DECLARAÇÃO DE EXCEPCIONAL COMPLEXIDADE
RECURSO
FALTA DE INTERESSE EM AGIR
Sumário


I – Para além de ter legitimidade é necessário que o recorrente tenha interesse em agir;
II - O interesse em agir traduz-se na necessidade de usar da faculdade de recorrer e de submeter a decisão da causa a um outro grau de julgamento;
III - Não tem interesse em agir de um despacho que declarou “excecional complexidade” dos autos, o arguido que não foi acusado pelo Ministério Público de nenhum dos crimes previstos no n.º 2 do artigo 215.º do Código de Processo Penal;
IV – Na verdade, nesse caso, a declaração de “excecional complexidade” dos autos, por si só, não eleva os prazos máximos de duração da prisão preventiva a que o recorrente se encontrava sujeito.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

A) Relatório:

1) No Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de Guimarães – Juiz ..., no processo n.º 3199/23.4JABRG em que são arguidos, entre outros, AA, BB e CC, foi proferido o seguinte Despacho, datado de 30/06/2025:
«Promoção de 06/06/2025
Devidamente compulsados os autos, constata-se que se encontram acusados, o arguido DD pela prática em coautoria de:
- 1 crime de roubo qualificado 210.º, n.º 1, 2, alínea b), por referência ao artigo 204, n.º 2, f) do Código Penal [autos principais]; 
- 1 crime de roubo agravado 210.º, n.º 1, do Código Penal e 86.º, n.º 3 e 4 da Lei 5/2006, de 23.02 [autos principais]; 
- 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86, n.º 1, c) e d) por referência aos artigos 2.º, n.º 1, alínea s) e n.º 3, alíneas e) e m) e 86.º, n.º 2 da Lei 5/2006, de 23.02 [autos principais]; 
- 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal [Apenso A]; 
- 1 crime de furto qualificado p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, alínea b), n.º 2, g) do Código Penal [ Apenso C]; 
- 1 crime de furto qualificado p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, alínea b), n.º 2, g) do Código Penal [Apenso B]; 
- 1 crime de danificação ou subtração de documento e notação técnica  (furto de chapas de matrícula), p e p. pelo artigo 259.º, n.º 1, do Código Penal
[Apenso D]; 
- 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal [Apenso E]; 
- 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal [Apenso F]; 
- 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal [Apenso G]; 
- 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal [Apenso H];  e em autoria material de: 
- 1 crime de furto (de veículo), p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal [Apenso I]; 
- 1 crime de furto (de veículo), p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal [Apenso O]; 
o arguido BB pela prática, em coautoria de:
- 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal [Apenso A]; 
- 1 crime de furto qualificado p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, alínea b), n.º 2, g) do Código Penal [Apenso B]; 
- 1 crime de danificação ou subtração de documento e notação técnica (furto de chapas de matrícula), p e p. pelo artigo 259.º, n.º 1, do Código Penal [Apenso D]; 
- 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal [Apenso E] 
- 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal [Apenso F] 
- 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal [Apenso G] 
- 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal [Apenso H] 
 a arguida CC pela prática em co-autoria de:
- 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal [Apenso A] 
- 1 crime de danificação ou subtração de documento e notação técnica (subtração de chapas de matrícula, p e p. pelo artigo 259.º, n.º 1, do Código Penal [Apenso D] 
- 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal [Apenso E] 
- 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal [Apenso F] 
- 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal [Apenso G] 
- 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal [Apenso H] 
 o arguido EE pela prática em co-autoria de:
- 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal [Apenso A]; 
- 1 crime de furto qualificado p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, alínea b), n.º 2, g) do Código Penal [ Apenso C]; 
- 1 crime de furto qualificado p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, alínea b), n.º 2, g) do Código Penal [Apenso B]; 
- 1 crime de danificação ou subtração de documento e notação técnica
(furto de chapas de matrícula), p e p. pelo artigo 259.º, n.º 1, do Código Penal [Apenso D]; 
- 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal [Apenso E]; 
- 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal [Apenso F]; 
- 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal [Apenso G]; 
- 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal [Apenso H]; 
 E pronunciado,  o arguido AA pela prática, em co-autoria de:
- 1 crime de roubo qualificado 210.º, n.º 1, 2, alínea b), por referência ao artigo 204, n.º 2, f) do Código Penal [autos principais]; 
- 1 crime de roubo agravado 210.º, n.º 1, do Código Penal e 86.º, n.º 3 e 4 da Lei 5/2006, de 23.02 [autos principais]; e de 
- 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86, n.º 1, c) e d) por referência aos artigos 2.º, n.º 1, alínea s) e n.º 3, alíneas e) e m) e 86.º, n.º 2 da Lei 5/2006, de 23.02 [autos principais]. 
O processo conta assim com 5 arguidos com atuação parcialmente homogénea, mas que relativamente a determinados apensos apresenta heterogeneidade, com alteração do modus operandi, diferenciação de alvos (residência, estabelecimento comercial, veículos), alteração de composição do grupo, ou mesmo atuações isoladas tornando complexa a análise da atuação de cada um dos arguidos e sua atuação conjunta. 
Identificam-se pelo menos 12 ofendidos, entre os quais sociedades comerciais e respetivos representantes legais, abrangidos nas 25 testemunhas arroladas na acusação. Tais testemunhas/ofendidos são oriundas de diferentes localizações geográficas, o que se antevê que redundará em morosidade na inquirição em particular pela eventual utilização de meios à distância. 
O processo é extenso uma vez que é composto por 25 volumes. A recolha da prova exigiu a recolha de imagens de videovigilância e a utilização de escutas telefónicas num período razoável de tempo, cuja análise exige tempo e esforço acrescido. 
Os arguidos devidamente notificados vieram opor-se invocando a utilização abusiva do normativo pelo M.P., sustentando ser de rejeitar a interpretação proposta pelo Ministério Público por inconstitucional, por alegada violação dos princípios da proporcionalidade, legalidade, excecionalidade da prisão preventiva e presunção de inocência. 
Apreciando e decidindo:
Ora, nos termos do nº 3, do art. 215º do CPP: “os prazos referidos no n.º 1 são elevados, respetivamente, para um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excecional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.
Ora, pese embora os considerandos da defesa, é incontornável reconhecer que, pelos fundamentos constantes da douta promoção, à qual aderimos, se encontram reunidos os pressupostos para que se declarem os presentes autos de excecional complexidade nos termos do disposto no artigo 215.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, o que se determina.
Notifique.»

*
2) Inconformados com esta decisão, da mesma vieram recorrer os arguidos AA, BB e CC, formulando no termo da respetiva motivação as seguintes conclusões:

a) Recurso do arguido AA:
I. O presente recurso tem por objecto o despacho judicial proferido em 30 de Junho de 2025, no processo comum colectivo n.º 3199/23.4JABRG, que declarou o processo como especialmente complexo, com fundamento no artigo 215.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, afectando de forma imediata e directa o regime de contagem dos prazos máximos de prisão preventiva aplicáveis ao arguido FF.
II. A decisão recorrida é autonomamente impugnável, ao abrigo do disposto nos artigos 399.º e 401.º, n.º 1, alínea b), do CPP, por traduzir uma decisão judicial que, sem pôr termo à causa, é susceptível de causar ao recorrente prejuízo grave e irreparável, por via da ampliação legal automática da duração máxima da sua privação da liberdade.
III. A decisão recorrida enferma de nulidade, nos termos dos artigos 97.º, n.º 5, 215.º, n.º 3 e 374.º, n.º 2, todos do CPP, e do artigo 205.º, n.º 1, da CRP, por omissão de fundamentação material bastante, tendo o tribunal limitado-se a acolher, sem qualquer análise crítica ou valoração autónoma, os argumentos genéricos expendidos na promoção do Ministério Público.
IV. A decisão, tal como proferida, apoia-se exclusivamente em factores abstractos – como o número de arguidos, o volume dos autos, a existência de escutas e o número de testemunhas – sem que se proceda à demonstração concreta de que tais elementos implicam dificuldades reais de tramitação, nem de que os prazos processuais ordinários se revelariam insuficientes para assegurar o normal desenvolvimento da audiência de julgamento.
V. A ausência de fundamentação concreta inviabiliza o controlo jurisdicional do juízo decisório e impede a verificação da sua razoabilidade e legalidade, violando os deveres de fundamentação e de transparência que a Constituição e a lei ordinária impõem às decisões judiciais com impacto sobre direitos fundamentais.
VI. A decisão recorrida consubstancia, ainda, uma aplicação materialmente inconstitucional do artigo 215.º, n.º 3 do CPP, por o tribunal ter acolhido uma interpretação segundo a qual basta a verificação de critérios estruturais e genéricos – sem qualquer ponderação de necessidade, adequação ou proporcionalidade – para declarar a especial complexidade, com a consequente prorrogação dos prazos máximos de prisão preventiva.
VII. Tal entendimento viola os artigos 27.º, 28.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa, que consagram, de forma cumulativa, a protecção da liberdade individual, a limitação temporal das medidas de coacção privativas de liberdade e a garantia de tramitação processual dentro de prazo razoável, bem como o artigo 18.º, n.º 2 da CRP, que impõe uma reserva de proporcionalidade e de necessidade a toda e qualquer restrição de direitos fundamentais.
VIII. A norma do artigo 215.º, n.º 3 do CPP, quando aplicada nos termos da decisão recorrida, revela-se materialmente inconstitucional, por permitir a compressão do direito à liberdade com base em considerações abstractas, sem exigência de fundamentação concreta e sem conexão com a efectiva duração previsível do julgamento, o que contraria frontalmente a jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
IX. O processo em apreço não apresenta, de facto, especial complexidade legalmente relevante: os factos imputados ao arguido FF são factual e juridicamente simples, não exigem produção de prova tecnicamente complexa, a instrução decorreu sem incidentes nem obstruções, e o julgamento foi atempadamente agendado para data compatível com os prazos ordinários de prisão preventiva.
X. A declaração de especial complexidade resulta, no essencial, de critérios de estrutura ou volume do processo (número de arguidos, apensos, testemunhas e escutas), sem qualquer referência à situação concreta do recorrente, à necessidade efectiva de produção de prova ou à previsão de duração da audiência, o que significa que a medida adoptada é desnecessária, inadequada e desproporcionada, nos termos constitucionais.
XI. A aplicação automática da norma do artigo 215.º, n.º 4 do CPP, por efeito da declaração de especial complexidade, traduz uma compressão grave e não fundamentada do direito à liberdade, por permitir que um arguido se mantenha preso preventivamente por prazo significativamente superior ao permitido pelo regime regra, sem justificação legalmente adequada nem base fáctica idónea.
XII. A norma do artigo 215.º, n.º 3 do CPP, por configurar uma excepção a um regime garantístico, deve ser objecto de interpretação estrita e restritiva, conforme impõe o artigo 18.º, n.º 2 da CRP, devendo a declaração de especial complexidade ser reservada para situações excepcionais em que se demonstre, de forma concreta e circunstanciada, que a complexidade do caso impede a tramitação dentro dos prazos legais ordinários.
XIII. Ao adoptar uma interpretação extensiva e puramente formal da norma, o tribunal recorrido desrespeitou o princípio da legalidade penal e processual penal (art. 29.º e 32.º da CRP), aplicando uma consequência  restritiva de liberdade (a prorrogação dos prazos máximos de prisão preventiva) com base em uma presunção genérica e inconstitucional.
XIV. A jurisprudência nacional e europeia é uniforme em afirmar que o prolongamento da prisão preventiva exige fundamentação específica, justificação individualizada e ponderação expressa da possibilidade de aplicação de medidas menos gravosas, exigências essas que não foram minimamente cumpridas na decisão ora recorrida.
XV. Nos termos do artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, deve ser suscitada a apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 215.º, n.º 3 do CPP, interpretada nos exactos termos acolhidos pelo despacho recorrido, caso o Tribunal da Relação de Guimarães não adopte uma interpretação conforme aos preceitos constitucionais.
XVI. Deve, pois, o presente recurso ser julgado procedente, revogando- se o despacho recorrido, com a consequente declaração de que o processo n.º 3199/23.4JABRG não reveste especial complexidade, mantendo-se, por isso, o regime ordinário de contagem dos prazos máximos de prisão preventiva.

b) Recurso conjunto dos arguidos BB e CC
1. Em 6 de junho de 2025, o Ministério Público requereu que fossem declarados os presentes autos de excecional complexidade nos termos do disposto no artigo 215º, nº 3, do Código Processo Penal.
2. Para tal invocou os seguintes factos:
O processo conta com 5 arguidos com atuação parcialmente homogénea, mas que relativamente a determinados apensos apresenta heterogeneidade, com alteração do modus operandi, diferenciação de alvos (residência, estabelecimento comercial, veículos), alteração de composição do grupo, ou mesmo atuações isoladas tornando complexa a análise da atuação de cada um dos arguidos conjunta. Identificam-se pelo menos 12 ofendidos, entre os quais sociedade comerciais e respetivos representantes legais, abrangidos nas 25 testemunhas arroladas na acusação. Tais testemunhas (ofendidos são oriundos de diferentes localizações geográficas, o que antevê que redundará em morosidade na inquirição em particular pela eventual utilização de meios à distância.
2. O processo é extenso uma vez que é composto por 25 volumes. A recolha da prova exigiu a recolha de imagens de videovigilância e a utilização de escutas telefónicas num período, cuja análise exige tempo e esforço acrescido.
3. Em 20 de junho de 2025, os recorrentes opuseram-se a que fosse declarada a excecional complexidade dos presentes autos, com os argumentos plasmados no requerimento que então apresentaram.
4. O presente recurso concerne à impugnação do despacho proferido pela MMª. Juiz do Juízo Central Criminal de Guimarães – Juiz ..., no dia 30 de junho de 2025.
5. Com benefício, sinaliza-se que os recorrentes estão sujeitos à medida de coação de prisão preventiva e que foi deduzida a pertinente acusação em 27 de setembro de 2023 e posteriormente despacho de pronúncia em 8 de janeiro de 2025.
6. Os recorrentes dissentem, em absoluto, do citado despacho prolatado, pela MMª. Juiz.
7. Os presentes autos não conformam qualquer densidade: nele figuram 5 arguidos, 25 testemunhas e prova documental sem qualquer complexidade na sua apreciação.
8. Os meios probatórios pertinentes aos presentes autos consolidaram-se em termos singelos e, por isso, não solicitaram quaisquer conhecimentos técnicos nem outros elementos cognitivos minimamente superlativos.
9. O número de arguidos é pouco relevante e as testemunhas arroladas pela acusação são em número pouco expressivo, existindo, por isso, um acervo probatório plenamente concêntrico e facilitado.
10. Aliás, não tendo sido declarado a especial complexidade na fase de inquérito, por se ter considerado não haver necessidade para tal, não se divisa, a fortiori, nenhum respaldo para a predita declaração na fase de julgamento.
11. Considerar os presentes autos como sendo de excecional complexidade e atenta a simplicidade da prova indicada e o tipo de crime alegadamente praticado é banalizar o conceito de “excecionalidade” previsto no nº 3, do artº 215 do Código Processo Penal, é abrir a porta a que milhares e milhares de processos que correm termos nos tribunais deste país possam vir a ser, igualmente, classificados como tal.
12. Será que aos olhos dum cidadão comum seis crime de furtos qualificados e um de danificação ou subtração de documento e notação técnica, previstos e punidos pelos artºs. 203, nº 1, 204, nº 2 e 259, nº 1, todos do Código Penal, alegadamente executados, de forma grosseira e rudimentar, serão percecionados como processos de excecional complexidade?
13. A resposta terá de ser, obviamente, negativa, porquanto não é este, de todo, um processo que possa ser classificado de excecional complexidade, sendo absolutamente normal ou semelhante a muitos que pendem nos tribunais portugueses.
14. Devemos realçar que não existem nos presentes autos, e no que tange à prova indicada, qualquer previsível dificuldade na produção da mesma, como, por exemplo, a expedição de cartas rogatórias, a realização de perícias, a analise de provas complexas e densas, etc…
15. Pelo exposto, foram violados os artigos nº 215, nº 3 do Código Processo Penal e 20º da Constituição da República Portuguesa.
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3) Notificado do requerimento de interposição de recurso o Ministério Público respondeu aos recursos, pugnando pela sua improcedência e confirmação da decisão recorrida, não apresentando conclusões.
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4) O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416.º do Código de Processo Penal, o Ex.mo Senhor Procurador – Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido de os recursos serem julgados improcedentes.
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5) Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.
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6) Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
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Cumpre apreciar e decidir.
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B) Fundamentação:

1. Âmbito do recurso e questões a decidir:
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, face ao disposto no artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que estabelece que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”; são, pois, apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o Tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (identificação de vícios da decisão recorrida, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, pela simples leitura do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2, e 410.º, nº 3, do mesmo diploma legal)[1].
Acresce que da conjugação das normas constantes dos artigos 368.º e 369.º, por remissão do artigo 424.º, n.º 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objeto do recurso pela ordem seguinte:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pelos vícios enumerados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a que se segue impugnação alargada, se deduzida, nos termos do artigo 412.º, do mesmo diploma.
Por último, as questões relativas à matéria de Direito.

No caso dos autos existe uma questão prévia assente na eventual existência de caso julgado; sendo esta improcedente há a decidir as questões que resultam das conclusões da motivação apresentadas pelo recorrente que são as seguintes:
1.ª Questão prévia: falta de interesse em agir dos recorrentes BB e CC: consequência processual;
2.ª Questão: saber se o despacho recorrido padece de nulidade por falta de fundamentação;
3.ª Questão: saber se deve ser revogado o despacho na parte em que declarou a excecional complexidade do presente processo.
*
2. Apreciação do recurso:

Questão prévia: Recursos dos arguidos BB e CC - falta de interesse em agir: consequência processual.
O direito ao recurso pressupõe dois requisitos: legitimidade e interesse em agir – cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01/09/2022 (proferido no processo n.º 1908/18.2T9FNC.L1-9, relatado pelo Senhor desembargador Antero Luís), onde se entendeu que “a legitimidade resulta directamente da norma legal que atribui esse direito e o interesse em agir é aferido pela necessidade de tutela dos interesses da pessoa visada, sendo analisado em função da posição concreta do sujeito em relação à decisão”. Como se escreveu a propósito no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/04/2008 (processo n.º 306/08-1, consultado em www.dgsi.pt), “entre os pressupostos processuais objectivos, como condição de admissibilidade do acesso à tutela judicial, está o interesse em agir, o interesse processual ou necessidade de tutela jurídica” que consiste no “interesse em recorrer ao processo (…), o interesse em submeter o caso à ponderação e decisão de uma outra instância hierarquicamente superior”. Como se acrescenta na mesma decisão, “o interesse em agir traduz-se, então, na necessidade, objectivamente justificada, de usar da faculdade de recorrer e de submeter a decisão da causa a um outro grau de julgamento”. No mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 17/10/2018 (processo n.º 138/16.2PAMTJ.L1.S1, consultado em www.dgsi.pt), entendendo que o interesse em agir “é a necessidade concreta de recorrer à intervenção judicial, à acção, ao processo, como forma de reagir à afectação do seu direito mediante a interposição de recurso”, sendo um pressuposto processual autónomo “que se não confunde com a legitimidade, funcionando como uma circunstância limitativa das hipóteses de recurso”. Assim, “tem interesse em agora para efeitos de recurso quem tiver necessidade desse meio de impugnação para defender um direito seu” – cf. o mesmo aresto do Supremo Tribunal de Justiça.
Perante este entendimento, com o qual concordamos, não vislumbramos qualquer necessidade para os arguidos BB e CC, em recorrer à intervenção de uma instância hierarquicamente superior, recorrendo de um despacho que em nada os afectava, como não afectou, não pondo em causa qualquer direito por eles titulado.
Na verdade, o despacho recorrido declarou os presentes autos de “excecional complexidade” o que tem como consequência elevar os prazos de duração máxima da prisão preventiva, mas apenas quando estiver em causa o procedimento por um dos crimes referidos no artigo 215.º, n.º 2 do Código de Processo Penal. No caso destes arguidos, os mesmos estão acusados pela prática de cinco crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelo artigo 204.º, n.º 2, alíneas e) e g) do Código Penal e um crime de danificação ou subtracção de documento e notação técnica, previsto e punido pelo artigo 259.º, n.º 1 do Código Penal, crimes que não se integram nos que estão expressamente indicados no n.º 2 do artigo 215.º do Código de Processo Penal.
Assim, mesmo tendo sido declarada a “excecional complexidade” do processo, não podiam os prazos de duração da prisão preventiva em que se encontravam os arguidos BB e CC, ser elevados, mantendo-se os prazos previstos no n.º 1 do artigo 215.º do Código de Processo Penal. E tanto assim foi que na primeira instância, por despacho de 10/09/2025, foi declarada a extinção da prisão preventiva a que se encontravam sujeitos estes arguidos, “atento o prazo imposto pelo artigo 215.º, n.º 1, c) do Código de Processo Penal”. Ou seja, a declaração de “excecional complexidade” do processo não teve, como não podia ter, qualquer consequência para os direitos legalmente previstos para os arguidos, que desse modo, em nada eram, como não foram, prejudicados, permanecendo intocável a sua situação jurídica.
De tudo resulta que em função da posição concreta dos arguidos em relação à decisão recorrida, os mesmos não tinham qualquer necessidade de tutela dos seus interesses, nem de “usar da faculdade de recorrer e de submeter a decisão da causa a um outro grau de julgamento” – cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora supra citado. 
Por isso, nos termos do disposto no artigo 420.º, n.º 1 b) do mesmo diploma, o recurso dos arguidos BB e CC deve ser rejeitado porque se verifica uma causa que devia ter determinado a sua não admissão, nos termos do disposto no artigo 414.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sendo certo que a decisão de admissão não vincula este tribunal de recurso (artigo 414.º, n.º 3 do Código de Processo Penal), cumprindo apenas a este Tribunal de recurso apreciar o mérito do recurso interposto pelo arguido AA.
Segunda questão: da alegada nulidade insanável do despacho recorrido por falta de fundamentação.
O recorrente AA alega que a decisão recorrida enferma de nulidade, nos termos dos artigos 97.º, n.º 5, 215.º, n.º 3 e 374.º, n.º 2, todos do CPP, e do artigo 205.º, n.º 1, da CRP, por “omissão de fundamentação material bastante, tendo o Tribunal limitando-se a acolher, sem qualquer análise crítica ou valoração autónoma, os argumentos genéricos expendidos na promoção do Ministério Público”.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 97.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, «os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”. A norma concretiza no âmbito do direito processual penal, o dever de fundamentação das decisões judiciais consagrado no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da Republica Portuguesa. Como escreve Fernando Gama Lobo (in Código de Processo Penal anotado, Fevereiro de 2015, Almedina), o dever de fundamentação traduz-se numa “obrigação jurídica dos decisores”, compreendendo “as razões de facto e de direito da decisão tomada, para que de forma clara e inequívoca, os interessados conheçam as decisões, e, discordando, possam contraditá-las inclusivamente por via de recurso”. Como salientam Jorge Miranda e Rui Medeiros (in Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, p. 700), o dever de fundamentação “tem uma dupla função de “carácter subjectivo”, de garantia do direito ao recurso e controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários, e uma função de “carácter objectivo”, de pacificação social, legitimidade e auto-controle das decisões”.
A lei não impõe a extensão da fundamentação dos actos decisórios, sendo certo ainda que como se escreveu no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 05/11/2024 (Processo n.º 115/21.1T9EPS-B.G1 em que o signatário foi adjunto), “as exigências de fundamentação e as consequências da falta ou insuficiência da fundamentação não são as mesmas para todos os atos decisórios: existe um regime geral (definido nos artigos 97.º e 118.º a 123.º do Código de Processo Penal) e regimes específicos para a sentença (artigos 374.º e 379.º), para os despachos que aplicam medidas de coação e de garantia patrimonial (artigo 194.º), para a acusação pelo Ministério Público, pelo assistente e acusação particular (artigos 283.º, n.º3, 284, n.º2 e 285.º, n.º3, respetivamente), e para o despacho de pronúncia ou de não pronúncia e decisão instrutória (artigos 308.º, n.º2 e 309.º)”. No mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 09/05/2024 (Proc. nº 8/20.0TRLSB.S1, consultado em www.dgsi.p), embora a propósito de um despacho de natureza diferente do que está em causa nestes autos, entendendo que “a doutrina e a jurisprudência, no entanto, salientam a diversidade de grau da fundamentação exigida para os diferentes atos decisórios, desde aquele específico das sentenças e acórdãos estabelecido nos artigos 374º e 375º do CPP, sob pena de nulidade, nos termos do artigo 379º, n.º 1, al. a), do mesmo diploma legal, ao dos meros despachos, por muito relevantes que sejam, (…), assinalando ainda a sua inevitável diferença em função do maior ou menor poder de concisão e clareza discursiva do juiz e do concreto objeto das decisões e dos efeitos da falta ou insuficiência da devida fundamentação”.
No caso dos autos, o recorrente alega que o despacho recorrido omite “fundamentação material bastante” porque se limitou a “acolher, sem qualquer análise critica ou valoração autónoma, os argumentos genéricos expendidos na promoção do Ministério Público”.
O Tribunal Constitucional já se pronunciou várias vezes sobre a conformidade da fundamentação de decisões proferidas no âmbito do processo penal, por simples remissão para o conteúdo da promoção do Ministério Público, designadamente com o princípio constitucional de fundamentação consagrado no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, concluindo pela inexistência de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 97.º n.º 5 do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual tal forma de fundamentação pode ser adoptada (cf. os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs nº 223/98, 189/99, 396/2003, 391/2015 e 684/15, in http://www.tribunalconstitucional.pt).
Evidentemente que a fundamentação por remissão para a promoção do Ministério Público, deverá restringir-se aos “casos de manifesta simplicidade da questão a decidir, não havendo controvérsia em torno dela e quando razões de urgência, designadamente de observância de prazos curtos, de economia processual e de ponderação equilibrada entre o dever de fundamentação das decisões judiciais e o princípio da proibição de actos inúteis, e de harmonia com a tal geometria variável do dever de fundamentação, se imponha ou justifique que a mesma seja concisa”, como se entendeu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/11/2019 (processo 546/18.4TELSB-A.L1-3, consultado em www.dgsi.pt).
No caso dos autos, atenta a natureza da decisão a proferir com consequências ao nível da própria liberdade dos arguidos, não podemos afirmar que a questão seja simples, nem que não haja “controvérsia”, pelo que se impunha efectivamente uma maior exigência de fundamentação[2] que não apenas a mera adesão aos argumentos do Ministério Público, devendo pelo menos resultar do texto da decisão que a simples remissão para os argumentos invocados pelo Ministério Público, “é uma opção livre, autónoma e independente, resultante de uma apreciação atribuível à autoria própria do Juiz que a profere”, como se acrescenta naquele mesmo aresto do Tribunal da Relação de Lisboa.
No despacho recorrido, transcrevendo quase integralmente a promoção do Ministério Público, é feita uma descrição sumária do que consta dos autos, com indicação dos crimes imputados aos arguidos, dos ofendidos, do tipo de acção dos arguidos “actuação parcialmente homogénea”, mas relativamente heterogénea “relativamente a determinados apensos”, com indicação do número de testemunhas a ouvir, da extensão do processo e de outras condicionantes dos autos referentes aos meios de produção e prova constantes dos autos. No despacho é feita também uma breve referência aos fundamentos invocados pelos arguidos para o indeferimento do pedido, concluindo que “se encontram reunidos os pressupostos para que se declarem os presentes autos de excecional complexidade nos termos do disposto no artigo 215.º, n.º 3, do Código de Processo Penal”, aderindo-se aos “fundamentos constantes da douta promoção”.
Admitimos que, com o devido respeito, se justificaria até pelas consequências que resultam do despacho recorrido para o arguido no que diz respeito ao tempo de duração da sua situação de privação da liberdade, uma análise crítica e uma tomada de posição concreta quanto aos fundamentos invocados pela defesa e quanto às razões que justificam, em concreto, a existência de uma excecional complexidade dos autos, de modo que do despacho resultasse, de forma inequívoca, que o julgador, depois de ter ajuizado da pertinência, da relevância factual e jurídica dos argumentos do Ministério Público e os dos arguidos, tomou uma decisão autónoma, tendo em conta além do mais, a fase atual do processo. Não existirá, no entanto, uma falta absoluta de fundamentação, mas quando muito, uma eventual insuficiência de fundamentação no que diz respeito ao juízo conclusivo inserto que encerra o despacho quanto à existência dos pressupostos exigíveis para a decisão e decretar a excecional complexidade do processo.
No entanto, como resulta do acima exposto, estando em causa um Despacho que declarou a especial complexidade dos autos, a eventual falta/insuficiente fundamentação, tem como consequência a existência de uma mera irregularidade, não sendo aplicável, ao contrário do alegado, o disposto no artigo 379.º, n.º 1, a) do Código de Processo Penal porque como resulta da respectiva epígrafe “nulidade da sentença”,  a nulidade aí prevista aplica-se apenas a sentenças e acórdãos finais que decidem do mérito da acção, o que não é o caso.
Assim, mesmo que se entendesse que o despacho recorrido padecia de insuficiente fundamentação, nos termos do artigo 97.º do Código de Processo Penal, existiria, apenas e tão só, uma mera irregularidade e não qualquer nulidade como entende o recorrente. Como é sabido, a nossa lei processual penal consagra em matéria de invalidades o princípio da legalidade, segundo o qual a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que nos casos em que a lei não cominar a nulidade o acto ilegal é irregular. Tal é o que decorre do disposto no artigo 118.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Penal que estabelece que «a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei», sendo que «nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular».
Ora, decorre do disposto no artigo 13.º, n.º 1 do Código de Processo Penal que as irregularidades processuais só determinam a invalidade do acto a que se referem quando tiverem sido arguidas pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em tiverem sido notificados para qualquer termo no processo ou intervindo em algum acto nele praticado. No caso concreto, não estando em causa um acto em que o recorrente esteve presente, devia a invalidade por insuficiente fundamentação, ter sido invocada no decurso no prazo de três dias «a contar daquele que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo”, o que não ocorreu no caso dos autos. Na verdade, a eventual insuficiência de fundamentação do despacho recorrido, devia ter sido suscitada perante o Tribunal que a praticou, sob pena de se considerar sanada.
Assim, não tendo o recorrente cumprido aquela exigência processual, não tendo suscitado perante o Tribunal que proferiu a decisão a questão da respetiva falta/insuficiente fundamentação, não pode agora invocar tal irregularidade, na medida em que a mesma deve se considerar sanada.
Em face do que fica dito, improcede este fundamento do recurso do arguido AA.
Terceira questão: saber se deve ou ser revogado o despacho que declarou a excecional complexidade do presente processo.
Os prazos de duração máxima da prisão preventiva previstos no artigo 215.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, são elevados (…), quando «o procedimento for um dos crimes previstos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao caráter altamente organizado do crime».
Não obstante a carga de subjetividade inerente ao conceito de “excepcional complexidade”, o legislador, ao contrário de outros conceitos abertos, não definiu expressamente a noção do conceito, limitando-se a indicar no n.º 3 como critérios exemplificativos, o número de arguidos, o número de ofendidos ou o caráter altamente organizado do crime. Como observa Fernando Gama Lobo (obra citada na anotação ao artigo em causa), o que releva é mais a dimensão factual do procedimento do que a dimensão jurídica”. Conforme refere também Maia Costa (in Código de Processo Penal Comentado, «o que importa é a ocorrência de um ou mais factores que determinem, pela vastidão, dificuldade ou demora das diligências a efectuar, uma complexidade anormal do processo, determinando um arrastamento excepcional dos termos processuais. É, pois, a apreciação em concreto das dificuldades e obstáculos opostos à investigação, e não a natureza do tipo de crime investigado, que deve determinar a qualificação do procedimento como de excepcional complexidade».
Como se decidiu no Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 26/01/2005[3], “a especial complexidade constitui, no rigor, uma noção que apenas assume sentido quando avaliada na perspectiva do processo, considerado não nas incidências estritamente mas na dimensão factual do procedimento enquanto conjunto e sequência de atos e revelação interna e externa de acrescidas dificuldades de investigação com retração nos termos e nos tempos do procedimento. (...) O juízo sobre a especial complexidade constitui um juízo de razoabilidade e de justa medida na apreciação das dificuldades mento, tendo em conta nomeadamente as dificuldades da investigação, o número de intervenientes processuais, a deslocalização de atos, as contingências procedimentais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais, ou a utilização dos meios”.
No caso dos autos, no despacho recorrido, fundamentou-se a “excepcional complexidade dos autos”:
- Com o número de arguidos e com a sua atividade “parcialmente homogénea, mas que relativamente a determinados apensos apresenta heterogeneidade, com alteração do modus operandi, diferenciação de alvos (residência, estabelecimento comercial, veículos), alteração de composição do grupo, ou mesmo atuações isoladas tornando complexa a análise da atuação de cada um dos arguidos e sua atuação conjunta”;
- Com o número de ofendidos (12), “entre os quais sociedades comerciais e respetivos representantes legais, abrangidos nas 25 testemunhas arroladas na acusação (…) testemunhas/ofendidos “oriundas de diferentes localizações geográficas”;
- Com a extensão do processo - 25 volumes e recolha da prova que “exigiu a recolha de imagens de videovigilância e a utilização de escutas telefónicas num período razoável de tempo, cuja análise exige tempo e esforço acrescido”.
Serão estas circunstâncias suficientes para declarar a excecional complexidade do processo?
Vejamos.
O primeiro argumento invocado no despacho recorrido foi o número de arguidos que, salvo o devido respeito não é significativo, mesmo tendo em consideração que estavam sujeitos à medida de coação de prisão preventiva. É certo que a sua actividade não será homogénea, que o modus operandi também não será o mesmo e que os alvos serão diferenciados, mas justificar a excepcional complexidade do processo, com o número de arguidos seria permitir idêntica caracterização a uma grande maioria de processos, nomeadamente naqueles que estão em causa furtos e roubos qualificados.
Também o número de ofendidos, mesmo sendo, partes deles, sociedades comerciais e respetivos representantes legais e mesmo considerando serem oriundas de diferentes localizações geográficas, não seria suficiente, por si só, para caraterizar o processo como excecional complexidade, até pela possibilidade de utilização de meios à distância que já não exigem a emissão das antigas cartas precatórias, que essas sim, iriam provocar uma enorme “morosidade” no andamento do processo.
Porém, a acrescer a estes fundamentos, entendemos que, em sentido diferente, a declaração de excecional complexidade do processo pode ser justificada com a extensão a sua extensão - 25 volumes - e com extensão da prova junta aos autos, nomeadamente com existência de imagens de videovigilância e de escutas telefónicas realizadas “num período razoável de tempo”, para cuja análise se exige “tempo e esforço acrescido”.
Pondera-se também que são imputados aos arguidos, no seu conjunto, 37 crimes, sendo 47 os factos e 9 os apensos onde constam as provas.
Acrescentamos que o próprio recorrente na contestação, legitimamente, acrescentou em termos de prova, a realização de um “exame pericial quanto à existência e procedência das armas”, mais requerendo a “exibição integral das gravações das escutas” o que a ser deferido, irá com certeza contribuir para o aumento da complexidade da apreciação conjunta da prova carreada aos autos.
Assim, considerando todos os fatores acabados de enunciar, é patente a complexidade anormal do processo, a qual determina obrigatoriamente um arrastamento excecional dos termos processuais e integra o conceito de excecional complexidade previsto no n.º 3 do artigo 215º do Código de Processo Penal.
Por outro lado, não vislumbramos que a decisão viole quaisquer normas constitucionais, mostrando-se devidamente conjugado o interesse público da eficácia da investigação e boa administração da justiça com os direitos e garantias do arguido detido, e o decidido mostra-se conforme aos ditames constitucionais. Como entendeu o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 287/2005, “a declaração de especial complexidade a que se refere o artigo 215º, n.º 3, do Código de Processo Penal tem por consequência o prolongamento dos prazos de prisão preventiva previstos no n.º 1 do mesmo artigo. Tal declaração, com a consequência inerente em termos de prazo de prisão preventiva, é justificada na perspectiva da lei por especiais dificuldades que a investigação, num caso concreto, possa encontrar. Essas dificuldades revelam-se, por exemplo, na investigação da criminalidade altamente organizada, com envolvimento de vários arguidos e recurso a meios sofisticados reveladores de elevada perigosidade. Em casos deste tipo é suscitada uma ponderação entre os valores de justiça prosseguidos pela investigação e os direitos do arguido sujeito à prisão preventiva que justificará um aumento proporcionado dos prazos da prisão preventiva. Ora, não é contrário à Constituição, de acordo com um parâmetro de proporcionalidade, que nessas situações especiais um certo alargamento dos prazos se verifique. Mas não se esgotam nos casos referidos, porventura paradigmáticos, as possibilidades de aplicação do preceito em causa, podendo circunstâncias várias da investigação justificar idêntica ponderação”.
O recorrente não invoca em bom rigor qualquer violação da Constituição, discordando apenas dos fundamentos que levaram ao Tribunal recorrido declarar a excecional complexidade do processo, declaração que o texto constitucional permite como tem sido entendido pelo Tribunal Constitucional.
Acresce que ao contrário do alegado na motivação do recurso, o Tribunal recorrido não se baseou em quaisquer “considerações abstractas”, mas em elementos concretos que resultam do processo, designadamente, a sua extensão.
Face a tudo o exposto, e sem serem necessários outros considerandos, entendemos que bem andou a primeira instância ao declarar, no caso concreto, a excecional complexidade do processo principal de onde se extraíram estes autos de recurso em separado, pelo que também não merece provimento o recurso nesta parte.
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C) Decisão:

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em:

a) Rejeitar os recursos interpostos pelos recorrentes BB e CC por falta de interesse em agir.
b) Fixo em 3UCs a taxa de justiça devida por cada um dos recorrentes;
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c) Em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e em consequência decidem manter o despacho recorrido;
d) Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça devida – artigos 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a ele anexa.
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Notifique.
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Guimarães, 11 de Novembro de 2025 (o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos seus signatários – artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
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Carlos da Cunha Coutinho (Relator)
Ana Wallis de Carvalho (1.ª Adjunta)
Paula Albuquerque (2.ª Adjunta).


[1] O que é pacífico, tanto a nível da doutrina como da jurisprudência (cf. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113; bem como o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ, n.º 7/95, de 19.10.1995, publicado no DR 1ª série, de 28/12/1995; e ainda, entre muitos, os Acórdãos do STJ de 11/07/2019, in www.dgsi.pt; de 25/06/1998, in BMJ 478, pág. 242; de 03/02/1999, in BMJ 484, pág. 271; de 28/04/1999, in Coletânea de Jurisprudência, acórdãos do STJ, Ano VII, Tomo II, pág. 193
[2] Como observa Fernando Gama Lobo (in Código de Processo Penal anotado, Fevereiro de 2015, Almedina), em anotação ao artigo em causa, as exigências de investigação e a conflituante gravidade das consequências que decorrem para os arguidos da declaração de excepcional complexidade do procedimento, com a prorrogação dos prazos da prisão preventiva, impõem uma cuidadosa ponderação sobre todos os elementos processuais em presença de ordem material/física e não apenas nos termos restrictos que a noma insuficientemente prevê”.
[3] Também citado na mesma anotação da obra citada.