PRAZO DE CADUCIDADE
COMUNICAÇÃO FORMAL DA ALTA CLÍNICA AO SINISTRADO
ADITAMENTO DE FACTOS NÃO ALEGADOS EM 2.ª INSTÂNCIA
Sumário

I - O prazo de caducidade do direito de acção pelos danos emergentes de acidente de trabalho só se inicia com a comunicação formal da alta clínica ao sinistrado.
II - A entrega de um boletim de exame ou de relatório clínico, ainda que dele conste a referência à alta, não é apta a desencadear as consequências relativas à caducidade.
III - É de rejeitar a impugnação, por incumprimento do ónus a que alude a al. c) do nº 1, do art. 640 quando, em relação ao mesmo facto, a recorrente indica duas pretensões quanto à sua alteração, dado tal não satisfazer a especificação da decisão que, no seu entender, deve ser proferida.
IV - Havendo recurso, e no caso da 1ª instância não ter feito uso do disposto no artigo 72º, do CPT, a Relação não pode, oficiosamente, aditar um facto novo, ou seja, ampliar o elenco dos factos provados com outros que, não tendo sido alegados, tenha adquirido aquando da audição dos registos da prova produzida em sede de audiência de julgamento, nem pode ordenar à primeira instância que o faça, na medida em que o poder de reenviar o processo, em ordem à ampliação da matéria de facto, está reservado para situações em que os factos foram alegados.
V - Os factos essenciais só poderão ser tidos em consideração pela 1ª instância, face à possibilidade de prova a que se reporta o nº2 do art. 72º do CPT.
VI - Os recursos, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, em termos gerais, apenas, podem ter como objecto questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal “ad quem” com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso.
VII – Ou seja, os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (excepto se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do Tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o Tribunal “a quo” no momento em que a proferiu.

Texto Integral

Proc. n° 502/22.8T8PNF.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este - Juízo do Trabalho de Penafiel - Juiz 2
Recorrente: AA
Recorrida: BB

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
Após, ter participado, em 17.02.2022, a eventual ocorrência de um acidente de trabalho de que teria sido vítima, por não se terem conciliado na fase conciliatória, como decorre do “auto de não conciliação” de 08.09.2022, veio o sinistrado, BB, nascido em ../../1978, residente em ..., ... ..., ... Marco de Canaveses, com mandatário constituído, intentar acção especial emergente de acidente de trabalho contra AA residente na Rua ..., ... - ..., ... Vila Real, formulando o pedido de que: “deve a presente ação ser julgada procedente por provada e o R. condenado a:
I- Reconhecer que no dia 25 de junho de 2019, no decurso do seu período normal de trabalho, pelas 17:00 horas, em Vila Real, sob a direção e fiscalização da entidade empregadora AA e no cumprimento das ordens dadas pela sua entidade patronal, o sinistrado sofreu um acidente de trabalho que lhe causou as lesões corporais graves referidas no relatório do Instituto Nacional de Medicina Legal, junto aos autos, as quais foram consequência direta necessária daquele acidente;
II- Condenado a pagar ao A., na medida da sua responsabilidade:
a) Uma pensão anual e vitalícia, que for calculada, tendo em consideração o grau de IPATH que lhe vier a ser fixado;
b) A quantia de € 4.040,00 de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária;
c) O reembolso de todas as despesas diretamente decorrentes do acidente de trabalho sofrido e que neste momento totalizam € 30,00;
d) O montante de € 4.396,26 a título de subsídio por elevada incapacidade;
e) Quantias a que acrescerão juros de mora à taxa legal vigente, desde o respetivo vencimento.”.
Fundamentou o seu pedido alegando, em síntese, ter sofrido um acidente, que no dia 25/06/2019, sofreu um acidente de trabalho quando trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização do R. nas funções de trabalhador agrícola, em ..., nº ..., ..., ..., mediante a retribuição anual de € 40,00 dia x 313, num total de € 12.520,00 e que o R., à data do acidente, não tinha transferido a responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho para qualquer seguradora.
Mais, alega que o acidente ocorreu cerca das 17:00 horas, quando, naquele dia, e após desenvolver as tarefas ordenadas pelo R. nas Vinhas, mais concretamente aplicar sulfato, lhe foi determinado pelo R. que fosse auxiliar na edificação de uma placa da casa em construção, propriedade deste último, e sita na sua propriedade. Sendo quando desempenhava estas tarefas e quando se encontrava a armar ferro, com uma vareta daquele metal nas mãos, passou com o mesmo perto dos cabos de média tensão, que passam por cima da casa, então em construção, tendo o mesmo metal atraído eletricidade, provocando uma descarga elétrica, que fez com que fosse puxado (pela atração do ferro aos cabos) e posteriormente projetado, com grande impacto, sofrendo eletrocussão com alta tensão e sido projetado para cerca de 6 metros do local onde se encontrava inicialmente.
Alega ter sofrido na sequência do acidente lesões, que lhe determinaram, como consequência direta e necessária uma incapacidade permanente parcial de 21,43%, desde 4 de outubro de 2019, data em que lhe foi atribuída alta clínica.
Alega, ainda que apresenta, actualmente, lesões e sequelas relacionáveis com o acidente, mais concretamente no membro superior esquerdo e nos membros inferiores direito e esquerdo, queixas a nível funcional, claudicação da marcha, com necessidade de auxílio de duas canadianas, referindo fenómenos dolorosos nos pés, que o impedem de colocar o pé direito no chão, assim como manifesta esquecimentos que impõem a repetição de tarefas e ainda dificuldade ou impossibilidade de efetuar certos gestos, necessários à sua participação na vida em sociedade, em consequência das sequelas orgânicas e funcionais, fatores pessoais e do meio, o que o impediu, nomeadamente, de voltar a trabalhar.
Por fim alega que, em sede de tentativa de conciliação o R., não aceitou a existência da relação laboral com o sinistrado, alegando desconhecer o seu salário, bem como não reconheceu a existência do acidente de trabalho, nem a existência de qualquer incapacidade e seu nexo de causalidade, declinando toda e qualquer responsabilidade.
E, no final, requereu a realização de JUNTA MÉDICA, apresentando para o efeito os seguintes QUESITOS
“1. Dos registos clínicos do A. existe alguma evidência objetiva de ter sofrido lesões no dia 25 de junho de 2019?
2. Apresenta o A. alguma sequela de tal ou tais lesões? Em caso afirmativo, qual ou quais?
3. Existe algum nexo de causalidade entre as lesões ocorridas em 25 de junho de 2019 e as eventuais lesões e sequelas que apresenta atualmente o A., tendo em conta os pressupostos médico-legais para o seu estabelecimento?
4. O sinistrado, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, ficou afetado de incapacidade parcial permanente (IPATH) de 21,43% ou outra e, neste caso, então, qual o grau de incapacidade permanente para o trabalho de que ficou afetado o sinistrado.”.

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Citados o Réu e o Instituto da Segurança Social, I.P., nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1º nº 2 do Decreto-Lei nº 59/89, de 22/02, veio o primeiro contestar, nos termos do articulado junto, em 10.04.2023, por excepção, invocando a caducidade do direito de acção e impugnação.
Quanto à excepção, alegando para o efeito, e em síntese, que da simples análise do processo, facilmente se verifica que o aludido prazo de um ano, há muito se encontra ultrapassado, a data da consolidação médico-legal das lesões foi fixável em 04/10/2019, o próprio Autor, no seu articulado, o confessa mas, apesar disso, só no dia 17/02/2022 é participado, pela primeira vez, o incidente ocorrido a 25/06/2019.
Em sede de impugnação, desde logo, nega a existência de qualquer relação laboral, entre A. e R., alegando que, ambos, à data dos factos, viviam na localidade de ..., freguesia ..., concelho de Vila Real e ambos foram contratados, individualmente, para trabalhar numa quinta sita em ..., propriedade de uma Sr.ª CC, para executarem trabalhos agrícolas, mais concretamente para aplicar sulfato numa vinha, da qual aquela Senhora é proprietária.
Mais, alega que o A., tal como o R. foram contratados à jorna, como trabalhadores independentes e foi a Sr.ª CC quem pagou, com uma periodicidade semanal, uma quantia certa, no caso 40€/dia, tanto ao A. como ao R., como contrapartida da mesma.
Prossegue, alegando que a jornada de trabalho iniciava-se pelas 07h30’ horas e terminava pelas 17h00’, com um intervalo para almoço das 13h00’ às 14h00’ e, por o A. e o R. residirem na mesma localidade (uma pequena localidade com cerca de 150 habitantes), acedeu dar boleia ao A. e todos os dias em que se encontravam a trabalhar para a Sr.ª CC, o A. ia ter a casa do R. para que aquele o levasse até à quinta e, no final do dia, regressava da quinta até à casa do R., o que sucedeu no dia do infeliz sinistro. Mais, alega, que A. e R. chegaram a casa do R. pelas 17h30’ e, enquanto este trabalhava na construção da sua casa, o A. ficou a conversar com aquele. A determinada altura o A. apercebe-se que o R. tinha de descer do local onde estava para vir buscar uma verguinha de ferro e, para evitar aquela deslocação diz: “Espera aí que eu chego-ta.”. E é nesse momento que acontece o sinistro, mais de uma hora depois de A. e R. terem chegado à casa do R., depois de terem saído do trabalho.
Alega, ainda que, em momento algum o A. esteve a trabalhar para o R. e a única coisa que se limitou a fazer, foi precisamente, a levantar o ferro para o entregar ao R..
No mais, impugna o alegado pelo A. e alega que, é do seu conhecimento que o A., logo nos meses de Setembro e Outubro de 2019 trabalhou para a A..., trabalho esse declarado e pago.
Conclui que, “deverá a presente acção ser julgada improcedente por não provada, absolvendo-se a R. do pedido formulado contra si,”.
Requer, em termos de Prova pericial, que:
“Digam os Sr.s Peritos se o facto do A. ter trabalhado em vindimas no período que antecede a alta clínica pode ter contribuído para o agravamento da incapacidade fixada em 21,43%?”.
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O A. apresentou resposta, nos termos do articulado junto, em 18.05.2023, refutando a caducidade do direito de acção, alegando que a data da consolidação das lesões que aceita, resulta dos elementos que foram carreados para os autos e que o prazo de caducidade do direito de ação só começa a correr depois da efetiva entrega ao sinistrado do boletim da alta, não bastando o mero conhecimento por parte deste de que lhe foi conferida alta.
Alega, ainda que, nunca lhe foi entregue qualquer boletim de alta clínica, pois que o acidente que o vitimou não foi participado pelo Réu a uma Seguradora, pelo que não lhe foi prestada qualquer assistência médica pelos serviços clínicos de uma qualquer seguradora, pelo que não foi emitido qualquer boletim de alta clínica.
Ora, não existindo participação do acidente por parte da entidade obrigada a fazê-lo, não pode o sinistrado ser penalizado por tal omissão.
Termina que, “devem as alegadas excepções ser consideradas não provadas e improcedentes, com as legais consequências, concluindo-se, no demais, como na petição inicial.”.
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Nos termos do despacho saneador proferido em 01.02.2024, a Mª Juíza “a quo”, conheceu e julgou improcedente a exceção da caducidade do direito de ação do Autor. fixou os factos assentes, enunciou o objecto do litígio consistente “1) Caracterização ou não do evento como «acidente de trabalho» 2) Caso se conclua pela sua caracterização como acidente de trabalho, determinação do sujeito passivo da obrigação indemnizatória. 3) Fixação do quantum indemnizatório devido ao Autor”, enunciou os temas de prova e ordenou o desdobramento do processo e a consequente criação do apenso de fixação da incapacidade.
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No processo apenso, destinado à fixação da incapacidade para o trabalho, designada a requerida junta médica, após nomeação dos senhores peritos foi ela realizada, nos termos documentados no auto datado de 20.02.2024 tendo, oportunamente, em 18.03.2024, a Mª Juíza “a quo”, considerado e decidido, o seguinte: «(…) o Autor apresenta uma incapacidade permanente parcial de 31,2%, com incapacidade permanente absoluta para o exercício da profissão habitual.
Para além disso, ainda tendo em consideração o laudo expresso, por unanimidade, pelos Exmos. Senhores Peritos Médicos que compuseram tal Junta Médica, o qual se nos afigura consentâneo com os elementos existentes nos autos e com as disposições legais aplicáveis, decido considerar que o Autor teve alta definitiva em 4/10/2019, e ainda que sofreu um período de incapacidade temporária absoluta desde 26-06-2019 até 04-10-2019.
Custas pela parte vencida a final, sem prejuízo de se determinar desde já o pagamento aos Srs. peritos a adiantar pelos Cofres.
Notifique e, oportunamente, abra conclusão no processo principal.».
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Nos termos que constam das alegações juntas, em 21.02.2024, o Réu veio interpor recurso do despacho saneador, na medida em que julgou improcedente a excepção de caducidade invocada, o qual foi apreciado nesta Relação, conforme douto Acórdão de 10.07.2023, decidindo-se: “julgar o recurso procedente e, em consequência, anular o despacho saneador/sentença que conheceu da exceção de caducidade, sendo substituído por despacho que relegue para final o conhecimento dessa questão.
Custas a fixar a final.”.
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Na sequência daquele douto acórdão, nos termos que constam do despacho de 02.09.2024, foi ao despacho saneador proferido, aditado “- Um ponto 4) ao objecto do litígio, com o seguinte teor: saber se o direito de ação do Autor caducou;
- Um ponto 18) aos temas de prova, com o seguinte teor: saber se o Autor teve conhecimento da alta hospitalar antes de lhe ser comunicado o relatório da perícia médica (singular) realizada na fase conciliatória do processo”.
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Os autos seguiram para julgamento e realizada a audiência, nos termos documentados nas actas de 15.10 e 03.12 de 2024, foi ordenada a conclusão dos autos e proferida sentença, que terminou com a seguinte decisão:
Pelo exposto, julga-se a acção procedente, reconhece-se a caracterização do acidente como sendo acidente de trabalho e, em consequência condena-se o R. AA no pagamento ao A. BB de:
1) € 8.081,92 (oito mil e oitenta e um euros e noventa e dois cêntimos), a título de pensão anual vitalícia, com início em 05/10/2019, a ser paga nos termos estabelecidos no artigo 72º da LAT, acrescido dos juros de mora até efectivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135º do CPT;
2) € 4.396,26 (quatro mil trezentos e noventa e seis euros e vinte e seis cêntimos) referente a subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, acrescido dos juros de mora desde 05/10/2019 até efectivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135º do CPT;
3) € 2.386,37 (dois mil trezentos e oitenta e seis euros e trinta e sete cêntimos) referente a diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, acrescido dos juros de mora desde 05/10/2019 até efectivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135º do CPT;
4) € 21,22 (vinte e um euros e vinte e dois cêntimos) a título de despesas, acrescido dos juros de mora até efectivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135º do CPT.
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Custas a cargo do R., nos termos do disposto no artigo 527º nºs. 1 e 2 do CPC.
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Valor da acção – € 131.128,03 (cfr. artigo 120º do CPT).
Registe e notifique.”.
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Inconformado o R. interpôs recurso nos termos das alegações juntas, terminando com as seguintes “CONCLUSÕES
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O A. apresentou contra-alegações que terminou com as seguintes Conclusões:
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A Mª Juíza “a quo” admitiu a apelação, com efeito meramente devolutivo e ordenou a subida dos autos a esta Relação.
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O Ex.mo Procurador Geral Adjunto, nos termos do art. 87º nº3, do CPT, emitiu parecer pugnando que deve o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida nos seus precisos termos, no essencial, sob a consideração “No que à fixação da matéria de facto diz respeito, é nosso parecer que o Tribunal a quo fez na sentença minuciosa indicação dos concretos meios de prova que levaram à formação da sua convicção, parecendo-nos que a mesma está devidamente apreciada, valorada e fundamentada.
Aliás, nem se percebe o fundamento da pretensão do Recorrente para sejam aditados novos factos aos factos provados se os mesmos nem sequer foram alegados pelas partes no decurso ação.
Mais: também foi feita a devida apreciação crítica e fundamentação de direito, seja quanto à caracterização do evento como acidente de trabalho, seja quanto à imputação ao Réu/Recorrente da obrigação indemnizatória e, por fim, no que se refere à questão da não verificação da caducidade do direito de ação. Esta última questão, em particular, foi tratada pelo Tribunal a quo com profundidade e abundante fundamentação jurisprudencial, daí que nada mais se oferece dizer sob pena de repetições desnecessárias.”.
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Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim as questões a apreciar suscitadas pelo recorrente consistem em saber se a decisão recorrida deve ser revogada, atenta a impugnação deduzida quanto à decisão sobre a matéria de facto, e, consequentemente, quanto à decisão sobre o direito, por erro do Tribunal “a quo” quanto:
- à não caducidade do direito de acção;
- a existir um contrato de trabalho entre o A. e o R.; e ainda:
- por ter sido celebrado um contrato de trabalho agrícola de muita curta duração;
- por a responsabilidade do R. se encontrar limitada à remuneração devida por esse dia de trabalho;
- ou deveria o presente acidente ser reconduzido ao regime jurídico do art. 16º, nº 1, da LAT, como defende o apelante.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
B) OS FACTOS
A 1ª instância, discutida a causa, considerou os seguintes factos provados:
Factos assentes por acordo:
A) No dia 25 de junho de 2019 o A. sofreu um acidente, tendo sofrido eletrocussão com alta tensão;
B) À data do acidente o R. não havia transferido para qualquer seguradora a sua responsabilidade por acidentes de trabalho;
C) O A. nasceu no dia ../../1978;
D) O acidente ocorreu quando o A. se encontrava com uma vareta daquele metal nas mãos, passou com o mesmo perto dos cabos de média tensão, que passam por cima da casa então em construção, tendo o metal atraído eletricidade, provocando uma descarga elétrica;
Factos demonstrados por produção de prova:
E) À data do acidente o A. exercia as funções de trabalhador agrícola, numa vinha de uma quinta sita em ..., cumprindo as ordens do R., no horário de trabalho por este determinado, entre as 08h00 e as 17h00, com intervalo para almoço das 13h00 às 14h00, mediante a retribuição diária de € 40,00;
F) No dia do acidente o A. aplicou sulfato nas vinhas, tarefa que lhe foi ordenada pelo R. no âmbito das funções de trabalhador agrícola;
G) O R., após o A. ter desenvolvido tarefas nas vinhas, ordenou ao A. que o fosse auxiliar na edificação de uma placa de uma casa em construção sita em Campo ..., ..., ..., ..., Vila Real;
H) O acidente ocorreu pelas 17.30 horas no cumprimento de ordens e instruções do R., e sob a direção deste quando o A. se encontrava a armar ferro;
I) A descarga indicada em D) fez com que o A. sofresse eletrocussão com alta tensão;
J) Em consequência do acidente o A. sofreu queimaduras eléctricas de 2º e 3º grau em cerca de 6% da superfície corporal, atingindo a mão esquerda (porta de entrada), face anterior do antebraço esquerdo e hemitórax esquerdo e pés (porta de saída), com queda da própria altura, bem como as demais lesões descritas a fls. 23 a 28, 34 e 35 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas;
K) Em consequência das lesões sofridas no acidente o A. sofreu um período de ITA de 26/06/2019 a 04/10/2019, data de consolidação médico-legal das lesões;
L) Em consequência das lesões sofridas no acidente o A. é portador de uma IPP de 20,8% acrescida do factor 1,5, o que perfaz uma IPP final de 31,2% com IPATH;
M) À data do acidente o A. e o R. viviam na localidade de ..., freguesia ..., concelho de Vila Real;
N) O A. ia ter a casa do R. para que o levasse até à quinta identificada em E) e no final do dia regressavam da quinta até à casa do R..
Da discussão da causa não resultaram provados os seguintes factos:
1) À data do acidente o A. exercia as funções de trabalhador agrícola em Campo ..., ..., ..., ..., Vila Real;
2) A retribuição anual do A. era à data do acidente de € 40,00 (dia) x 313 (total anual de € 12.520,00);
3) A casa indicada em G) dos factos provados é propriedade do R.;
4) O acidente ocorreu pelas 17h00m;
5) A descarga indicada em D) fez com que o A. fosse puxado pela atracção do ferro aos cabos e posteriormente projectado, com grande impacto;
6) O A. foi projetado para cerca de 6 metros do local onde se encontrava inicialmente;
7) O A. despendeu a quantia de € 30,00 com deslocações obrigatórias ao Gabinete médico-legal de Penafiel e a este Tribunal;
8) O A. e o R. foram ambos contratados por uma Srª CC para executarem os trabalhos agrícolas indicados em E) dos factos provados, numa quinta de que aquela senhora é proprietária;
9) No que utilizaram os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à Srª CC;
10) E observaram as horas de início e termo do trabalho por ela determinadas, com início pelas 07h30 e fim às 17h00, com um intervalo para almoço das 13h00 às 14h00;
11) Funções estas pelas quais a Srª CC pagou, com uma periodicidade semanal, 40 euros por cada dia de trabalho tanto ao A. como ao R.;
12) O R., por residir na mesma localidade, acedeu dar boleia ao A. nos dias que se encontravam a trabalhar para a Srª CC;
13) O indicado em N) dos factos provados foi o que sucedeu no dia do acidente;
14) No dia 25 de junho de 2019 o A. e o R. chegaram a casa deste pelas 17h30 e, enquanto o R. trabalhava na construção da sua casa, o A. ficou a conversar com o R.;
15) A determinado momento o A. apercebeu-se que o R. tinha de descer ao local onde estava para vir buscar uma verguinha de ferro e, para evitar aquela deslocação disse “espera aí que eu chego-ta”;
16) Foi quando o A. levantou o ferro para o entregar ao R., que aconteceu o sinistro;
17) O A. teve conhecimento da alta clínica em 04/10/2019.
Consigna-se que os pontos K) a M) foram incluídos na matéria de facto provada por terem resultado da prova produzida no processo, mais precisamente do exame de junta médica realizada no apenso A e respectiva sentença aí proferida, e ao abrigo do disposto no artigo 5º nº 2 alíneas a) e b) do CPC.”.
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Previamente, por se considerar relevante à boa decisão da causa, oficiosamente, adita-se à factualidade dada como provada, uma nova alínea O), com o teor do relatório clínico emitido pelo CH ..., E.P.E. a 05/04/2022 e junto aos autos a 12/04/2022, no qual se lê:
O)
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O DIREITO
- Da impugnação da matéria de facto
Sob a consideração, de não poder aceitar de forma alguma, a sentença proferida em 1ª instância, diz o recorrente, nas suas conclusões e alegações, “discordar da fundamentação de facto e de direito”, assentando o presente recurso, como alega, na impugnação da “matéria de facto dada como provada e não provada”. Começa, no que toca à factualidade relativa à questão da invocada caducidade do direito, alegando que, “não deu o Tribunal recorrido como provados ou não provados nenhum dos factos alegados pelo Réu, ainda que comprovados documentalmente. Factos que demonstram à saciedade a data em que o A. tem conhecimento da alta hospitalar”, concluindo assim, que “terão de se dar como provados:
1. Do relatório clínico emitido pelo CH ..., E.P.E. a 05/04/2022 e junto aos autos a 12/04/2022, resulta que o A.: “Frequentou a Consulta Externe de Queimados do CH ... entre 26.07.2019 e 04.10.2019, altura em que teve alta definitiva da mesma (...)”.
2. Do relatório elaborado pelo Gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 02/06/2022 - vide 1.ª conclusão, resulta também que - “A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 04/10/2019.”.
E, ainda, sob a alegação de que “A par da prova documental junta, o próprio Autor confessa ter conhecimento daquela data como a data em que teve conhecimento da consolidação médico legal das lesões, ou da alta (vide artigo 19.º da douta P.I.) “(...) desde 4 de Outubro de 2019, data em que lhe foi atribuída alta clínica.”, conclui que resultou provado que “O A. teve conhecimento da alta hospitalar no dia 04/10/2019”.
Conclui que, “Ao assim não decidir, não fez o Tribunal “a quo” um correcto julgamento da matéria de facto porque há uma clara discrepância entre os documentos juntos e as declarações prestadas, tudo conjugado com a demais prova produzida;”.
Mais, diz não concordar, com os factos dados como provados pelo Tribunal da 1ª instância, em E), F), G) e H) que, alega devem ser alterados, para a redacção que indica, na sua alegação e conclusão 9ª, ou seja: “E) À data do acidente o A. exercia as funções de trabalhador agrícola, numa vinha de uma quinta sita em ..., cumprindo as ordens da proprietária daquela propriedade, no horário de trabalho por aquela determinado, entre as 08h00 e as 17h00, com intervalo para almoço das 13h00 às 14h00, mediante a retribuição diária de € 40,00;
F) No dia do acidente o A. aplicou sulfato nas vinhas, no âmbito das funções de trabalhador agrícola;
G) O R., após o A. ter desenvolvido tarefas nas vinhas, pediu ao A. que o fosse auxiliar na edificação de uma placa de uma casa em construção sita em Campo ..., ..., ..., ..., Vila Real;
H) O acidente ocorreu pelas 17.30 horas quando o A. se encontrava a armar ferro;” e alega que: “teriam de se dar como provados os seguintes factos, que o Tribunal deu como não provados:”, nos pontos 8), 9), 11), 12) e 13), concluindo que “Ao assim não decidir, não fez o Tribunal “a quo” um correcto julgamento da matéria de facto porque há uma clara discrepância entre os documentos juntos e as declarações prestadas, tudo conjugado com a demais prova produzida;”.
Por último, alega ainda e conclui que: “Sem prescindir,… terá de ser alterado o facto G) dos factos dados como provados, por forma a ser dado como provado o seguinte facto: “G) O A., após ter desenvolvido tarefas na vinha, foi auxiliar o R. na edificação de uma placa de uma casa em construção sita em Campo ..., ..., ..., ..., Vila Real””, sob a alegação e conclusão de que é, “o que resulta dos depoimento prestados em sede de audiência de julgamento, em particular nos trechos identificados e cujos depoimentos se mostram reproduzidos da seguinte forma:”, passando à sua indicação na conclusão 16ª. Deste e do entendimento expresso pelo mesmo, discordam o recorrido, conforme consta das suas contra-alegações e o Ministério Público que, no parecer emitido defende, como supra deixámos transcrito que, “o Tribunal a quo fez na sentença minuciosa indicação dos concretos meios de prova que levaram à formação da sua convicção, parecendo-nos que a mesma está devidamente apreciada, valorada e fundamentada. Aliás, nem se percebe o fundamento da pretensão do Recorrente para sejam aditados novos factos aos factos provados se os mesmos nem sequer foram alegados pelas partes no decurso ação.”.
Vejamos.
Dispõe o nº 1 do art. 662º do CPC (diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir mencionados sem outra indicação de origem) que: “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.
Aqui se enquadrando, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão de facto feita pelos recorrentes.
Nas palavas de (Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, Coimbra, 2013, págs. 221 e 222) “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1ª instância”.
No entanto, como continua o mesmo autor (págs. 235 e 236), “… a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter.”.
Esta questão da impugnação da decisão relativa à matéria de facto e a sua apreciação por este Tribunal “ad quem” pressupõe o cumprimento de determinados ónus por parte do recorrente, conforme dispõe o art. 640º ex vi do art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.Trabalho, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.
Resulta da análise deste dispositivo que, o legislador concretiza a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando, neste novo regime, os ónus de alegação impostos ao recorrente, impondo-se que especifique, em concreto, os pontos de facto que impugna e os meios probatórios que considera impunham decisão diversa quanto àqueles e deixe expressa a solução que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Ou seja, tendo em conta os normativos supra citados, haverá que concluir que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância, já que só assim, como se refere no (Ac. STJ de 24.09.2013 in www.dgsi.pt (sítio da internet onde se encontram disponíveis os demais acórdãos a seguir citados, sem outra indicação)) poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão do Tribunal “a quo”, exigindo-se à parte que pretenda usar daquela faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que, efectivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente, apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção - não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem, face ao princípio da livre apreciação da prova que impera no processo civil, art. 607º, nº 5 do CPC, cfr. (Ac. STJ de 28.05.2009).
Verifica-se, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto, não se satisfaz com a mera indicação genérica da prova que na perspectiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal “a quo”, impõe-lhe a concretização quer dos pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância como a especificação das provas produzidas que, por as considerar como incorrectamente apreciadas, imporiam decisão diversa, quanto a cada um dos factos que impugna sendo que, quando se funde em provas gravadas se torna, também, necessário que indique com exactidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
Sendo que, como bem se refere, no (Ac. desta Secção, de 18.03.2024, Proc. nº 7583/21.0T8PRT.P1, relatado pelo, Desembargador António Luís Carvalhão e subscrito pela, agora, relatora), nas situações de impugnação da decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, é necessário que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal a quo quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou assinalando a insuficiência dos elementos considerados para as conclusões tiradas. É que, a reapreciação por parte do Tribunal da Relação da decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância não corresponde a um segundo (novo) julgamento da matéria de facto, apenas reapreciando o Tribunal da Relação os pontos de facto enunciados pelo interessado (que circunscrevem o objeto do recurso).
Pois e acrescendo, como bem diz, novamente, (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, págs. 132 e 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Sobre este assunto, no (Ac. do STJ de 27.10.2016) pode ler-se: “… Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto. …”. E, do mesmo Tribunal no (Ac. de 07.07.2016) observa-se o seguinte: “… para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo art. 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).”.
Neste mesmo sentido, lê-se no (Ac. desta Relação de 15.04.2013, relatora a, agora, Conselheira, Paula Leal de Carvalho) que, “Na impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, pois, identificar, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, o que deverá fazer por reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados (em caso de inexistência de base instrutória, como é a situação dos autos).
E deverá também relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna (para além “de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.”, (sublinhado nosso).
E também, no (Ac. de 23.11.2020, Proc. nº 6107/18.0T8MTS.P1, igualmente, relatado pela, agora, Conselheira, Paula Leal de Carvalho), onde se refere que, na indicação dos meios probatórios (sejam eles documentais ou pessoais) que sustentariam diferente decisão (art.º 640º, nº 1, al. b) do Código de Processo Civil), deverão eles ser identificados e indicados por referência aos concretos pontos da factualidade impugnada de modo a que se entenda a que concretos pontos dessa factualidade se reportam os meios probatórios com base nos quais a impugnação é sustentada, mormente nos casos em que se pretende a alteração de diversa matéria de facto.
Em suma, o legislador impõe à parte recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, um ónus de impugnação, devendo aquela expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo tribunal “a quo”, salientando-se que, como decorre do (Ac. do STJ Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2023, de 17.10.2023, publicado no DR, Iª série, de 14.11) quanto à «decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas», aquele Tribunal uniformizou jurisprudência no sentido de que basta que a parte recorrente o faça nas alegações, desde que essa decisão alternativa propugnada resulte de forma inequívoca das alegações.
Relembremos, apenas, como é sabido e já referido, que o incumprimento do ónus de alegação na impugnação da matéria de facto acarreta, sem mais, a rejeição do recurso, não sendo admissível o aperfeiçoamento da alegação, em caso de deficiência ou irregularidade, diferentemente do que sucede noutro âmbito do recurso (art. 639º, nº 3). Ou seja, incumprindo a recorrente o ónus de impugnação previsto no referido art. 640º, nº 1, desde logo, não indicando os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, terá o seu recurso que ser rejeitado, uma vez que no recurso relativo à matéria de facto não se admite despacho de aperfeiçoamento.
No que respeita ao que tem sido o entendimento da jurisprudência, a este propósito, veja-se entre outros o que se sumariou no, (Ac. do STJ de 02.02.2022, Proc. nº 1786/17.9T8PVZ.P1.S1) onde se lê: “I - Os ónus primários previstos nas als. a), b) e c) do art. 640.º do CPC são indispensáveis à reapreciação pela Relação da impugnação da decisão da matéria de facto.
II - O incumprimento de qualquer um desses ónus implica a imediata rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto, não sendo legalmente admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões” e, também, o (Ac. do STJ de 14.02.2023, Proc. 1680/19.9T8BGC.G1.S1, ambos in www.dgsi.pt), em cujo sumário se lê o seguinte: “I - Em termos gerais, pode afirmar-se que, na sua jurisprudência o STJ tem seguido, essencialmente, um critério de proporcionalidade e da razoabilidade, entendendo que os ónus enunciados no art. 640.º do CPC pretendem garantir uma adequada inteligibilidade do fim e do objeto do recurso.
II - O recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, bem como os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida.
III - No recurso sobre a matéria de facto se as conclusões forem deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não contemple o estatuído no art. 640.º, o relator não tem o dever de convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, na parte afetada.
IV - Ou seja, quando o recurso da matéria de facto se apresenta deficiente, sem dar cumprimento ao disposto no art. 640.º do CPC, não há lugar a despacho de convite ao aperfeiçoamento.”.
Transpondo o regime exposto para o caso, verifica-se que houve gravação dos depoimentos prestados em audiência e o apelante impugna a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos que tendo sido considerados provados e não provados, em seu entender, a Mª Juíza “a quo” julgou erradamente e a resposta que considera deverá ser dada aos mesmos, atentas as provas que indica, que considera cruciais e em que funda o recurso.
Passemos, então, à requerida reapreciação da factualidade impugnada, lembrando, ainda, o entendimento, (veja-se a propósito, António Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., pág. 286), que este Tribunal da Relação, tendo presente o disposto no art. 662º, na apreciação da impugnação da decisão sobre matéria de facto usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (art. 607º, nº 5), em ordem ao controlo efetivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efetiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.
Analisemos, então.
Começando por ver como a Mª Juíza “a quo” fundamentou a sua convicção, nomeadamente, quanto aos pontos impugnados, transcrevendo, em síntese, o seguinte: «(…).
Foram dados como provados os pontos E) a H) com base desde logo no depoimento e declarações de parte do A., que os confirmou, sendo que não soube concretizar com que periodicidade trabalhava para o R., embora tenha afirmado que o fazia há 3 anos e que, nesse âmbito, de 15 em 15 dias tinha de ir à quinta de uma CC, onde já tinha ido 5 a 6 vezes antes. Para além disso, confirmou que nesse dia tinha também ido trabalhar o DD, que foi inquirido como testemunha e confirmou tal facto, bem como a circunstância de terem ambos ido trabalhar para essa quinta, a sulfatar, por ordem do R., que os contratou, sendo este quem lhe pagava (o que o A. confirmou quanto ao seu próprio pagamento). Tanto o A. como esta testemunha declararam que acabaram cedo o serviço na quinta (cerca das 14-15 horas) e, daí, foram para a obra da casa do R. porque no dia a seguir iam cimentar a obra e era necessário nesse dia acabar o serviço de “botar ferro” (o que foi, quanto a este ponto, também confirmado pelo R.), sendo que o A. referiu que foi primeiro a casa. DD referiu que foram para a obra do R. porque quiseram, enquanto que o A. declarou que foi o R. que o chamou e disse que tinham de dar mais umas horas senão não havia dinheiro para ninguém, o que se afigura credível se considerarmos que era pago ao dia, num horário diário de 8 horas e não as tinham prestado todas na quinta, pelo que se considerou credível este depoimento. O R. apresentou uma versão diferente, no sentido de que o A. tinha sido contratado pela própria CC, por indicação do R., e que era aquela quem pagava ao A., servindo no fundo o R. como mero intermediário, embora tenha confirmado que o A. trabalhava para si à jorna, por € 40,00 diários, das 8h às 17h (embora tenha referido que o fazia sem exclusividade e apenas quando o R. precisava), ou seja, precisamente o horário e valor indicado pelo A.. Sendo que, no momento do acidente o A. estava apenas a ajudá-lo, como já tinha feito outras vezes, mas sem compensação, e que naquele dia estavam a colocar ferros na casa porque no dia seguinte ia lá o empreiteiro betonar a placa. No entanto, este depoimento não mereceu credibilidade por parte do Tribunal, face à coerência dos dois depoimentos anteriormente referidos e, ainda, a circunstância de, como o próprio declarou, após o acidente ter o R. constituído uma empresa de empreitada agrícola, através da qual presta este tipo de serviço com trabalhadores a seu cargo e outras pessoas que são prestadoras de serviço, sendo a empresa quem recebe o pagamento dos serviços e paga aos prestadores, ou seja, precisamente o registo que o A. referiu que ocorria entre si e o R. enquanto pessoa singular, o que indicia uma intenção de regularizar uma situação anteriormente existente, como resultou do depoimento do R.. Quanto à hora do acidente, declarou o A. que chegou à obra por volta das 17h20m e que o acidente ocorreu pouco depois, pelo que se considerou as 17h30m como hora aproximada do acidente. Quanto às demais testemunhas, EE, que afirmou conhecer o A. e o R. da aldeia onde vivia, declarou que o A. andava aos dias para quem o chamava e trabalhava para o R., sendo que afirmou que o acidente ocorreu numa casa que o R. tinha e onde o A. trabalhava e onde a testemunha também trabalhou duas ou três vezes, sendo pago ao dia, incluindo para trabalhar nos terrenos do R.. FF, companheira do A., revelou não ter conhecimento concreto do acidente e apenas confirmando que o A. foi a casa por volta das 16-17 horas para lanchar, tendo dito que ia para a obra do R.. GG apenas confirmou que o A. trabalhou para si, na vinha, que o conheceu através do R. na sequência de o ter questionado sobre saber de alguém que quisesse ajudar ao sábado, e que pagava directamente ao A., nada mais podendo afirmar nomeadamente quanto à relação entre A. e R.. HH afirmou que o A. chegou a ir consigo e o R. para as vinhas e que este servia de intermediários nos termos já referidos, sendo quanto à CC que era esta que lhes pagava. No entanto, não foi peremptório quanto à situação do A., tendo até demonstrado assumir uma posição diferente perante o R., afirmando que às vezes o ia ajudar na casa que estava a construir mas não como trabalho pago, porque este é seu amigo e lhe arranja trabalho, pelo que não se sentia confortável em cobrar-lhe dinheiro, o que demonstra uma relação pessoal com o R. que a distingue das demais. Assim, considerou-se que estes depoimentos não afastam a credibilidade do depoimento do A. e da testemunha DD. (…). Os pontos 4) e 14) não se provaram face ao supra exposto.
O ponto I) foi demonstrado com base nos elementos clínicos juntos aos autos, nomeadamente do serviço de urgência de fls. 34 dos autos, que comprovam, sendo que os pontos 5) e 6) não se provaram em face dos depoimentos do R. e da testemunha DD, únicas pessoas que presenciaram o acidente e confirmaram que o A. não foi projetado.
Os pontos J) a L) foram dados como provados com base nos elementos clínicos juntos aos autos e o teor da junta médica realizada no apenso A, por unanimidade, e respectiva decisão final aí proferida.
O ponto M) foi confirmado tanto pelo A. como pelo R., não tendo sido produzida qualquer prova do contrário.
Deu-se como provado o ponto N) com base no depoimento do A. e do R., que o confirmaram, sendo que, tanto o A. como a testemunha DD afirmaram que no dia do acidente foi este último quem conduziu o veículo do R., uma vez que apenas a testemunha e o A. foram trabalhar para a quinta.
Não se deram como provados os pontos 8) a 11) face à fundamentação já descrita quanto aos pontos E) a H) e, no que se refere aos equipamentos e instrumentos de trabalho, resultou do depoimento do A. que usavam sempre a autobomba, pistolas de sulfatar e bidão do R., incluindo na quinta da CC, sendo que DD afirmou que tanto o sulfato como o equipamento necessário (bidões, autobomba ou atomizador, não conseguindo recordar-se qual destes dois em concreto usaram no dia em causa) era do R., que já estavam na carrinha quando pegou nela para ir para a quinta, que os transportaram na carrinha para a quinta e depois os trouxeram de volta, tendo-os descarregado no terreno da casa que o R. estava a construir. Face a estes depoimentos, não se considerou credível o depoimento do R., no sentido de os materiais serem fornecidos pela CC, pois caso assim fosse, não teriam sido transportados do terreno do R. (ou onde ele estava a construir a casa) pelo DD. Aliás, o próprio R. afirmou que usava o armazém ao lado dessa casa para guardar todo relacionado com agricultura, nomeadamente material para pulverizar e sulfatar, o que acaba por conferir credibilidade à versão apresentada pelo A. e a testemunha referida.
Não se demonstrou o ponto 12) na medida em que não ficou provada a intenção do R. ao transportar o A..
O ponto 13) não se provou em virtude de ter sido demonstrado que na data em causa foi a testemunha DD quem transportou o A., embora em veículo do R..
Os pontos 15) e 16) não resultaram demonstrados por qualquer meio de prova, sendo que o próprio R. afirmou que não viu o A. pegar no ferro, o que contraria esta versão dos factos.
Não se provou o ponto 17) pois apesar de demonstrado na informação clínica de fls. 28 que foi em 04/10/2019 dada alta definitiva ao A. da consulta externa de queimados do CH ..., não ficou comprovado que este facto consubstanciava a sua cura clínica, sendo que o próprio A. referiu que nessa altura o que lhe foi dito foi que tinha de fazer exames de 6 em 6 meses e aplicar creme, sendo que, se necessário, para marcar nova consulta, o que evidencia que o A. não tinha noção da fixação, nesse momento, da data de cura clínica das sequelas resultantes do acidente.
Os demais factos dados como não provados resultaram da ausência de prova nesse sentido.». (sublinhado nosso).
Atento o que antecede, ouvidos na íntegra as declarações das partes (A. e R.) e todos os depoimentos das testemunhas, prestados em audiência (e não apenas, os segmentos indicados pelo apelante), bem como analisados os documentos a que se reporta na impugnação, podemos adiantar, desde já, que não vislumbramos motivo para introduzir na decisão da matéria de facto as alterações propostas pelo mesmo e que defende se impunham. Com efeito, tais alterações tinham na base a demonstração de que, na data e momento em que ocorreu o evento participado, não existia qualquer relação de trabalho entre o A. e o R. e, ainda, que quando o A. efectuou a participação já tinha conhecimento da alta clínica desde 04.10.2019, mas, sempre com o devido respeito, podemos adiantar, em nossa convicção não o logrou provar.
Tal como aconteceu com a Mª Juíza “a quo”, também, a nós, quanto a ter tido o A. conhecimento da alta hospitalar em 04/10/2019 e ao tipo de relação existente entre A. e R. e circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreu o evento lesivo, não se nos suscitaram dúvidas quanto ao dito e à versão alegada pelo autor e que as provas que o apelante indica não tiveram a virtualidade de infirmar, de modo que, jamais aqueles factos que impugna, provados e não provados, poderão ser alterados, nos termos que defende, ou dados como provados.
Senão, vejamos.
Ainda que, previamente, se imponha fazer alguns reparos quanto a afirmações do apelante que, não correspondem de todo à verdade. Desde logo, a afirmação contida na conclusão 1ª, quando a propósito da questão de saber se o direito de acção do recorrido caducou ou não, diz: “..., impunha-se ao tribunal “a quo” dar como provados (ou não provados) factos que pudessem levar à procedência ou improcedência daquela excepção;”. Pois, ao contrário do que afirma, o facto dado como provado em K), (onde se assentou que a data da consolidação médico legal das lesões foi fixada em 04/10/2019) e o facto dado como não provado em 17), (em que se dá como não provado que o A. teve conhecimento da alta naquela data), demonstram que aquela referida afirmação apenas, se pode dever a lapso do apelante.
O Tribunal “a quo” deu como provados e não provados factos que levaram à decidida improcedência da excepção de caducidade invocada pelo apelante. Nomeadamente, o facto não provado em 17) que, apesar de não o identificar, não há dúvidas, o apelante impugna, como decorre da conclusão 2ª, alegando que teria de resultar provado que, “o A. teve conhecimento da alta hospitalar no dia 04/10/2019”, (o bastante para que se tenha por cumprido, quanto ao mesmo, o ónus a que se refere a al. a) do nº 1 do art. 640º). Assim, como os demais que naquela conclusão indica, na consideração de que o teriam de ter sido, mas, cuja apreciação se mostra prejudicada, não só pelo que se deu como provado no já referido facto K), como pelo que decorre do facto O), oficiosamente, aditado nesta sede, de onde consta que, em 04/10/2019 foi dada alta definitiva ao A. da consulta externa de queimados do CH ....
Deste modo, quanto àqueles factos que impugna na conclusão 2ª, há apenas que analisar se o Tribunal “a quo” errou o julgamento quanto ao último facto, defendendo o recorrente que, terá também de se dar como provado que: “O A teve conhecimento da alta hospitalar no dia 04/10/2019”, em seu entender, “comprovado documentalmente” e segundo alega dado, “o relatório clínico emitido pelo CH ..., E.P.E. a 05/04/2022 e junto aos autos a 12/04/2022,” e o “relatório elaborado pelo Gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 02/06/2022”, prosseguindo, alegando que, (a par da prova documental junta, o próprio Autor confessa ter conhecimento daquela data como a data em que teve conhecimento da consolidação médico legal das lesões, ou da alta (vide artigo 19.º da douta P.I.) “(...) desde 4 de Outubro de 2019, data em que lhe foi atribuída alta clínica.”.
Por o aceitar e confessar ter tido conhecimento daquela comunicação, calcula as quantias que reclama, considerando aquela data: (…).
Por fim, ainda que se possa questionar se o A. teve conhecimento da alta, importa transcrever as declarações que o A. prestou a este propósito: Depoimento do A. BB - declarações essas que foram gravadas no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal, que tiveram início no dia 15/10/2024 pelas 14:44 e terminaram pelas 15:35 - em particular entre o minuto 31’30’’ e 39’00’’), terminando com a alegação de que, “Destas declarações resulta sem margem para qualquer dúvida que o A. foi informado da alta hospitalar em 04/10/2019”.
Mas não tem razão.
Sem dúvida, as provas produzidas nos autos não permitem esclarecer se o A. teve conhecimento da alta, nem resulta das suas declarações que tenha sido informado da alta hospitalar em 04/10/2019. Adiantando-se, desde já, que o relatório clínico emitido pelo CH ..., não tem a virtualidade de demonstrar a comunicação da alta clínica, com os efeitos que pretende fazer crer o apelante.
Apreciando as provas produzidas nos autos, reiteramos que, a impugnação deduzida quanto àquele, não pode de todo proceder, dado que o recorrente pretende que seja ele dado como provado, sob a alegação, que não subscrevemos, de que, “não fez o Tribunal “a quo” um correcto julgamento, …” e que, resulta das declarações do A./sinistrado, “sem margem para qualquer dúvida que o A. foi informado da alta hospitalar em 04/10/2019”.
Como já dissemos, do recorrente discorda o recorrido, como bem refere na sua resposta àquelas alegações, refutando a existência de qualquer erro de julgamento no que toca às provas produzidas nos autos, em concreto, quanto àquelas que o apelante indica e aos precisos factos que impugna, convicção e entendimento a que aderiu o Mº Pº, nos termos do parecer proferido nos autos e que subscrevemos.
Pois, analisando este concreto facto, o que se verifica é que, pese embora, o recorrente observar cabalmente os ónus que recaem sobre quem impugna a decisão da matéria de facto, impondo-se, portando, o reexame do mesmo, o certo é que se verifica que, o mesmo, limita-se a expressar uma diversa convicção daquela que firmou o Tribunal “a quo”, devidamente fundamentada na motivação supra transcrita.
O que se discute é se o A. teve ou não conhecimento da sua alta clínica e, na afirmativa, se tal aconteceu em 04/10/2019. E, ao contrário do que defende o recorrente, a nossa convicção é que não teve. Tal não se encontra comprovado documentalmente, já que não o demonstra o relatório clínico emitido pelo CH ..., E.P.E. a 05/04/2022 e junto aos autos a 12/04/2022, nem o “relatório elaborado pelo Gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 02/06/2022. Destes, como consta dos factos dados como provados em K) e O), apenas, decorre que a data de consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo A. foi fixada em 04/10/2019 e que, na mesma data, foi-lhe dada alta definitiva da consulta externa de queimados do CH .... Se o A. teve conhecimento, nessa data, que lhe foi dada alta, por cura clínica, não o demonstram aqueles, nem o mesmo é confessado pelo A., na sua p.i., devido ao modo como formula e calcula os seus pedidos, ou decorre do depoimento que prestou em audiência, em concreto, não o demonstra o trecho daquele que o apelante transcreve e identifica.
Como bem o refere a Mª Juíza “a quo” e tivemos a oportunidade de ouvir, questionado sobre o que lhe foi dito no CH ..., o A., apenas, disse que lhe foi dito que tinha de fazer exames de 6 em 6 meses, aplicar creme e sendo necessário, marcar nova consulta, o que, não podemos deixar de concordar, como bem o refere aquela, “evidencia que o A. não tinha noção da fixação, nesse momento, da data de cura clínica das sequelas resultantes do acidente.”. Assim, não se convenceu a Mª Juíza “a quo” que o A. teve conhecimento naquela data da sua alta clínica e, sempre com o devido respeito, não nos convencemos nós.
Razão, porque há que julgar, improcedente a impugnação quanto ao facto de que, “O A. teve conhecimento da alta hospitalar no dia 04/10/2019” e, em consequência, no que se refere aos factos impugnados, identificados na conclusão 2ª, mantém-se inalterada a factualidade dada por assente, no Tribunal “a quo” e supra transcrita, à excepção, da alteração, decorrente do aditamento da al. O) a que se procedeu, nesta sede.
Porque, a factualidade acabada de referir está directamente ligada ao segmento da apelação, referente à invocada caducidade do direito de acção que a proceder, como defende o apelante, leva à improcedência da acção, importa que de imediato se proceda à sua apreciação.
*
Passemos, então, para a questão de saber se, o Tribunal “a quo” errou na decisão de direito, por concluir que não se verifica a invocada caducidade do direito de acção
Comecemos por ver a fundamentação da sentença recorrida, em que a Mª Juíza “a quo”, em síntese, decidiu o seguinte: «(…).
Alegou a R., em sede de contestação, que se verifica a caducidade do direito de acção do A., uma vez que a data de consolidação médico-legal das sequelas ocorreu a 04/10/2019 e o A. apenas participou o acidente em 17/02/2022.
(…), o legislador passou a exigir, para início da contagem do prazo de caducidade, que a alta clínica seja formalmente comunicada ao sinistrado, precisamente para proteger o sinistrado.
(…).
No caso em apreço, não ficou demonstrada a comunicação formal ao A. da alta clínica nos termos exigidos pelo artigo 35º do RJAT, pelo médico assistente no CH ... em 04/10/2019, mas apenas a comunicação de alta hospitalar de consulta de queimados, o que é manifestamente insuficiente para se considerar verificado o início de contagem do prazo de caducidade em tal data. Aliás, nem tal foi alegado pelo R. nos presentes autos.
Sendo que, pela fundamentação constante dos arestos citados e supra exposta, com a qual se concorda, considera-se que não se verifica no caso em apreço a caducidade do direito de acção alegada pela R., que assim se julga improcedente.». (fim de citação) (sublinhados nossos).
Desta, discorda o apelante, como refere nas suas conclusões e alegações, defendendo a procedência da excepção da caducidade, por si invocada, nas últimas, referindo o seguinte: “6.ª- Concluiu por via disso o recorrente que, provado que o recorrido teve conhecimento da alta clínica a 04/10/2019, foi nesse dia que começou a contar o prazo de caducidade para participar o presente sinistro; 7.ª- Pelo que, participado o sinistro objecto dos presentes autos a 17/02/2022, já há muito se mostrava caducado o direito do recorrido,…”.
Que dizer?
Desde logo, que o recorrente não tem razão, adiantando, só podemos concordar com a decisão recorrida, onde com fundamentação que subscrevemos, se explicou porque os factos não permitem afirmar que se verifica, no caso, a caducidade do direito de acção invocada pelo Réu.
Acrescendo, como se verifica, daquele trecho da sua alegação, que o concluído pelo apelante estava dependente da alteração da decisão quanto à matéria de facto o que, em concreto, não aconteceu, sendo que, mesmo a acontecer e, aquela alterada, nos termos peticionados, sempre se mostraria irrelevante, como a seguir será explicado, já que não permitia formular a conclusão de que foi no dia 04/10/2019 que começou a contar o prazo de caducidade para participar o sinistro em apreciação, ao contrário do que alega o apelante.
Como naquela se decidiu, não se tendo apurado nos autos que ao A. foi comunicada formalmente a data da sua alta clínica, aliás nem está demonstrada a comunicação da alta clínica ou que tenha o A. tido conhecimento da sua situação clínica, em data anterior à realização do exame pelo GML, não se pode ter por verificada, no caso, a invocada caducidade do direito de acção.
O entendimento propugnado pelo recorrente carece não só do necessário suporte fáctico, mas também de fundamento legal.
Senão, vejamos.
Sem discussão, temos que em dia 17 de Fevereiro de 2022, o A. deu início aos presentes autos, através da participação de um acidente por si sofrido em 25 de Junho de 2019, logo, o regime jurídico a atender é o que decorre da Lei nº 98/2009, de 4/09 (a seguir designada LAT), cfr. decorre do seu art. 188º.
Mais se provou que, a data de consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo A. foi fixada em 04/10/2019 e que, com a mesma data, foi-lhe dada alta definitiva da consulta externa de queimados do CH ..., como decorre dos factos dados como provados em K) e O).
Como se verifica da decisão recorrida, para efeitos da apreciação da excepção da caducidade do direito de acção, a Mª Juíza “a quo” desconsiderou o relatório clínico emitido por aquele CH ..., para demonstrar a comunicação que, formalmente, se exige seja feita ao A. da alta clínica, considerando-o manifestamente insuficiente para se considerar verificado o início de contagem do prazo de caducidade em tal data, contrariamente, ao que é o entendimento do apelante, como conclui. Mas, reiterando o necessário respeito, sem razão.
Concordamos que aquele não reveste a formalidade legalmente exigida para que se considere que foi comunicada a situação de alta com a virtualidade de iniciar o prazo de caducidade para intentar acções, como é o caso, processo para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, que cfr. decorre dos art.s 26º, nº 4 e 99º, nº 1 do CPT, se inicia com a participação do acidente nos serviços do Ministério Público.
O art. 179º, nº1, da LAT, sob a epígrafe “Caducidade e prescrição” dispõe que, “O direito de ação respeitante às prestações fixadas na presente lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta”.
E o art. 35º da mesma Lei, sob a epígrafe, “Boletins de exame e alta”, prescreve:
“1 - No começo do tratamento do sinistrado, o médico assistente emite um boletim de exame, em que descreve as doenças ou lesões que lhe encontrar e a sintomatologia apresentada com descrição pormenorizada das lesões referidas pelo mesmo como resultantes do acidente.
2 - No final do tratamento do sinistrado, quer por este se encontrar curado ou em condições de trabalhar quer por qualquer outro motivo, o médico assistente emite um boletim de alta clínica, em que declare a causa da cessação do tratamento e o grau de incapacidade permanente ou temporária, bem como as razões justificativas das suas conclusões.
3 - Entende-se por alta clínica a situação em que a lesão desapareceu totalmente ou se apresenta como insusceptível de modificação com terapêutica adequada.
4 - O boletim de exame é emitido em triplicado e o de alta em duplicado.”.
Do mesmo diploma legal, o art. 175º sob a epígrafe, “Formulários obrigatórios”, dispõe: “1 - As participações, os boletins de exame e alta e os outros formulários referidos nesta lei, que podem ser impressos por meios informáticos, obedecem aos modelos aprovados oficialmente.
2 - O não cumprimento do disposto no número anterior equivale à falta de tais documentos, podendo ainda o tribunal ordenar a sua substituição.”.
A respeito do formalismo, em causa e entrega dos “Boletins de exame e alta”, lê-se em (Carlos Alegre in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª edição, págs. 214 e 215) o seguinte: “2. Os aludidos boletins (de exame e de alta) são passados em vários exemplares - os de exame, em triplicado; os de alta, em duplicado - cujos destinos dependem da qualidade das entidades responsáveis:
a) se a entidade responsável é uma seguradora ou alguma das mencionadas no artigo 59.º,
- dos boletins de exame (emitidos em triplicado) são entregues,
- dois à entidade responsável (patronal ou seguradora), que fará chegar um deles a tribunal, quando,
- haja de se proceder a exame médico,
- o tribunal o requisite,
- tenha que acompanhar a participação do acidente,
- o terceiro exemplar é entregue directamente ao sinistrado.
- dos boletins de alta (emitidos pelo médico assistente em duplicado) são por este entregues
- um à entidade responsável, que, por seu turno, o fará chegar a tribunal, nos casos acima referidos
- o segundo exemplar ao sinistrado. Este boletim é, quanto a nós, o único documento suficientemente capaz de fazer prova de que a alta clínica foi formalmente comunicada ao sinistrado, para os efeitos do disposto no artigo 32.º da Lei-n.º 100/97, (caducidade do direito de acção)”.
Ora, transposto o que antecede para o caso e observando aquele referido relatório clínico emitido pelo CH ..., não podem suscitar-se dúvidas que não configura ele qualquer boletim de alta, em modelo oficialmente aprovado, nem o mesmo foi formalmente entregue ao sinistrado, aliás, como já referido, nem tal foi alegado pelo apelante. O referido art. 35º da LAT distingue claramente entre boletim de alta e boletim de exame e, pese embora, daquele conste a data em que o sinistrado teve a alta definitiva da consulta externa de queimados daquele Hospital, 04/10/2019, a mesma data que, se provou, foi fixada como de consolidação médico-legal das lesões sofridas por aquele, a referência à alta, não é apta a desencadear as consequências relativas à caducidade, como bem se considerou na decisão recorrida, desde logo, também, pela referência clara que o art. 179º, da mesma Lei, faz à alta formalmente comunicada, o que o apelante, pese embora, ser seu ónus, nos termos do disposto no art. 342º, nº 2 do CC, não logrou alegar e muito menos provou.
Este é o entendimento seguido a nível jurisprudencial, nomeadamente, desta secção, lendo-se no sumário do (Ac. de 14.07.2021, Proc. nº3266/19.9T8MAI-B.P1, relator, o agora, Conselheiro Domingos Morais) que “I. - A data da cura clínica, isoladamente considerada, nada releva para o início da contagem do prazo de um ano, previsto no artigo 179.º da LAT.
III. – Tal prazo de caducidade só começa a contar a partir da entrega formal ao sinistrado do boletim de alta, em modelo oficialmente aprovado, e cuja prova cabe à entidade responsável pelo acidente de trabalho.”. Entendimento seguido, no (Ac. de 03.10.2022, Proc. nº1400/13.1TTPRT.P1, relatado e subscrito, pelos Ex.mos Adjuntos nestes autos), em cujo sumário, se assentou “II - ‘(…) - A participação do acidente de trabalho é o ato impeditivo de caducidade do direito de ação.
(…) - A data da cura clínica, isoladamente considerada, nada releva para o início da contagem do prazo de um ano, previsto no artigo 179.º da LAT.
(…) - Tal prazo de caducidade só começa a contar a partir da entrega formal ao sinistrado do boletim de alta, em modelo oficialmente aprovado, e cuja prova cabe à entidade responsável pelo acidente de trabalho.’”. E bem recente no (Ac. de 02.06.2025, Proc. nº19729/24.1T8PRT.P1, relatado pelo Desembargador António Costa Gomes e subscrito pelos Ex.mos Adjuntos, aqui, também Adjuntos), lendo-se no sumário deste, que “À ação declarativa de condenação em processo especial emergente de doença profissional aplica-se o prazo de caducidade de um ano previsto art.º 179.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009.A contagem do prazo tem início com a entrega formal ao trabalhador do boletim de alta, em modelo oficialmente aprovado.”.
Ainda, em idêntico sentido, veja-se o sumário do (Ac. do TRL de 27.03.2019, Proc. nº 21401/16.7T8LSB.L1-4, relatora Desembargadora Manuela Fialho) onde se lê: “2– O prazo de caducidade do direito de ação pelos danos emergentes de acidente de trabalho só se inicia com a comunicação formal da alta clínica ao sinistrado.
3– A entrega de um boletim de exame ou de acompanhamento médico, ainda que dele conste a referência à alta, não é apta a desencadear as consequências relativas à caducidade.”, e bem recente, o (Ac. do TRL de 26.03.2025, Proc. nº 20284/22.2T8SNT-A.L1-4, relatora Desembargadora Maria José Costa Pinto) em cujo sumário se lê: “I – No âmbito dos acidentes de trabalho de que não resulte a morte, a comunicação da alta clínica, cumprindo os requisitos fixados na lei, é um acto formal sem o qual não se inicia o prazo de caducidade do direito de acção respeitante às prestações fixadas LAT de que é titular o sinistrado.”.
Face ao que se deixa exposto, só podemos concluir que a decisão recorrida no que a esta questão respeita, não merece censura e não se vislumbra, a este propósito, a violação de qualquer dispositivo legal, em concreto, aqueles art.s 35º e 179º da LAT, contrariamente ao que defende o apelante.
Improcedem, assim, as conclusões 1ª a 7ª da apelação.
*
Continuemos, então, com a apreciação da impugnação quanto à decisão de facto.
Agora, quanto aos factos relacionados com a questão que o recorrente invoca da inexistência de um contrato de trabalho, discordando do decidido na decisão recorrida, por ter concluído o contrário, desde logo, invocando a sua discordância quanto à decisão sobre a matéria de facto.
Alega não concordar com os factos dados como provados nas al.s E), F), G) e H), defendendo que devem aqueles alterar-se e serem dados como provados com o teor que indica na conclusão 9ª da sua alegação.
Prosseguindo na conclusão 10ª que, “Mais se teriam de dar como provados os seguintes factos, que o Tribunal deu como não provados”, nos pontos 8), 9), 11), 12) e 13), alegadamente, por ser “o que resulta dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, em particular nos trechos …”, que identifica na conclusão 11ª.
Ou seja, alega o apelante que, atento o que resulta dos, “Depoimento do A. BB, em particular os minutos 40’00’’ e os minutos 42’50’’. Depoimento do R. AA, em particular os minutos 01’25’’ a 05’00’; 19’30’’ a 23’45’’. Depoimento da testemunha DD, em particular os minutos 11’00’ a 17’00’’. Depoimento da testemunha EE, em particular os minutos 02’20 a 6’50’’ e 7’30 a 10’00’. Depoimento da testemunha GG, em particular os minutos 02’00’ a 05’00’. Depoimento da testemunha HH, em particular os minutos 01’50’’ a 05’00’’” e, ainda, quanto ao facto G), o que resulta dos, “Depoimento do R. AA, em particular os minutos 01’25’’ a 05’00’; 19’30’’ a 23’45’’. Depoimento da testemunha DD, em particular os minutos 11’00’ a 17’00’’. Depoimento da testemunha FF, em particular nos minutos 14’50’’ a 17’35’’”, não fez o Tribunal “a quo” um correcto julgamento daquela matéria de facto, por não ter decidido, nos termos que indica, respectivamente, alterando a redacção daqueles factos dados como provados e dando como provados, os dados como não provados que impugna.
Vejamos, então.
Começando por analisar, se os factos dados por provados constantes das al.s E), F), G) e H) devem ser alterados, como o apelante defende, para o seguinte teor: “E) À data do acidente o A. exercia as funções de trabalhador agrícola, numa vinha de uma quinta sita em ..., cumprindo as ordens da proprietária daquela propriedade, no horário de trabalho por aquela determinado, entre as 08h00 e as 17h00, com intervalo para almoço das 13h00 às 14h00, mediante a retribuição diária de € 40,00;
F) No dia do acidente o A. aplicou sulfato nas vinhas, no âmbito das funções de trabalhador agrícola;
G) O R., após o A. ter desenvolvido tarefas nas vinhas, pediu ao A. que o fosse auxiliar na edificação de uma placa de uma casa em construção sita em Campo ..., ..., ..., ..., Vila Real;
H) O acidente ocorreu pelas 17.30 horas quando o A. se encontrava a armar ferro;”, quanto à al. G), ainda para: “G) O A., após ter desenvolvido tarefas na vinha, foi auxiliar o R. na edificação de uma placa de uma casa em construção sita em Campo ..., ..., ..., ..., Vila Real”.
Sendo que, antes de mais, em rigor, tendo em conta a alegação e as conclusões do recorrente, importa que se diga, quanto à decisão diversa da recorrida que, em seu entender, devia ser proferida quanto à al. G), sempre seria de rejeitar a impugnação deduzida quanto a ela. Pois, o que daquelas (conclusões 9ª e 15ª) decorre, não permite concluir pelo cumprimento do ónus a que alude a al. c) do nº 1, do art. 640. Ou seja, a indicação de duas pretensões, não é com rigor a especificação da decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida.
Mas, quer quanto a este facto, quer quanto aos demais, como bem nota o recorrido, há que dizer que, não diz o recorrente que se trate de matéria alegada e não se alcança que o tenha sido, afigurando-se-nos que, o que aquele pretende pela via do recurso é trazer aos autos novos factos, agora que a decisão lhe foi desfavorável, como modo de suprir a falta apontada na sentença recorrida de que, «Considera-se, assim, que opera a presunção de laboralidade prevista no artigo 12º do CT, não ilidida pelo R., pelo que se conclui pela existência da relação laboral invocada na petição inicial.».
A redacção que, o apelante pretende, seja dada àqueles não se vislumbra que tenha sido alegada o que, agora, se revela extemporâneo na medida em que os recursos não visam suprir faltas de alegação em articulados.
Pelo que, a consideração desta factualidade só poderia ter lugar fazendo apelo ao disposto no art. 72º do CPT, não se verificando que tal tenha sido feito, mecanismo previsto no processo laboral, tendente a tomar em consideração na sentença factos essenciais tidos por relevantes para a boa decisão da causa que, embora não articulados, surjam no decurso da produção da prova.
Na verdade, como bem se verifica, o Tribunal “a quo” considerou aqueles factos como essenciais, e no caso de factos essenciais que não tenham sido alegados impõem-se que os mesmos sejam debatidos em julgamento, conforme art. 72º do CPT, o qual dispõe: “1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz, na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas da prova enunciados no despacho mencionado no artigo 596.º do Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão.
2 - Se os temas da prova forem ampliados nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respetivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.”
A este propósito, sobre factos essenciais e instrumentais e sobre a distinção entre factos essenciais (principais e complementares) e instrumentais, vejam-se, entre outros, respectivamente, (José Lebre de Freitas, in “Introdução ao Processo Civil – Conceitos e Princípios Gerais à luz do CPC de 2013”, 5ª ed., 2023, pág.s 174 e 181 e o Acórdão desta Relação e Secção de 31.03.2020, Proc. nº 1372/19.9T8VFR-A.P1).
Face ao exposto, a consideração daquela matéria só poderia ter lugar por apelo ao disposto naquele art. 72°, mas, apesar do disposto pelo seu nº 1, não tendo o mecanismo aí previsto sido utilizado no Tribunal “a quo”, não pode este Tribunal “ad quem” aditar factos não alegados pelas partes.
Não tendo o Tribunal da 1ª instância feito uso do poder/dever previsto no referido artº 72º, também o Tribunal da Relação, em sede de recurso da sentença final, não pode pronunciar-se sobre os mesmos, como se tais factos tivessem sido alegados pelas partes. Pois, atento o disposto no nº 1 do art. 662º, a decisão sobre a matéria de facto, pela Relação, só deve ser alterada se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, ou seja, a decisão a alterar tem de respeitar a factos adquiridos, quer sejam provados ou não provados ou alegados e não a outros que sejam percecionados através da audição dos registos das provas produzidas.
Sendo que, a mesma conclusão se deve retirar atento o disposto no art. 5º, nº 2, al. b). Pois, a ampliação da matéria de facto em sede de recurso tem sempre como limite a factualidade alegada no momento e meio processuais próprios, face ao disposto pelo nº2, al. c), daquele referido art. 662º, ou seja, aquela ampliação tem por limite a factualidade tempestivamente alegada pelas partes, não constituindo um mecanismo sucedâneo do art. 5º, nº 2, al. b), conforme neste sentido, vejam-se os (Ac.s desta Relação de 30.10.2023, Proc. nº 3486/21.6T8PNF.P1, relator Desembargador Nelson Fernandes e de 10.07.2025, Proc. nº 6593/22.4T8MAI.P1, relatado pela, agora, relatora e subscrito pelo, agora, 1º Adjunto).
Como bem diz o recorrido, se determinados pontos não foram alegados pelas partes, nem constam do elenco dos factos provados e não provados constantes da sentença da primeira instância, eles são insuscetíveis de constituir o objeto de impugnação da decisão de facto dirigida a aditá-los à factualidade provada, ou alterá-la como, no caso, pretende o Recorrente.
Assim, sem necessidade de outras considerações improcede o recurso nesta parte, mantendo-se inalterada a factualidade constante daquelas al.s E), F), G) e H).
*
Passemos, então, à apreciação, dos factos dados como não provados em 8), 9), 11), 12) e 13), que como referido supra e decorre da alegação e conclusão 10ª o apelante considera teriam de se dar como provados, atento o que resulta dos depoimentos das testemunhas que identifica na conclusão 11ª.
Verificando-se, assim, que o apelante cumpriu, satisfatoriamente o ónus, que lhe incumbe, indicando os meios probatórios e as passagens relevantes, para que se proceda à requerida reapreciação da matéria de facto, há que analisar se deveria ter-se dado como provado o seguinte: “8) O A. e o R. foram ambos contratados por uma Srª CC para executarem os trabalhos agrícolas indicados em E) dos factos provados, numa quinta de que aquela senhora é proprietária;
9) No que utilizaram os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à Srª CC;
11) Funções estas pelas quais a Srª CC pagou, 40 euros pelo dia de trabalho, tanto ao A. como ao R.;
12) O R., por residir na mesma localidade, acedeu dar boleia ao A. nos dias que se encontravam a trabalhar para a Srª CC;
13) O indicado em N) dos factos provados foi o que sucedeu no dia do acidente;”.
Factualidade que, a Mª Juíza não deu como provada, fundamentando a sua decisão, em concreto quanto àqueles pontos, da seguinte forma: “Não se deram como provados os pontos 8) a 11) face à fundamentação já descrita quanto aos pontos E) a H) e, no que se refere aos equipamentos e instrumentos de trabalho, resultou do depoimento do A. que usavam sempre a autobomba, pistolas de sulfatar e bidão do R., incluindo na quinta da CC, sendo que DD afirmou que tanto o sulfato como o equipamento necessário (bidões, autobomba ou atomizador, não conseguindo recordar-se qual destes dois em concreto usaram no dia em causa) era do R., que já estavam na carrinha quando pegou nela para ir para a quinta, que os transportaram na carrinha para a quinta e depois os trouxeram de volta, tendo-os descarregado no terreno da casa que o R. estava a construir. Face a estes depoimentos, não se considerou credível o depoimento do R., no sentido de os materiais serem fornecidos pela CC, pois caso assim fosse, não teriam sido transportados do terreno do R. (ou onde ele estava a construir a casa) pelo DD. Aliás, o próprio R. afirmou que usava o armazém ao lado dessa casa para guardar todo relacionado com agricultura, nomeadamente material para pulverizar e sulfatar, o que acaba por conferir credibilidade à versão apresentada pelo A. e a testemunha referida.
Não se demonstrou o ponto 12) na medida em que não ficou provada a intenção do R. ao transportar o A..
O ponto 13) não se provou em virtude de ter sido demonstrado que na data em causa foi a testemunha DD quem transportou o A., embora em veículo do R.”.
Apreciando.
Após análise dos depoimentos prestados na audiência final, o que constatamos é que a sentença recorrida, sintetizou os aspetos relevantes da prova oral, não se vislumbrando novos elementos a acrescentar à motivação apresentada pela Mª Juíza “a quo”.
A audição, na íntegra das declarações das partes (A. e R.) e dos depoimentos das testemunhas, prestados em audiência, permitiu-nos verificar que, aquela decisão não só se encontra devidamente fundamentada, não merecendo qualquer censura, como verificar que foi proferida após a análise criteriosa e minuciosa que foi efectuada das provas apresentadas e produzidas nos autos.
Com efeito, existem elementos claros para concluir que os factos alegados pelo apelante, nos art.s 20, 21, 22 e 24 a 26 da sua contestação (e que correspondem àqueles factos 8), 9), 11), 12) e 13) dados como não provados) não foram provados, ao contrário do que o mesmo pretende fazer crer.
Consequentemente, só podemos concluir que a versão dos factos apresentada em juízo e dada como não provada naqueles pontos, não encontra amparo, nos depoimentos das partes e das testemunhas acima identificadas, as mesmas que fundamentaram a convicção positiva quanto à factualidade constante das al.s E) a H) que não mereceram reparo nesta sede. Verificando-se que, a versão do apelante, constante dos referidos pontos 8) e 11), é directamente negada pelo que se deu como provado nas referidas al.s E) e F). Acrescendo que, os concretos minutos, dos depoimentos das partes e das testemunhas que o apelante indica, sob a afirmação de que deles resulta o por si alegado, não tiveram essa virtualidade. Desse modo, não convenceram a Mª Juíza “a quo” e não nos convenceram a nós.
O mesmo se diga, em concreto quanto ao ponto 9), no que se refere aos equipamentos e instrumentos de trabalho, usados pelo A., àquela data, não se nos suscitando dúvidas face ao que resultou do seu depoimento e do depoimento da testemunha DD, que os mesmos eram do R.. Subscrevendo-se, atenta a credibilidade daqueles, a convicção da Mª Juíza “a quo” quando afasta a credibilidade do depoimento do R., quando diz, serem aqueles fornecidos pela alegada, dona da quinta referida na al. E). Como bem diz aquela, “pois caso assim fosse, não teriam sido transportados do terreno do R. (ou onde ele estava a construir a casa) pelo DD. Aliás, o próprio R. afirmou que usava o armazém ao lado dessa casa para guardar todo relacionado com agricultura, nomeadamente material para pulverizar e sulfatar, o que acaba por conferir credibilidade à versão apresentada pelo A. e a testemunha referida.”. Credibilidade que não foi posta em causa, de modo nenhum, nem pelo que foi dito pelo R., nem pelas demais testemunhas, especificamente, o EE, GG e HH, que não revelaram qualquer conhecimento de modo a convencer, sobre a versão que o apelante trouxe aos autos, em concreto, a respeito da natureza da relação existente entre ele e o A., ou seja, não tiveram eles a virtualidade de convencer quanto àqueles factos que, por isso, bem foram dados como não provados. O mesmo acontecendo, quanto aos pontos 12) e 13).
Salvaguardando o devido respeito, as partes dos depoimentos indicados pelo apelante, não têm a virtualidade de convencer de modo diverso, ou seja, não servem como fundamento para a pretensão do mesmo, ao contrário, do que ele considera.
Donde dizermos, que não tem razão.
Além de que, da análise que fizemos, o que se constata é que, o recorrente está a pôr em causa a convicção do Tribunal “a quo”, mas, fazendo apelo, apenas, a parte dos mesmos meios de prova que são referidos na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto quanto àqueles pontos que impugna.
Mas, como dizem, (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 436), para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida”.
Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica.
Já, (Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil Coimbra Editora, Coimbra, 1979, pág. 191), dava como definição de “Meio de Prova (instrumento ou fonte de prova”. É todo o elemento (quid) sensível, através do qual, mediante actividade perceptiva ou simplesmente indutiva, o juiz pode, segundo a lei, formar a sua convicção acerca dos factos (afirmações de facto) da causa.”.
Ora, como resulta claramente da fundamentação, o Tribunal “a quo” entendeu que a prova produzida, em concreto, aquelas que refere, não só não permitiram dar como provados aqueles pontos impugnados, dados como não provados, ou seja, aquela não foi suficiente para criar no espírito da julgadora um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto, quanto àqueles, como não lograram infirmar a convicção firmada quanto aos factos dados como provados que, no essencial, demonstram uma versão diversa da que se pretendia provar através daqueles.
Ao contrário do que defende o apelante, em nosso entender, só podemos reiterar que o Tribunal “a quo” fundamentou e bem a decisão de facto quanto aos factos não provados que se mostram impugnados, todos, no sentido em que foram decididos.
Acrescendo, ainda que bem analisando o que se verifica é que, não aponta o apelante qualquer erro na apreciação das provas que foram produzidas nos autos (todas elas, provas sujeitas à livre apreciação do julgador), limitando-se a dizer que o Tribunal “a quo” ao não decidir, como alega, não fez um correcto julgamento o que, sem dúvida, revela que, do que o mesmo discorda, é da convicção que a Mª Juíza “a quo” firmou, o que não é fundamento bastante para que se altere a decisão de facto. É, manifesto que o recorrente não fundamenta a sua pretensão, noutro argumento que não seja a sua própria convicção, diversa da que firmou a Mª Juíza “a quo” e diversa, sem dúvida, da nossa.
Pois, em nossa convicção, ao contrário do que o R. sustenta, a prova que indica e alega não convence de modo diferente do que foi o entendimento da Mª Juíza “a quo”.
Sem dúvida, o que este Tribunal apreciou e leu, em particular, os meios de prova que o recorrente considera, não se revela credível de modo a firmar em nós a sua alegada convicção ou firmar convicção diversa da que consta da decisão recorrida. Coincidindo, a nossa convicção, com a que a Mª Juíza “a quo” transcreveu na motivação da decisão de facto (que, diga-se, revela a análise crítica e apreciação das provas, que se lhe impunha, nos termos prescritos, no art. 607º, nº 4, do CPC), e não com a apreciação que consta do recurso, razão porque, sem dúvida, não ocorrem motivos para que se alterassem os factos impugnados pelo recorrente. Nem se vislumbra qualquer violação das regras probatórias, designadamente, do art. 342º do CC, como refere.
Cremos, assim, face à reapreciação efectuada que, a pretensão do recorrente não tem acolhimento, já que é nossa convicção que não tem a impugnação deduzida, como dito, outro fundamento que não fosse a sua própria convicção, evidentemente, diversa da que foi a livre convicção da Mª Juíza julgadora e é a nossa.
Em suma, a não comprovação dos pontos 8), 9), 11), 12) e 13) dos factos não provados significa que não foi possível obter prova suficiente, cabal e credível para confirmar a sua veracidade. Adicionalmente, esses factos contradiriam o que foi provado nas al.s E) a H), que não foram alterados, como peticionado pelo recorrente.
Deste modo, mantém-se inalterada e definitivamente assente, a factualidade dada como provada e não provada pela 1ª instância, supra transcrita, com relevo para a questão que, há que apreciar de seguida, sobre a existência ou não de relação de trabalho subordinado entre Autor e Réu.
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Assim, aqui chegados, fixada que está, definitivamente, a matéria de facto provada, precisamente nos termos considerados na decisão recorrida e supra transcritos, improcedem, também, sem necessidade de outras considerações, as considerações tecidas quanto àquela decisão de direito, já que como decorre da alegação e conclusões do recorrente (vejam-se conclusões 13ª e 14ª, onde diz: “Alterada, nos termos expostos, a matéria de facto dada como provada, ter-se-á de concluir de que não existia, entre A. e R., qualquer contrato de trabalho subordinado e, em consequência disso, teria de determinar a improcedência da presente acção; 14.ª- O facto do A. trabalhar para “quem quer que o chamasse” comprova a inexistência de subordinação jurídica, facto que elide a presunção prevista no art.º 12.º do Código do Trabalho…”) a análise da questão colocada pelo mesmo, no que toca à decisão de direito, tinha como premissa a confirmação, por este Tribunal, da conclusão expressa de que deveriam ser alterados os pontos de facto impugnados, fruto da alegada incorrecta apreciação da prova produzida nos autos, com a consequente alteração da factualidade dada como provada pelo Tribunal “a quo”, o que não aconteceu.
Pese embora isso, diga-se, apenas, que face à factualidade que se apurou nos presentes autos e que ficou, definitivamente, assente, nesta sede, a conclusão a retirar, feita a subsunção jurídica daquela factualidade, é que a decisão recorrida, não merece qualquer censura, sendo de elogiar, o modo ponderado e fundamentado como a Mª Juíza “a quo”, abordou a questão colocada, além do acerto com que o fez, por isso, só podemos subscrever aquela, não tendo os argumentos, reiterados pelo recorrente, em sede de recurso, qualquer virtualidade para que seja revogada a decisão recorrida, como pretende, desde logo, sob a invocação de factualidade não provada nos autos.
Consequentemente, sem necessidade de outras considerações, improcedem as conclusões 8ª a 19ª do recurso e confirma-se a decisão, na medida em concluiu pela existência da relação laboral invocada na petição inicial.
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Passemos, agora, às questões de saber se entre A. e R. foi celebrado um contrato de trabalho agrícola de muita curta duração e por isso só poderá o R. ser responsável pela remuneração devida por esse dia de trabalho ou, então, se deveria o presente acidente ser reconduzido ao regime jurídico do art. 16º, nº 1, da LAT, como o apelante defende.
Fundamenta o mesmo as questões que antecedem alegando e concluindo, “Sem prescindir,” o seguinte: “Atenta a natureza do contrato celebrado entre A. e R., está o mesmo sujeito à previsão do artigo 142.º do CT, bem como a PRT para a agricultura publicada no BTE nº 21, de 08.06.1979; Isto é, trata-se de um contrato de trabalho com regime especial, em particular de um contrato de trabalho agrícola de muita curta duração - de um dia; Quer os contratos de muito curta duração, quer os contratos de contratos para a execução de trabalho sazonal ou eventual regulados especificamente pela P.R.T. para a agricultura, de 8-06-79, não necessitam, para a sua validade, de serem reduzidos a escrito - o que afasta a presunção do art.º 153.º do CT; Acresce que os contratos para a execução de trabalho sazonal ou eventual regulados especificamente pela P.R.T. para a agricultura, de 8-06-79, cessam por caducidade, por conclusão do trabalho sazonal ou das necessidades justificativas desse trabalho; Resulta dos autos que o recorrido foi contratado para um trabalho específico, o de sulfatar uma vinha, que se iniciou e terminou no mesmo dia 25/06/2019, o que determina, tivesse o recorrente contratado seguro de acidentes de trabalho só teria transferido para a companhia de seguros o dia contratado;
Assim também o recorrente só poderá ser responsável por esse dia em concreto e não pelos 313 dias úteis do ano, conforme sentença proferida pelo Tribunal recorrido;
Por fim, sem prescindir,
Considerando que o acidente se dá na execução de uma tarefa ocasional, de curta duração, em actividade que não tinha por objecto qualquer tipo de exploração lucrativa, sempre deveria o presente acidente, se qualificado de acidente de trabalho, ser reconduzido ao regime jurídico do n.º 1 do art.º 16.º da LAT; Ou seja, considerando-se que o recorrido apenas prestou um serviço eventual ou ocasional, de curta duração a recorrente, em actividade(s) que não implicam para este qualquer tipo de “exploração lucrativa”, não existe sequer a obrigação de reparar o acidente ocorrido”.
Na resposta ao recurso, alega e conclui o recorrido que, “O Recorrente, na contestação, nega, singelamente, a relação de trabalho, argumentando que é pressuposto da aplicabilidade da Lei 98/2009, de 04/09 a existência de uma relação laboral, que como dito, e na versão que ensaiou, inexistiria. Em sede de alegações de recurso, chama à colação matéria não alegada na contestação. Alega estarmos perante um contrato de trabalho agrícola, de muita curta duração, cujo regime aplicável não é o do citado art.º 153.º do CT mas do artigo 142.º do CT, bem como a PRT para a agricultura publicada no BTE nº 21, de 08.06.1979.
Com isto pretende descaracterizar o sinistro em virtude da inexistência de um, e de contrato de trabalho. Esta é matéria de exceção não alegada na contestação, pelo que se impõe não poder ser conhecida pelo Tribunal ad quem, como pretende o Recorrente, e que não foi conhecida e não poderia ser considerada pelo tribunal ad quo. E se aqui o faz sem prescindir da posição que toma relativamente à inexistência de contrato de trabalho, também o deveria ter feito em contestação, e não o fez. O mesmo valendo para a temática do montante da responsabilidade do recorrente e da exclusão da responsabilidade. Alega agora, e não alegou antes o Recorrente, que se o acidente se dá na execução de uma tarefa ocasional, de curta duração, em atividade que não tinha por objeto qualquer tipo de exploração lucrativa, sempre deveria o presente acidente ser qualificado de acidente de trabalho, mas reconduzido ao regime jurídico do n.º 1 do art.º 16.º da LAT. Alega agora, e não alegou antes o Recorrente que, a propósito da inexistência do requisito “exploração lucrativa”, não foi feita prova de que o mesmo, à data dos factos, obtivesse lucro pela angariação de mão de obra para a execução de trabalhos agrícolas para terceiros. E que não se fez prova de existir “exploração lucrativa” na atividade que se seguiu, de armar ferro numa obra que o recorrido identificou como sendo na casa do recorrente.”.
Concluindo, ainda que, “Os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão, mas não para obter decisões de questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido. As questões novas não podem ser apreciadas por desvirtuarem a finalidade dos recursos, que se destinam a reapreciar questões e não a decidir questões novas.”.
Que dizer?
De imediato, salvaguardando sempre diferente opinião, novamente, a pretensão do apelante não pode ser acolhida.
Pois, como bem diz o recorrido o que se verifica é que, só agora, em sede de recurso, aquele, apresentou tais fundamentos.
Na verdade, o Réu nunca, antes, colocou, na presente acção, à apreciação do Tribunal, as questões supra referidas, quanto à natureza do contrato e sua responsabilidade decorrente daquela e ainda o tipo de tarefa, alegadamente, em causa, justificativa da sua não obrigação de reparar o acidente ocorrido. Mas, pese embora isso, considera que a Mª Juíza “a quo”, ao não ter decidido, sobre aquelas, violou os dispositivos legais que invoca na conclusão 28ª e pugna pela procedência do recurso.
Mas, não tem razão.
Na presente acção, a questão de saber se o A. tinha ou não direito às pensões e prestações peticionadas, dependia de existir ou não uma relação de trabalho entre aquele e o R., no momento em que ocorreu o evento participado o que, este, na contestação veio negar, como bem diz o recorrido “singelamente”, argumentando que é pressuposto da aplicabilidade da Lei 98/2009, de 04/09 a existência de uma relação laboral, que alega inexistia além de, previamente, invocar a caducidade do direito de acção do A.. Verificando-se, assim, que aquela matéria, agora, trazida aos autos em sede de alegações de recurso, não foi alegada na contestação e, consequentemente, aquelas questões não foram suscitadas, junto do Tribunal “a quo”.
Como sabemos, os recursos não se destinam a apreciar “novas” questões, mas antes a reapreciar as questões apreciadas pela 1ª instância, a não ser, as de conhecimento oficioso, o que não é o caso.
Pois, o direito ao recurso não visa conceder à parte um segundo julgamento da causa, mas, apenas permitir a discussão sobre determinados pontos concretos, que na perspectiva do recorrente foram incorrectamente mal julgados, para tanto sendo necessário que alegue os fundamentos que sustentam esse entendimento, devendo os mesmos consistir na enunciação de verdadeiras questões de direito, que lhe compete indicar e sustentar, cujas respostas sejam susceptíveis de conduzir à alteração da decisão recorrida.
Ou seja, o recorrente deve expor ao Tribunal “ad quem” as razões da sua discordância, procurando convencer da sua pertinência, a fim de que este Tribunal se debruce sobre elas e, analisando-as, decida se procedem ou não.
O que, obviamente, não pode acontecer no caso, como já dissemos, porque o Tribunal “a quo” não se pronunciou quanto às questões agora trazidas, nem tinha de o fazer porque não lhe foram colocadas.
E, como é sabido, os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais (cfr. art. 627º do CPC), através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá‑las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o Tribunal “ad quem” com questões novas, salvo quanto às questões de conhecimento oficioso o que, como deixámos já dito, não é o caso.
“Com efeito, em sede recursória o que se põe em causa e se pretende alterar é o teor da decisão recorrida e os fundamentos desta. A sua reapreciação e julgamento terão de ser feitos no seio do mesmo quadro fáctico e condicionalismo do qual emergiu a sentença proferida e posta em crise”, como se lê, no (Ac. do STJ de 17.11.2016, Proc. nº 861/13.3TTVIS.C1.S2 in www.dgsi.pt).
Em suma, não tendo o Tribunal “a quo” sido confrontado com a questão, estamos perante uma questão nova e, por essa razão, não pode este Tribunal de recurso dela conhecer, como tem sido entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência. Apenas, nos casos expressamente previstos, conforme art.s 665º nº 2 e 608º, nº 2, parte final, do CPC, pode este Tribunal “ad quem” substituir-se ao Tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Razão pela qual se nega a apreciação das questões acima enunciadas.
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Aqui chegados, sem necessidade de outras considerações, só podemos manter o decidido pelo Tribunal “a quo”, não se vislumbrando a violação de quaisquer dispositivos legais, nomeadamente, os invocados pelo apelante.
Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação.
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III - DECISÃO
Nestes termos, acorda-se nesta Secção, da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso e confirma-se a sentença recorrida.
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Custas a cargo do Réu.
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Porto, 26 de Novembro de 2025
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
António Luís Carvalhão
Teresa Sá Lopes