em que o Interveniente deu entrada com informação de «grande traumatismo», com atribuição de prioridade clínica «muito urgente», por se tratar de «doente trazido por bombeiros por acidente de viação com capotamento […] com embate em árvore de grande calibre, vem imobilizado e sonolento […]». Já o contrário, a recusa de assistência médica, consoantes os casos, pode exigir a assinatura de um ‘termo de responsabilidade’.
E quanto ao pretendido “remanescente da amostra de sangue”, trata-se de diligência impossível de realizar, tendo em conta que a mesma foi recolhida em 12.02.2017, portanto, há 8 anos e 8 meses, não existindo já, tratando-se, depois da utilidade que lhe foi dada, de lixo hospitalar (se é que algum sangue sobejou) – e mesmo que existisse estaria já totalmente degradada, sem qualquer utilidade probatória (“contraprova”). Nem vemos que a mesma amostra de sangue, se estivesse incólume, pudesse dar resultados diferentes.
De todo o modo, sempre se dirá que o requerimento probatório é manifestamente extemporâneo.
Sob a epígrafe «Ilisão da autenticidade ou da força probatória de documento», dispõe o n.º 1 do artigo 446.º do C.P.C. que “[n]o prazo estabelecido no artigo 444.º1, devem também ser arguidas a falta de autenticidade de documento presumido por lei como autêntico, a falsidade do documento, a subscrição de documento particular por pessoa que não sabia ou não podia ler sem a intervenção notarial a que se refere o artigo 373.º do Código Civil, a subtração de documento particular assinado em branco e a inserção nele de declarações divergentes do ajustado com o signatário”.
Tal arguição gera um incidente processual que é tramitado, instruído e julgado nos termos regulados nos artigos 448.º e 449.º do C.P.C..
Notoriamente o Interveniente põe em causa a autenticidade do documento que espelha o resultado da análise hemática feita ao próprio no estabelecimento hospitalar e na sequência do acidente que também lhe causou maleitas físicas, desde logo quando pretende ter acesso à amostra de sangue utilizada para realização de uma contraprova. É o próprio que afirma que pretende verificar a “autenticidade” e “fiabilidade” da prova.
Tal documento foi junto com a contestação da Ré – e foi, de resto, o que fundamentou o incidente de intervenção de terceiros por aquela deduzido – e foi dado a conhecer ao Interveniente quando foi citado para os termos da presente acção, em 03.07.2020.
Na sua contestação, o Interveniente limita-se a impugná-lo e a defender que o mesmo não pode ser atendido, tendo em conta que foi obtido de forma coerciva e está em contradição com o teste de despistagem de álcool que está referenciado na participação do acidente de viação.
O momento próprio para “verificar a legalidade, autenticidade e fiabilidade da prova em causa” há muito que passou, não podendo vir agora, praticamente finda que está a audiência de julgamento, levantar a questão da autenticidade do documento, ou do meio de obtenção de prova, quando para o efeito está previsto um incidente processual, em que tem de haver contraditório e a apresentação de provas, sendo o mesmo julgado e decidido com o julgamento e decisão da causa.
A discrepância entre o resultado do teste por ar aspirado para álcool de 0,00g/l e do resultado da análise sanguínea para os mesos efeitos 2,228g/l e a invocada ilegalidade na obtenção da amostra de sangue são questões de apreciação da prova e aplicação do direito, a fazer pelo Tribunal em sede própria.
Por todo o exposto, indefiro ao requerimento de prova apresentado pelo Interveniente. Notifique.
*
É desta decisão que vem interposto recurso pelo 3º interveniente, o qual terminou o seu recurso formulando as seguintes conclusões ( que se transcrevem):
“1 – O douto despacho recorrido foi proferido, em 9-10-2025, ref. citius 27326247, após as alegações orais, que ocorreram em 2-10-2025, conforme Ata - ref. citius 27309914, violando assim o direito, das partes se poderem pronunciar sobre toda a matéria em sede de alegações, em violação do art. 607.º, n.º 1 do CPC.
2 - A decisão é nula nos termos do art. 195.º CPC, por ter sido proferida fora dos casos previstos na lei.
3 – O requerimento de prova, pedida em 15/09/2025 com a referência citius 2795522, mostraram-se necessárias e imprescindíveis, após a inquirição das testemunhas em audiência de julgamento dia 12-9-2025, nomeadamente, o SR. Militar, Cabo da GNR, DD, e Autora.
4 - Que ambos cabalmente esclareceram, que o ora recorrente, condutor, BB, não mostrava qualquer cheiro, odor ou sinais de alcoolémia, sendo que o Cabo da GNR, DD, tem mais de 20 anos de serviço e vasta experiência em testes de alcoolémia.
- e a Autora - AA – (com quem o ora recorrente esteve e viajou na viajem de ida para o convívio/pastelaria e voltaram na viajem de regresso) que esclareceu que foram no veiculo do BB, porque este estava bem, sem consumo de álcool, ao contrário da própria Autora e amiga comum, que tinham consumido álcool, tanto assim que do seu depoimento consta;
“eu não notei, eu não o vi beber e não notei nada, nada.” (SIC)
“Se eu percebesse, não teria entrado no carro.” (SIC)
5 – No requerimento indeferido, pedimos que se oficiasse ao Hospital ...:
Qual a entidade policial e/ou judicial, que ordenou colheita e análise de sangue para efeitos de alcoolemia.
- Declaração e/ou documento de consentimento para a colheita, remetendo, cópia do respetivo termo devidamente assinado, uma vez que o Chamado, BB, refere não ter dado o seu consentimento.
- Que nos seja disponibilizada a amostra remanescente e para a  realização de contraprova.
Não tendo sido, este requerimento ditado para a Ata, por falta de tempo, e por falta de condições do sistema WEBEX, como da mesma consta.
6 - As diligencias, requeridas, mostraram-se pertinentes e necessárias, após a inquirição das testemunhas e a firme afirmação destas, de que o condutor, não tinha álcool, a prova requerida é necessária e não é extemporânea.
7 – Porque o recorrente tem a certeza, que nenhum exame lhe foi feito no Hospital, com o seu consentimento e conhecimento, pediu a contraprova do exame, que em bom rigor, deveria em nosso entender, ser requerida pelo Tribunal, oficiosamente, nos termos do artigo 411 do CPC.
8 – Tendo em conta o principio da descoberta da verdade material – artigos 411 do CPC, que impõe, ao tribunal que ordene realizar oficiosamente as diligencias necessárias à descoberta da verdade e junta composição do litígio.
9 – Dado que, o único teste de alcoolemia realizado com validade, legal, e consentimento do visado, foi o efetuado pela GNR no local e no momento dos factos, que revela o resultado de 0,00g/l
10 - Esse teste é oficial, imediato e realizado com aparelho homologado, gozando de presunção de fiabilidade.
Que a duvidar-se do aparelho que faz diariamente testes de alcoolemia terá de se por em causa tantos e tantos que o mesmo aparelho realizou, com as legais consequências e alteração de todos os resultados.
11 - O alegado resultado hospitalar de 2,228 g/l não foi sujeito a contraditório, não pode corresponder ao BB, nem consta dos autos de forma autêntica.
12-Não há comprovação da origem, autenticidade ou identificação da amostra hospitalar.
13 - O eventual, exame hospitalar, carece de valor probatório em face da prova oficial e imediata da GNR.
14 – Pois, em contexto Hospitalar, apenas e somente podem ser efetuados exames, sem o expresso consentimento da pessoa visada, estritamente os exames que forem necessários para o tratamento, estes e só estes.
14 – Tanto assim é que, nem nos autos, nem no eventual exame, consta que, fosse essencial, necessário e urgente para o paciente – logo estamos perante uma colheita de sangue, ilegal, um, eventual, exame ilegal. – NULO, porque viola a Lei, o princípio da proporcionalidade e tutela da dignidade da pessoa humana.
Mais se pode afirmar que não pode corresponder ao BB porque o exame da GNR dá o resultado de 0,00g/l e todas as testemunhas que com ele conviveram e o socorreram esse dia são perentórias a dizer que não tinha álcool ou odor a álcool.
15 – Assim, o alegado exame do Hospital constitui prova proibida, nos termos do artigo 126.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, aplicável por analogia, e não pode ser valorada em juízo.
16 - Tanto mais que mesmo em contexto de urgência médica, não pode ser presumido o consentimento para efeitos de prova, civil, penal ou outra.

Como refere o artigo 25.º, n.º 1 da CRP:
“A integridade moral e física das pessoas é inviolável.”
16 - 1- Princípio reforçado no artigo 26.º, n.º 1 da CRP que refere:
“A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação.”
17– Violando o douto despacho recorrido, entre outros artigos e diplomas legais, os artigos 3, 20, 25 e 26 da CRP, pois a prova requerida visa o esclarecimento de factos essenciais para a justa decisão da causa, pelo que o indeferimento de prova requerida, constitui frontal violação do dever de descoberta da verdade material, que a Constituição consagra.
Bem como, viola ainda, o disposto no artigo 32 nº 1 e 8 da CRP, que expressamente refere:
“São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.”
18- A eventual colheita de sangue, foi realizada sem consentimento informado e sem ordem de autoridade competente, o que configura uma violação dos artigos 18.º, n.º 2 e 3, e 32.º, n.ºs 1 e 8 da CRP, por restringir desproporcionalmente direitos fundamentais sem baselegal adequada e sem salvaguardas mínimas e não assegurar as garantias e direitos de defesa e de um processo equitativo.
Não se concedendo que o exame / resultado seja do mesmo individuo, do BB.
19- A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem reafirmado que a obrigatoriedade de submissão a exames de alcoolemia deve respeitar os limites constitucionais da legalidade, necessidade e proporcionalidade.
O que se não verifica no presente caso.
20 - A jurisprudência constitucional tem sido clara ao afirmar que:
“A recolha de prova que implique intromissão na esfera pessoal do arguido deve ser precedida de autorização judicial ou consentimento válido, sob pena de nulidade e inconstitucionalidade”
21– Tanto mais que nos termos da lei Civil, Artigo 342 do C.C., aquele que invocar um direito cabe a prova dos factos constitutivos do direito alegado, ora não foi alegado e muito menos provada a legalidade de tal exame realizado em Hospital.
22 – Ainda e o disposto no artigo 416 do C.C. consagra a proibição de provas obtidas por meios ilícitos, como é o caso do eventual exame realizado pelo Hospital.
Assim o único teste valido é o teste realizado pela GNR com o resultado de 0,00 g/l obtido pela GNR, no local do acidente, por aparelho que diariamente faz teste e sem qualquer erro, único elemento fiável e conforme à lei.
O douto despacho recorrido violou os mais elementares princípios de direito nacional e internacional, entre outros artigos e diplomas legais, violou os artigos 18.º, n.º 2 e 3, e 32.º, n.ºs 1 e 8 da Constituição da República Portuguesa CRP; artigos 6 e 7 da Declaração Europeia dos Direitos Humanos, artigos 342 e 416 do Código Cívil - C.C.
artigos, 411, 607, 627, 630, 638, e seguintes do Código de Processo Civil -C.P.C.

NESTES TERMOS NOS MAIS DE DIREITO E COM OSEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO   DE  VªS     EXªS   VENERANDOS DESEMBARGADORES,  SE REQUER QUE O PRESENTE RECURSO SEJA CONSIDERADO PROVIDO COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS NOS  TERMOS SUPRAMENCIONADOS.
- REVOGANDO Vª EXª O DOUTO DESPACHO RECORRIDO, E ORDENANDO QUE O TRIBUNAL À QUO NOTIFIQUE O HOSPITAL PARA QUE ESTE CUMPRA O QUE FOI REQUERIDO.
- OU, CASO ASSIM SE NÃO ENTENDA, DECLARANDO VªS EXªS VENERANDOS DESEMBARGADORES, DESDE JÁ, NULO O EXAME EFETUADO PELO Hospital ... PELAS RAZÕES E VIOLAÇÕES DA CONSTITUIÇÃO DA RÉPUBLICA PORTUGUESA, DA CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS HUMANOS,   DA LEI CIVIL, PROCESSUAL E PENAL, SUPRA REFERIDAS.”
*
Foram apresentadas contra-alegações pela autora, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e sustentando a ligitância de má fé.
*
O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Assim, cumpre apreciar o recurso deduzido, após os vistos.
*
II- FUNDAMENTAÇÃO

Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do Recorrente (artigos 635.º, n.º 4, 636.º, n.º 1, e 639.º, n.º 1, do CPC), a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:

1- Cumpre ponderar se prova requerida (a pretendida notificação do hospital para informar se a colheita de sangue ao condutor e o resultado da TAS foi feito com consentimento do condutor do veículo seguro e se foi por ordem de entidade policial ou judicial e a disponibilização do remanescente da amostra para realizar uma contraprova) deveria ter sido ordenada pelo tribunal, sob pena de nulidade, por ter sido requerida anos depois de proferido despacho saneador e por força do disposto no artigo 411.º do CPC, onde se dispõe que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
2- Baseando-nos nos factos descritos no relatório supra exarado- que são relevantes para o efeito, vejamos, então, como solucionar esta questão: se analisarmos a argumentação do Apelante, facilmente verificamos que o mesmo pretende reverter o decidido na decisão recorrida, essencialmente, por duas vias: mediante a afirmação do seu direito à proposição dos referidos meios de prova; e, por recurso ao princípio do inquisitório.

Como veremos, no entanto, nenhum destes caminhos lhe pode ser facultado.
*

III- Para a apreciação das questões elencadas, para além do que consta no relatório, é importante atentar ainda no que resulta da consulta eletrónica dos presentes autos:

- Em 13-01-2020 foi instaurada a presente ação pela A, em que se pede a condenação da R no pagamento de uma indemnização pelos danos decorrentes do acidente de viação ocorrido em 12-02-2017, e em que foi interveniente o veículo seguro na Ré e onde seguia como passageira a autora.

- Em 21-02-2020 a Ré apresenta contestação e, além do mais, alega “O referido condutor encontrava-se em estado de embriaguez, apresentando às 9h09 m, cerca de 3 h após o despiste, uma dose de Etanol no sangue de 222,80 mg/dl, seja uma TAS de 2,22 g/l, muito superior ao legal (artigo 292º, nº 1 do C. Penal; nº 2 do artigo 156º e artigo 81º do Código da Estrada; artigo 1º e nº 5 do artigo 6º do Anexo à Lei nº 18/2007 de 17 de Maio) – conforme Análise de Sangue efectuada no ULSNE – ..., para onde o mesmo foi transportado, tal como a Autora e outra ocupante, por viatura própria do INEM “ e junta o Doc. nº 2 .

- Admitida a intervenção de terceiro do condutor do veículo seguro- BB-em 29-07-2020, este interveniente apresenta contestação e, além do mais, impugna “os documentos 2 e 3 juntos pela Ré Seguradora, no seu conteúdo, sentido e alcance, tanto mais que o documento 2, não pode de modo algum conter a realidade dos factos, porque em contradição com a análise legalmente feita, no momento do acidente, pela Entidade Policial competente, que esteve no local e realizou o devido teste de alcoolemia ao condutor…”

- Em 07-06-2021 foi proferido despacho saneador e definido o objeto do litígio e os temas da prova e admitidos os meios de prova requeridos.
*
IV. Do objeto do recurso:

Em termos mais concretos, a questão objeto de recurso é a de saber se, tendo sido indeferidas as diligências de prova requeridas a respeito da impugnação do documento nº2 junto com a contestação ( e que contém o resultado do exame de sangue colhido ao condutor do veículo seguro e ora interveniente/apelante) visando, na ótica do recorrente, “ o esclarecimento de factos essenciais para a justa decisão da causa”, por ser intempestivo o requerimento do interveniente/apelante nos termos do art. 446, 448º e 449º, todos do CPC, pode a iniciativa do tribunal nos termos do art. 411º do CPC ser suscitada pela parte e determinar afinal tais diligências de prova com a finalidade de impugnação do documento por falsidade e com o argumento de que são pertinentes e necessárias após a inquirição das testemunhas e a firme afirmação destas de que o condutor não conduzida sob o efeito do álcool por não ter cheiro e indícios de estado alcoólico.

Importa, por isso, desde já, analisar, em traços gerais, o regime legal da prova por documento, porquanto é nisso que se traduz o documento junto aos autos na contestação pela ré e concernente ao resultado do exame de sangue ao condutor do veículo seguro quando foi levado para o hospital na sequência do acidente e densificar o princípio do inquisitório.
*
Prima facie, saliente-se que estamos no âmbito do direito probatório formal, o qual “ regula o modo da produção das provas ( meios de prova) em juízo- os actos processuais tendentes à sua utilização ( procedimentos probatórios)”[1]  e cuja sede é, no nosso direito interno, o Código Processo Civil.
A impugnação de um documento pode ser feita de duas formas principais, consoante o vício que se pretende arguir: a impugnação da genuinidade ( cfr.art. 444º) e a arguição de falsidade ( cfr. art. 446º).
Quanto ao momento processual para impugnar, nos termos conjugados dos arts. 444º e 446º, ambos do CPC, a parte deve impugnar o documento na primeira oportunidade processual que tiver para se pronunciar sobre ele, sendo o prazo de 10 dias o limite temporal a observar após a junção ou notificação do documento, salvo se o conhecimento do vício for superveniente.
Por outro lado, sem prejuízo das alterações aos requerimentos probatórios referidos nos artigos 552º nº 2 e 572º alª d), a parte deve requerer a produção de todos os meios de prova com os articulados.
Têm regime especial o documento e o monumento ( a apresentar, em princípio com os articulados, mas ainda, com sujeição a multa, até 20 dias antes da data  em que se realiza a audiência final: arts. 423 e 416-1), bem como as testemunhas ( até 20 dias antes da data em que se realiza a audiência final, quando em aditamento ou alteração ao rol primitivo: 598º-2) e as declarações de parte ( até ao início das alegações orais em 1ª instância: 466-1).”[2] 
Ou seja, conforme impressivamente se expõe no Ac. da RG de 18.06.2020 ( in dgsi) “ O momento preclusivo para alteração do requerimento probatório (descurando agora os casos especiais da prova documental, das declarações de parte, da alteração do rol de testemunhas ou até da conformação do objeto da prova pericial) é, nas ações contestadas, a audiência prévia, quando (como no caso presente) a esta haja lugar (art. 598º, nº 1 do CPC).
Se a parte tiver apresentado alteração do requerimento probatório (requerendo, em adiamento, meio probatório diverso dos anteriormente propostos – v. g., requerendo o depoimento de parte da contraparte, em acrescento à prova documental, à prova testemunhal e às declarações de parte requeridas no requerimento probatório proposto com o articulado) em momento anterior ao da audiência prévia a que haja lugar, terá de concluir-se que o faz tempestivamente.
Sendo esse (audiência prévia) o momento preclusivo (termo final perentório) da oportunidade de a requerer, pode a parte apresentar até tal momento pretensão de alterar o requerimento probatório – as partes podem alterar na audiência prévia, por substituição ou ampliação, a proposição da prova constituenda feita nos articulados, devendo mesmo ser concedida às partes a alteração do requerimento probatório no prazo geral de 10 dias contados da notificação do despacho previsto no art. 596º, nº 1 do CPC, ainda que tal conduza à rectificação do despacho de programação da audiência final (não se justificaria que o direito das partes à alteração do requerimento probatório precludisse com a dispensa da audiência prévia) (11).
A rejeição da pretensão de alteração do requerimento probatório por intempestividade justifica-se nas situações em que a parte a deduz depois de decorrido o momento legalmente assinalado como termo final de tal faculdade – a perda do direito (de requerer a alteração do requerimento probatório) ocorre com a prática do acto processual (audiência prévia) até ao qual aquele direito podia ser exercido (12). O efeito preclusivo, que importa a perda do direito, está associado à não apresentação de requerimento de alteração do requerimento probatório até à audiência prévia.”
O Prof. Lebre de Freitas justifica do seguinte modo tal regime “ se se tiver em conta que o juiz pode tomar iniciativas probatórias, sem estar sujeito a idênticos limites temporais, a disciplina a que as partes estão sujeitas só se justifica com objetivo de evitar abusos dilatórios ou anarquizantes”. [3]

Volvendo ao caso sub judicio, prima facie, dir-se-á que se concorda com a decisão recorrida no que respeita à questão da oportunidade do requerimento por parte do interveniente, desde logo, quando pretende ter acesso à amostra de sangue utilizada para realização de uma contraprova. É o próprio que afirma que pretende verificar a “autenticidade” e “fiabilidade” da prova.
Com efeito, no caso dos autos, o interveniente impugnou o documento nº2 junto com a contestação da ré, quando o próprio interveio nos autos através da apresentação da sua contestação.
Aí requereu inquirição de testemunhas, depoimento de parte da autora e juntou documento e quesitos para a perícia médico-legal a realizar na pessoa da autora.
Não foi realizada audiência prévia, mas proferido despacho saneador em 07-06-2021, e admitidos os demais meios de prova requeridos.
Ora, como acertadamente decidiu o despacho recorrido, em termos de oportunidade tout court, o requerimento do terceiro interveniente naquela fase processual é inquestionavelmente intempestivo e extemporâneo, do ponto de vista da iniciativa da parte.
Sem embargo, a questão basilar deste recurso e que importa conhecer é se houve incumprimento pelo Tribunal a quo do poder-dever, que lhe é imposto, no domínio da instrução da causa, pelos artigos 411º, de ordenar as provas requeridas- informações ao hospital sobre o consentimento para a colheita e quem a ordenou e ainda a disponibilização da amostra remanescente para a realização de uma contraprova-, ou seja, uma perícia[4], oficiosamente ainda que por sugestão da parte.
Dito de outro modo: a questão objeto do recurso contende com a questão de saber se, na sequência do referido requerimento, efetuado anos após o despacho saneador, devia ter sido espoletada a inquisitoriedade e ordenada a realização das diligências requeridas junto do Hospital ... e realização de uma verdadeira perícia como contraprova do exame de sangue junto aos autos, conforme sugerido pelo interveniente para o que o próprio entende ser “ o esclarecimento de factos essenciais para a descoberta da verdade material”, atento o teor que ressumou da inquirição das testemunhas na última sessão de julgamento.

Vejamos a lei e a interpretação que dela é feita pela doutrina e pela jurisprudência e as consequências do não uso dos poderes inquisitórios pelo juiz, na instrução da causa.
Sob a epígrafe “ princípio do inquisitório”, dispõe art. 411.º do CPC, “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.
O princípio do inquisitório não se confunde com o princípio da gestão processual ( art. 6º).
Alguns autores falam num princípio inquisitório amplo que encontra acolhimento, quer no âmbito do poder-dever de gestão processual, quer no campo das instrução ( princípio inquisitório em sentido estrito) .
Este último principio consignado no art. 411º do CPC aponta para uma conceção do processo em que a investigação da verdade material é também da responsabilidade do juiz, constituindo, dessa forma, uma compressão ao princípio do dispositivo.
Daí o juiz poder oficiosamente ordenar a realização de provas, como uma perícia ou exame de sangue.
Sem embargo, aquele mesmo princípio, porque coexiste com os princípios do dispositivo, da preclusão, da autorresponsabilidade das partes, não poderá ser invocado  de forma automática, por forma a superar as eventuais falhas de instrução que seja de imputar a alguma das partes, designadamente quando esteja precludida a apresentação de meio de prova, como ocorreu no caso apreciado no Ac da RC de 12-03-2019 ( p.141/16).
Ali tratou-se de um caso de total inércia da parte e que perante tal circunstância a parte pretendia ver colmatada tal falha com a posterior intervenção oficiosa do tribunal.
*
Vejamos o caso concreto.
Da conjugação dos artigos 411º e 467º e 477º, conclui-se que estas disposições legais constituem mais uma materialização do princípio do inquisitório, como já afirmamos, resultando, assim, que o juiz deve exercitar os seus poderes inquisitórios- são poderes vinculados (nunca discricionários), embora preservando o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objetividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade, quando concluir pela necessidade ou conveniência, ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, de realização de diligências de prova suplementares às promovidas pelas partes.
Assim, a intervenção oficiosa do juiz deve assumir uma natureza complementar relativamente ao ónus da iniciativa da prova que impende sobre cada uma das partes, não podendo servir para superar, de forma automática, falhas processuais reveladas designadamente através da omissão de apresentação do requerimento probatório em devido tempo ou sequer da alteração do rol de testemunhas até ao limite definido pelo art. 598º, nº2.
Ora, no caso sub judicio, apesar das questões terem sido enunciadas na contestação do terceiro interveniente ( arts. 26 a 36º) e do interveniente ter tido a possibilidade de requerer a produção de prova a tais factos, com recolha da informação pretendida junto do hospital e requerimento de perícia ( contraprova) com amostra remanescente, não o fez, apenas tendo sobrevindo com mais acuidade, segundo a sua alegação, a perceção de tais factos após a inquirição das testemunhas,  e tal não constituiria impedimento de, apesar de o interveniente  já não poder indicar tal meio de prova, vir alertar, sugerir ou mesmo requerer ao Tribunal que, lançando mãos dos seus poderes inquisitórios, proceda à recolha de tais elementos e realização da perícia, contudo desde que a diligência não seja impertinente, nem dilatória.[5]
Na verdade, os referidos poderes-deveres do juiz decorrentes da inquisitoriedade – art. 411º - “não se limitam à prova de iniciativa oficiosa, como mostra o segmento “mesmo oficiosamente”. Ao juiz cabe também realizar ou ordenar as diligências dos procedimentos probatórios relativos aos meios de prova propostos pelas partes, na medida em que necessárias ao apuramento da verdade ou à justa composição do litígio”.
Assim sendo, desde que haja elementos do processo que levem a crer que seja conveniente para a descoberta da verdade, tal é suficiente para que, considerada a relevância dos factos ( ainda controvertidos) para a decisão da causa, seja ordenada a recolha de tais elementos e a realização da perícia.
Sem embargo, cremos que a decisão recorrida decidiu bem, porquanto no que respeita à recolha da informação junto do hospital sobre o consentimento na colheita de sangue e sobre quem a ordenou, é inútil tal diligência porquanto já constam dos autos tais elementos, aliás como detalhadamente é analisado na decisão recorrida.
Conforme se lê na decisão recorrida “ Resulta dos elementos clínicos juntos aos autos (vide ref.ª ...37 de 22.06.2021) que o Interveniente recebeu assistência médica no Hospital ... imediatamente a seguir ao acidente, tendo nesse âmbito sido submetido a vários exames, incluindo análises sanguíneas (na penúltima página está a descrição de todos os «MCDT Requisitados / Procedimentos Efectuados») – portanto, sabemos com segurança que não foi qualquer entidade policial nem judicial que ordenou a colheita de sangue e até sabemos que foi na «Cirurgia Geral» que a mesma foi feita, por ordem do Médico Dr. CC, conforme menção daqueles registos clínicos «colhe estudo analítico» (o mesmo Médico solicitou «rx de torax e coluna cervical»); com base no documento n.º 2 junto com a contestação, a colheita foi feita às 09h09 do dia 12.02.2017.
Também sabemos, porque o Interveniente disse que não se lembra de lhe ter sido colhido sangue, apenas tendo a ideia de lhe ter sido administrada uma injecção para as dores, que não lhe foi colhida qualquer autorização por escrito para tal acto clínico, o que, de resto, seria procedimento anormal, inusual, porquanto, segundo a prática habitual, conhecida por tantos quantos recorrem às urgências hospitalares, nunca é pedida autorização por escrito a quem está a ser assistido e carece de ser sujeito a exames, sobretudo num caso destes em que o Interveniente deu entrada com informação de «grande traumatismo», com atribuição de prioridade clínica «muito urgente», por se tratar de «doente trazido por bombeiros por acidente de viação com capotamento […] com embate em árvore de grande calibre, vem imobilizado e sonolento […]». Já o contrário, a recusa de assistência médica, consoantes os casos, pode exigir a assinatura de um ‘termo de responsabilidade’ ( sublinhado nosso).
No que respeita ao remanescente da amostra de sangue em causa, e no que iria desembocar na realização de uma verdadeira perícia, face ao referido verifica-se que o recorrente teve tempo e oportunidade processual para promover a realização da diligência pericial, e nunca o fez e estava na posse de todos os elementos já na altura da sua contestação e que não são diferentes dos atuais, mesmo após inquirição das testemunhas, aliás foi essa a sua defesa- a impugnação por falsidade do exame de sangue em que se corporiza o documento nº2.
Por conseguinte, face ao que ficou exposto, a parte não pode pretender que o tribunal pratique atos probatórios que ela deixou precludir, não se vislumbrando que os elementos de que dispunha na altura da contestação sejam diferentes dos que dispõe após a inquirição das testemunhas, pelo simples facto de as testemunhas acharem que o interveniente não tinha consumido álcool porque não tinha cheiro a álcool ou porque entendem que os aparelhos utilizados para os testes são válidos, sendo certo que já na altura tinha conhecimento do teste com ar expirado com zero graus e o exame ao sangue do hospital com 2,228 g/l e já sustentava a falsidade deste exame.
Como salienta Lopes do Rego[6]: “O exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste - não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes”.
E neste sentido se tem também pronunciado a esmagadora maioria da jurisprudência[7] .
Se, como salienta Nuno Lemos Jorge, referido num dos arestos por nós citados em nota infra, a necessidade de promoção de diligências probatórias pelo juiz “não for patentemente justificada pelos elementos constantes dos autos, a promoção de qualquer outra diligência resultará, apenas, da vontade da parte nesse sentido, a qual, não se tendo traduzido pela forma e no momento processualmente adequados, não deverá agora ser substituída pela vontade do juiz, como se de um seu sucedâneo se tratasse”.
Ora, no caso sub judicio, o que o apelante pretende neste recurso é justamente esse resultado; ou seja, obter por via oficiosa aquilo que, por sua iniciativa, oportunamente não requereu.
É patente, assim, que aquele meio de prova indicado não podia ser admitido.
Por iniciativa do apelante porque seria sempre intempestivo; e, por iniciativa do tribunal, porque o apelante pretende, por esta via, apenas contornar a preclusão processual decorrente da sua inércia. Aliás, patente no facto de só esgrimir este argumento no presente recurso.
Daí que o apelante não tem razão para que se possa concluir por qualquer nulidade cometida pelo tribunal a quo por violação do princípio do inquisitório.
Por outro lado, concordamos com a decisão recorrida quando ali se lê “ trata-se de diligência impossível de realizar, tendo em conta que a mesma foi recolhida em 12.02.2017, portanto, há 8 anos e 8 meses, não existindo já, tratando-se, depois da utilidade que lhe foi dada, de lixo hospitalar (se é que algum sangue sobejou) – e mesmo que existisse estaria já totalmente degradada, sem qualquer utilidade probatória (“contraprova”). Nem vemos que a mesma amostra de sangue, se estivesse incólume, pudesse dar resultados diferentes.”
Improcede, por isso, esta pretensão recursiva do recorrente.
Acresce dizer que não se vislumbra qualquer violação do art. 607º do CPC por ter sido proferido despacho após as alegações orais ( cfr. conclusão 1ª), quando sobre a questão decidida foi cumprido o contraditório e tendo sido indeferida a pretensão, o tribunal entendeu não ser necessária a reabertura da audiência.
Consigna-se ainda que não cabe aqui dissertar sobre as questões suscitadas nas restantes conclusões e analisar da necessidade ou não do consentimento para a realização da colheita de sangue e se a colheita feita em ambiente médico e não por ordem de uma autoridade judiciária é legal ou não ou se existiu desrespeito pelas normas da constituição da república aquando de tal colheita, ou se pode ser valorada em juízo aquela prova que ressuma de tal exame de sangue, pois não se contém no objeto do recurso, sendo juízos a ter lugar oportunamente.
A respeito da alegada litigância de má fé e que a A, nas contra-alegações, entende que o recorrente teve ao interpor o recurso dir-se-á apenas que, em regra, entende-se que interpor um recurso de apelação, só por si, ainda que sem fundamento, não constitui litigância de má fé, mas uma tentativa de a parte demonstrar a valia da sua pretensão, esgotando todas as possibilidades e graus de jurisdição, na esperança de conseguir ganho de causa, pelo que por tal circunstância apenas não se verificam os pressupostos para a condenação como litigante de má fé.
*
VI. Decisão.

Por tudo o exposto, acordam os Juízes que constituem esta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente ( cfr. art. 527º do CPC).
*
Guimarães, 4 de dezembro de 2025

Assinado eletronicamente por:
Anizabel Sousa Pereira ( relatora)
Luís Miguel Martins e
Maria Amália Santos


[1] In Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 193, em contraponto ao direito probatório material, o qual nas palavras do mesmo autor, “ regula o ónus da prova, a admissibilidade dos diversos meios probatórios e a sua força ou valor.”
[2] In Lebre de Freitas, “ Ação Declarativa Comum..”, p. 224, 4ed.
[3] In “ Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais”, p. 101,nota 17, 1996.
[4]  Lê-se no sumário do AC do STJ de 15-05-2025 ( proc.625/23.6T8PTM.E1.S1A, in dgsi) “ II-A quantificação da taxa de álcool no sangue feita por análise de sangue gera uma prova pericial, que, como tal, será apreciada “livremente” pelo tribunal (cfr. art.389.º do C. Civil e 489.º do CPC), ou seja, não é um meio probatório com força vinculada, sendo antes apreciada em conjunto com as demais provas segundo a livre convicção do julgador.)
[5] Vide neste sentido, assim o entendemos no AC da RG de 16-12-2021 e jurisprudência aí citada.
[6] Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, 1999, pág. 425.
[7] Como se pode constatar da leitura, entre outros, e para além do citado AC RC de 12/03/2019, ainda do Acórdão do STJ, de 28/05/2002, Processo n.º 02A1605, Ac.s RP, de 02/01/2006, Processo n.º 0613159, de 22/02/2011, Processo n.º 476/09.0TBVFR-B.P1 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04/03/2013, Processo n.º 293/12.0TBVCT-J.G1, e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20/03/2018, Processo 14/15.6T8VRL-C.G1, AC do TRG de 15-02-2024, proc.         12555/22.0T8SNT-A.G1 todos consultáveis em www.dgsi.pt.