ROUBO
CRIMINALIDADE VIOLENTA
VÍTIMA ESPECIALMENTE VULNERÁVEL
PERDÃO
LEI N.º 38-A/2023 DE 02-08
Sumário

Sumário:
I - O crime de roubo simples é um tipo de crime que, através de uma síntese normativa, conjuga elementos integradores do crime de furto, prevendo múltiplas formas de lesão do direito de propriedade ou de outras formas legítimas de uso, fruição e disposição de bens materiais, como realização da finalidade do agente que, por seu turno, coexiste com a afectação ou neutralização de uma grande diversidade de bens pessoais, como meio de execução, os quais correspondem a outros tipos de ilícitos penais que tutelam os valores jurídicos da liberdade (individual de disposição, de decisão e de acção) e, ainda, a integridade física, que, no seu expoente máximo, englobe o direito à vida e em que a vertente pessoal ganha maior relevância em relação à patrimonial e é o que justifica essa fusão num outro tipo de crime, autónomo de todos os restantes, isoladamente considerados.
II - E corresponde à noção de crime especialmente violento contida no art. 1º al. l), como integrando as condutas previstas na alínea j), ou seja, que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública, que sejam puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos.
III - Nos termos do art. 67º - A nº 3 do CPP, as vítimas de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1.
IV - Acontece que, nos termos do art. 7º nº 1 al. g) da Lei 38-A/2023, de 02.08, estão excluídos do perdão todos os crimes cometidos contra vítimas especialmente vulneráveis. As leis de amnistia, sendo providências de ocasião e de excepção, interpretam-se e aplicam-se nos seus precisos termos sem ampliações nem restrições que nelas não venham expressas. Estes princípios defendidos relativamente às leis de amnistia deverão de igual modo aplicar-se ao perdão genérico, dada a mesma natureza de providência de ocasião e de excepção. Por conseguinte, a exclusão do perdão contida no art. 7º nº l al. b) i), dos condenados por crime de roubo, p. e p. pelo n° 2 do art. 210° do Código Penal», não significa, que o legislador quis expressamente admitir a possibilidade de aplicar o perdão de pena aos condenados por crime de roubo aos quais foram aplicadas penas até oito anos de prisão, porque quanto ao roubo simples, a exclusão decorre expressamente do art. 7º nº 1 al. g) da Lei 38-A/2023, de 02.08.

Texto Integral

Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido em 19 de Fevereiro de 2025, no processo comum colectivo nº 21/23.5SVLSB, do Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 5, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi decidido julgar a acusação deduzida nelo Ministério Público parcialmente procedente e, em consequência:
1. Absolver os arguidos AA, BB, CC, DD e EE da prática, em co-autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.° 86.°, n° 1 al. d) com referência à ais. m) do n° 1 do artigo 2.° e ab) do n° 2 do art.° 3.°, todos da Lei n° 5/2006 de 23 de Fevereiro, na redação dada pela Lei 50/2019 de 24 de Julho, de que vinham acusados;
2. Absolver o arguido FF da prática, em autoria material, de um crime de extorsão na forma tentada, p. e p. pelos artigos 23º, 73º e 223º n° l e 3 al. a), do Código Penal, com referência à al. f) do n° 2 e 4 do art. 204° do Código Penal, de que vinha acusado;
3. Absolver os arguidos FF e AA da prática, em co-autoria material, de dois crimes de roubo na forma tentada, p. e p. pelos arts. 14°, n° l, 26°, 23°, 73°, 210° n°s l e 2 al. b) do Código Penal, com referência à al. f) do n° 2 e 4 do art. 204° do Código Penal, de que vinham acusados;
4. Condenar o arguido FF:
4.1. Pela prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210°, n° 1, do Código Penal, na nena de 3 (três) anos de prisão:
4.2. Pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86° n° 1 al. d) com referência às als. m) do n° 1 do artigo 2° e ab) do n° 2 do art. 3°, todos da Lei n° 5/2006 de 23 de Fevereiro, na redação dada pela Lei 50/2019 de 24 de Julho, na pena de 1 (um) ano de prisão;
4.3. Em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas em 4.1. e 4.2. na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva;
5. Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210° n° 1, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão efectiva:
6. Condenar o arguido BB pela prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210° n° 1, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos c 6 (seis) meses de prisão efectiva:
7. Condenar o arguido CC pela prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210° n° 1 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva;
8. Condenar o arguido DD pela prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210°, n° 1, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva;
9. Condenar o arguido EE pela prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210°, n° 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos, subordinando-se tal suspensão a regime de prova, nos termos do disposto no art. 53° do Código Penal, o qual assentará num plano de reinserção social a executar, com vigilância e apoio, e durante o referido período de 4 (quatro) anos, pelos serviços de reinserção social.
II - Julgar procedente o pedido de arbitramento de indemnização civil deduzido por GG, e, em consequência, condenar os demandados, FF, AA, BB, CC, DD e EE, solidariamente, a pagar-lhe indemnização por danos não patrimoniais pelo valor de € 300 (trezentos euros).
Os arguidos AA, BB, CC, DD e EE interpuseram recursos deste acórdão.
Assim:
No seu recurso, o arguido DD, formulou as seguintes conclusões:
A aplicação do Artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro.
1. O Tribunal a quo deveria ter aplicado o Artigo 4.º do Decreto-Lei n.º401/82, procedendo-se à atenuação especial da pena.
2. À data da prática dos factos (23/02/2023) o arguido (nascido em 24/01/2003) tinha 20 anos de idade.
3. A aplicação do referido preceito legal depende da existência de “sérias razões para crer que da atenuação resultarão vantagens para a reinserção social do jovem condenado” – o que significa que a não se trata de um automatismo legal, mas sim de uma decisão que tenha por base a avaliação dos factos concretos dados como provados e das condições pessoais do arguido (onde se inserem factos de natureza familiar, percurso escolar, etc.).
4. A referida atenuação da pena deve ter lugar sempre que é possível realizar um juízo de prognose favorável à reintegração social do jovem.
5. Em primeiro lugar, há que referir que o arguido não apresentava antecedentes criminais à data da prática dos factos.
6. As condenações que o arguido apresenta agora averbadas no seu CRC apenas transitaram em julgado em data muito posterior à data dos factos pelos quais foi aqui julgado.
7. O arguido não foi condenado em qualquer pena privativa da liberdade, mas sim em penas suspensas e especialmente atenuadas (nos termos do disposto no Artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro).
8. Apesar do afastamento do regime em causa nos presentes autos, sucedeu o contrário nos autos em que o arguido foi condenado e que constam do seu CRC.
9. Foi dado como provado que o arguido encontra-se a trabalhar no …, onde exerce funções de … (facto n.º 46), dispõe de um forte apoio familiar (principalmente dos seus progenitores), o contexto relacional do arguido com a sua família é positivo, cumprindo regras e estabelecendo interações adequadas e ajustadas com os seus membros, a situação financeira do seu agregado familiar é estável e equilibrada.
10. Os factos praticados nos presentes autos apresentam-se como algo pontual na vida do arguido, dentro de um período específico da mesma, em que foi adotada uma postura desconforme ao direito – fase que se mostra ultrapassada.
11. Os factos aqui em causa e aqueles que determinaram as condenações que se encontram averbadas no seu CRC remontam praticamente ao ano de 2022 e início de 2023.
12. Desde então, o arguido esteve privado da liberdade durante quase 1 ano e 3 meses, vindo a ser colocado em liberdade depois de ser condenado em pena de prisão suspensa na sua execução no âmbito do Processo n.º 1343/22.8PCOER - o que também nos leva a considerar que o período de reclusão terá sido suficiente para que este refletisse no impacto negativo da sua conduta.
13. O arguido, agora em liberdade, encontra-se laboralmente ativo e beneficia de apoio familiar e de uma estrutura estável e segura à sua volta.
14. Em face do exposto e tendo em consideração que todas as demais penas aplicadas ao arguido nos restantes processos foram não privativas da liberdade, cremos que ser possível a elaboração de um juízo de prognose favorável à aplicação do regime penal mais favorável – o que deveria ter sucedido in casu.
15. O Tribunal a quo procedeu a uma errada aplicação do Artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, ao não atenuar especialmente a pena aplicada ao arguido.
16. Pelo que o acórdão recorrido deverá ser revogado, procedendo-se à atenuação especial da pena, condenando-se o arguido na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução (atentos o facto de o arguido não apresenta, à data da prática dos factos, qualquer condenação averbada no seu CRC e os fundamentos já apresentados quanto à sua inserção familiar, social e laboral).
Se assim não se entender,
17. O Tribunal a quo violou o disposto no n.º 2 do Artigo 40.º e Artigo 71.º, ambos do Código Penal, incorrendo em erro de aplicação ao caso concreto.
18. O arguido incorria, por força do Artigo 77.º do Código Penal, numa pena que deve ser fixada entre 1 a 8 anos de prisão.
19. Entendeu o Tribunal condenar o arguido na pena de 3 anos e 6 meses de prisão efetiva.
20. Considerou ainda que as exigências de prevenção especial são elevadas devido aos antecedentes criminais do arguido.
21. Analisados os factos dados como provados, verifica-se que a conduta do arguido é circunscrita a uma única ocasião, com uma única vítima, não tendo havido qualquer ato de agressão direta por parte do recorrente – veja-se que a sua atuação se encontra delimitada aos factos constantes dos pontos 14. e seguintes.
22. O recorrente não usou a força, não causou ferimentos nem usou qualquer arma.
23. Ainda que a conduta do recorrente mereça uma repressão judicial, a pena aplicada se mostra desadequada ao caso concreto.
24. Apesar de o Tribunal enaltecer a existência de antecedentes criminais, olvidou que o arguido não apresentava, à data, qualquer condenação averbada no seu certificado de registo criminal.
25. As condenações que agora averba no seu CRC não correspondem a antecedentes criminais, pois dizem respeito a decisões proferidas após a prática dos factos (sendo que todas elas foram em penas não privativas da liberdade).
26. Estamos perante um arguido jovem que tinha completado 20 anos de idade há muito pouco tempo, sem qualquer condenação averbada e com um percurso escolar e profissional investido.
27. Da matéria de facto dada como provada, resulta, com relevância, o seguinte:
• O arguido encontra-se a trabalhar no …, onde exerce funções de … – facto n.º46.
• Dispõe de um forte apoio familiar (principalmente dos seus progenitores);
• O contexto relacional do arguido com a sua família é positivo, cumprindo regras e estabelecendo interações adequadas e ajustadas com os seus membros;
• A situação financeira do seu agregado familiar é estável e equilibrada.
28. As circunstâncias em que o crime foi praticado (que se inserem numa única ocasião), o passado do arguido, a sua inserção familiar e social não foram devidamente ponderadas para efeitos de determinação da pena.
29. Uma devida ponderação dessa informação deveriam ter levado à aplicação de uma pena inferior.
30. Este é um caso de roubo que reclama a redução da pena de prisão aplicada ao arguido, na medida em que, face à personalidade do arguido, ao papel desempenhado pelo arguido, inserção social, familiar e o laboral, é de prever que o mesmo não volte a cometer qualquer crime.
31. No caso concreto a medida da pena excedeu a medida da culpa e a gravidade das circunstâncias da conduta do arguido.
32. Há ainda que ter em atenção que o arguido não exerceu qualquer força física, não foram causados ferimentos ao ofendido e o valor apropriado corresponde a 20,00€ (quantia de valor diminuto).
33. A aplicação de uma pena junto ao limite da moldura penal (em 1 ano e 2 meses de prisão) revela-se suficiente para assegurar as finalidades de punição, para efeitos do disposto no Artigo 71.º do Código Penal, ao contrário do que sucedeu. 34. Cremos ser de se fazer uma prognose favorável ao seu comportamento futuro, sendo de suspender a pena de prisão, nos termos do disposto no artigo 50.º do Código Penal, pois o arguido não apresentava qualquer condenação à data da prática dos factos e todas as condenações que apresenta tiveram por base a elaboração de um juízo de prognose favorável.
35. Ademais, os crimes praticados pelo arguido inserem-se num período muito curto da sua vida (entre meados de 2022 e inícios de 2023), sendo que tal fase de vida está devidamente ultrapassada.
36. Foi dado como provado que o arguido encontra-se a trabalhar no …, onde exerce funções de … (facto n.º 46), dispõe de um forte apoio familiar (principalmente dos seus progenitores), o contexto relacional do arguido com a sua família é positivo, cumprindo regras e estabelecendo interações adequadas e ajustadas com os seus membros, a situação financeira do seu agregado familiar é estável e equilibrada e o arguido esteve sujeito à medida de OPHVE no âmbito do Processo n.º1343/22.8PCOER entre 9 de junho de 2023 e 3 de setembro de 2024, vindo a ser libertado.
37. O arguido esteve privado da liberdade durante quase 1 ano e 3 meses, vindo a ser colocado em liberdade depois de ser condenado em pena de prisão suspensa na sua execução - o que também nos leva a considerar que o período de reclusão terá sido suficiente para que este refletisse no impacto negativo da sua conduta.
38. O arguido, agora em liberdade, encontra-se laboralmente ativo e beneficia de apoio familiar e de uma estrutura estável e segura à sua volta.
39. Em face do exposto e tendo em consideração que todas as demais penas aplicadas ao arguido nos restantes processos foram não privativas da liberdade, cremos ser possível elaborar um juízo de prognose favorável quanto à postura futura do arguido e, por conseguinte, suspender a pena aplicada ou aquela que V. Exas. entendam ser adequada.
40. O Tribunal a quo, ao condenar o arguido na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, com base nos fundamentos supra expostos, viola o disposto no n.º 2 do Artigo 40.º, o Artigo 71.º e o Artigo 77.º, todos do Código Penal, devendo antes condenar o arguido numa pena de prisão junto ao limite mínimo aplicável ao caso concreto (em 1 anos e 2 meses de prisão que deverá ser suspensa na sua execução, sujeitando-se o arguido a um regime de prova, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 50.º e 53.º do Código Penal).
Se assim não se entender,
41. O Tribunal não aplicou o perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 02/08.
42. O arguido discorda deste entendimento, na parte em que se entende que o crime de roubo simples faz parte das exceções da aplicação do referido perdão.
43. Não obstante o disposto na alínea g) do n.º1 do artigo 7.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02/08, e nos artigos 67.º-A, n.º 3, e 1.º, al. j), do Código de Processo Penal, entendemos que da leitura global e fazendo uma interpretação sistemática do referido Artigo 7.º, resulta, tendo em conta o n.º 1, al. b), i), que o legislador (sem ter presente as implicações e interpretações que poderiam decorrer da referência a “vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal”) apenas quis incluir como exceção o crime de roubo previsto no n.º 2 do art. 210.º do Código Penal, e não o simples.
44. Caso contrário, teria inserido explicitamente o crime de roubo simples, previsto e punido pelo n.º1 do Artigo 210.º - o que não sucedeu.
45. O legislador fez exatamente o contrário: deixou claro que apenas os condenados pela prática do crime de roubo previsto no n.º2 do Artigo 210.º não beneficiam do perdão de um ano.
46. Tendo tido o legislador o cuidado de explicitar que não beneficiam do perdão os condenados por roubo, previsto no n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal, não cabe no espírito da Lei a exclusão do crime de roubo simples (previsto e punido pelo n.º1 do Artigo 210.º do Código Penal) por via da aplicação da alínea g) do n.º1 do Artigo 7.º.
47. Assim, que o crime de roubo simples (previsto e punido nos termos do n.º1 do Artigo 210.º do Código Penal) encontra-se abrangido pelo perdão estabelecido pela Lei n.º 38-A/2023, de 02/08.
48. Neste mesmo sentido, realçam-se os acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do Processo n.º 167/19.4POLS-A.L1-9, de 11 de abril de 2024 e Processo n.º 579/15.2PAMTJ-B.L1, proferido em 20 de fevereiro de 2025.
49. Tendo presentes que o arguido tinha menos de 31 anos à data da prática dos factos e que a pena única que lhe foi aplicada não se mostra superior a 8 anos, há que se concluir pela verificação dos pressupostos para que o arguido beneficie do perdão de 1 ano a incidir na pena de prisão em que foi condenado.
50. O Tribunal a quo violou o Artigo 2.º, o n.º1 do Artigo 8.º e as alíneas b) i) e g) do n.º1 do Artigo 7.º da Lei n.º38-A/2023, de 02/08.
51. O acórdão recorrido deve ser revogado, decidindo aplicar-se o perdão previsto na n.º 38-A/2023, de 02/08, reduzindo-se a pena para 2 anos e 6 meses de prisão.
*
Por seu turno, o arguido EE formulou as seguintes conclusões, no seu recurso:
I – Entende o recorrente que o Acórdão condenatório proferido pela primeira Instância reclama a superior correção de Vossas Excelências, porquanto não fez uma correta interpretação da prova globalmente considerada, da pré -adquirida e da produzida em julgamento, assentando matéria que não resulta demonstrável com os elementos probatórios que se coligiram nos autos, e consequentemente alcançou uma pena desconforme com o direito penal.
II - O recorrente não pode estar em maior desacordo com a decisão e conclusão alcançada pelo tribunal a quo, na medida em que entende que, ressalvado o devido respeito, a prova que fundamenta a decisão da matéria de facto é manifestamente insuficiente para que a mesma se considere provada.
III – Em cumprimento do disposto na alínea a) do nº 3 do art.º 412º do CPP, o presente recurso visa, em concreto, a reapreciação dos factos dados como provados sob os Pontos 16, 18, 19, 23 e 24 do referido acórdão, sem desprimor de toda a demais factualidade dada como provada, que aqui se transcreve:
16. Aí, todos os arguidos obrigaram o ofendido GG a acompanhá-los a uma caixa multibanco ali existente;
18. De seguida, os arguidos obrigaram o ofendido GG a seguir com eles de autocarro até às ..., onde todos saíram;
19 – Nesse local, os arguidos permitiram que o ofendido GG se fosse embora;
23. Os arguidos agiram em conjugação de forças e vontades, com o propósito de se apoderarem do dinheiro que o ofendido GG tinha consigo, bem sabendo que não lhes pertencia e que o faziam contra a vontade do seu dono, o que quiseram;
24. Sabiam os arguidos que, apresentando-se perante o ofendido da forma que o fizeram, exibindo o arguido FF uma faca, criaram uma situação de superioridade numérica e de ascendente físico sobre aquele e que dessa forma o impediram de reagir aos seus intentos, o qual, tolhido pelo medo, não esboçou qualquer reacção;
26. Em todas as condutas supra descritas os arguidos agiram de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que da sua reprovabilidade em termos penais;”
IV- No cumprimento do preceituado no artigo 412º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal, na ótica do recorrente, todo o acervo probatório carreado e descrito no Acórdão recorrido, apresenta-se incapaz para sustentar o entendimento de que o arguido EE obrigou o ofendido GG a efetuar o levantamento de € 20,00 ou a fazer o que quer que fosse.
V- Impugna-se, o Ponto 16 dos “Factos Provados”, “Aí, todos os arguidos obrigaram o ofendido GG a acompanhá-lo a uma caixa multibanco ali existente”.
Do depoimento da testemunha/ofendido GG nada resulta que permita concluir tal factualidade.
Na verdade, em momento algum é referido pelo ofendido GG que o arguido EE trocou consigo alguma palavra ou teve alguma interação, que o tenha levado a fazer o que quer que fosse.
Acresce que, no momento em que alegadamente outros dois arguidos o abordaram e mantiveram uma conversa com o ofendido, o arguido EE não esteve presente, não visualizou qualquer ameaça, não viu ser exibida nenhuma faca, nem sequer ficou provado que soubesse do que se estava a passar.
Trata-se de uma mera convicção do tribunal.
Ora, sem nunca ter presenciado qualquer ato que pudesse saber o que se estava a passar, ou que o ofendido estivesse a ser coagido ao que quer que fosse, como se pode condenar o arguido em co-autoria material, pondo todos os arguidos em igualdade de circunstâncias.
Sendo certo que, dos fotogramas junto aos autos não resulta que o arguido EE em algum momento estivesse perto do ofendido.
Na verdade, quando lhe foi perguntado se reconhecia o arguido EE, o ofendido GG, em audiência de julgamento, referiu que não, como se transcreve:
(gravação da audiência do dia 2024.12.11 minuto 00:23:33)
Mma Juiz de Direito: Conhece estas pessoas?
Testemunha GG: Não.
Mma Juiz: Conheceu-os nalgum momento?
Testemunha GG: Lá
(…)
- continuação do depoimento da testemunha GG (gravação da audiência do dia 2024.12.11 minuto 00:42:33)
Mma. Juiz de Direito: O que é que os outros que estão entretanto a meio do caminho, o que é que lhe fizeram?
Testemunha GG: A mim não me fizeram nada, eles estavam mais a conversar entre eles.
Mma. Juiz de Direito: Estavam? Mesmo com o da faca?
Testemunha GG: Sim.
Mma. Juiz de Direito: Estavam combinados, o Sr. percebeu que eles se conheciam?
Testemunha GG: Sim, sim.
(…)
A testemunha GG no seu depoimento limitou-se a dizer que os outros arguidos a ele não lhe fizeram nada, referindo que apenas falaram entre eles, mas sem conseguir revelar o teor da conversa que mantiveram nesse momento, sendo certo que estava perto.
O que demonstra que o arguido EE não lhe pediu/solicitou/ obrigou a levantar dinheiro no multibanco, nem contribuiu para tal acontecesse.
VI - Pelo que, não podia o tribunal a quo ter considerado como provado que o arguido EE obrigou o ofendido GG a ir levantar dinheiro ao multibanco no …, o que não corresponde à verdade, nem pode ser dado como provado, devendo a matéria constante do Ponto 16 ser dada como não provada.
VII –- Consta do Ponto 18 que “De seguida, obrigaram o ofendido GG a seguir com eles de autocarro até às ..., onde todos saíram;”
Ora, tais argumentos (premissas), além de, em termos lógicos, não permitirem essa conclusão, não são verdadeiros, senão vejamos:
Em primeiro lugar importa salientar que o arguido EE tem uma característica única que o distingue dos demais arguidos. É de estatura muito alta, com mais de 1,90 metros, pelo que facilmente teria sido identificado se tivesse tido alguma interação com a testemunha GG.
O arguido apenas apanhou o autocarro porque esse era o autocarro que apanhava para ir para casa. Este é o único facto que resulta da prova produzida, nada mais resulta da prova, nunca disse ao ofendido que tinha que ir consigo, nunca lhe ordenou o que quer que fosse, ou sequer lhe dirigiu alguma palavra.
Pelo que, mais uma vez, estamos no domínio da pura especulação e não dos factos concretos e objetivos, não podendo o ponto 18 ser dado como provado, nesta parte, mas somente que saíram todos juntos do autocarro nas ....
Também não se compreende qual a razão do ofendido ao sair do autocarro ter seguido noutro sentido, o que demonstra que seguiu livremente o seu caminho.
VIII - Existe aqui mais uma lacuna, em que factos relevantes não são concretamente apurados, dando o tribunal como provada genericamente aquele núcleo factual.
Acresce que, do depoimento das restantes testemunhas, no que ao que ao recorrente concerne – não se apura qualquer referência ao arguido EE, para além do facto de se ter sido detido quando saiu do autocarro.
IX - Verifica-se o vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no art.º 410º, nº 2, al. c), do CPP, o qual resulta patente da conjugação do texto da decisão recorrida; das regras da experiência comum e das regras da lógica, de onde resulta evidente a conclusão contrária.
Em face de todo o exposto, devem os factos mencionados nos Ponto 16 e 18 dos Factos Provados, ser alterados, na parte referida, uma vez que ficou demonstrado que o arguido EE nunca falou com o ofendido GG, nem o obrigou a levantar dinheiro ou a entrar no autocarro.
Os factos supra são genéricos e abstratos exatamente porque foram dados como provados exclusivamente com base em suposições, as quais não foram corroboradas por qualquer outra prova que corroborem os factos inculcados, por forma a formular um juízo seguro sobre a responsabilidade jurídico-penal do agente. O que no caso não existe.
X- O Tribunal a quo fundamenta a sua decisão sobre a matéria de facto de forma genérica, vaga e imprecisa, estando em causa 6 arguidos com diferentes atuações, em termos de espaço e de tempo, sem fundamentar a atuação de cada um deles, baseando-se apenas no depoimento do ofendido GG, uma vez que, as restantes testemunhas nada presenciaram relativamente ao arguido EE, o que implica a nulidade da decisão, nesta parte, ao abrigo do artigo 374º do CPP.
Em violação das regras de experiência comum e das máximas de vida por todos aceites, incorrendo a decisão no vício de erro notório na apreciação da prova nos termos do art. 410º nº 2 al. c) do C.P.P.
XI - Ora, no caso em apreço, relativamente aos factos que o Tribunal a quo considerou provados e que supra se enumeraram, não existem quaisquer outros elementos probatórios que permitissem concluir com um grau de segurança pela prática dos factos pelo arguido EE.
Em face de todo o exposto, devem os factos mencionados ser alterados, (als. a) e b) do art.º 431 do CPP), sendo os mesmos julgados como “NÃO PROVADOS”.
XII - Os meios para a subtração de coisa móvel alheia ou para o constrangimento à sua entrega são os previstos no tipo, como sendo: a violência contra uma pessoa; a ameaça com perigo eminente para a vida ou para a integridade física ou a colocação da vítima na impossibilidade de resistir. O conceito de violência tem vindo a evoluir pelo que, atualmente a doutrina e a jurisprudência inclinam-se para um conceito abrangente, que engloba que a violência física quer a violência psíquica. O uso de força física significa a intromissão, ainda que indireta no corpo de uma pessoa, com o fim de quebrar ou diminuir a resistência da vítima. A violência tem de ser usada contra pessoas e não contra coisas”.
E, portanto, para verificação do crime de roubo, bastará que o agente esteja consciente de que a violência ou a ameaça é adequada a constranger o ofendido à entrega do bem ou a constranger à tolerância da subtração do bem, conformando-se com tal resultado.
Ora, da dinâmica dos acontecimentos o ofendido GG encontrava-se num espaço comercial muito movimentado como se pode ver das imagens, rodeado de dezenas de pessoas, onde é possível visualizar a presença de agentes policiais, seguranças, podendo o ofendido GG pedir ajuda a qualquer destas pessoas ou fugir para o interior de uma loja e pedir ajuda.
Perante esta circunstância como pode o douto Acórdão concluir que estava impedido de resistir, dando como provado o Ponto 24 dos factos provados.
XIII - Para além do mais, não se consegue alcançar a razão de terem ido para um espaço comercial para levantar € 20,00, quando na zona existem inúmeras caixas de multibanco no exterior do ... e mais perto do parque onde se encontravam.
O que mais uma vez não faz qualquer sentido nem se coaduna com o princípio da experiência comum.
Sendo também possível concluir da análise dos fotogramas junto aos autos que o ofendido está sozinho no momento em que está a levantar o dinheiro, e não a ser constrangido pelos arguidos.
Pelo que, a ter existido alguma ameaça em momento anterior como pode o tribunal a quo concluir que o arguido EE teve qualquer participação se nem sequer lá estava.
E que como se referiu e resulta da análise das imagens e fotogramas juntos, o ofendido não estava a ser constrangido, ameaçado, agredido ou colocado objetivamente numa situação em que estivesse impossibilitado de resistir.
A prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento é insuficiente (cremos, inexistente) para justificar um qualquer “pretenso” plano criminoso em conjugação de esforços e vontades, no que toca ao arguido EE, baseando-se, mais uma vez, apenas em presunções.
XIV- O Tribunal a quo considera o posicionamento do ofendido para concluir que seria difícil para o ofendido sair daquela situação.
O que não corresponde à verdade, pois estamos a falar de um centro comercial muito movimentado, tendo em conta que os factos se passaram ao final da tarde, podia ter pedido ajuda uma vez que havia inúmeros agentes policiais e seguranças no local, para além de dezenas de pessoas a circular.
E, portanto, considera o recorrente que tal factualidade foi incorretamente julgados, devendo o Ponto 24 ser julgado como não provado relativamente ao EE.
XV – A apontada e supra dissecada fragilidade probatória no que se refere ao arguido EE deverá, em nosso entendimento conduzir à absolvição do arguido.
Pelo que, na ausência de prova concludente que permitisse concluir, seguramente, num determinado sentido e modo de atuação relacionado com o crime em apreço, sempre o non liquet teria de beneficiar o arguido, segundo o princípio do in dubio pro reo, como emanação do princípio constitucional da presunção de inocência.
XVI- De salientar que o arguido EE não tem quaisquer antecedentes criminais, tem apoio e suporte familiar, à data dos factos tinha apenas 19 anos de idade, já tinha hábitos de trabalho como jogador profissional.
Neste momento, está a trabalhar como técnico de reposição numa superfície comercial. Está a estudar inglês para se preparar para o curso de Assistente de Bordo, sendo esse o seu sonho, apresentando boas perspetivas de futuro, as quais poderão ficar comprometidas com esta condenação desajustada e injusta.
*
No seu recurso, o arguido AA formulou as seguintes conclusões:
1. Nos presentes autos, o Recorrente foi condenado pela prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º nº 1 do Código Penal, por factos ocorridos em 23 de Fevereiro de 2023, na pena de 3 anos de prisão efectiva.
2. A discordância quanto ao acórdão recorrido cinge-se apenas quanto à opção do tribunal de não aplicar o regime penal de jovens previsto no Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro; de não suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido, nos termos dos artigos 50º e 53º do Código Penal; e da não aplicação da Lei nº 38-A/2023 de 2 de Agosto, aspectos com os quais não concordamos com a Mmª Juiz a quo, face ao estatuído no artigo 4º do Decreto-Lei 401/82, de 23 de Setembro, nos artigos 50º, 51º, 52º, 53º e 54º, todos do Código Pena e na Lei nº 38-A/2023 de 2 de Agosto.
3. A imposição de um regime penal próprio para os designados "jovens delinquentes" traduz uma das opções fundamentais de política criminal, ancorada em concepções moldadas por uma racionalidade e intencionalidade de preeminência das finalidades de integração e socialização, e que, por isso, comandam quer a interpretação, quer a aplicação e a avaliação das condições de aplicação das normas pertinentes.
4. O regime penal especial aplicável aos jovens entre os 16 e os 21 anos que consta do Decreto-Lei n° 401/82, de 23 de Setembro, constitui uma imediata injunção de política criminal que se impõe, por si e nos respectivos fundamentos, à modelação interpretativa dos casos concretos objecto de apreciação e julgamento.
5. A consideração das finalidades de prevenção, particularmente a função da prevenção geral deve ter um valor de intervenção específico no domínio do direito penal dos jovens delinquentes, pois a confiança da comunidade na validade das normas não pode constituir parâmetro que impeça a realização das finalidades de política criminal que justificam e conformam o regime penal dos jovens.
6. A comunidade deve sentir e compreender as opções de política criminal que se realizam através da formulação e aplicação do direito penal dos jovens adultos e os valores federadores da sociedade também exigem que o direito penal contenha instrumentos que na maior dimensão possível, sejam aptos a realizar finalidades de (re)integração dos jovens delinquentes, de inclusão e de chamamento aos valores.
7. A concordância entre as exigências impostas pela preservação da confiança da comunidade na validade das normas e as imposições, também fundamentais, de prevenção especial de socialização relativamente a jovens adultos, realiza-se por meio da intervenção dos instrumentos colocados à disposição do juiz no direito penal dos jovens, especialmente, e no que respeita à criminalidade mais grave, pelo poder-dever de atenuação especial da pena prevista no artigo 4° do Decreto-Lei n° 401/82, de 23 de Setembro, sempre que haja sérias razões para crer que da atenuação possam resultar vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
8. Estatui o artigo 50º, nº1 do Código Penal, que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
9. Esta prognose exige assim uma valoração total de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido. E, estas circunstâncias são a sua personalidade (por ex.,inteligência e carácter), a sua vida anterior (por exemplo, outros delitos anteriormente cometidos da mesma ou de outra natureza), as circunstâncias do delito (por exemplo motivações e fins), o seu comportamento depois de ter cometido o crime (por exemplo reparação do dano, arrependimento), as circunstâncias da sua vida (por exemplo, profissão, casamento e família) e os efeitos que se esperam da suspensão [...]».
10. Ainda que centrada no arguido, ou seja, em considerações radicadas na prevenção especial, a decisão deve atender igualmente às exigências de prevenção geral positiva, para que a reacção penal responda adequadamente às expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada e assegure a protecção do bem jurídico afectado, como imposto pela parte final do nº1 do artº 50º do CP.
11. No caso sub judice, atendendo a todos os elementos carreados para os autos, importa ponderar as seguintes circunstâncias que militam a favor do arguido:
- O arguido era muito jovem à data da prática dos factos, contando com 17 anos de idade no momento da sua prática;
- Os ilícitos criminais em apreço foram cometidos num período temporal já distante (Fevereiro de 2023);
- Já decorreram mais de 2 anos desde a prática de tal ilícito criminal e não há conhecimento da prática de outros ilícitos criminais da autoria do arguido, pelos quais tenha sido julgado e condenado;
- O grau de violência utilizado, o valor diminuto dos bens subtraídos, bem com as circunstâncias em que o arguido cometeu o referido ilícito criminal.
12. Atentas as considerações acima referidas que militam a favor do arguido, designadamente a sua idade, o período temporal em que os ilícitos foram cometidos, o grau de violência utilizado e as circunstâncias em que tais factos foram cometidos, resulta a nosso ver que a simples censura do comportamento do arguido e a ameaça da prisão serão ainda capazes de o afastar das «malhas» do crime.
13. Existindo ainda condições para confiar que o arguido será capaz de continuar a prosseguir um percurso de ressocialização em liberdade, sem que volte à prática de condutas similares, razão pela qual se entende que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades dos presentes autos.
14. Concluindo-se assim, no estrito cumprimento do disposto no art. 50º do Código Penal, que a pena de 3 anos de prisão aplicada ao arguido AA no âmbito dos presentes autos deverá ser suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova.
15. O crime de roubo simples previsto pelo artigo 210.º/1 do Código Penal não se pode ter como estando excecionado nem pela alínea b), nem pela alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto.
16. Tal formulação permite, pelo contrário, afirmar que o crime de roubo agravado previsto no artigo 210.º/2 Código Penal, está excepcionado em ambas as normas: na alínea b) com referência expressa e na alínea g) por força da remissão, ali operada.
17. A correcta interpretação das normas vai no sentido de que o legislador não pretendeu excepcionar o crime de roubo simples do âmbito da aplicação da Lei 38-A/2023: na alínea b) do artigo 7.º apenas se menciona o crime de roubo do artigo 210.º/2, não se podendo entender que o crime de roubo simples esteve na mente do legislador, quando previu a alínea g).
18. Se o legislador quisesse excluir da aplicação da dita Lei o crime de roubo, quer o simples, do n.º 1, quer o agravado, do n.º 2 (do artigo 210.º do CP), bastaria na referida alínea b) do artigo 7.º, em vez de referir apenas e só, o roubo do artigo 210.º/2, fazer, menção ao roubo do artigo 210.º Código Penal.
19. Nenhum sentido útil faz excluir da aplicação da Lei o crime de roubo agravado do artigo 210.º/2 através da formulação da alínea b) e fazer excluir o crime de roubo simples do artigo 210.º/1 através da sua inclusão na previsão da alínea g).
20. No caso concreto o Recorrente tinha menos de 31 anos à data da prática dos factos e que a pena única que lhe foi aplicada não se mostra superior a 8 anos, há que se concluir pela verificação dos pressupostos para que o arguido beneficie do perdão de 1 ano a incidir na pena de prisão em que foi condenado, no caso concreto 3 anos de prisão.
21. O Tribunal a quo violou o Artigo 2.º, o n.º1 do Artigo 8.º e as alíneas b) i) e g) do n.º1 do Artigo 7.º da Lei n.º38-A/2023, de 02/08.
22. O acórdão recorrido deve ser revogado, determinando a aplicação do perdão previsto na n.º 38-A/2023, de 02/08, reduzindo-se a pena de 3 anos de prisão para 2 anos de prisão.
Termos em que e nos mais de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., concedendo-se provimento ao presente recurso, requer-se a revogação do douto acórdão recorrido, substituindo-se o mesmo por outro, que considere as razões invocadas, aplicando a atenuação especial da pena, suspendendo-se a execução da pena prisão aplicada ao arguido, com regime de prova, bem como reduzir a pena para 2 anos de prisão.
*
No seu recurso, o arguido CC formulou as seguintes conclusões:
1. Nos presentes autos, o Recorrente foi condenado pela prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º nº 1 do Código Penal, por factos ocorridos em 23 de Fevereiro de 2023, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva.
2. A discordância quanto ao acórdão recorrido cinge-se apenas quanto à opção do tribunal de não aplicar o regime penal de jovens previsto no Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro; de não suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido, nos termos dos artigos 50º e 53º do Código Penal; e da não aplicação da Lei nº 38-A/2023 de 2 de Agosto, aspectos com os quais não concordamos com a Mmª Juiz a quo, face ao estatuído no artigo 4º do Decreto-Lei 401/82, de 23 de Setembro, nos artigos 50º, 51º, 52º, 53º e 54º, todos do Código Pena e na Lei nº 38-A/2023 de 2 de Agosto.
3. A imposição de um regime penal próprio para os designados "jovens delinquentes" traduz uma das opções fundamentais de política criminal, ancorada em concepções moldadas por uma racionalidade e intencionalidade de preeminência das finalidades de integração e socialização, e que, por isso, comandam quer a interpretação, quer a aplicação e a avaliação das condições de aplicação das normas pertinentes.
4. O regime penal especial aplicável aos jovens entre os 16 e os 21 anos que consta do Decreto-Lei n° 401/82, de 23 de Setembro, constitui uma imediata injunção de política criminal que se impõe, por si e nos respectivos fundamentos, à modelação interpretativa dos casos concretos objecto de apreciação e julgamento.
5. A consideração das finalidades de prevenção, particularmente a função da prevenção geral deve ter um valor de intervenção específico no domínio do direito penal dos jovens delinquentes, pois a confiança da comunidade na validade das normas não pode constituir parâmetro que impeça a realização das finalidades de política criminal que justificam e conformam o regime penal dos jovens.
6. A comunidade deve sentir e compreender as opções de política criminal que se realizam através da formulação e aplicação do direito penal dos jovens adultos e os valores federadores da sociedade também exigem que o direito penal contenha instrumentos que na maior dimensão possível, sejam aptos a realizar finalidades de (re)integração dos jovens delinquentes, de inclusão e de chamamento aos valores.
7. A concordância entre as exigências impostas pela preservação da confiança da comunidade na validade das normas e as imposições, também fundamentais, de prevenção especial de socialização relativamente a jovens adultos, realiza-se por meio da intervenção dos instrumentos colocados à disposição do juiz no direito penal dos jovens, especialmente, e no que respeita à criminalidade mais grave, pelo poder-dever de atenuação especial da pena prevista no artigo 4° do Decreto-Lei n° 401/82, de 23 de Setembro, sempre que haja sérias razões para crer que da atenuação possam resultar vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
8. Estatui o artigo 50º, nº1 do Código Penal, que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
9. Esta prognose exige assim uma valoração total de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido. E, estas circunstâncias são a sua personalidade (por ex.,inteligência e carácter), a sua vida anterior (por exemplo, outros delitos anteriormente cometidos da mesma ou de outra natureza), as circunstâncias do delito (por exemplo motivações e fins), o seu comportamento depois de ter cometido o crime (por exemplo reparação do dano, arrependimento), as circunstâncias da sua vida (por exemplo, profissão, casamento e família) e os efeitos que se esperam da suspensão [...]».
10. Ainda que centrada no arguido, ou seja, em considerações radicadas na prevenção
especial, a decisão deve atender igualmente às exigências de prevenção geral positiva, para que a reacção penal responda adequadamente às expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada e assegure a protecção do bem jurídico afectado, como imposto pela parte final do nº1 do artº 50º do CP.
11. No caso sub judice, atendendo a todos os elementos carreados para os autos, importa ponderar as seguintes circunstâncias que militam a favor do arguido:
- O arguido era muito jovem à data da prática dos factos, contando com 17 anos de idade no momento da sua prática;
- Os ilícitos criminais em apreço foram cometidos num período temporal já distante (Fevereiro de 2023);
- Já decorreram mais de 2 anos desde a prática de tal ilícito criminal e não há conhecimento da prática de outros ilícitos criminais da autoria do arguido, pelos quais tenha sido julgado e condenado;
- O grau de violência utilizado, o valor diminuto dos bens subtraídos, bem com as circunstâncias em que o arguido cometeu o referido ilícito criminal.
12. Atentas as considerações acima referidas que militam a favor do arguido, designadamente a sua idade, o período temporal em que os ilícitos foram cometidos, o grau de violência utilizado e as circunstâncias em que tais factos foram cometidos, resulta a nosso ver que a simples censura do comportamento do arguido e a ameaça da prisão serão ainda capazes de o afastar das «malhas» do crime.
13. Existindo ainda condições para confiar que o arguido será capaz de continuar a prosseguir um percurso de ressocialização em liberdade, sem que volte à prática de condutas similares, razão pela qual se entende que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades dos presentes autos.
14. Concluindo-se assim, no estrito cumprimento do disposto no art. 50º do Código Penal, que a pena de 3 anos e 6 meses de prisão aplicada ao arguido CC no âmbito dos presentes autos deverá ser suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova.
15. O crime de roubo simples previsto pelo artigo 210.º/1 do Código Penal não se pode ter como estando excecionado nem pela alínea b), nem pela alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto.
16. Tal formulação permite, pelo contrário, afirmar que o crime de roubo agravado previsto no artigo 210.º/2 Código Penal, está excepcionado em ambas as normas: na alínea b) com referência expressa e na alínea g) por força da remissão, ali operada.
17. A correcta interpretação das normas vai no sentido de que o legislador não pretendeu excepcionar o crime de roubo simples do âmbito da aplicação da Lei 38-A/2023: na alínea b) do artigo 7.º apenas se menciona o crime de roubo do artigo 210.º/2, não se podendo entender que o crime de roubo simples esteve na mente do legislador, quando previu a alínea g).
18. Se o legislador quisesse excluir da aplicação da dita Lei o crime de roubo, quer o simples, do n.º 1, quer o agravado, do n.º 2 (do artigo 210.º do CP), bastaria na referida alínea b) do artigo 7.º, em vez de referir apenas e só, o roubo do artigo 210.º/2, fazer, menção ao roubo do artigo 210.º Código Penal.
19. Nenhum sentido útil faz excluir da aplicação da Lei o crime de roubo agravado do artigo 210.º/2 através da formulação da alínea b) e fazer excluir o crime de roubo simples do artigo 210.º/1 através da sua inclusão na previsão da alínea g).
20. No caso concreto o Recorrente tinha menos de 31 anos à data da prática dos factos e que a pena única que lhe foi aplicada não se mostra superior a 8 anos, há que se concluir pela verificação dos pressupostos para que o arguido beneficie do perdão de 1 ano a incidir na pena de prisão em que foi condenado, no caso concreto 3 anos e 6 meses de prisão.
21. O Tribunal a quo violou o Artigo 2.º, o n.º1 do Artigo 8.º e as alíneas b) i) e g) do n.º1 do Artigo 7.º da Lei n.º38-A/2023, de 02/08.
22. O acórdão recorrido deve ser revogado, determinando a aplicação do perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 02/08, reduzindo-se a pena de 3 anos e 6 meses de prisão para 2 anos e 6 meses de prisão.
Termos em que e nos mais de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., concedendo-se provimento ao presente recurso, requer-se a revogação do douto acórdão recorrido, substituindo-se o mesmo por outro, que considere as razões invocadas, aplicando a atenuação especial da pena, suspendendo-se a execução da pena prisão aplicada ao arguido, com regime de prova, bem como reduzir a pena para 2 anos e 6 meses de prisão.
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No seu recurso, o arguido BB formulou as seguintes conclusões:
I – O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito do Acórdão proferido nos presentes autos, a qual condenou o ora Recorrente como autor material de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º n°s 1 e 2 al. b) do Código Penal, com referência à al. g do n° 2 e 4 do art. 204º do Código Penal
II - O tribunal a quo considerou provado que:
Resultaram provados os seguintes factos com pertinência para a decisão:
14. Seguidamente, o mesmo arguido obrigou o ofendido GG a acompanhá-lo ao ..., onde se encontravam os arguidos AA, BB, CC, HH e EE, e o menor II, a quem se juntaram;
15. Nessa ocasião, os arguidos obrigaram o ofendido GG a acompanhá-los a uma caixa multibanco ali existente;
16. Aí, todos os arguidos obrigaram o ofendido GG a efectuar o levantamento de 20,00 €, para lhes entregar;
17. Sempre temeroso, até por que sabia que o arguido FF tinha consigo a referida faca, o ofendido GG efectuou o levantamento do dinheiro exigido, que de imediato entregou ao referido arguido;
18. De seguida, os arguidos obrigaram o ofendido GG a seguir com eles de autocarro até às ..., onde todos saíram;
19. Nesse local, os arguidos permitiram que o ofendido GG se fosse embora.
Os arguidos agiram em conjugação de forças e de vontades, com o propósito de se apoderarem do dinheiro que o ofendido GG tinha consigo, bem sabendo que não lhes pertencia e que o faziam contra a vontade de seu dono, o que quiseram;
24. Sabiam os arguidos que, apresentando-se perante o ofendido da forma que o fizeram, exibindo o arguido FF uma faca, criariam uma situação de superioridade numérica e de ascendente físico sobre aquele e que dessa forma o impediriam de reagir aos seus intentos, o qual, tolhido pelo medo, não esboçou qualquer reacção;
26. Em todas as condutas supra descritas os arguidos agiram de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo da sua reprovabilidade em termos penais;
III – Na formação da sua convicção, o tribunal teve em consideração o depoimento das testemunhas, referidas no Ponto D desta peça testemunhas ouvidas em Audiência e Julgamento, e em fotogramas que em nada podiam servir para condenar o ora recorrente.
IV – Ora, das declarações do ora Recorrente ao tribunal a quo é explicado os circunstancialismos que o levaram a estar presente do ....
V - Do depoimento das testemunhas, conforme referido no citado Ponto D, resulta que em nenhum momento diz que o ora Recorrente praticou direta ou indiretamente qualquer ato criminoso;
VI - No que diz respeito aos outros elementos da prova, nomeadamente, os fotogramas, não é possível extrair de nenhum deles que o ora Recorrente tenha praticado o crime de roubo.
VII – O Tribunal a quo devia ter julgado como não provado os factos n.ºs 14 a 19, 23, 24 e 26, constantes do Acórdão ora objeto de recurso, os quais, para efeitos da al. a), do n.º 3, do art. 412.º, do CPP, foram incorretamente julgados.
VIII – Por sua vez, também os outros elementos de prova não são aptos a demonstrar que o ora Recorrente praticou este ou aquele ato para cometer o crime de roubo.
IX - Depois de analisarmos a prova produzida, verificamos que a condenação do ora Recorrente assenta, no fundo, em interpretações de depoimentos das testemunhas, depoimentos estes que não estão espelhados na decisão condenatória, e, em meras deduções, as quais se revelaram fantasiosas, muito vagas e genéricas.
X – Sendo certo que as testemunhas, em especial a testemunha GG, não conhecia o ora Recorrente, e, de nenhuma forma implicou, sem margem para qualquer dúvida, o ora recorrente nos factos de que foi alvo, no crime de que foi alvo.
XI – O Tribunal a quo ao dar como provados, designadamente, os factos 14 a 19, 23, 24 e 26, do Acórdão condenatório, objeto do presente recurso, os quais não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento, violou, entre outros, o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127.º, como o disposto no n.º 1, do art. 355.º, todos do CPP.
XII – Se os factos 14 a 19, 23, 24 e 26, constantes do acórdão recorrido, tivessem sido dados como não provados o ora Recorrente teria necessariamente de ser absolvido.
XIII – Por outro lado, a prova produzida criou, na melhor das hipóteses, apenas dúvidas sobre a veracidade dos factos provados 14 a 19, 23, 24 e 26.
XIV – Pelo que, é evidente a insuficiência probatória para a decisão da matéria de facto provada.
XV – Pelo exposto, o tribunal a quo, condenando o ora Recorrente, violou, ainda, o princípio do “in dubio pro reo”, consagrado no n.º 2, do art, 32.º, da CRP, o qual devia ser interpretado e aplicado no sentido da sua absolvição.
XVI – O ora Recorrente, porque não praticou qualquer crime, considera-se, sem mais alongamentos não se encontrar preenchido o tipo objetivo do crime de que foi acusado e condenado, impondo-se a absolvição do ora Recorrente.
XVII - A aplicação da pena de prisão efetiva revela-se desproporcional face à ausência de prova robusta e inequívoca.
XVIII - A ausência de antecedentes criminais antes dos factos e a sua conduta posterior não justificam a aplicação de uma pena tão gravosa.
XIX- O Recorrente deve ser absolvido por falta de prova suficiente que sustente a condenação.
XX Caso assim não se entenda, deve ser a pena ser atenuada e suspensa na sua execução.
Termos em que, concedendo-se provimento ao presente recurso, deverá o douto acórdão ora recorrido ser revogado, absolvendo-se o ora recorrente do crime pelo qual foi condenado.
Admitidos os recursos, o Mº.Pº. apresentou as suas respostas a todos eles.
Assim, na resposta ao recurso do arguido DD, o Mº.Pº. concluiu:
1 – O arguido DD vem interpor recurso do douto acórdão que o condenou pela prática, em coautoria material de um crime de roubo, previsto e punível pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na penas de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
2 – De acordo com as conclusões delineadas pelo arguido, as quais delimitam o objecto do seu recurso, vem o arguido requerer a atenuação especial da pena decorrente do art. 4º do Dec. Lei 401/82, de 23 de setembro, caso assim não se entenda, subsidiariamente, a suspensão da execução da pena de prisão e ainda, caso assim não se entenda também e, subsidiariamente, a aplicação do perdão de pena previsto na Lei nº 38-A/2023 de 2 de Agosto.
3 – No que se refere à aplicação do art. 4º do DL401/82, entendeu o Tribunal e bem, que em face da elevada ilicitude da conduta do arguido e do seu intenso dolo, era de desaplicar tal regime, porquanto não era possível fazer um prognóstico favorável acerca do comportamento do arguido, do seu caráter evolutivo e da sua capacidade de ressocialização.
4 – Por outro lado, partindo da moldura penal aplicável ao crime em causa (1 a 8 anos de prisão) e atendendo ao conjunto dos factos e à personalidade do agente, na ponderação de todos os factores relevantes da culpa e da prevenção, tendo presente a moldura penal, entendemos como adequada e justa a condenação na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, assim não se excedendo a medida da culpa e, satisfazendo-se as exigências preventivas que a sua conduta impõem.
5 – Quanto à suspensão da execução desta pena de prisão, entendeu o Tribunal e nós com ele que, em face do crime praticado, a ilicitude nele contida, o dolo do arguido e as necessidades de prevenção, não é possivel formular um juízo de prognose favorável no sentido de a ameaça com a possibilidade de o arguido ser privado de liberdade, ser suficiente para acautelar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal), donde, é inaplicável o regime da suspensão da execução da pena de prisão previsto no art. 50º, nº 1 do C.Penal.
6 – Por último e quanto à aplicação do perdão de pena, estando em causa a prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1 do C. Penal, cremos que em face do disposto da al. g) do cit. art. 7º, nº1 que remete expressamente para o artigo 67º-A do Código de Processo Penal (vítima especialmente vulnerável), que por sua vez nos remete, para a definição de criminalidade especialmente violenta - art. 1º, al. l) do mesmo código - é igualmente inaplicável tal perdão.
Assim, julgando totalmente improcedente o recurso interposto e mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos, V. Ex.as farão a costumada e habitual Justiça.
Na resposta ao recurso do arguido EE, o Mº. Pº. concluiu o seguinte:
1 – O arguido EE vem interpor recurso do douto acórdão que o condenou pela prática, em coautoria material de um crime de roubo, previsto e punível pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa pelo período de 4 (quatro) anos, a qual se sujeitou a regime de prova.
2 – De acordo com as conclusões delineadas pelo arguido, as quais delimitam o objecto do seu recurso, vem o arguido recorrer da matéria de facto - quer por via do art. 412º, nºs 3, 4 e 6 do CPPenal (recurso efectivo), quer por via do art. 410º, nº 2 do CPPenal (revista alargada) – e da matéria de direito, por considerar que não estão preenchidos os elementos objectivos e subjectivo do crime de roubo.
3 – Quanto à impugnação da matéria de facto - pontos 16, 18, 19, 23, 24 e 26 (este último não constante das suas conclusões – art. 412º, nº 1 do CPPenal) – apenas no que respeita aos factos 16 (embora o arguido transcreva nas suas alegações o teor do facto 15) e 18, o arguido dá cumprimento ao nºs 3 e 4 do art. 412º do CPPenal, pelo que os demais deverão ser desconsiderados.
4 – E mesmo relativamente a estes pontos corretamente impugnados, há que dizer que o arguido não trouxe à luz qualquer prova que ponha em crise a decisão quanto aqueles factos, limitando-se a dar uma cor diferente ao ocorrido, a dar a sua perspectiva sobre o sucedido, a fornecer uma versão alternativa dos factos, sem conseguir demonstrar que a mesma tem arrimo na prova produzida.
5 – Assim, conjugados todos estes elementos de prova e analisando-os à luz das regras da experiência, não restou qualquer dúvida ao Tribunal que os factos ocorreram tal qual foram dados como provados.
6 – No que respeita a erro notório na apreciação da prova – 410º, nº 2/c do CPP – tendo este erro que constar do teor da própria decisão de facto, não indicou o recorrente qualquer facto constante da matéria de facto provado que, analisado à luz das regras da experiência, resulte num erro claro, manifesto, evidente. Mais uma vez, o arguido limita-se a alegar genericamente que a leitura dos factos feita pelo Tribunal deveria ser outra – a sua – sem contudo evidenciar no texto dos factos provados qualquer desconformidade com o normal acontecer. Motivo pelo qual, deve improceder também este vício.
7 – Por último e no que respeita à impugnação de direito (que o arguido parece confundir com impugnação de facto), diz este arguido que não estão preenchidos os elementos objectivos e subjectivo do crime de roubo (ainda que admita, “absolutamente”, a prática de um crime naquele dia, hora e local, embora não praticado por si). Todavia, em face da matéria de facto provada, não resultam dúvidas que todos os elementos objectivos e subjectivo do crime de roubo, relativamente ao arguido EE, se mostram preenchidos, motivo pelo qual deve ser este arguido condenado em conformidade.
Assim, julgando totalmente improcedente o recurso interposto e mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos, V. Ex.as farão a costumada e habitual Justiça.
Na resposta ao recurso do arguido AA, o Mº.Pº. concluiu o seguinte:
1 – O arguido AA vem interpor recurso do douto acórdão que o condenou pela prática, em coautoria material de um crime de roubo, previsto e punível pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão.
2 – De acordo com as conclusões delineadas pelo arguido, as quais delimitam o objecto do seu recurso, vem o arguido requerer a atenuação especial da pena decorrente do art. 4º do Dec. Lei 401/82, de 23 de setembro, a suspensão da execução da pena de prisão e ainda, a aplicação do perdão de pena previsto na Lei nº 38-A/2023 de 2 de Agosto.
3 – No que se refere à aplicação do art. 4º do DL401/82, entendeu o Tribunal e bem, que em face da elevada ilicitude da conduta do arguido e do seu intenso dolo, era de desaplicar tal regime, porquanto não era possível fazer um prognóstico favorável acerca do comportamento do arguido, do seu caráter evolutivo e da sua capacidade de ressocialização.
4 – Por outro lado, partindo da moldura penal aplicável ao crime em causa (1 a 8 anos de prisão) e atendendo ao conjunto dos factos e à personalidade do agente, na ponderação de todos os factores relevantes da culpa e da prevenção, tendo presente a moldura penal, entendemos como adequada e justa a condenação na pena de 3 anos de prisão, assim não se excedendo a medida da culpa e, satisfazendo-se as exigências preventivas que a sua conduta impõem.
5 – Quanto à suspensão da execução desta pena de prisão, entendeu o Tribunal e nós com ele que, em face do crime praticado, a ilicitude nele contida, o dolo do arguido e as necessidades de prevenção, não é possivel formular um juízo de prognose favorável no sentido de a ameaça com a possibilidade de o arguido ser privado de liberdade, ser suficiente para acautelar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal), donde, é inaplicável o regime da suspensão da execução da pena de prisão previsto no art. 50º, nº 1 do C. Penal.
6 – Por último e quanto à aplicação do perdão de pena, estando em causa a prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1 do C.Penal, cremos que em face do disposto da al. g) do cit. art. 7º, nº1 que remete expressamente para o artigo 67º-A do Código de Processo Penal (vítima especialmente vulnerável), que por sua vez nos remete, para a definição de criminalidade especialmente violenta - art. 1º, al. l) do mesmo código - é igualmente inaplicável tal perdão.
Assim, julgando totalmente improcedente o recurso interposto e mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos, V. Ex.as farão a costumada e habitual Justiça.
Na resposta ao recurso interposto pelo arguido CC, o Mº. Pº. concluiu:
1 – O arguido CC vem interpor recurso do douto acórdão que o condenou pela prática, em coautoria material de um crime de roubo, previsto e punível pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na penas de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
2 – De acordo com as conclusões delineadas pelo arguido, as quais delimitam o objecto do seu recurso, vem o arguido requerer a atenuação especial da pena decorrente do art. 4º do Dec. Lei 401/82, de 23 de setembro, a suspensão da execução da pena de prisão e ainda, a aplicação do perdão de pena previsto na Lei nº 38-A/2023 de 2 de Agosto.
3 – No que se refere à aplicação do art. 4º do DL401/82, entendeu o Tribunal e bem, que em face da elevada ilicitude da conduta do arguido e do seu intenso dolo, era de desaplicar tal regime, porquanto não era possível fazer um prognóstico favorável acerca do comportamento do arguido, do seu caráter evolutivo e da sua capacidade de ressocialização.
4 – Por outro lado, partindo da moldura penal aplicável ao crime em causa (1 a 8 anos de prisão) e atendendo ao conjunto dos factos e à personalidade do agente, na ponderação de todos os factores relevantes da culpa e da prevenção, tendo presente a moldura penal, entendemos como adequada e justa a condenação na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, assim não se excedendo a medida da culpa e, satisfazendo-se as exigências preventivas que a sua conduta impõem.
5 – Quanto à suspensão da execução desta pena de prisão, entendeu o Tribunal e nós com ele que, em face do crime praticado, a ilicitude nele contida, o dolo do arguido e as necessidades de prevenção, não é possivel formular um juízo de prognose favorável no sentido de a ameaça com a possibilidade de o arguido ser privado de liberdade, ser suficiente para acautelar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal), donde, é inaplicável o regime da suspensão da execução da pena de prisão previsto no art. 50º, nº 1 do C.Penal.
6 – Por último e quanto à aplicação do perdão de pena, estando em causa a prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1 do C.Penal, cremos que em face do disposto da al. g) do cit. art. 7º, nº1 que remete expressamente para o artigo 67º-A do Código de Processo Penal (vítima especialmente vulnerável), que por sua vez nos remete, para a definição de criminalidade especialmente violenta - art. 1º, al. l) do mesmo código - é igualmente inaplicável tal perdão.
Assim, julgando totalmente improcedente o recurso interposto e mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos, V. Ex.as farão a costumada e habitual Justiça.
Na resposta ao recurso interposto pelo arguido BB, o Mº. Pº. concluiu o seguinte:
1 – O arguido BB vem interpor recurso do douto acórdão que o condenou pela prática, em coautoria material de um crime de roubo, previsto e punível pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
2 - De acordo com as conclusões delineadas pelo arguido, as quais delimitam o objecto do seu recurso, vem o arguido recorrer da matéria de facto (por via do art. 412º, nºs 3, 4 e 6 do CPPenal e por via da violação do princípio in dubio pro reo) e da matéria de direito (não preenchimento dos elementos objectivos e subjectivo do crime de roubo e determinação da pena, para a qual requer a sua atenuação especial, ou caso assim não se entenda, a suspensão da sua execução).
3 – Quanto à impugnação da matéria de facto - pontos 14 a 19, 23, 24 e 26 – cumpre sublinhar que arguido não trouxe à luz qualquer evidência que ponha em crise a decisão do Tribunal quanto aqueles factos, limitando-se a fornecer sua versão, alternativa, dos factos. Já o Tribunal a quo conjugando todos os elementos de prova – por declarações, testemunhal e documental - e analisando-os à luz das regras da experiência e de acordo com a sua livre convicção, não lhe restou qualquer dúvida que os factos ocorreram tal quale foram dados como provados.
4 - E é precisamente porque não restou nenhuma dúvida ao Tribunal quanto aos factos ocorridos e de quem foram os seus autores (cfr. pág. 18, último parágrafo do d. acórdão) – incluindo naturalmente o arguido recorrente – que não existe qualquer violação do princípio da presunção de inocência.
5 – Pese embora o arguido fazer referência nas suas alegações de recurso ao erro notório na apreciação da prova (art. 410º, nº 2/c do CPPenal), certo é que não o fez constar das suas conclusões, as quais delimitam o objecto do seu recurso (art. 412º, nº 1 do CPPenal), motivo pelo qual deve ser desconsiderado.
6 – No que respeita à impugnação de direito, em face da matéria de facto provada, a qual deve permanecer intocada, não resultam dúvidas que todos os elementos objectivos e subjectivo do crime de roubo, relativamente ao arguido BB, se mostram preenchidos, motivo pelo qual deve este arguido ser condenado em conformidade.
7 – O Tribunal entendeu, e bem, não ser de aplicar a atenuação especial prevista no art. 4º do D.L.401/82 de 23 de setembro, pois que “não pode o Tribunal atenuar especialmente as penas aplicáveis, por não se encontrarem reunidos os pressupostos do já referido preceito legal, para além de que, quanto ás necessidades de prevenção especial que se impõem, não se afigura que as mesmas se mostrassem acauteladas ou diminuídas com a atenuação especial das penas a aplicar-lhes.”.
8 - O mesmo se diga relativamente à suspensão da execução da pena, já que em face do crime praticado, a ilicitude nele contida, o dolo do arguido e as necessidades de prevenção, não permitem formular um juízo de prognose favorável no sentido de a ameaça com a possibilidade de o arguido ser privado de liberdade ser suficiente para acautelar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal). Como de resto, já não o foi anteriormente.
9 – Assim, a pena fixada de 3 anos e 6 meses de prisão, a cumprir intra muros, mostra-se justa, adequada e proporcional à ilicitude dos factos e à culpa do arguido.
Em suma, julgando totalmente improcedente o recurso interposto e mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos, V. Ex.as farão a costumada e habitual Justiça.
Remetido o processo a este Tribunal da Relação, na vista a que se refere o art. 416º do CPP, a Exma. Sra. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos com os fundamentos apresentados nas respostas a recurso elaboradas pelo Ministério Público em 1ª. Instância.
Cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do CPP, não foram apresentadas respostas.
Colhidos os vistos, realizada a conferência, nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre então decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E IDENTIFICAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005).
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061).
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
Seguindo esta ordem lógica, no caso concreto e atentas as conclusões, as questões a tratar são as seguintes:
No recurso do arguido DD:
Se estão verificados os pressupostos da aplicação do regime penal especial para jovens nos termos previstos no artigo 4º do Decreto-Lei n.º 401/82 de 23 de Setembro.
Se foi violado o princípio da proporcionalidade e, consequentemente, a pena a aplicar ao recorrente deve antes ser fixada em um ano e dois meses de prisão.
Se estão verificados os pressupostos da aplicação do regime de suspensão da pena de prisão, nos termos dos Artigos 50º e 53º do Código Penal.
Mesmo que não haja lugar à redução da pena aplicada, se há lugar à aplicação do perdão proveniente da Lei 38-A/2023, de 02/08, reduzindo-se a pena para 2 anos e 6 meses de prisão.
No recurso do arguido EE:
Se o acórdão é nulo, por falta de fundamentação, no que se refere ao exame crítico da prova e exposição dos motivos da convicção, nos termos dos arts. 374º e 379º nº 1 al. a) do CPP;
Se existe erro de julgamento, nos termos do art. 412º do CPP, quanto aos factos provados nos pontos 16, 18, 19, 23 e 24, que deveriam ter sido considerados não provados;
Se em relação aos mesmos factos se verifica o erro notório na apreciação da prova, nos termos previstos no art. 410º nº 2 al. c) do CPP;
Se foi violado o princípio «in dubio pro reo»;
No recurso do arguido AA:
Se deve ser aplicado o regime penal de jovens previsto no Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro (artigo 4º Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro);
Se é aplicável o regime de suspensão da pena de prisão, nos termos do disposto no artigo 50º e 53º do Código Penal;
Se deverá ser perdoado um ano da pena de prisão aplicada, nos termos dos artigos 2.º/1 e 3.º/1 e 4 da Lei 38-A/2023, reduzindo-se a pena para 2 anos de prisão.
No recurso do arguido CC:
Se estão verificados os pressupostos da aplicação do regime penal especial para jovens previsto no Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro (artigo 4º Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro);
Se deve aplicar-se o regime de suspensão da pena de prisão, nos termos do disposto nos artigos 50º e 53º do Código Penal;
Se deverá ser perdoado um ano da pena de prisão aplicada, nos termos dos artigos 2.º/1 e 3.º/1 e 4 da Lei 38-A/2023, reduzindo-se a pena para 2 anos e 6 meses de prisão.
No recurso do arguido BB:
Se houve erro de julgamento, quanto aos factos provados pontos 14 a 19, 23, 24 e 26, que deveriam ter sido julgados não provados, nos termos do art. 412º do CPP;
Se houve violação do princípio «in dubio pro reo»;
Caso assim não se entenda, se a pena deve ser atenuada e suspensa na sua execução.
2.2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O acórdão condenatório sob recurso fixou os factos e fundamentou a sua convicção, quanto à prova produzida, nos seguintes termos (transcrição parcial):
1. No dia … de … de 2023, pelas 18:47 horas, os arguidos FF e AA encontravam-se no …, quando verificaram que ali também se encontravam os ofendidos GG, JJ e KK, pelo que de imediato formularam o propósito de se apoderarem de bens e valores que os mesmos tivessem consigo, com recurso à violência física se tal fosse necessário;
2. De seguida, dirigiram-se aos ofendidos, a quem exigiram que lhes exibissem os telemóveis e as respetivas páginas do “Instagram”;
3. Após os ofendidos lhes terem satisfeito o pedido, os arguidos exigiram-lhes que os mesmos os acompanhassem a um local não concretamente apurado, o que aqueles recusaram fazer;
4. Nessa ocasião, o ofendido JJ correu para o interior do …, e, enquanto o fazia, perdeu um dos ténis que calçava;
5. O arguido AA, que foi no seu encalce, embora não o lograsse interceptar, recolheu a sapatilha que aquele perdera durante a fuga;
6. Enquanto isso, o arguido FF manteve-se no local com os ofendidos GG e KK;
7. Em determinado momento, KK, aproveitando um momento de distração do arguido FF, logrou afastar-se do local e entrar num autocarro da … que por ali passava;
8. Nessa sequência, para evitar a fuga do ofendido GG, o arguido FF empunhou uma faca de cozinha da marca “Curei”, com 11,5 de lâmina de comprimento, na sua direção, e obrigou-o a acompanhá-lo até ao Localização 1;
9. Temendo poder ser golpeado com a faca, o ofendido acompanhou-o até ao mencionado jardim;
10. Ali, o arguido FF obrigou o ofendido a sentar-se num banco;
11. Entretanto, o arguido AA dirigiu-se também ao referido jardim e entregou ao ofendido de GG o ténis que JJ perdera;
12. De seguida, o arguido AA abandonou o local e dirigiu-se ao ..., deixando ali o ofendido sob vigilância do arguido FF;
13. Nessa ocasião, o arguido o FF obrigou o ofendido GG a mostrar-lhe o seu saldo bancário no telemóvel, pedido que o ofendido, sempre receoso pela sua integridade física, satisfez;
14. Seguidamente, o mesmo arguido obrigou o ofendido GG a acompanhá-lo ao ..., onde se encontravam os arguidos AA, BB, CC, HH e EE, e o menor II, a quem se juntaram;
15. Nessa ocasião, os arguidos obrigaram o ofendido GG a acompanhá-los a uma caixa multibanco ali existente;
16. Aí, todos os arguidos obrigaram o ofendido GG a efectuar o levantamento de 20,00€, para lhes entregar;
17. Sempre temeroso, até por que sabia que o arguido FF tinha consigo a referida faca, o ofendido GG efectuou o levantamento do dinheiro exigido, que de imediato entregou ao referido arguido;
18. De seguida, os arguidos obrigaram o ofendido GG a seguir com eles de autocarro até às ..., onde todos saíram;
19. Nesse local, os arguidos permitiram que o ofendido GG se fosse embora;
20. A polícia, que tinha já sido alertada pelo ofendido JJ e fazia ronda ao local, acabou por ver os arguidos e o ofendido a entrarem no autocarro, segui-os, viu-os a saírem juntos na paragem das ..., e viu o ofendido GG a separar-se dos arguidos e a seguir sozinho com a sapatilha do amigo na mão;
21. De imediato a PSP abordou o ofendido e deteve os arguidos;
22. O arguido FF tinha consigo a faca utilizada e os € 20 retirados ao ofendido GG;
23. Os arguidos agiram em conjugação de forças e de vontades, com o propósito de se apoderarem do dinheiro que o ofendido GG tinha consigo, bem sabendo que não lhes pertencia e que o faziam contra a vontade de seu dono, o que quiseram;
24. Sabiam os arguidos que, apresentando-se perante o ofendido da forma que o fizeram, exibindo o arguido FF uma faca, criariam uma situação de superioridade numérica e de ascendente físico sobre aquele e que dessa forma o impediriam de reagir aos seus intentos, o qual, tolhido pelo medo, não esboçou qualquer reacção;
25. O arguido FF conhecia as caraterísticas da faca que tinha consigo, sabia que a mesma se encontrava fora dos locais para a qual foi concebida e não justificou a sua posse;
26. Em todas as condutas supra descritas os arguidos agiram de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo da sua reprovabilidade em termos penais;
Mais se apurou, em audiência de julgamento, e com relevo para a decisão da causa, que:
27. O arguido FF revela acentuadas fragilidades pessoais, apresentando- se como um indivíduo imaturo e impulsivo;
28. Não apresenta capacidade de auto-crítica ou de auto-censura face aos factos supra descritos;
29. O referido arguido apresenta os seguintes antecedentes criminais:
29.1. Por sentença proferida a 25.01.2023, transitada em julgado a 15.03.2024, no Juízo Local Criminal de Lisboa, Juiz 4, no âmbito do processo n° 916/22.3PCLSB, pela prática, a …/.../2022, de um crime de roubo, foi condenado na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, sob regime de prova;
29.2 Por acórdão proferido a 25.10.2024, transitado em julgado a 25.11.2024, no Juízo Central Criminal de Cascais, Juiz 1, no âmbito do processo n° 1343/22.8PCOER, pela prática, a …/…/2022, a …/…/2022 e a …/…/2023, de dois crimes de roubo agravado, de um crime de sequestro e de um crime de abuso de cartão de garantia ou de pagamento, foi condenado na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob regime de prova;
30. O arguido AA revela acentuadas fragilidades pessoais, apresentando-se como um indivíduo imaturo e impulsivo;
31. Não apresenta capacidade de auto-crítica ou de auto-censura face aos factos supra descritos;
32. O referido arguido apresenta os seguintes antecedentes criminais:
32.1. Por sentença proferida a 06.11.2024, transitada em julgado a 06.12.2024, no Juízo Local Criminal de Lisboa, Juiz 12, no âmbito do processo n° 82/23.7PZLSB, pela prática, a …/…/2023, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, foi condenado na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, sob regime de prova;
32.2. Por acórdão proferido a 25.10.2024, transitado em julgado a 25.11.2024, no Juízo Central Criminal de Cascais, Juiz 1, no âmbito do processo n° 1343/22.8PCOER, pela prática, a …/…/2022, a …/…/2022 e a …/…/2023, de um crime de roubo agravado, de um crime de sequestro e de um crime de abuso de cartão de garantia ou de pagamento, foi condenado na pena única de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, sob regime de prova;
33. O arguido BB revela acentuadas fragilidades pessoais, apresentando- se como um indivíduo imaturo e impulsivo;
34. Não apresenta capacidade de auto-crítica ou de auto-censura face aos factos supra descritos;
35. O referido arguido apresenta os seguintes antecedentes criminais:
35.1. Por acórdão proferido a 18.11.2020, transitado em julgado a 18.12.2020, no Juízo Central Criminal de Cascais, Juiz 2, no âmbito do processo n° 19/20.5PBOER, pela prática, no ano de 2020, de um crime de roubo na forma tentada, foi condenado na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, sob regime de prova;
35.2. Por acórdão proferido a 25.10.2024, transitado em julgado a 25.11.2024, no Juízo Central Criminal de Cascais, Juiz 1, no âmbito do processo n° 1343/22.8PCOER, pela prática, a …/…/2022, de um crime de roubo, foi condenado na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, sob regime de prova;
36. O arguido CC revela acentuadas fragilidades pessoais, apresentando-se como um indivíduo imaturo e impulsivo;
37. Não apresenta capacidade de auto-crítica ou de auto-censura face aos factos supra descritos;
38. Foi-lhe aplicada, no âmbito do processo tutelar educativo 3142/19.5T9CSC, do Juízo de Família e Menores de Cascais, Juiz 1, por decisão proferida em 12.02.2020, transitada em julgado a 24.02.2020, a medida de acompanhamento educativo pelo período de 18 meses, por factos praticados em …/…/2019, subsumíveis ao crime de ofensa à integridade física simples; tal medida tutelar educativa foi declarada extinta, pelo cumprimento, por despacho proferido no referido processo em 25.11.2021, transitada em julgado;
39. O referido arguido apresenta os seguintes antecedentes criminais:
39.1. Por sentença proferida a 23.01.2024, transitada em julgado a 02.02.2024, no Juízo Local Criminal de Oeiras, Juiz 1, no âmbito do processo n° 924/22.4PEOER, pela prática, a …/…/2022, de um crime de detenção de arma proibida foi condenado na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5; por despacho proferido nesses autos a 22.11.2024, transitado em julgado, foi tal pena declarada extinta, pelo pagamento da multa;
39.2. Por acórdão proferido a 25.10.2024, transitado em julgado a 25.11.2024, no Juízo Central Criminal de Cascais, Juiz 1, no âmbito do processo n° 1343/22.8PCOER, pela prática, a …/…/, de um crime de roubo, foi condenado na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, sob regime de prova;
40. À data dos factos supra descritos o arguido HH residia com o irmão na habitação materna na localidade de Dafundo, concelho de Oeiras, encontrando-se a mãe a desenvolver funções laborais nos Açores, mantendo-se laboralmente inactivo e ocupando o tempo em convívios em contextos de risco e consumos de estupefacientes;
41. O arguido é o mais novo de uma fatria de dois, sendo proveniente de um enquadramento familiar que ficou marcado pela separação dos pais quando o mesmo tinha cerca de três anos de idade, ficando aos cuidados da mãe, e mantendo-se o pai, que viria a constituir um novo agregado, uma figura presente na vida do descendente, tendo uma irmã consanguínea mais nova com quem também mantém proximidade;
42. Quando o arguido tinha cerca de nove/dez anos a mãe estabeleceu novo relacionamento afetivo, passando o agregado a permanecer períodos na habitação do padrasto, em Porto Salvo, embora quando o arguido tinha cerca de 16/17 anos, mudaram-se temporariamente para o Algarve por questões profissionais da mãe;
43. O arguido manteve-se entre 09/06/2023 e 03/09/2024 sujeito ao cumprimento da medida de Obrigação de Permanência na Habitação com Vigilância Eletrónica no âmbito do processo n° 1343/22.8PCOER, do Juiz 1 do Juízo Central Criminal de Cascais, após ter permanecido no Estabelecimento Prisional de … desde 21/04/2023, decorrendo a referida medida de coação sem registo de incidentes;
44. Durante o cumprimento da referida medida de coação, inicialmente integrou o agregado do avô materno, em …, junto deste e da mãe, que se mudou temporariamente para essa habitação devido a um problema de saúde; em Fevereiro/2024 o arguido solicitou a mudança de residência para …, para a habitação onde reside a mãe e o padrasto, proprietário do imóvel, enquadramento habitacional e familiar onde se mantém no presente;
45. O contexto relacional é positivo, cumprindo o arguido as regras familiares e estabelecendo interações adequadas e ajustadas com essas figuras, permanecendo o padrasto alguns períodos ausente, nos …, por motivos profissionais;
46. O arguido veio a reintegrar-se profissionalmente após a cessação a medida de coação supra referida, pautando o quotidiano actual pelo exercício laborai no supermercado …, em …, na categoria profissional de …;
47. O arguido iniciou funções em …/1…/2024 com contrato de trabalho a termo certo, com final previsto para …/…/2025, sendo o horário de trabalho no período nocturno entre as 22 horas e as 07 horas, com duas folgas semanais rotativas, e auferindo um vencimento base de 830 EUR a que acrescem 200 EUR pelo trabalho por turnos;
48. Atendendo ao horário laboral actual, são mais escassos os tempos de lazer do arguido, que dedica à prática de desporto com o irmão e a convívios com amigos;
49. Em termos escolares, concluiu com aproveitamento o nono ano de escolaridade, tendo posteriormente frequentado dois cursos de formação profissional nas áreas da construção civil e da informática, os quais viria a abandonar por desinvestimento;
50. Profissionalmente, exerceu funções em Portugal como …, no … e, nos …, entre … e … de 2022, como … e como …;
51. O agregado do arguido apresenta uma situação financeira estável e equilibrada, capaz de suportar os encargos domésticos, dependendo a subsistência dos seus elementos dos rendimentos auferidos pela mãe e pelo padrasto, gerindo aquele os rendimentos que aufere do exercício da sua actividade laborai;
52. O arguido é consumidor de estupefacientes (haxixe) desde há cerca de três anos, em contexto de convívios sociais, não reconhecendo possuir qualquer problemática a esse nível; 
53. O arguido revela acentuadas fragilidades pessoais, apresentando-se como um indivíduo imaturo e impulsivo;
54. Não apresenta capacidade de auto-crítica ou de auto-censura face aos factos supra descritos carece de aperfeiçoamento das suas competências sociais e emocionais
55. O referido arguido apresenta os seguintes antecedentes criminais;
55.1. Por sentença proferida a 29.05.2023, transitada em julgado a 18.10.2024, no Juízo Local Criminal de Oeiras, Juiz 2, no âmbito do processo n° 914/22.7PBOER, pela prática, a …/…/2022, de um crime de roubo e de um crime de abuso de cartão de garantia, foi condenado na pena de 22 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, sob regime de prova;
55.2. Por sentença proferida a 06.05.2024, transitada em julgado a 23.05.2024, no Juízo Local Criminal de Oeiras, Juiz 1, no âmbito do processo n° 1183/22.4PCOER, pela prática, a …/…/2022, de um crime de ofensa à integridade física simples, foi condenado na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 5; por despacho proferido nesses autos a 06.06.2024, transitado em julgado, foi declarada perdoada a pena, nos termos da Lei n° 38- A/2023, de 2 de Agosto;
55.3. Por sentença proferida a 10.10.2024, transitada em julgado a 11.11.2024, no Juízo Local Criminal de Lisboa, Juiz 4, no âmbito do processo n° 1166/22.4PZLSB, pela prática, a …/…/, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, foi condenado na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e 6 meses, sob regime de prova; 
55.4. Por acórdão proferido a 25.10.2024, transitado em julgado a 25.11.2024, no Juízo Central Criminal de Cascais, Juiz 1, no âmbito do processo n° 1343/22.8PCOER, pela prática, a …/…/2022, de um crime de roubo agravado, foi condenado na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob regime de prova;
56. À data dos factos supra descritos o arguido EE integrava o agregado da progenitora, residindo com esta desde os 13 anos de idade, altura em que imigrou do seu país de origem, a …, para Portugal;
57. A dinâmica da família é descrita de forma positiva, existindo vinculação afectiva entre o arguido e a mãe;
58. A progenitora desempenha actividade profissional como cozinheira e o arguido trabalha na …, atividade que desenvolve há cerca de cinco meses, mediante contrato de trabalho, em regime noturno e a tempo completo;
59. Iniciou de forma mais regular esta atividade após concluir o 12° ano de escolaridade com o Curso Profissional de …;
60. Durante a frequência do curso profissional trabalhou em part-time como …, por cerca de nove meses;
61. Previamente a esta actividade, efectuou um estágio curricular na …;
62. O arguido apresenta um trajeto marcado por práticas desportivas, tendo sido jogador de futebol 11 num Clube de …, ainda que tenha suspendido a actividade desportiva por causa dos horários do seu estágio;
63. Assume as suas despesas mensais, sendo que aufere um rendimento líquido mensal de 830 Euros, podendo ascender aos 1282€ por acréscimo de trabalho noturno, ao domingo e subsídios de refeição;
64. Todos os gastos do agregado são assumidos pela sua progenitora, destacando-se destes cerca de quarenta euros mensais de renda de casa;
65. O progenitor reside na …, tendo o arguido residido com o mesmo até imigrar para Portugal;
66. O arguido tem três irmãos mais velhos, todos já autonomizado, estando duas das irmãs a residir no Estrangeiro;
67. A família reside em bairro camarário, associado a situações de exclusão social e pouco de reduzida protecção ao nível da sociabilidade, tendo o arguido estabelecido as suas relações sociais privilegiadas com colegas de escola e amigos do bairro, alguns dos quais envolvidos em contextos não normativos;
68. Estabeleceu relação afetiva há cerca de dois anos com a namorada, mantendo um quotidiano estruturado em tomo da actividade laborai e do convívio com aquela;
69. O arguido ambiciona vir a trabalhar como …, encontrando-se a poupar dinheiro para se inscrever na frequência do curso necessário e frequenta diariamente aulas de natação, pelo mesmo motivo;
70. Apresenta alguma capacidade ao nível do sentido crítico;
71. Não são conhecidos, ao referido arguido, antecedentes criminais.
*
FACTOS NÃO PROVADOS:
Com relevo para a decisão da causa, não resultou provado que:
a) O referido em 4., supra, tenha ocorrido perante a insistência dos arguidos;
b) Nas circunstâncias supra descritas em 19., o arguido FF tenha dito ao ofendido GG: “Vou deixar-te ir, mas dia 1 quero 225 euros se não vou à tua escola e mato-te.”;
c) O arguido FF agiu com o propósito de obrigar o ofendido GG a entregar-lhe, no dia … de … de 2023, o montante de 225,00€, que sabia não lhe pertencer, sob pena de o matar, objetivo que não logrou atingir por razões alheias à sua vontade;
d) Os arguidos FF e AA não se apoderaram do dinheiro que os ofendidos JJ e KK tinham consigo por razões alheias à sua vontade;
e) O ofendido GG tenha, na sequência dos factos provados, supra descritos, passado a ter medo de utilizar transportes públicos.
*
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
Para formar a sua convicção, o tribunal baseou-se no conjunto da prova constante dos autos e na produzida em audiência de discussão e julgamento, depois de sujeita à respectiva e prudente análise crítica.
Assim, teve o tribunal em conta que todos os arguidos se remeteram ao silêncio, em audiência, tendo, nessa sede, sido reproduzidas as declarações que prestaram no âmbito do primeiro interrogatório judicial a que foram submetidos, à excepção do arguido CC, que igualmente nesse acto processual se remeteu ao silêncio. Ora, em sede de primeiro interrogatório judicial a que foram submetidos, os arguidos FF, BB, AA, DD e EE confirmaram que, no dia …/…/2023, estiveram juntos no ..., não tendo actuado do modo descrito na acusação. O arguido FF precisou que foi conversar com o ofendido GG ao parque da Localização 2, pese embora não o conhecesse, e que a faca que tinha consigo servia para comer maçãs, não a tendo exibido a ninguém.
Sucede que as declarações dos referidos arguidos, prestadas de modo vago e evasivo, foram totalmente contrariadas pela forma isenta e honesta prestada em julgamento pelos ofendidos GG, JJ e KK, nos precisos termos em que se consignaram como provados. Efectivamente, os ofendidos descreveram de forma isenta e honesta a factualidade ocorrida no …, no Localização 1, no interior do ... e no autocarro, de acordo com o elenco de factos provados, não tendo restado dúvidas quanto à respectiva veracidade. Porém, na parte respeitante à suposta exigência, feita pelo arguido FF, de que o ofendido GG lhe entregasse € 225, e atenta a circunstância de, quanto a tal segmento, o referido ofendido não ter exibido certeza relativamente à quantia exigida, forma de pagamento, nem à pessoa que lha dirigiu, tal parte resultou não provada, não se tendo afigurado possível a produção de outros meios de prova para além do depoimento do ofendido. Igualmente da dinâmica factual descrita, no seu conjunto, pelos ofendidos JJ e KK, não foi possível adquirir a certeza de que os arguidos não se apoderaram do dinheiro pertencente a tais ofendidos por razões alheias à sua vontade, ou que tenha sido por insistência dos arguidos FF e AA que o ofendido JJ correu para o interior do ....
Teve-se ainda em conta os depoimentos isentos e imparciais prestados pelas testemunhas LL e MM, agentes da PSP, relativamente às circunstâncias em que abordaram o ofendido GG e os arguidos, acompanhados de um menor, à saída do autocarro nas ..., tendo precisado que já os haviam visualizado aquando da entrada nesse autocarro no terminal do …, na sequência de denúncia apresentada pelo ofendido JJ na Esquadra da PSP existente no .... Estes depoimentos, bem como os prestados pelos ofendidos, foram ainda conjugados, e confirmados, pelo teor do auto de notícia de fls. 2 e seguintes, do termo de entrega de fls. 25, dos autos de apreensão de fls. 39-42 e 43-50, do fotograma de fls. 53, do DVD de fls. 55, do auto de visionamento e Ibtogramas de fls. 56 a 67, do DVD de fls. 163 e do auto de visionamento de fls. 191 a 198.
Assim, conjugados os referidos elementos de prova e analisados os mesmos à luz das regras da experiência, não se suscitaram quaisquer dúvidas de que os factos que supra se exararam como provados ocorreram nos exactos termos aí referidos, sendo ainda totalmente contrário à verdade que o arguido FF destinasse a faca que trazia consigo ao corte de maçãs, seja porque fez uso da mesma a determinado momento da abordagem ao ofendido GG, seja porque o seu uso e porte na via pública não é consentâneo com a normalidade social, desde logo face ao seu percurso dc vida, espelhado nos antecedentes criminais que apresenta.
Os antecedentes criminais conhecidos aos arguidos apuraram-se por referência ao teor da certidão processual extraída do processo 1343/22.8PCOER, do Juízo Central Criminal de Cascais, e dos respectivos certificados de registo criminal, constantes dos autos, e os factos que resultaram assentes quanto à sua situação pessoal, familiar e profissional tiveram por base o teor dos relatórios sociais elaborados pela DGRSP, constantes dos autos, respeitantes aos arguidos DD e EE. As características de personalidade dos arguidos, que se apuraram, tiveram por base a imediação que resultou da audiência ao seu modo de apresentação e comportamento displicente e irresponsável (menos intenso quanto ao arguido EE) e à forma como se apresentaram e prestaram declarações relativas à respectiva identificação.
2.3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DOS RECURSOS
Quanto à nulidade do acórdão, por falta de fundamentação, no que se refere ao exame crítico da prova e exposição dos motivos da convicção, nos termos dos arts. 374º e 379º nº 1 al. a) do CPP (recurso do arguido EE):
A fundamentação das decisões judiciais implica, em geral, um processo argumentativo de justificação da afirmação de que a determinados factos é aplicável uma determinada solução jurídica, através da enumeração e explicitação das razões de facto e de direito que conduziram a uma determinada subsunção jurídica dos factos e ao sentido da decisão.
Numa dimensão endoprocessual, a fundamentação serve propósitos de clareza e compreensão pelos seus destinatários, essenciais ao cumprimento da decisão e ainda de controlo da legalidade da actividade jurisdicional e do acerto e justiça da decisão, pelas autoridades judiciárias de recurso.
Numa vertente extraprocessual, as exigências de fundamentação assumem-se como um mecanismo de legitimação democrática dos próprios Tribunais e da administração da Justiça.
«A consagração constitucional do princípio da fundamentação das decisões judiciais é uma garantia do processo judicial, no sentido de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito. Mas é sobretudo o reconhecimento de que os tribunais, constitucionalmente investidos do poder de julgar, em nome do povo, têm que dar conta do modo como exercem esse poder através da fundamentação das suas decisões, assim se legitimando a sua própria função.» (Mouraz Lopes, “Gestão Processual: Tópicos para um incremento da qualidade da decisão judicial”, in Julgar, n.º 10, janeiro-abril 2010, p. 143. No mesmo sentido, Rogério Bellentani Zavarize, A Fundamentação das Decisões judiciais. 1 ed. – Campinas/SP: Millennium, 2004, p.123; Lenio Luiz Streck e Igor Raatz, O Dever de Fundamentação das Decisões Judiciais sob o Olhar da Crítica Hermenêutica do Direito, doi:10.12662/2447-6641oj.v15i20.p160-179.2017, Julho de 2017, https://www.researchgate.net/publication/...; Michele Taruffo, Il controllo di razionalità della decisione fra logica, retorica e dialettica https://iris.unipv.it/handle/11571/210955?mode=full.47#record, Francesco Conte, Il Significato constituzionale dell´obblligo di motivazione. In: GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (Coord.) págs. 30-31, https://books.google.pt).
A independência e a imparcialidade do Juiz devem, pois, transparecer do apuramento objectivo dos factos da causa e da interpretação válida das normas de direito, em obediência ao espírito e à letra da lei.
O dever de fundamentação das decisões judiciais, seja qual for a jurisdição em que sejam proferidas, é, pois, um dos alicerces do Estado de Direito Democrático, na medida em que assegura que o processo seja justo e equitativo, de harmonia com o disposto no art. 20º nºs 4 e 5 da Constituição, em face da aptidão do princípio da motivação para impedir a arbitrariedade e a descriminação, bem assim, para conferir imparcialidade às decisões, assegurando, por esta via, o respeito pelos direitos liberdades e garantias fundamentais dos seus destinatários, em sintonia com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da proporcionalidade, nos termos dos arts. 2º; 13º e 18º da Constituição, respectivamente.
Em suma, o princípio da exigência de fundamentação assume-se como garantia da imparcialidade do juiz, do controle da legalidade da decisão, e da possibilidade de impugnação das decisões, a par da possibilidade de controle do exercício do poder judiciário fora do contexto processual, por parte do povo em nome de quem deve ser feita a administração da justiça, no contexto de uma concepção democrática do poder.
«(…) O dever de fundamentação transporta para o domínio do processo penal questões de ética relacionadas com a salvaguarda da liberdade pessoal e com a função estadual punitiva.
«No fundo, o dever de fundamentação abraça múltiplos princípios de densidade constitucional como o da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da imediação e da contraditoriedade, da presunção de inocência, do direito à tutela efectiva e da livre apreciação da prova» (José Tomé de Carvalho, Breves Palavras Sobre a Fundamentação da Matéria de Facto no Âmbito da Decisão Final Penal no Ordenamento Jurídico Português, In Julgar, nº 21, Setembro-Dezembro de 2013, p. 78).
Assim é que o dever de fundamentar uma decisão judicial é uma consequência da previsão contida no artigo 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
«Tratando-se de um princípio fundamental no ordenamento jurídico nacional, a sua concretização normativa, nos vários ordenamentos, não pode deixar de concretizar as várias dimensões onde se sustenta: generalidade, indisponibilidade, completude, publicidade e concretização do duplo grau de jurisdição.» (Mouraz Lopes, “Gestão processual: tópicos para um incremento da qualidade da decisão judicial”, in Julgar, n.º 10, janeiro-abril 2010, p. 143).
Na vertente processual penal, este imperativo constitucional densifica-se em várias disposições legais, desde logo, no princípio geral consagrado no art. 97º nº 5 do CPP, quanto à exigência da especificação dos motivos de facto e de direito de qualquer decisão
Mais especificamente, no que se refere à sentença, o artigo 374º nº 2 do Código de Processo Penal impõe, a propósito do requisito da fundamentação, que a mesma contenha a «exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
E o nº 3 indica quais as menções que o dispositivo deverá conter, incluindo as disposições legais aplicáveis e a decisão de condenação ou de absolvição.
No que se refere ao exame crítico da prova, esta exigência está, ainda, conexionada com o princípio da livre apreciação da prova, contido no art. 127º do CPP, na medida em que é a contrapartida da inexistência de regras legais que atribuam valor específico, pré-determinado às provas, ou que estabeleçam alguma hierarquia entre elas (com excepção da confissão integral e sem reservas do arguido; da prova pericial e dos documentos autênticos, cujo valor probatório se encontra legalmente pré-estabelecido), na admissibilidade de todos os meios de prova, em geral (de que decorre a equiparação da prova directa à prova indirecta ou por presunções judiciais), desde que não incluídos nas proibições contidas no art. 126º do CPP, em sintonia com o princípio consagrado no art. 32º nº 8 da Constituição.
Como a apreciação da prova é livre, mas não pode ser arbitrária, tem de alicerçar-se num processo lógico-racional, de que resultem objectivados, à luz das máximas de experiência, do senso comum, de razoabilidade e dos conhecimentos técnicos e científicos, os motivos pelos quais o Tribunal valorou as provas naquele sentido e lhes atribuiu aquele significado global e não outro qualquer.
Nesta medida, a exigência legal do exame crítico das provas, além das garantias de imparcialidade e sindicabilidade da decisão em instância de recurso, previne que estados puramente subjectivos, assentes em meras intuições, crenças ou emoções determinem a fixação da matéria de facto e obsta à violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova.
A omissão do exame crítico das provas importa a nulidade da sentença, nos termos do art. 379º nº 1 al. a) do CPP.
Como a própria expressão «exame crítico» refere, se, por um lado, a exigência de fundamentação da convicção do Tribunal quanto aos factos provados e não provados não se basta com a mera enumeração dos meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento, (sendo inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1.ª instância – cfr. Acs. do Tribunal Constitucional n.º 172/94, Diário da República, 2.ª série, de 19 de Julho de 1994 e n.º 573/98, Diário da República, 2.ª série, de 13 de Novembro de 1998), por outro lado, também não deve redundar numa «espécie de assentada, em que o tribunal reproduza os depoimentos de todas as pessoas ouvidas, ainda que de forma sintética» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 258/2001, com texto integral disponível em www.tribunalconstitucional.pt e, no mesmo sentido e no mesmo site, o Ac. do TC nº 198/2004), sob pena de violação do princípio da oralidade e de também não materializar qualquer análise objectiva da prova produzida, da qual seja possível retirar qual o processo de raciocínio do tribunal na formação da sua convicção quanto aos factos, qual o escrutínio efectuado acerca do conteúdo e do valor de todos e cada um dos meios de prova disponíveis.
Não obstante, há que admitir que, se para cada facto for diferente o motivo da convicção do Tribunal, por também ser distinto o meio de prova que é apto a demonstrá-lo, então, a fundamentação poderá reflectir essa especificidade e, por conseguinte, conter uma motivação própria para cada um dos factos, exclusiva, autónoma e diferenciada das demais.
Tal, porém, só em casos muito excepcionais acontecerá e de qualquer modo, a lei não prevê, nem impõe esse grau de exigência na fundamentação, nem ela é necessária à prossecução das finalidades visadas, com as normas contidas nos arts. 205º da Constituição da República Portuguesa, nem nos arts. 97º nº 5 e 374º nº 2 do CPP, porque a enunciação individualizada de cada meio de prova, a propósito de cada facto, isoladamente e de forma segmentada, nem sequer dá adequada prossecução ao sentido da exigência de que o exame das provas seja crítico, porque este, para ser crítico, pressupõe, necessariamente, a indicação das razões pelas quais se atribui valor ou credibilidade a determinados meios de prova e para que factos e a outros já não é atribuída a mesma aptidão probatória para fundamentar qualquer conclusão sobre eles ou sobre outros factos.
O exame crítico exigido pela lei não se basta com a apreciação das provas uma a uma, antes requer uma apreciação concatenada, a partir da qual sejam estabelecidas correlações internas entre elas, comparações entre as que sejam de sinais opostos, inferências, deduções, sempre contextualizadas no material probatório analisado globalmente e não em análises fragmentárias, desgarradas umas das outras e sem uma linha de raciocínio lógico-dedutivo que espelhe as opções do julgador, na matéria, bem como os motivos dessas opções.
O raciocínio lógico, motivado e objectivado na análise das provas não tem, pois, forçosamente, de implicar uma fundamentação específica e autonomizada, facto a facto, sob pena de se converter numa tarefa impossível, ou, pelo menos, repetitiva e inútil, com eventual grave prejuízo para a sua inteligibilidade e clareza e, portanto, os valores de transparência e rigor, controlo da legalidade e legitimação democrática das decisões judiciais, que a exigência de fundamentação visa assegurar, acabarem por resultar postos em crise por essa mesma fundamentação, se exacerbada ao nível de pormenorização pretendido pelo recorrente.
É certo que o exame crítico das provas tem geometria variável, tanto quanto o dever geral de fundamentação de todas as demais decisões judiciais, consoante a sua complexidade intrínseca ou a controvérsia gerada entre os sujeitos processuais, ou mesmo, a quantidade, a natureza e o conteúdo dos meios de prova disponíveis, designadamente, quanto à existência ou não de prova directa dos factos que integram a prática dos crimes pelos quais os arguidos vêm acusados, ou à necessidade de recurso a presunções naturais que podem envolver e, por regra, envolvem mesmo, um maior esforço argumentativo, pela necessidade de cruzamento de informações provenientes de diferentes fontes e da sua análise lógica e dedutiva, à luz de máximas de experiência comum, de critérios de razoabilidade humana, de determinados usos, ou de regras técnicas e científicas, pertinentes ao juízo de inferência necessário para extrair um facto desconhecido de outro facto conhecido.
O que importa para satisfazer a exigência legal do exame crítico das provas é que a fundamentação da decisão de facto expresse quais as provas cujo valor probatório se encontra pré-estabelecido na lei (v.g., a confissão do arguido, a prova pericial e a prova documental autêntica e autenticada) que foram produzidas e quais os factos que demonstram, bem como, que dessa fundamentação resulte, com clareza, quais as regras de experiência comum, os critérios de razoabilidade e de lógica, ou os conhecimentos técnicos e científicos utilizados para conferir credibilidade a determinados meios de prova e não a outros e em que medida os meios de prova produzidos oferecem informação esclarecedora e convincente que permite considerar provados os factos ou, pelo contrário, não oferecem segurança para alicerçar uma conclusão positiva acerca da verificação de determinados factos e, por isso, se justifica a sua inclusão, nos factos não provados.
O regime legal, quanto à fundamentação da decisão de facto, consagra, pois, «um sistema que obriga a uma correta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do objeto do processo, de modo a permitir-se um efectivo controle da sua motivação» (Marques Ferreira, “Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de Processo Penal”, Livraria Almedina, 1988, pág. 228).
«Motivar uma decisão é justificar a decisão por que se optou para que possa ser controlada tanto pelos seus destinatários directos como pelos demais cidadãos, apresentar de forma inteligível, lógica, coerente e racional, o “iter” seguido no tratamento valorativo da prova» (Perfecto Ibañez, no estudo “Sobre a formação racional da convicção judicial”, publicado na Revista do CEJ, 1.º semestre, 2008, p. 167. No mesmo sentido, Rosa Vieira Neves, in Livre Apreciação da Prova e Obrigação de Fundamentação, Coimbra Ed., 2011, 151 e segs).
O tribunal dará cumprimento ao disposto no artigo 374º, nº 2, do C. P. Penal, com indicação e exame crítico das provas, «ao identificar as provas que foram produzidas ou examinadas em audiência de julgamento e ao expor as razões, de forma objetiva e precisa, por que é que determinadas provas serviram para alicerçar a convicção e por que é que outras não serviram» (Sérgio Gonçalves Poças , “Da sentença penal - Fundamentação de facto”, Revista Julgar, ed. da ASJP, nº 3, pág. 37).
O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, variáveis consoante o acervo factual, a quantidade e qualidade dos meios de prova a apreciar e a valorar, em cada processo, sendo fundamental, mas, em qualquer caso, bastante que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual de valoração a apreciação das provas que lhe serviu de suporte, através da enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas produzidas por testemunhas ou em declarações, os motivos da credibilidade desses depoimentos e declarações, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção.
Essa aptidão de inteligibilidade dirige-se quer aos destinatários, quer às instâncias judiciais de controle e sindicância das decisões, por forma a que o exame crítico da prova torne perceptível e sindicável, em sede de recurso, lógica do raciocínio seguido pelo Tribunal do julgamento e as razões da sua convicção, quanto aos factos. (Acs. do STJ de 30.01.2002, proc. 3063/01, de 3.10.2007, proc. 07P1779; de 19.05.2010, proc. 459/05.0GAFLG.G1.S1, de 17.09.2014, proc. 1015/07.3PULSB.L4.S1; de 14.12.2016, proc. 303/14.7JELSB.E1.S1; de 13.12.2018, proc. 308/10.7JELSB-L3.S1 e de 11.07.2019, proc. 22/13.1PFVIS.C1.S1, in http://www.dgsi.pt).
Se esse mínimo de exposição, clareza e perceptibilidade estiver assegurado, já não haverá nulidade.
Assim, o que resulta expresso do próprio texto do art. 379º nº 1 al. a) do CPP, é que só a total falta de análise valorativa dos meios de prova disponíveis integra a nulidade ali prevista e que, aparte esta causa de invalidade da sentença, a exigência legal de motivação da convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados e não provados, basta-se com uma apreciação sintética, desde que abrangente e esclarecedora sobre o processo lógico-dedutivo de apreciação da prova e de fixação da matéria de facto, que permita compreender as opções do julgador e aferir da sua correcção ou conformidade com o conteúdo da prova e a valoração que dela se deve fazer, por referência aos critérios de decisão contidos nos arts. 125º a 127º do CPP (Acs. do STJ de 17.03.2004, proc. 4026/03; de 16.03.2005, proc. 05P662, de 3.10.2007, processo 07P1779 e de 26.03.2008, proc. 07P4833, Ac. da Relação de Lisboa de 10.07.2018, processo nº 106/15.1PFLRS.L1-5 in http://www.dgsi.pt; Ac. da Relação de Évora de 07.03.2017, Processo 246/10 JusNet 1781/2017; Ac. da Relação de Évora de 08.09.2020, proc. 4201/19.0T8ENT.E1, Ac. da Relação de Lisboa de 10.11.2020, proc. 7362/19.4T9SNT.L1-5, in http://www.dgsi.pt; Marques Ferreira (in "Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de Processo Penal", Livraria Almedina, 1988, pág. 228; Sérgio Poças, Da sentença penal – Fundamentação de facto, Revista “Julgar”, n.º 3, p. 21 e segs.).
Outra não pode ser a interpretação a retirar das expressões «tanto quanto possível completa, ainda que concisa», contida no art. 374º nº 2 do CPP e «é nula a sentença que não contiver as menções referidas no nº 2 (…) do art. 374º» inserta no art. 379º nº 1 al. a) do mesmo diploma, referidas à fundamentação da decisão de facto.
O texto da decisão é totalmente explícito e esclarecedor acerca dos motivos da convicção, tanto da consideração dos factos provados, como dos não provados.
O Tribunal começou por logo por dizer quais eram os meios de prova em que se alicerçou para dar como provados os factos objectivos descritos na acusação e integradores do crime de roubo e do crime de detenção de arma proibida objecto do processo.
Esses meios de prova são essencialmente as declarações que os arguidos FF, BB, AA, DD e EE prestaram no primeiro interrogatório judicial de arguido detido a que forma sujeitos, os depoimentos de testemunhas, que com os arguidos protagonizaram os factos objecto deste processo, ou seja, as testemunhas GG, JJ e KK e ainda os depoimentos das testemunhas testemunhas LL e MM, agentes da PSP, relativamente às circunstâncias em que abordaram o ofendido GG e os arguidos, conjugados com auto de notícia de fls. 2 e seguintes, do termo de entrega de fls. 25, dos autos de apreensão de fls. 39-42 e 43-50, do fotograma de fls. 53, do DVD de fls. 55, do auto de visionamento e Ibtogramas de fls. 56 a 67, do DVD de fls. 163 e do auto de visionamento de fls. 191 a 198..
De seguida, o Tribunal indicou qual a razão de ciência de cada uma destas testemunhas, adjectivou o modo como depuseram, segundo a sua percepção e, por reporte a excertos destes depoimentos, correlacionou-os e explicou por que razões lhes atribuiu credibilidade e em que medida lhe serviram de fundamento para a decisão da matéria de facto, do mesmo modo que explicou os motivos pelos quais não atribuiu valor probatório a certos aspectos das declarações de alguns arguidos e considerou outros pormenores por eles relatados e de que forma esses pormenores reforçam a consistência atribuída aos relatos das vítimas.
Quanto às condições pessoais dos arguidos, bem como aos seus antecedentes criminais, também estão indicadas as fontes de informação acerca desses factos – os relatórios sociais e os certificados de registo criminal, respectivamente - , pelo que nem sequer se compreende o que mais ou melhor poderia o Tribunal ter exposto nos motivos da sua convicção acerca dos factos provados e não provados.
Não existe, pois, qualquer nulidade.
Quanto ao erro de julgamento – impugnações amplas da matéria de facto provada nos pontos 16, 18, 19, 23 e 24 (recurso do arguido EE) e nos pontos 14 a 19, 23, 24 e 26 (recurso do arguido BB):
A matéria de facto pode ser sindicada em recurso através de duas formas: uma, de âmbito mais estrito, a que se convencionou designar de «revista alargada», implica a apreciação dos vícios enumerados nas als. a) a c) do art.º 410º nº 2 do CPP; outra, denominada de impugnação ampla da matéria de facto, que se encontra prevista e regulada no art. 412º nºs 3, 4 e 6 do mesmo diploma.
Assim, se no primeiro caso, o recurso visa uma sindicância centrada exclusivamente no texto da sentença, dirigida a aferir da capacidade do juiz em expressar de forma adequada e suficiente as razões pelas quais se convenceu e o sentido da decisão que tomou, já no segundo, o que o recurso visa, é o reexame da matéria de facto, através da fiscalização das provas e da forma como o Tribunal recorrido formou a sua convicção, a partir delas.
O erro do julgamento verifica-se sempre que o Tribunal tenha dado como provado um facto acerca do qual não foi produzida prova e, portanto, deveria ter sido considerado não provado, ou inversamente, quando o Tribunal considerou não provado um facto e a prova é clara e inequívoca, no sentido da sua comprovação.
O mecanismo por via do qual deverá ser invocado - impugnação ampla da matéria de facto – encontra-se previsto e regulado no art. 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP e envolve a reapreciação da actividade probatória realizada pelo Tribunal, na primeira instância e da prova dela resultante.
No entanto, essa reapreciação não é livre, nem abrangente, antes tem vários limites, porque está condicionada ao cumprimento de deveres muito específicos de motivação e formulação de conclusões do recurso (Maria João Antunes, in RPCC – Ano 4 Fasc.1 – pág. 120; Acórdão do STJ n.º 3/2012, de 8/3/2012, DR, I Série, n.º 77, de 18/4/2012 Acs. da Relação de Guimarães de 6.11.2017, proc. 3671/13.4TDLSB.G1; da Relação de Évora de 09.01.2018 proc. 31/14.3GBFTR.E1; da Relação de Coimbra de 08.05.2018, proc. 30/16.0GANZR.C1; da Relação de Lisboa de 12.06.2019, processo 473/16.0JAPDL.L1 e de 28.04.2021, processo 4426/17.2T9LSB.L1, in http://www.dgsi.pt) e porque não envolve um novo julgamento, em face da concepção do recurso penal como um mero remédio jurídico destinado à correcção de erros pontuais e não a uma substituição da convicção do tribunal de primeira instância pela convicção do tribunal do recurso.
Esses limites são os seguintes:
Em primeiro lugar, a imposição, como condição essencial, da reapreciação da actividade probatória realizada durante a audiência de discussão e julgamento, do cumprimento do ónus de impugnação especificada previsto no art.º 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP.
O cumprimento deste triplo ónus envolve: a especificação dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados; a indicação expressa do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida, sendo os excertos/segmentos/passagens das declarações ou depoimentos identificados por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 364º (nº 4 do artigo 412º do C.P.P.), ou através da identificação e transcrição nas motivações de recurso das ditas “passagens/excertos” dos meios de prova oral gravados, associada a uma exposição das concretas razões da discordância, ou seja, dos motivos exactos para tal modificação, em relação a cada facto alternativo proposto, o que exige que o recorrente apresente o conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida e o correlacione comparativamente com o facto individualizado que considera erradamente julgado (Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª. ed., 2009, nota 7 ao art.º 412º., pág. 1144).
Em segundo lugar, partindo da constatação de que fruto da natural falta de oralidade e de imediação em fase de recurso, com a consequente restrição do «contacto» do Tribunal da Relação com as provas, ao que consta das gravações, a convicção do Tribunal de primeira instância só não prevalecerá, se as concretas provas indicadas pelo recorrente e os argumentos por si aduzidos na análise das provas especificadas ilustrarem que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é arbitrária, impossível, ilegal ou desprovida de razoabilidade (Paulo Saragoça da Mata, in A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença em Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, Coimbra 2004, pág. 253).
Em terceiro lugar, a concepção do recurso penal como um simples remédio jurídico destinado apenas a corrigir erros pontuais e não como um outro julgamento sobre a mesma matéria, com base na audição de gravações.
Com efeito, a forma minuciosa e exigente como está previsto e regulado este tríplice ónus de especificação ilustra como o duplo grau de jurisdição da matéria de facto não implica a formulação de uma nova convicção por parte do tribunal de recurso, em substituição integral da formada pelo tribunal da primeira instância, nem equivale a um sistema de duplo julgamento, antes se cingindo a pontos concretos e determinados da matéria de facto já fixada e que, de acordo com a prova já produzida ou a renovar, devem necessariamente ser julgados noutro sentido, justamente, de harmonia com os referidos princípios que postulam a excepcionalidade das alterações ao julgamento da matéria de facto, feito na primeira instância e a concepção do recurso penal como um mero remédio jurídico (Ac. STJ n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 18-4-2012. No mesmo sentido, Germano Marques da Silva, Registo da Prova em Processo Penal, Tribunal Colectivo e Recurso, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, Coimbra, 2001. No mesmo sentido, Ana Maria Brito, Revista do C.E.J., Jornadas Sobre a Revisão do C.P.P., pág. 390; Cunha Rodrigues, «Recursos», in O Novo Código de Processo Penal, p. 393).
Em quarto lugar, o limite que resulta do facto de o tribunal de segunda instância, no recurso da matéria de facto, poder alterar a decisão proferida pelo tribunal de primeira instância, mas apenas se as provas indicadas pelo recorrente impuserem necessariamente uma decisão diversa da proferida (al. b) do nº 3 do citado art.º 412º).
Assim, a convicção do julgador, no tribunal do julgamento, só poderá ser modificada se, depois de cabal e eficazmente cumprido o triplo ónus de impugnação previsto no citado art. 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP, se constatar que a decisão da primeira instância sobre os precisos factos impugnados quando comparada com a prova efectivamente produzida no processo, deveria ter sido a oposta, seja porque aquela convicção se encontra alicerçada em provas ilegais ou proibidas, seja porque se mostram violadas as regras da experiência comum e da lógica, ou, ainda, porque foram ignorados os conhecimentos científicos, ou inobservadas as regras específicas e princípios vigentes em matéria probatória, designadamente, os princípios da livre apreciação da prova e «in dubio pro reo», assim como, as normas que regem sobre a validade da prova e sobre a eficácia probatória especial de certos meios de prova, como é o caso da confissão, da prova pericial ou da que emerge de certo tipo de documentos (autênticos e autenticados), nos termos dos arts. 344º, 163º e 169º do CPP, respectivamente.
Porém, se a convicção ainda puder ser objectivável de acordo com essas mesmas regras e a versão que o recorrente apresentar for meramente alternativa e igualmente possível, então, deverá manter-se a opção do julgador, porquanto tem o respaldo dos princípios da oralidade e da imediação da prova, da qual já não beneficia o Tribunal de recurso.
«A censura dirigida à decisão de facto proferida deverá assentar “na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção (…)”.
«A reapreciação da prova, dentro daqueles parâmetros, só determinará uma alteração da matéria de facto quando do respectivo reexame se concluir que as provas impõem uma decisão diversa, excluindo-se a hipótese de tal alteração ter lugar quando aquela reapreciação apenas permita uma decisão diferente da proferida, porquanto, se a decisão de facto impugnada se mostrar devidamente fundamentada e se apresenta como uma das possíveis soluções face às regras da experiência comum, deve a mesma prevalecer, não ocorrendo, nesse caso, violação das regras e princípios de direito probatório» (Ac. da Relação de Lisboa de 10.09.2019 proc. 150/18.7PCRGR.L1-5. No mesmo sentido, por todos, Acs. do STJ de 12.09.2013, proc. 150/09.8PBSXL.L1.S1 e de 11.06.2014, proc. 14/07.0TRLSB.S1; Acs. da Relação de Coimbra de 16.11.2016, proc. 208/14.1JACBR.C1; de 13.06.2018, proc. 771/15.0PAMGR.C1 e de 08.05.2019, proc. 62/17.1GBCNF.C1; Acs. da Relação do Porto de 15.11.2018, proc. 291/17.8JAAVR.P1, de 25.09.2019, proc. 1146/16.9PBMTS.P1 e de 29.04.2020, proc. 1164/18.2T9OVR.P1; da Relação de Lisboa de 24.10.2018, proc. 6744/16.8L1T9LSB-3; de 13.11.2019, proc. 103/15.7PHSNT.L1, de 09.07.2020, proc. 135/16.8GELSB.L1-9, da Relação de Guimarães de 08.06.2020, proc. 729/17.4GBVVD.G1; da Relação de Lisboa de 07.02.2023, proc. 1938/18.4SKLSB.L1-5, da Relação de Évora de 22.10.2024, proc. 10/23.0PESTB.E1, in http://www.dgsi.pt).
Para que possam ser consideradas verificadas a arbitrariedade, a impossibilidade lógica e/ou a ilegalidade da decisão da matéria de facto recorrida em que se materializa o erro de julgamento, este terá necessariamente de resultar de se dar como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que nada disse sobre o assunto, ou de dar-se como provado um facto sem que tenha sido produzida qualquer prova sobre o mesmo, ou de ser julgado provado um facto com base no depoimento de testemunha, sem que esta o tenha presenciado ou, por outro motivo, não tenha razão de ciência que permita atribuir fidedignidade a esse depoimento; dar-se como provado um facto com base em prova que se valorou com violação das regras sobre a sua força legal, ou com fundamento em provas proibidas, dar-se como provado um facto com base em depoimento ou declaração, em que a testemunha, o arguido, o assistente ou a parte civil não afirmaram aquilo que na fundamentação se diz que afirmaram, ou quando até disseram o contrário e esses relatos foram desconsiderados, apesar de verdadeiros e credíveis; dar-se como provado um facto com base num documento, ou relatório pericial do qual não consta o que se deu como provado, ou consta o seu oposto; dar-se como provado um facto com recurso a prova indirecta, por presunção judicial fora das condições e pressupostos em que esta podia operar (neste sentido, Acs. da Relação do Porto de 04.02.2016, proc. 23/14.2PCOER.L1-9, da Relação de Lisboa de 04.05.2017, proc. 12/15.0JDLSB.L1-9, da Relação de Lisboa de 11.03.2021, proc. 179/19.8JDLSB.L1-9, da Relação de Lisboa de 26.10.2021, processo nº 510/19.6S5LSB.L1-5, da Relação de Coimbra de 25.10.2023, proc. 101/20.9T9GVA.C2, in http://www.dgsi.pt).
No que se refere ao arguido EE a única prova concreta que indicou para sustentar o desacerto da decisão do Tribunal quanto aos factos provados que o recorrente entende que deveriam ter sido considerados não provados, foi o seguinte excerto do depoimento da testemunha GG, (gravação da audiência do dia 2024.12.11 minuto 00:23:33)
Mma Juiz de Direito: Conhece estas pessoas?
Testemunha GG: Não.
Mma Juiz: Conheceu-os nalgum momento?
Testemunha GG: Lá
(…)
- continuação do depoimento da testemunha GG (gravação da audiência do dia 2024.12.11 minuto 00:42:33)
Mma. Juiz de Direito: O que é que os outros que estão entretanto a meio do caminho, o que é que lhe fizeram?
Testemunha GG: A mim não me fizeram nada, eles estavam mais a
conversar entre eles.
Mma. Juiz de Direito: Estavam? Mesmo com o da faca?
Testemunha GG: Sim.
Mma. Juiz de Direito: Estavam combinados, o Sr. percebeu que eles se conheciam?
Testemunha GG: Sim, sim.
(…)
O facto provado sob o ponto 16 tem o seguinte teor: «Aí, todos os arguidos obrigaram o ofendido GG a efectuar o levantamento de 20,00€, para lhes entregar» e não, como vem referido no recurso, «Aí, todos os arguidos obrigaram o ofendido GG a acompanhá-los a uma caixa multibanco ali existente» porque este é o conteúdo do facto provado sob o ponto 15, como se pode ler, no acórdão recorrido.
Por seu turno, o facto provado 18 refere que: «De seguida, os arguidos obrigaram o ofendido GG a seguir com eles de autocarro até às ..., onde todos saíram».
Do único segmento do depoimento transcrito nas motivações deste recurso e acima reproduzido, nem sequer é possível extrair, como pretende o recorrente, que entre o arguido EE e aquela testemunha não houve qualquer conversa ou acto de intimidação ou de coerção da liberdade de acção e decisão do mesmo GG e subsequente apropriação do dinheiro a este último pertencente, muito menos, a asserção de que, porque não houve conversas entre os dois, o arguido EE deverá ser absolvido, por não ter praticado qualquer dos actos de execução do crime de roubo e, menos ainda, que deste pequeno excerto do depoimento da testemunha GG tenha resultado o contrário, ou coisa diversa de toda a restante informação que a prova testemunhal, descrita e examinada criticamente na motivação da decisão de facto, é apta a providenciar e com fundamento na qual foram dados como provados todos os factos descritos de 1 a 26.
A começar pelo próprio depoimento da testemunha GG, mesmo que tomada em consideração apenas a parte que foi transcrita, nas motivações, pelo recorrente EE.
Muito pelo contrário, o que a simples análise da transcrição desta parte do depoimento revela é que a testemunha GG só conheceu os arguidos no local dos factos e que, aquando da ocorrência destes, todos os arguidos estavam combinados entre si, sendo que um dos arguidos estava munido de uma faca. Nada mais.
Ora, este conteúdo útil que é o único que se pode retirar deste excerto deste depoimento, seja qual for a perspectiva em que se analise, é manifestamente inapto para sustentar qualquer conclusão de que os factos 16 ou 15 e 18 deveriam ter sido considerados não provados.
No que se refere aos factos provados 19, 23 e 24, o recorrente EE nem sequer desenvolveu qualquer esforço argumentativo mínimo à luz das exigências contidas nos nºs 3, 4 e 6 do art. 412º do CPP, para ilustrar o erro, porquanto não indicou qualquer prova concreta de cujo conteúdo fosse possível extrair ou concluir que aqueles factos não resultaram demonstrados da discussão da causa.
A falta de indicação concreta, nas motivações e nas conclusões, dos excertos ou segmentos dos depoimentos e das declarações nos termos previstos no nº 3 al. b) e no nº 4 do art. 412º do CPP, que seriam aptos a demonstrar a incorrecção do julgamento do factos, conduz necessariamente à improcedência da impugnação ampla da matéria de facto, porque essa omissão ultrapassa a mera deficiência relativa apenas à formulação das conclusões, antes constituindo uma falta que afecta o próprio conteúdo daquelas, o que inviabiliza, quer a possibilidade de aperfeiçoamento dessas conclusões (cfr. Acs. do TC nºs 374/2000, 259/2002, 140/2004 e 660/2014 e, ainda «a contrario», Ac. do TC nº 685/2020, in www.tribunalconstitucional.pt; Ac. do STJ de fixação de jurisprudência nº 3/2012, de 8 de Março de 2012, publicado no D.R 1ª série, nº77, de 18 de Abril de 2012, Acs. da Relação de Évora de 08.01.2013, proc. 10/13.6ZCLSB-B.E1, da Relação de Lisboa de 8.10.2015, proc. 220/15.3PBAMD.L1-9; da Relação de Guimarães de 15.04.2020, proc. 621/19.8T9VNF.G1, da Relação de Lisboa de 2.11.2021, proc. 477/20.8PDAMD.L1-5in http://www.dgsi.pt), quer a modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto, já que a inobservância do tríplice ónus de impugnação especificada imposto pelo art. 412º afasta a aplicabilidade da norma contida no art. 431º al. b) do CPP.
Em face do que fica exposto, a impugnação ampla da matéria de facto tem de ser julgada improcedente e a apreciação deste Tribunal tem de ficar restringida à verificação dos vícios decisórios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que são de conhecimento oficioso.
Logo, improcede, a impugnação ampla deduzida no recurso do arguido EE.
Quanto ao recurso do arguido BB:
O recorrente indicou com precisão quais os factos que entende que o Tribunal julgou erradamente provados – são os factos descritos sob os pontos 14 a 19, 23, 24 e 26, da matéria de facto provada.
E também mencionou os meios de prova em que alicerçou o erro de julgamento, ou seja, as declarações do próprio recorrente prestadas em primeiro interrogatório judicial de arguido detido e reproduzidas na sessão da audiência de 11.12.2024 e os depoimentos das testemunhas GG, JJ e KK, LL e NN (e não Forrilha como certamente por lapso se refere no recurso).
O problema é que esta menção não cumpre as exigências contidas no art. 412º nº 3 al. b) do CPP.
Além de não terem sido transcritas quaisquer passagens destes depoimentos testemunhais, também não consta qualquer identificação dos excertos/segmentos/passagens das declarações ou depoimentos identificados por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 364º (nº 4 do artigo 412º do CPP).
É insuficiente a indicação genérica de um depoimento, de um documento, de uma perícia ou de uma escuta telefónica realizada entre duas datas ou a uma pessoa. Mais exactamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação (…) das passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento» (Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª. ed., 2009, nota 8 ao art. 412º., pág. 1144).
Quando se trate de depoimentos de testemunhas, de declarações de arguidos, assistentes, partes civis, peritos ou consultores técnicos, o recorrente tem, pois, de individualizar, no universo das declarações prestadas, quais as particulares passagens, nas quais ficaram gravadas as frases que se referem ao facto impugnado.
Além disso, a especificação das provas concretas, nos termos e para os efeitos previstos no art. 412º nº 3 al. b) do CPP, implica necessariamente que o recorrente explicite os motivos que impõem uma outra decisão que não a que foi tomada, impondo-lhe uma exigência de fundamentação e de convencimento perante o Tribunal de recurso, semelhante à que se exige ao Juiz na fixação da matéria de facto provada e não provada, pois só assim o raciocínio do recorrente será perceptível (neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica, 2ª Edição, fls. 1131, notas 7 a 9, em anotação ao artigo 412º, do Código de Processo Penal).
«A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção.
«Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão» (Acórdão do TC n.º 198/2004, de 24-03-2004, in DR, II Série, n.º 129, de 02-06-2004. No mesmo sentido, Damião da Cunha, O caso julgado Parcial, 2002, pág. 37).
«Não cumpre tal requisito a mera negação dos factos, a discordância quanto à valoração feita pelo tribunal recorrido quanto à prova produzida, considerações e afirmações genéricas, a invocação de dúvidas próprias, sem que se analise o teor dos depoimentos das testemunhas indicados nas respetivas passagens da gravação, com a indicação dos motivos por que tal facto ou factos devem ser dados como provados ou não provados» (Ac. da Relação de Coimbra de 12.07.2023, proc. 982/20.6PBFIG.C1, in http://www.dgsi.pt).
Mas, foi precisamente isto que o recorrente BB fez.
Com efeito, em lugar de explicitar os concretos excertos das suas próprias declarações e dos depoimentos das testemunhas a que fez alusão no Ponto D das suas motivações e nas conclusões IV e V do seu recurso, bem como de efectuar a avaliação crítica dessas provas concretas para ilustrar como e porque é que as mesmas são determinantes de decisão necessariamente diversa, este recorrente limitou-se a tecer considerações como as de que «a testemunha GG, testemunha da acusação, no que concerne ao ora Recorrente, (…), prestou um depoimento confuso, sendo que, em nenhum momento confirmou de forma clara, mesmo instado pela Sr.ª Procuradora, que o ora recorrente tenha participado ou soubesse que estaria a decorrer um processo de roubo; Não reconheceu o ora recorrente como tendo participado em qualquer ato ilícito contra ele, nem o reconheceu nos fotogramas exibidos a fls 57 a 66 do processo», bem assim que «quanto às testemunhas, até por não terem conhecimento direto dos factos, e no que concerne ao ora Recorrente, conforme depoimentos prestados em audiência de julgamento, (…), limitaram-se, quanto aos agentes policiais a relatar a sua perceção dos factos relatados pela testemunha GG.
«Em nenhum momento e, em nenhum dos depoimentos, as testemunhas referem ter reconhecido o ora Recorrente) como um dos autores do crime que foi acusado e condenado.»
Ora, além de isto não corresponder ao conteúdo do depoimento da testemunha GG como se pode constatar da audição da gravação de tal depoimento, este tipo de argumentos não ultrapassa o patamar da divergência sustentada na convicção do recorrente formada a partir da sua própria interpretação do sentido global da prova.
Acontece que a convicção é do Tribunal que é livre de dar credibilidade a determinados depoimentos, em detrimento de outros, desde que essa opção seja explicitada, assente em critérios de razoabilidade humana, de lógica e de regras de senso comum e seja convincente, como é o caso.
Cumprida como foi essa exigência, a livre convicção do juiz torna-se insindicável, até porque a documentação dos actos da audiência não se destina a substituir, nem substitui, a oralidade e a imediação da prova.
Improcede, pois, a impugnação ampla.
O art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal, estabelece a possibilidade de o recurso se fundamentar na insuficiência da matéria de facto provada para a decisão; na contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, ou no erro notório na apreciação da prova, «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito».
Trata-se de vícios estruturais cuja apreciação não envolve nem pode envolver qualquer sindicância à prova produzida, no Tribunal de primeira instância, porque só o texto da decisão recorrida os pode evidenciar. Referem-se apenas à forma como a decisão se encontra redigida, pelo que a indagação da sua existência faz-se, exclusivamente, a partir da análise do respectivo texto, na sua globalidade, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, ainda que constem do processo, com excepção das regras de experiência comum.
São vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. Vícios da decisão, não do julgamento (Maria João Antunes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro-Março de 1994, pág. 121).
A insuficiência da matéria de facto para a decisão, verifica-se sempre que a conclusão extravase as premissas, em virtude de a matéria de facto provada e não provada ser insuficiente para fundamentar decisão, segundo as diversas soluções de direito potencialmente aplicáveis e de essa insuficiência ser resultante da inobservância dos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material, ou seja, quando após o julgamento e por não se encontrarem esgotadas todas as possibilidades de investigação dos factos relevantes para a decisão final, persista uma incerteza sobre se os factos que resultaram exarados no texto da decisão preenchem ou não a descrição típica de um crime, ou de uma circunstância modificativa agravante ou atenuante, de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, de circunstâncias relevantes para a escolha e determinação concreta da pena, ou antes, se alicerçam um estado de dúvida gerador de uma absolvição, por aplicação do princípio in dubio pro reo (que assenta na insuficiência da prova produzida, mas não da actividade de investigação e recolha dessa prova, pois que pressupõe a plena observância do princípio da descoberta da verdade material quanto aos factos que integram o objecto do processo, logo, a realização de todas as diligências probatórias pertinentes e admissíveis).
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, corresponde, genericamente, à afirmação simultânea de uma coisa e do seu contrário, vale por dizer, quando se considera provado e não provado o mesmo facto, ou quando se dão como provados factos antagónicos ou quando esse antagonismo intrínseco e inultrapassável se estabelece na fundamentação probatória da matéria de facto, ou entre a fundamentação e a decisão, a ponto de se tornar evidente, a partir da simples leitura do texto que dessa fundamentação deveria resultar decisão oposta àquela que foi tomada.
Embora os vícios decisórios sejam de conhecimento oficioso, o recorrente EE enfocou o seu recurso no erro notório na apreciação da prova.
O erro notório na apreciação da prova supõe que do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com o senso comum, deflua de forma fácil, evidente e ostensiva que factualidade ali exarada é arbitrária, contrária à lógica, a regras científicas ou de experiência comum, ou assenta na inobservância de regras sobre o valor da prova vinculada, ou das leges artis (Acs. do STJ de 12.03.2015, processo 40/11.4JAAVR.C2; de 06.12.2018, processo 22/98.0GBVRS.E2.S1 e de 03.04.2019, processo 38/17.9JAFAR.E1.S1 e Simas Santos e Leal Henriques, in “Recursos em Processo Penal, 7ª ed., 2008, Editora Rei dos Livros, pág. 77).
«Verifica-se erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que está notoriamente errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando de um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum (…)» (Leal-Henriques e Simas Santos no Código de Processo Penal Anotado, vol. II, 2ª edição, pág. 740, em anotação ao artigo 410º).
«É o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta» (Germano Marques da Silva – Curso de Processo Penal, Vol III, pág. 341).
Ora, da simples leitura do texto do acórdão, não resulta deste que se tenha retirado de qualquer dos factos uma conclusão inaceitável, à luz da lógica ou de critérios de razoabilidade, nem que tenha sido considerado provado algum facto de verificação notoriamente impossível, ou sido dado como não provado algo que resulta evidente que aconteceu, nem qualquer ambiguidade, ou contradição entre os factos ou entre os factos e a motivação ou entre algum destes items e a fundamentação de direito e a decisão, do mesmo modo que não se detecta que o Tribunal tenha procedido erradamente para o enquadramento jurídico-penal dos factos imputados ao arguido num determinado tipo legal de crime, sem antes realizar todas as diligências probatórias tidas por necessárias para o apuramento da verdade dos factos constantes da acusação, ainda possíveis mas pura e simplesmente omitidas.
Diga-se, aliás, que o recorrente invocou o vício do erro notório na apreciação da prova, mas não retirou do teor literal do acórdão, por si só ou conjugado com regras de experiência, seja que argumento apto a ilustrar esse ou qualquer outro dos vícios dos art. 410º nº 2 do CPP.
Quanto à violação do in dubio pro reo:
A violação do princípio «in dubio pro reo» pode e deve ser conhecida como vício do texto da decisão, na modalidade de erro notório na apreciação da prova, como previsto no art. 410º nº 2 al. b) do CPP assumindo, nesta vertente, uma natureza subjectiva de dúvida histórica que o tribunal do julgamento, deveria ter tido e não teve.
Assim, se é o estado de dúvida subjectivamente sentida pelo julgador aquando da valoração e exame crítico dos meios de prova que constitui o pressuposto específico do princípio «in dubio pro reo», o mesmo não se mostrará violado quando o tribunal de julgamento não se confrontou com dúvida séria sobre a demonstração do facto desfavorável ao arguido e a aferição da sua existência é feita, como é próprio dos vícios decisórios previstos no citado art. 410º do CPP, exclusivamente, através da análise do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, mas sem qualquer recurso à prova produzida, ou a qualquer outro elemento exterior.
A análise do «in dubio pro reo» e a aferição da sua eventual violação, tem necessariamente de ficar circunscrita à concepção subjectiva da dúvida, quando o recurso seja interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, porquanto as questões de facto, enquanto tais, encontram-se, fora do domínio dos poderes de cognição e decisão do STJ que, sendo um tribunal de revista, apenas conhece de direito, tal como previsto nos arts. 432º e 434º do CPP.
Consequentemente no que se refere à aferição do cumprimento dos princípios da livre apreciação da prova e do «in dubio pro reo», ao STJ apenas é possível apurar da respectiva violação através do teor literal da própria decisão: só da análise da matéria de facto e da sua fundamentação, tal como as mesmas se encontram escritas se poderá avaliar da eventual infracção destes princípios e nunca pelo exame das próprias provas que tenham sido produzidas, nem do exame crítico que delas tenha sido feito.
Porém, fora dos limites do recurso de revista, o princípio «in dubio pro reo» também pode e deve ser entendido objectivamente, ou seja, desgarrado da dúvida subjectiva ou histórica do julgador, postulando uma análise da sua violação já não só como vício decisório, mas também como erro de julgamento.
Nos termos do art. 428º do CPP, os poderes de cognição do tribunal da Relação incluem os factos fixados na primeira instância e, na medida em que o «in dubio pro reo» é uma vertente processual do princípio «nulla poena sine culpa», a sua inobservância também pode e deve ser apreciada como um erro de julgamento, nos termos regulados pelo art. 412º do CPP.
Com efeito, a impugnação ampla da matéria de facto, visando os chamados erros de julgamento, habilita o Tribunal da Relação, fora dos limites apertados dos vícios decisórios previstos no art. 410º do CPP a aferir da conformidade ou desconformidade da decisão sobre os factos impugnados com a prova efectivamente produzida no processo, de acordo com as regras da experiência e da lógica, com os conhecimentos científicos, bem como, com as regras específicas e os princípios vigentes em matéria probatória, entre os quais se incluem, naturalmente, os princípios da livre apreciação da prova e do «in dubio pro reo».
Nesta perspectiva, o enquadramento da violação do «in dubio pro reo» como erro de julgamento, postula uma concepção objectiva da dúvida quanto aos factos desfavoráveis ao arguido, que é, de resto, a que melhor se coaduna com os princípios da culpa e da livre apreciação da prova, perante as dúvidas sobre os factos desfavoráveis ao arguido, no sentido em que, se o Tribunal tem a máxima liberdade, mas também a máxima responsabilidade na forma como deve, com objectividade, efectuar o exame crítico e global das provas, adquirir a sua convicção quanto aos factos provados e fundamentar a sua decisão, também a dúvida relevante para a aplicação do princípio in dubio pro reo terá de ser motivada, segundo critérios de razoabilidade e de lógica, igualmente sindicáveis e passíveis de impugnação em via de recurso.
Assim sendo, também haverá violação do princípio «in dubio pro reo», sempre que o tribunal do julgamento tenha julgado provado facto desfavorável ao arguido, não obstante a prova disponível não permitir, de forma racional e objectiva, à luz das máximas de experiência comum, das regras da lógica, dos conhecimentos científicos aplicáveis, ou das normas e princípios legais vigentes em matéria de direito probatório, com o grau de certeza ou convencimento «para além de toda a dúvida razoável», dar por verificada a realidade desse facto, mesmo que do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras do senso comum, não resulte que o Tribunal se tenha confrontado, subjetivamente, com qualquer dúvida insuprível, no momento da decisão (cfr. nesse sentido, Acs. da Relação de Évora de 19.08.2016, processo 36/14.4GBLLE.E1, da Relação de Lisboa de 29.11.2016, processo 18/14.6PFLRS.L1-5; de 07.05.2019, processo 485/15.0GABRR.L2 e de 22.09.2020, proc. 3773/12.4TDLSB.L1 e da Relação do Porto de 12.01.2022, proc. 285/18.6GAARC.P1 de 21.06.2023, proc. 14110/18.4T9PRT.P1 e de 27.09.2023, proc. 480/18.8T9STS.P1, in http://www.dgsi.pt).
Do texto da decisão recorrida resulta inequívoco que os factos considerados provados foram assim julgados para além de qualquer dúvida razoável e por terem a sustentá-los meios de prova que foram valorados como esclarecedores e convincentes, segundo o teor literal da motivação da decisão de facto.
Tal como explanado na motivação da decisão de facto, por um lado, e por comparação com a descrição dos factos provados, designadamente dos descritos sob os pontos 14 a 19, 23, 24 e 26 da matéria de facto constante da decisão recorrida, não se descortina em relação aos mesmos um «non liquet» probatório, resultante da produção de meios de prova com conteúdos contraditórios ou de tal modo divergentes e sem que à luz das regras de experiência comum e do princípio da livre convicção do julgador tenha sido possível atribuir maior ou menor credibilidade a alguma das versões diametralmente opostas apresentadas acerca dos mesmos factos, pelo contrário, a prova é esclarecedora e inequívoca, mostra-se valorada em conformidade com o princípio da livre convicção e outra não poderia ter sido a solução que a que foi dada no acórdão recorrido, pelo que a matéria de facto ali dada como provada e como não provada não será alterada.
E, nada havendo a alterar na matéria de facto provada, é absolutamente correcto o enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos como crime de roubo, pois que os factos provados preenchem de pleno todos os elementos constitutivos do tipo legal previsto no art. 210º do Código Penal.
Quanto à aplicabilidade do regime penal especial para jovens.
Segundo a previsão contida no art. 9º do Código Penal, aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial, a qual é a que se encontra estabelecida no DL n.º 401/82, de 23 de Setembro.
O nº 2 do art. 1º deste diploma, esclarece que é considerado jovem para os seus efeitos, o agente que, à data do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos.
Por seu turno, o art. 4º do DL em apreço estabelece que, se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos arts. 73.º e 74.º do Código Penal (referência que deve ser tida em relação aos arts. 72.º e 73.º do Código Penal na versão de 1995), quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Todavia, na ponderação da possibilidade de aplicação deste regime especial para jovens delinquentes não pode abstrair-se do pensamento do legislador, expresso no ponto 7 do preâmbulo desse diploma legal: «As medidas propostas não afastam a aplicação – como ultima ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a dois anos».
Em virtude da ênfase dada à finalidade ressocializadora em relação aos demais fins das penas, pelo citado art. 4º, na aplicação deste normativo, há que considerar a globalidade da actuação e da situação pessoal e social do jovem, o que implica o conhecimento da sua personalidade, das suas condições pessoais, da sua conduta anterior e posterior ao crime.
E, porque a aplicação do regime não pode manter-se à margem da consideração das exigências de prevenção geral inerentes aos fins das penas e de defesa do ordenamento jurídico, quer porque esse foi, desde logo, o propósito do legislador, expressamente assumido no ponto 7 do preâmbulo DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, quer porque esse é o princípio geral consagrado no art. 40º do CP, a ressocialização, sendo embora um dos fins associados à aplicação de qualquer pena, só funcionará, se e quando for possível, o que vale por dizer, se e quando, depois de assegurada a necessária protecção dos bens jurídicos, subsistirem razões sérias que estribem a convicção do Tribunal, no sentido de que a atenuação especial da pena garantirá ao jovem condenado um projecto de vida conforme ao Direito.
Por isso que, para aferir da aplicabilidade ou inaplicabilidade do regime penal especial para jovens, o tribunal terá de ponderar a gravidade do crime cometido, aferida pela medida da pena aplicável, já que a aplicação do regime contido no D.L. 401/82 de 23 de Setembro não pode manter-se à margem da consideração das exigências de prevenção geral e de defesa do ordenamento jurídico.
Sendo assim, as razões atinentes às necessidades de reprovação e de prevenção do crime poderão precludir o uso e aplicação do regime, designadamente, quando a ele se opuserem considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, porquanto, a ressocialização, sendo sem dúvida um dos fins associados à aplicação de qualquer pena só poderá ser accionada, na medida do possível, ou seja, depois de assegurada a necessária protecção dos bens jurídicos, tal como emerge do disposto no artigo 40º do Código Penal que é o limite inultrapassável.
«(…) A aplicação do regime específico é, pois, obrigatória sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado; no juízo de prognose positiva imposto pelo regime do jovem delinquente devem considerar-se tanto a globalidade da atuação do jovem, como a sua situação pessoal e social, o que implica o conhecimento da personalidade, das condições pessoais, da conduta anterior e posterior ao crime, e depende do juízo que o tribunal formule sobre a existência de razões sérias para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado, e não apenas do juízo sobre a natureza dos factos e das fortes necessidades de prevenção geral que se façam sentir em relação à gravidade do crime praticado» (Ac. deste STJ, de 22.05.2013, proc. nº 179/11.6JAPLD.S1, in http://www.dgsi.pt).
«(…) Sem perder de vista que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade (cfr. preâmbulo do Dec-Lei n° 401/82) e que, por isso, se impõe também, acautelar a firme defesa da sociedade e a prevenção da criminalidade sob pena de se diluir o conteúdo dissuasor e integrador da prevenção geral e se menorizar o valor dos bens jurídicos protegidos que são, no caso, de primeira ordem, pois não se afigura razoável pensar que o legislador, estando em equação precisamente tais bens jurídicos, tivesse a intenção de subordinar as exigências de prevenção geral a quaisquer outras» (Ac. do STJ de 05.03.2015, proc. 416/11.7GFBFX.L1.S1, in http://www.dgsi.pt).
«Tal regime especial resulta da consideração por parte do legislador deste período existencial como de especial vulnerabilidade biológica, psíquica e social, manifestando uma opção por medidas e ou sanções que promovam a responsabilização e socialização sem os riscos de estigmatização e marginalização. Como é sabido, subjazem aos objectivos do regime especial dos jovens imputáveis, com idades compreendidas entre os 16 e os 21 anos, constante desse diploma, relevantes interesses públicos de justiça e de política criminal.
«Estão relacionados com as conhecidas características das fases de desenvolvimento dos jovens nessas idades, que integram períodos de intensa reorganização dialéctica, implicando frequente vulnerabilidade biológica, psíquica e social. Repita-se, vulnerabilidade que sublinha a importância, no interesse individual e comunitário, de se tentar proporcionar ao jovem, tanto quanto possível, uma moratória de ajustamento social, facilitando e promovendo condições de ressocialização responsabilizante, mas com o menor risco possível de estigmatização. O que passa pela cautela de não se encarar a reacção à passagem ao acto em função da consideração excessiva do plano do desvalor objectivo desse acto, esquecendo as referidas características de quem não se encontra ainda numa fase de suficiente maturidade, tendo por isso acrescidas virtualidades de ressocialização, as quais constituem vantagem que é premente tentar aproveitar não só, em benefício do jovem, mas também, visando o sempre muito relevante aspecto, dos interesses fundamentais da comunidade.
«Resulta expressivamente do preâmbulo do Dec.-Lei nº 401/82, que esses objectivos se traduzem no intuito de, sempre que possível e adequado às exigências concretas de prevenção especial e geral, se optar, relativamente aos jovens imputáveis, por medidas ou sanções que, tendo em conta o processo real de desenvolvimento do jovem, promovam a sua responsabilização e socialização ou ressocialização sem os referidos riscos evitáveis de efeitos criminógenos de estigmatização e de marginalização frequentemente ligados às medidas institucionais, designadamente às penas de prisão. Tudo em harmonia com os instrumentos e recomendações da O.N.U. e do Conselho da Europa, os nossos valores e princípios constitucionais e os dados mais significativos da criminologia relativa à delinquência juvenil, que inspira a filosofia do nosso sistema.
«Em harmonia com tais objectivos, esse regime especial prescreve, além do mais, no seu art. 4º que, no caso de ser de aplicar pena de prisão, ela deve ser especialmente atenuada, - independentemente da verificação das circunstâncias com os efeitos previstos na segunda parte do nº 1 do art. 72º do C.P., indicadas, a título exemplificativo, no nº 2 deste artigo -, sempre que o Tribunal tenha sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
«Concretamente, só pode proceder-se a tal atenuação, nos termos dos art. 72º e 73º do C. Penal se for possível efectuar um juízo de prognose positiva relativamente à satisfação das finalidades subjacentes às sanções penais. Para apurar de tal juízo, é necessário ponderar dos antecedentes criminais, do ambiente familiar, dos sentimentos manifestados por parte do jovem relativamente à sua conduta, e claro os seus objectivos de vida.» (Ac. do STJ de 19.03.2025, processo nº 80/24.3JELSB.S1, in http://www.dgsi.pt).
O crime cometido pelos arguidos HH, AA e CC é um crime de roubo, que, como é sabido, é um crime pluriofensivo que tutela o património, bem como a integridade física, a liberdade individual de acção e decisão que são valores inestimáveis e essenciais ao convício social em liberdade, pelo que associando a importância dos bens jurídicos visados proteger com a incriminação do roubo, com a enorme proliferação deste tipo de criminalidade a par do concreto modo de actuação e intensidade dolosa, reveladores na personalidade dos arguidos de um grande à vontade com o uso de violência de forma totalmente gratuita e métodos de intimidação prolongados, a intensidade dolosa com que agiram, o grau de ilicitude das condutas, ao nível do aproveitamento da sua superioridade numérica sobre a vítima para lhe diminuir de forma decisiva a capacidade de se opor ou resistir à subtracção ilícita dos bens e valores de sua propriedade e do tempo longo durante o qual sujeitaram a vítima a fazer tudo o que bem entenderam, leva a concluir, tal como afirmado no acórdão recorrido que este crime não pode ser considerado «um simples acidente de percurso» e, sobretudo, os arguidos revelaram, no modo de consumação deste crime fraca ou nenhuma sensibilidade a valores ético-jurídicos fundamentais à vida social em liberdade, como sejam o respeito devido ao património, à liberdade individual, à saúde e integridade física alheios.
Consequentemente, o acórdão recorrido não merece qualquer censura, no que se refere à opção pela não aplicação do regime penal especial para jovens, a todos os arguidos, incluindo os recorrentes, HH, AA e CC.
Se foi violado o princípio da proporcionalidade e, consequentemente, a pena a aplicar ao recorrente DD deve antes ser fixada em um ano e dois meses de prisão.
Dos fins das penas anunciados no art. 40º do Código Penal e do princípio da proporcionalidade consagrado no art. 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa (na sua tripla vertente, necessidade da pena, adequação e proporcionalidade em sentido estrito e nas suas manifestações de proibição do excesso e de proibição de protecção deficiente), as linhas orientadoras em matéria de escolha e determinação concreta da pena são as seguintes:
As penas servem finalidades exclusivas de prevenção geral e especial;
A pena concreta tem como limite máximo inultrapassável, a medida da culpa;
A medida da culpa constituí o fundamento ético da pena;
Tendo por referência esse limite máximo inultrapassável da culpa, a pena concreta é fixada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva ou de integração, cujos limites mínimo e máximo são, respectivamente, o ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e as exigências mínimas de defesa da ordem jurídica penal, correspondendo às exigências básicas e irrenunciáveis de restabelecimento dos níveis de confiança por parte da sociedade, na validade da norma incriminadora violada;
Dentro desta moldura de prevenção geral positiva ou de integração, a dosimetria concreta da pena terá de resultar do que se mostrar necessário e ajustado às exigências de prevenção especial, em regra, positiva ou de socialização, ou em casos excepcionais, negativa, de intimidação ou de segurança individual (Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, págs. 65-111 e na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Abril - Dezembro 1993, páginas 186 e 187. No mesmo sentido, Anabela Miranda Rodrigues, O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, nº 2, Abril/Junho de 2002, pág. 147 e ss., Claus Roxin, Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal, p. 113; Eduardo Correia, BMJ nº 149, p. 72 e Taipa de Carvalho, Condicionalidade Sócio-Cultural do Direito Penal, p. 96 e ss.).
É função da pena salvaguardar a reposição e a integridade dos bens jurídicos violados com a prática dos crimes, introduzir um efeito de confiança, no seio da comunidade, acerca da validade e eficácia das correspondentes normas jurídicas incriminadoras e produzir um efeito dissuasor da criminalidade, nos cidadãos em geral, induzindo-lhes a aprendizagem da fidelidade ao direito.
Também é função da pena assegurar, no âmbito da prevenção especial, em regra, positiva ou de socialização, a reintegração do agente na sociedade, excepcionalmente negativa ou de intimidação, prevenindo a reincidência.
«A protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial» (Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, edição 1998, AAFDL, pág. 25).
No que respeita à decisão sobre a pena, mormente à sua medida, começa por lembrar-se que os recursos não são novos julgamentos da causa, mas tão só remédios jurídicos. Assim, também em matéria de penas, o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico.
A actividade jurisdicional de escolha e determinação concreta da pena não corresponde a uma ciência exacta, sendo certo que além de uma certa margem de prudente arbítrio na fixação concreta da pena, também em matéria de aplicação da pena o recurso mantém a sua natureza de remédio jurídico, não envolvendo um novo julgamento. O tribunal de recurso só alterará a pena aplicada, se as operações de escolha da sua espécie e de determinação da sua medida concreta, levadas a cabo pelo Tribunal de primeira instância revelarem incorrecções no processo de interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais vigentes em matéria de aplicação de reacções criminais. Não decide como se o fizesse ex novo, como se não existisse uma decisão condenatória prévia.
E sendo assim, é preciso ter sempre em atenção que o Tribunal recorrido mantém incólume a sua margem de actuação e de livre apreciação, sendo como é uma componente essencial do acto de julgar.
A sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso, abrange, pois, exclusivamente, a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais previstos nos arts. 40º e 71º do CP, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas já não abrange «a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada» (Figueiredo Dias, DPP, As Consequências Jurídicas do Crime 1993, §254, p. 197).
«A intervenção dos tribunais de 2ª instância na apreciação das penas fixadas, ou mantidas, pela 1ª instância deve ser parcimoniosa e cingir-se à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, à questão do limite da moldura da culpa, bem como a situação económica do agente, mas já não deve sindicar a determinação, dentro daqueles parâmetros da medida concreta da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, a desproporção da quantificação efectuada, ou o afastamento relevante das medidas das penas que vêm sendo fixadas pelos tribunais de recurso para casos similares» (Ac. da Relação de Lisboa de 11.12.2019, proc. 4695/15.2T9PRT.L1-9. No mesmo sentido, Acs. da Relação do Porto de 13.10.2021, proc. 5/18.5GAOVR.P1, da Relação de Lisboa de 07.02.2023, proc. 1938/18.4SKLSB.L1-5 e de 17.10.2023, proc. 23/21.6PBCSC.L1-5; da Relação de Évora de 28.03.2023, proc. 182/21.8JAFAR.E1; da Relação de Coimbra 06.03.2024, proc. 8/19.2PTVIS.C1 e de 10.04.2024, proc. 227/22.4GBLSA.C1, todos, in http://www.dgsi.pt).
«Daqui resulta que o tribunal de recurso intervém na pena, alterando-a, quando detecta incorrecções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de primeira instância. O recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar» (Ac. do STJ de 19.05.2021, proc. 10/18.1PELRA.S1. No mesmo sentido Acs. do STJ de 3.11.2021, proc. 206/18.6JELSB.L2.S1, de 27.04.2022, proc. 281/20.3PAPTM.S1, in http://www.dgsi.pt).
«Sendo os recursos remédios jurídicos, mantendo o arquétipo de recurso-remédio também em matéria de pena, a sindicabilidade da medida da pena abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”» (Ac. do STJ de 8.11.2023, processo nº 808/21.3PCOER.L1.S1, citado no Ac. do STJ de 11.04.2024, processo nº 2/23.9GBTMR.S1, ambos in http://www.dgsi.pt. No mesmo sentido e na mesma base de dados, Ac. do STJ de 12.06.2025, processo nº 601/22.6T9ACB.C1.S1).
O Tribunal a quo identificou a moldura penal abstracta correspondente ao tipo de crime pelo qual o arguido recorrente foi condenado, concretizou com a pormenorização necessária, em face dos factos provados referentes às circunstâncias de tempo, modo e lugar em que o crime de roubo e dos preceitos supramencionados, as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que o crime de roubo foi cometido por todos os arguidos sob a forma de coautoria, a intensidade dolosa, o grau de ilicitude das condutas, assim como aos antecedentes criminais e às condições pessoais sociais e económicas dos arguidos, as atenuantes e agravantes em favor e em desfavor de todos os arguidos, fixando as penas que face aos elementos indicados considerou adequadas para cada um deles, sendo que, no caso do arguido DD, a pena se situa, apesar da reconhecida gravidade global dos factos e da intensidade da culpa, mais perto do limite mínimo do que do limite máximo da moldura abstracta.
O crime de roubo cometido é punível com pena de prisão cujos limites mínimo e máximo são, respectivamente, um e oito anos de prisão.
Em matéria de escolha e determinação das penas concretas, o acórdão recorrido tem o seguinte teor:
«No caso em apreço, verificam-se elevadas as necessidades de prevenção geral, pois há que acautelar o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis e, simultaneamente, a integridade física e a liberdade individual de decisão e acção dos respectivos titulares - bens jurídicos protegidos pelas normas incriminadoras violadas - e prevenir o cometimento, por parte dos cidadãos em geral, da prática de comportamentos idênticos.
«Quanto às necessidades de prevenção especial que, no caso, se fazem sentir, as mesmas afiguram-se igualmente elevadas, atenta a personalidade violenta que os arguidos evidenciaram ao praticar os factos em apreço, bem como aos antecedentes criminais que apresentam. Por tal razão, não é possível optar pela condenação do arguido FF em pena de multa, quanto ao crime de detenção de arma proibida, já que tal forma de punição não satisfaz, minimamente, as fortes necessidades de prevenção especial que se verificam. 
«Importa considerar, ainda, que a culpa dos arguidos se apresenta elevada, posto que actuaram com dolo directo e, por conseguinte, intenso.
«A culpa dos arguidos, que é limite inultrapassável das penas que lhes caberão, configura-se elevada.
«Por isso, deve o ordenamento jurídico, através da presente condenação, dissuadi-los de levar a cabo as suas propensões criminosas.
(…)
«Assim, e quanto à determinação da medida concreta das penas, o Tribunal atende:
«-Ao grau elevado da ilicitude dos factos;
«-Ao dolo com que os arguidos actuaram, na modalidade de dolo directo, porquanto agiram de acordo com o conhecimento da ilicitude que possuíam;
«-Ao valor da quantia monetária de que se apropriaram;
«- À personalidade irresponsável e de indiferença face aos valores protegidos pelo direito que os arguidos exibem;
«- Aos antecedentes criminais que, à excepção do arguido EE, os demais arguidos apresentam;
«E, ponderadas todas estas considerações, julga-se adequada a condenação dos arguidos nas seguintes penas:
«- O arguido FF: 3 (três) anos de prisão nela prática do crime de roubo e 1 (um) ano de prisão pela prática do crime de detenção de arma proibida:
«- O arguido AA: 3 (três) anos de prisão nela prática do crime de roubo;
«- O arguido BB: 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de roubo;
«- O arguido CC: 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão nela prática do crime de roubo;
«-O arguido DD: 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de roubo;»
Com referência à fundamentação ínsita no acórdão em crise, considera-se adequada a medida da pena fixada, seja quanto à sua natureza seja quanto à sua medida, sopesando os critérios determinantes conformes ao disposto no artigo 71º do Código Penal, interpretando a conduta do arguido, à luz de tais critérios, e, com equilíbrio e proporcionalidade, fixou as penas, em conformidade com essa apreciação da imagem global do facto, com o grau de culpa do arguido, com as finalidades da punição e em estrito cumprimento dos critérios previstos nos arts. 40º, 70º e 71º do CP e 18º da CRP.
Em contrapartida, todos os argumentos invocados pelo arguido DD, no sentido de alicerçar a sua pretensão de redução da pena são destituídos de virtualidade de operarem o efeito pretendido, porque:
As circunstâncias de o arguido trabalhar no …, onde exerce funções de … – facto n.º 46, de dispor de um forte apoio familiar (principalmente dos seus progenitores), de usufruir de um contexto relacional com a sua família positivo, cumprindo regras e estabelecendo interações adequadas e ajustadas com os seus membros e de a situação financeira do seu agregado familiar ser estável e equilibrada deveriam ter-lhe servido de contramotivação bastante para o impedir de ter cometido um crime tão grave como o crime de roubo objecto deste processo, ademais praticado com o aproveitamento de se encontrar em substancial vantagem numérica em relação à vítima, que, segundo o relato da própria esteve a ser intimidada e forçada a deslocar-se por locais e para locais contra sua vontade, num clima de intimidação que perdurou durante cerca de duas horas, período durante o qual não lhe faltaram nem tempo nem oportunidade para o arguido em consonância com as circunstâncias atenuantes que agora vem invocar para reduzir a pena para um ano e dois meses de prisão, ter feito cessar a execução criminosa.
Se, tal não aconteceu, também não pode servir agora de atenuante, pois que, o modo de actuação necessário para a consumação do crime revela, na personalidade de todos os arguidos, características de personalidade muito desvaliosas como sejam a naturalidade com usam de violência contra terceiros, desinteressando-se das correspondentes consequências, o que revela a par da postura que assumiram perante os factos, incluindo o arguido DD, falta de capacidade de interiorização e de adaptação do seu comportamento a valores fundamentais do convívio social em liberdade.
Acrescem as razões de prevenção geral, decorrentes da gravidade deste tipo de crimes, da sua proliferação e dos sentimentos de insegurança e medo que geram na população e que são, por isso mesmo, muito fortes.
O acerto da decisão recorrida, ao fixar a pena concreta a aplicar ao arguido DD em três anos e seis meses é total e, por isso, a mesma não será alterada.
O mesmo se diga no concerne à decisão de impor o cumprimento efectivo das penas de prisão concretamente aplicadas aos arguidos DD, AA e CC.
No que concerne à suspensão da execução da pena de prisão pretendida com o presente recurso, importa considerar que de acordo com os princípios gerais, consagrados nos art. 18º nº 2 da CRP, da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso, a que o art. 40º do CP deu concretização, constitui princípio fundamental do sistema punitivo do Código Penal, o da preferência fundamentada pela aplicação das penas não privativas da liberdade, consideradas mais eficazes para promover a integração do delinquente na sociedade e dar resposta às necessidades de prevenção geral e especial.
Em diversos preceitos se encontram afloramentos de tal princípio, designadamente, no instituto da suspensão da execução da pena de prisão, previsto no art. 50º.
Nos termos do art. 50º nº 1 do CP, «o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
A suspensão da execução da pena constituí uma dessas medidas de conteúdo pedagógico e ressocializante que exige, para além da moldura concreta não superior a cinco anos de prisão, que o Tribunal formule um juízo favorável ao arguido, no sentido de considerar provável que a simples censura da sua conduta e a ameaça da pena são suficientes para que ele não volte a cometer crimes e para satisfazer as exigências de prevenção da criminalidade.
E a ponderação das condições pessoais do arguido, da sua personalidade e conduta anterior e posterior aos factos, bem como as circunstâncias em que estes foram praticados, estão directamente associadas a finalidades de prevenção especial e não quaisquer factores relacionados com o grau de culpa do agente, cuja sede própria de apreciação é a escolha e determinação concreta da pena, constituindo o limite máximo e inultrapassável desta.
A suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime.
«O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa» (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, em anotação ao art. 50.º).
Do que se trata é de saber, se mantendo o autor do crime em liberdade, sujeito ou não a injunções e regras de conduta, como condições do não cumprimento efectivo da pena de prisão, destinadas, respectivamente, a reparar o mal do crime e a assegurar a inserção social do condenado, se mostra, em cada caso, adequado e suficiente para que interiorize o carácter ética e juridicamente reprovável da sua conduta e obste a que volte a praticar outros crimes.
«Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudencial. A suspensão da pena funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético - social contido na sentença penal com o apelo, fortalecido pela ameaça de executar no futuro a pena, à vontade do condenado em se reintegrar na sociedade» (Jescheck, Tratado, Parte Geral, versão espanhola, volume II, págs. 1152 e 1153).
«Também importa acrescentar que esse juízo de prognose não corresponde a uma certeza, antes a uma esperança fundada de que a socialização em liberdade se consiga realizar. Trata-se pois de uma convicção subjectiva do julgador que não pode deixar de envolver um risco, derivado, para além do mais, dos elementos de facto mais ou menos limitados a que se tem acesso» (Ac. do STJ de 18.06.2015, proc. 270/09.9GBVVD. S1, in http://www.dgsi.pt; no mesmo sentido, Acs. do STJ de 5.07.2012, proc. 373/11.0JELSB.S1-5; de 24.02.2016 proc. 60/13.4PBVLG.P1.S1, na mesma base de dados; Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 344; André Lamas Leite, A suspensão da execução da pena privativa de liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal, in Stvdia Jurídica, 99, Ad Honorem-5, BFDC, Coimbra Editora, 2009, pág. 629).
Numa análise globalizante dos factos, como se referiu, o grau de ilicitude da conduta é acentuado, sobretudo, no modo de execução que revela grande ligeireza e eficácia e determinação, a que se associam características de personalidade muito censuráveis como uma certa crueldade, à vontade com uso de violência e intimidação de terceiros e desrespeito pelo património alheio.
Acresce que, como resulta dos pontos 53. e 54., 30 e 31, 36 e 37 e 33 e 34, todos os arguidos DD, AA, CC e BB têm acentuadas fragilidades pessoais, apresentando-se como pessoas imaturas e impulsivas, sem capacidade de auto-crítica ou de auto-censura face aos factos supra descritos carecendo de aperfeiçoamento das suas competências sociais e emocionais.
Somam-se os antecedentes criminais, que revelam neste contexto a impossibilidade de formulação de qualquer juízo de prognose favorável, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da pena, mesmo que acompanhada de deveres ou regras de conduta, ou de regime de prova seriam suficientes para os arguidos interiorizem o carácter ilícito e censurável dos seus comportamentos e passem a comportar-se de modo socialmente responsável.
Por fim, cumpre realçar que estes crimes de roubo nem sequer correspondem a um comportamento isolado ou ocasional, no contexto de vida dos arguidos, uma vez que alguns deles até já sofreram condenações por crimes da mesma natureza.
Neste contexto, é de concluir que nenhum dos arguidos tem sensibilidade aos valores ético-jurídicos que regem a vida em sociedade, nem capacidade para adequar o seu comportamento em conformidade com tais valores, a que se somam as razões de prevenção geral quanto ao crime de roubo que desaconselham a aplicação de penas não privativas de liberdade, em face do forte alarme social que os crimes de roubo suscitam.
O crime de «roubo é, hoje, um crime temível, sobretudo quando emergente de grupos, sempre de difícil controle, imprevisibilidade de acção, usando os seus agentes, por vezes, meios de actuação sofisticados, deslocalizando-se com facilidade, tornando mais complexa a sua neutralização, com o que a pertinência a essa forma de acção traz um “plus” de culpa e de ilicitude, de censura e antijuridicidade, antinormativismo. (…) Actualmente a perigosidade da criminalidade violenta contra o património tende a esbater-se, para dar-se mais relevo à percepção do desvalor do valor social do roubo, visto como uma grave forma de ataque às pessoas» (Ac. do STJ 13.12.2017, proc. 1239/09.9TAFIG.S1, in http://dgsi.pt).
Por isso, também na opção de aplicar o instituto da suspensão da execução da pena, o acórdão recorrido está correcto e merece inteira concordância.
Resta a questão de saber se o crime de roubo está abrangido pelo perdão consagrado na Lei 38-A/2023.
O direito de clemência inclui a amnistia, o perdão genérico e o perdão individual, que, por sua vez, inclui o indulto e a comutação de penas.
A amnistia e o perdão genérico são da competência da Assembleia da República (artigo 161º alínea f) da CRP) e o indulto e a comutação de penas são actos próprios da competência do Presidente da República (art. 134º al. f) da CRP).
A amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos, como da medida de segurança (cfr. art. 128º nº 1 do Código Penal).
O perdão genérico só extingue a pena, no todo ou em parte (cfr. art. 128º nº 3 do C.P.). A amnistia é uma medida de clemência, objectiva, de carácter geral e abstracto, cujo critério de aplicação é o tipo de crime a que será aplicável, segundo a descrição constante da norma incriminadora e seja qual for a pena aplicada a um agente concretamente determinado.
A amnistia em sentido próprio, é a que se aplica antes da condenação, refere-se ao próprio crime e faz extinguir o procedimento criminal.
Já a amnistia em sentido impróprio acontece depois da condenação e tem um efeito impeditivo ou modificativo do cumprimento da pena aplicada, fazendo cessar total ou parcialmente a execução da pena principal, bem como das penas acessórias.
A amnistia aniquila os factos já ocorridos como objecto da incriminação, «de sorte que aos olhos da justiça, por uma ficção legal, considera-se como se nunca tivessem existido, salvos os direitos de terceiro com relação à acção civil para a reparação do dano» ( Acórdão de Fixação de Jurisprudência, datado de 25.10.2001, processo n.º P00P3209, in http://www.dgsi.pt. No mesmo sentido, Luís Osório, Notas, 2ª edª., pág. 425, Maia Gonçalves, «As medidas de graça no Código Penal e no projecto de revisão», in RPCC, ano 4, fasc. 1, p. 13; Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1978, p. 295; Ac. do Tribunal Constitucional nº 510/98, in http://www.tribunalconstitucional.pt).
«O direito de graça só pode ter a ver, em qualquer dos casos, com a consequência jurídica, não com o facto ou o crime praticados», pelo que «o que distingue os vários institutos abrangidos por aquela realidade é o carácter geral da amnistia (dirigida a grupos de factos ou agentes, na qual se inclui o perdão genérico, que deve ser considerado, para todos os efeitos, uma verdadeira amnistia) em contraposição ao carácter individual do indulto (dirigido a pessoas concretas)» (Figueiredo Dias (in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, p. 689).
«O perdão, ao contrário do que sucede com a amnistia, não extingue a infração.
«A amnistia é a abolição da incriminação de certos factos passados, objecto de incriminação (….), enquanto que o perdão é uma abolição da execução da pena no todo ou em parte. O perdão difere da amnistia em que aquele pressupõe a culpabilidade e esta aplica-se às infrações, com abstração dos seus agentes» (Ac. da Relação do Porto de 21.11.2012, proc. 83/95.3TBPFR-E.P1. in http://www.dgsi.pt).
A Lei nº 38-A/2023 de 2 de Agosto estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infracções, a entrar em vigor no dia 1 de Setembro de 2023, a propósito da realização da Jornada Mundial da Juventude em Portugal e em honra da visita de Sua Santidade o Papa Francisco o nosso país, tal como previsto nos arts. 1º e 15º da referida Lei.
Quanto à amnistia, a Lei 38-A/2023 de 2 de Agosto concede-a às infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a um ano de prisão ou a 120 dias de multa, desde que praticadas até às 00h00 horas de 19 de Junho de 2023, por jovens, que tenham entre 16 e 30 anos de idade, à data da prática dos factos integradores do crime (tal como resulta das disposições conjugadas do art. 2º nº 2 alínea a e do art. 5º, o regime da amnistia também incluíd as sanções acessórias, relativas a contraordenações praticadas até às 00h00 horas de 19 de Junho de 2023, cujo limite máximo de coima aplicável não exceda os € 1000,00.
No que se refere ao perdão, o âmbito de aplicação da Lei 38-A/2023 são as sanções penais enumeradas no art. 3º nºs 1 e 2 als. a) a d) (e também as sanções acessórias relativas a contraordenações e as sanções relativas a infracções disciplinares e a infracções disciplinares militares), relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, desde que tenham sido praticados por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática dos factos integradores do crime e/ou das contraordenações e restantes infracções abrangidas pelo perdão.
Prevê-se um perdão até um ano de prisão a todas as penas de prisão aplicadas, a título principal, em medida inferior ou igual a 8 anos, das penas de multa até 120 dias, da prisão subsidiária resultante de conversão de pena de multa, da pena de prisão por incumprimento da pena de multa de substituição e das demais penas de substituição, à excepção da suspensão da execução de pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta ou acompanhada de regime de prova.
O art. 7º excluí da amnistia e do perdão os crimes de maior gravidade, como é o caso do homicídio, do infanticídio, da violência doméstica e dos maus-tratos, de ofensa à integridade física grave, de mutilação genital feminina, de tráfico de órgãos humanos e de ofensa à integridade física qualificada, de coação, perseguição, casamento forçado, sequestro, escravidão, tráfico de pessoas, rapto e tomada de reféns, contra a liberdade e a autodeterminação sexual, previstos nos artigos 163.º a 176.º-B do Código Penal, dos crimes de abuso de confiança ou burla, quando cometidos através de falsificação de documentos, de roubo e extorsão e, ainda, dos crimes de branqueamento, de associação criminosa, de corrupção, de peculato e de participação económica em negócio, de terrorismo e outros ainda, melhor identificados na enumeração contida nas alíneas a) a l) do nº 1 daquele art. 7º.
À semelhança das anteriores leis excepcionais contendo medidas de clemência, também na Lei 38-A/2023 de 2 de Agosto, o legislador norteou-se por uma ideia fulcral de gravidade da infracção, definida quer em função da pena concreta aplicada, quer em atenção à natureza dos bens jurídicos protegidos pelas normas incriminadoras, daí a colocação do limite máximo intransponível para a aplicabilidade do perdão, na pena de prisão concretamente aplicada de duração igual a oito anos, nos termos do art. 3º nº 1 da Lei 38-A/2023 de 2 de Agosto e a exclusão do âmbito da amnistia e do perdão dos crimes identificados no «catálogo» enunciado no art. 7º nº 1 als. a) a l) da mesma Lei.
Isso mesmo ficou assumido, na exposição de motivos, através da expressão «nestes termos, a presente lei estabelece um perdão de um ano de prisão a todas as penas de prisão até oito anos, excluindo a criminalidade muito grave do seu âmbito de aplicação» (https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/s2a/15/01/245/2023-06-19/349?pgs=348-353&org=PLC&plcdf=true).
O crime de roubo simples, p. e p. pelo art. 210º nº 1 do CP é punível com pena de prisão cujos limites mínimo e máximo são, respectivamente, um e oito anos.
É um tipo de crime que, através de uma síntese normativa, conjuga elementos integradores do crime de furto, prevendo múltiplas formas de lesão do direito de propriedade ou de outras formas legítimas de uso, fruição e disposição de bens materiais, como realização da finalidade do agente que, por seu turno, coexiste com a afectação ou neutralização de uma grande diversidade de bens pessoais, como meio de execução, os quais correspondem a outros tipos de ilícitos penais que tutelam os valores jurídicos da liberdade (individual de disposição, de decisão e de acção) e, ainda, a integridade física, que, no seu expoente máximo, engloba o direito à vida e em que a vertente pessoal ganha maior relevância em relação à patrimonial e é o que justifica essa fusão num outro tipo de crime, autónomo de todos os restantes, isoladamente considerados.
«O crime de roubo é um delito pluriofensivo pois se acautelam com a incriminação valores tão díspares como o património, a integridade física, a vida humana e, até, a própria liberdade de movimentos, sendo a agravação em relação ao furto determinada pela componente pessoal do crime, que faz dele um crime de execução vinculada, pois quer a subtracção quer o constrangimento à entrega de coisa móvel devem ser praticados pela forma taxativamente descrita no tipo legal do art. 210º nº 1 do CP: por meio de violência, ameaça à integridade física ou colocação da vítima na impossibilidade de resistir» (Ac. do STJ de 17.09.2009, in http://www.dgsi.pt. No mesmo sentido, Acs. do STJ de 03.10.2007, proc. 2576/07-3.ª, in CJSTJ 2007, Tomo 3, pág. 198; de 13.12.20007, proc. 3210/07-3.ª; de 17.04.2008, proc. 1013/08 – 3.ª; de 21.05.2008, proc. 1221/08-3.ª; de 16.10.2008, proc. 221/08-5.ª; de 26.112008, proc. 3548/08-3.ª; de 19.03.2009, proc. 381/09-3.ª; de 29.04.2009, proc. 939/07.2PYLSB.S1-3.ª; de 04.02.2010, proc. 1244/06.7PBVIS.C1.S1-3.ª; de 12.05.2010, proc. 51/08.7JBLSB.S1-5.ª; de 13.04.2011, proc. 918/09.5JAPRT.P1.S1-3.ª; de 21.09.2011, proc. 137/06.2JAGRD.C1.S1-3.ª, de 31.01.2012, proc. 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª; de 4.07.2013, proc. 31/11.5PEFAR.S1-3.ª; de 26.11.2014, proc. 65/10.7PFALM.L1.S1-3.ª; de 10.12.2014, proc. 659/12.6JDLSB.L1.S1-3.ª; de 8.01.2015, proc. 23/13.0SVLSB.L1.S1-3.ª; de 11.02.2015, proc. 591/12.3GBTMR.E1.S1-3.ª; de 17.06.2015, proc. 161/12.6PBFAR.S1-3.ª; de 24.02.2016, proc. 60/13.4PBVLG.P1.S1, in http://www.dgsi.pt e Lobo Moutinho, Da Unidade à Pluralidade de Crimes no Direito Penal Português, FDUC, 2005, pág. 972).
«O tipo legal de roubo provém, por assim dizer de um concurso efectivo. Unificado pelo legislador, é certo, mas concurso. Não se torna difícil imaginar as combinações de delitos que pode conter. A um elemento constante, o furto - ainda que em rigor se contemplem ataques à propriedade que estão para além da subtracção prevista no art. 203º do Código Penal -, juntam-se ora a coacção, ora a ameaça, ora ofensas à liberdade, à integridade física ou à própria vida» (Cristina Líbano Monteiro, «Roubo e Sequestro em Concurso Efectivo?», RPCC, ano 15 (2005), nº 3, pág. 494).
E corresponde à noção de crime especialmente violento contida no art. 1º al. l), como integrando as condutas previstas na alínea j), ou seja, que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública, que sejam puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos.
Nos termos do art. 67º - A nº 3 do CPP, as vítimas de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 que, por seu turno, qualifica como especialmente vulnerável, a vítima «cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social».
Acontece que, nos termos do art. 7º nº 1 al. g) da Lei 38-A/2023, de 02.08, estão excluídos do perdão todos os crimes cometidos contra vítimas especialmente vulneráveis.
As leis de amnistia, sendo providências de ocasião e de excepção, interpretam-se e aplicam-se nos seus precisos termos sem ampliações nem restrições que nelas não venham expressas (neste sentido podem citar-se os Acs. do STJ de 23.11.1917, na Rev. de Justiça, 3, página 420, de 30.06.1976, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 258, p. 138, de 11.06.1987, Tribuna de Justiça, n. 31, página 30, de 13.10.1999, proc. 99P984, in http://www.dgsi.pt).
«As leis de amnistia devem interpretar-se como qualquer outra lei, não podendo ser consideradas como leis de interpretação restrita, nem aplicadas por analogia a factos não previstos, pois não se compreende que haja neles lacunas e, suspendendo leis incriminadoras, não restringem, mas ampliam a liberdade do indivíduo» (Luís Osório, Notas ao Código Penal Português, volume 1, 2ª edição, página 425; Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado, 9ª. edição, página 513).
«São insusceptíveis de interpretação extensiva (não pode concluir-se que o legislador disse menos do que queria), de interpretação restritiva (entendendo-se que o legislador disse mais do que queria) e afastada em absoluto a possibilidade de recurso à analogia, impõe-se uma interpretação declarativa, em que «não se faz mais do que declarar o sentido linguístico coincidente com o pensar legislativo » (Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência, de 25.10.2001, Processo n.º P00P3209, in www.dgsi.pt).
«Atendendo à excecionalidade que caracteriza as leis de amnistia e de perdão, a interpretação das mesmas deverá, pura e simplesmente, conter-se no texto da respetiva lei, adotando-se uma interpretação declarativa» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2023, de 15.12.2022, DR nº 23, Série I de 1 de Fevereiro de 2023, p. 22 e ss).
Estes princípios defendidos relativamente às leis de amnistia deverão de igual modo aplicar-se ao perdão genérico, dada a mesma natureza de providência de ocasião e de excepção.
Por conseguinte, a exclusão do perdão contida no art. 7º nº l al. b) i), dos condenados por crime de roubo, p. e p. pelo n° 2 do art. 210° do Código Penal», não significa, que o legislador quis expressamente admitir a possibilidade de aplicar o perdão de pena aos condenados por crime de roubo aos quais foram aplicadas penas até oito anos de prisão, porque quanto ao roubo simples, a exclusão decorre expressamente do art. 7º nº 1 al. g) da Lei 38-A/2023, de 02.08.
«O crime de roubo simples, independentemente da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, está excluído do âmbito de aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, por aplicação do disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea g).
«O legislador, ao consagrar um regime de exceções no artigo 7.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, fê-lo consagrando um conjunto de previsões de caráter objetivo – atento o crime em apreço ou a verificação de determinada agravante geral – e outro de âmbito subjetivo - atenta a qualidade dos intervenientes, condenado e vítimas.
«Porque estamos perante âmbitos distintos, a leitura das mesmas terá de ser feita segundo um critério de complementaridade e nunca de exclusão. Dito de outro modo, a referência objetiva a determinados crimes não pode ser tida como um elemento de limite implícito à consagração das exceções de índole subjetiva, sob pena de estarmos a consagrar um regime de exceção à exceção que manifestamente não pode ser retirado da leitura do citado artigo 7.º.
«O artigo 67.º-A do Código de Processo Penal tem de ser entendido, para os efeitos ora em apreciação, como sendo uma norma processual penal próprio sensu e, nessa medida, sujeita, ao princípio da aplicação imediata, imposta pelo artigo 5.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, uma vez que não está em causa, pelas razões já supra expostas, qualquer uma das situações excecionais previstas no n.º 2 que a isso obstem» (Ac. da Relação de Lisboa de 19.03.2024, proc. 846/12.7GACSC.L1-5, in http://www.dgsi.pt. No mesmo sentido, Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.11.2023 ECLI:PT:TRL:2023:7102.18.5P8LSB.A.L1.5.9A, de 14.12.2023, proc. 27/22.1PJLRS-B.L1-5, de 20.02.2024 proc. 286/22.0SYLSB.L2-5, da Relação do Porto de 17.01.2024 proc. 379/19.0PAVFR.P2, de 10.01.2024, proc. 485/20.9T8VCD.P2, da Relação de Guimarães de 23.01.2024, proc. 5310/19.0JAPRT-AI.G1, da Relação de Évora de 20.02.2024, proc. 22/19.8GBTMR-A.E1, in http://www.dgsi.pt).
Assim sendo, porque fez uma correcta aplicação do Direito aos factos, a decisão recorrida não merece qualquer reparo, também quanto a esta questão.
III – DECISÃO
Termos em que decidem:
Negar provimento a todos os recursos, confirmando integralmente o acórdão recorrido.
Custas pelos arguidos recorrentes, fixando a Taxa de Justiça em 4 Ucs para cada um – art. 513º do CPP.
Notifique.
*
Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Juízes Adjuntos.
Tribunal da Relação de Lisboa, 3 de Dezembro de 2025
Cristina Almeida e Sousa
Carlos Alexandre
Mário Pedro M.A. Seixas Meireles