VIOLÊNCIA NO DESPORTO
CRIME DE OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA
AGENTE DESPORTIVO
PRATICANTE
Sumário


I – O artigo 33.º da Lei n.º 39/2009, de 30/07, representa uma novidade face à anterior Lei n.º 16/2004, de 11/05, que não contemplava tal norma incriminadora.
III – O diploma original de 2009 acolhia uma matriz de violência associada essencialmente ao comportamento dos adeptos, mas a partir de 2019, através da Lei n.º 113/2019, de 11/09, a norma do artigo 33.º estendeu o seu âmbito de aplicação a todos os agentes desportivos.
III - Agora qualquer uma das pessoas referidas na alínea a) do artigo 3.º da Lei n.º 39/2009, de 30/07, pode ser agente do crime, designadamente o praticante.
IV – A violência associada ao espectáculo desportivo tem sido, historicamente, atribuída aos adeptos mas esta visão revela-se profundamente redutora e ignora a multiplicidade de agentes envolvidos no fenómeno desportivo, tornando-se, por isso, imperativo reconhecer que jogadores, treinadores, dirigentes e até árbitros podem ser protagonistas ou catalisadores de comportamentos violentos, contribuindo para uma cultura de agressividade que transcende as bancadas.

Texto Integral


Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães
I – Relatório

1. No processo comum singular n.º 1266/22.0GBBCL, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Barcelos – Juiz ..., realizado o julgamento, foi proferida sentença em 03-07-2024, depositada na mesma data, que, procedendo à convolação jurídica dos factos descritos na acusação como questão prévia, homologou a desistência de queixa apresentada por AA e declarou extinto o procedimento criminal movido contra o arguido BB.
2. Inconformado com a decisão, recorreu o Ministério Público, tendo esta Relação, por acórdão de 11.02.2025, declarado nula a sentença recorrida e determinado a sua substituição por outra, suprindo a nulidade consistente na falta de fixação dos factos tidos por provados e não provados e de fundamentação desse segmento da decisão.
3. Os autos baixaram à 1ª instância onde, por sentença de 11.04.2025, depositada na mesma data, após a fixação dos factos provados e não provados e da motivação da decisão, se procedeu à convolação jurídica dos factos descritos na acusação e uma vez mais foi homologada a desistência de queixa apresentada por AA e declarado extinto o procedimento criminal instaurado contra o arguido BB.
4. De novo inconformado com a decisão, recorreu o Ministério Público, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):
«1. O Ministério Público acusou o arguido BB, imputando-lhe a prática de um crime de ofensas à integridade física no âmbito de espetáculo desportivo, previsto e punido no artigo 33º e 34º, n.º 1, da Lei 39/2009, de 30 de julho, na redação que lhes foi conferida pela Lei 113/2019, de 11 de setembro;
2. Realizado o julgamento o M.isso Juiz fixou a matéria de facto, apreciando logo depois a desistência de queixa apresentada pelo ofendido - desistência apresentada no decurso do julgamento -, em termos sobreponíveis aos que resultam do despacho de 3 de julho de 2024, alvo do anterior recurso;
3. E, concluindo que os factos que eram imputados ao arguido integravam singelamente o tipo previsto no artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, atendeu à natureza semipública do crime tido por subsistente, julgando subsequentemente válida e relevante a desistência da queixa, e, declarando, em consequência, extinto o procedimento criminal instaurado contra aquele;
4. Mantém o Ministério Público o entendimento de que os factos imputados ao arguido integram a previsão do artigo 33º e 34º, n.º 1, da Lei n.º 39/2009, de 30/07, na redação da Lei 113/2019, em vigor na data da sua prática - integrando atualmente o tipo previsto no artigo 33º, n.º 2, al. a), da Lei 39/2009, na redação que lhe foi conferida pela Lei 40/2023, de 10 de agosto;
5. Daí o recurso;
6. Como já se aludiu, entendeu o M.isso Juiz que os factos constantes da acusação não se não subsumiam à previsão do artigo 33º e 34º, n.º 1, da Lei n.º 39/2009, de 30/07, na redação vigente à data da sua prática;
7. Para assim concluir, ateve-se, essencialmente, às exposições de motivos das propostas que deram origem à Lei n.º 39/2009, de 30/07, na sua versão originária, bem como da Lei 113/2019, de 11/09, que efetivou alterações ao referido diploma, e que fixou a tipificação prevista nos seus artigos 33º e 34º;
8. Admite-se que com a Lei n.º 39/2009, de 30/07, se visava a supressão de algumas das assumidas insuficiências da Lei n.º 16/2004, de 11/05, mormente no que respeitava a grupos organizados de adeptos e ao registo e acesso desses grupos aos recintos desportivos;
9. Mas foi-se mais além, pois que, mantendo-se a penalização das manifestações de violência associadas ao desporto, ampliava-se o âmbito da proteção normativa à segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos e alterava-se o regime sancionatório, quer quanto às previsões penais, incluindo as penas acessórias, quer quanto às contraordenações;
10. A nova incriminação contrastava com a sua antecessora, prevista no artigo 26º da Lei 16/2004, que a titulava como tumulto, que punia aquele que, durante um espetáculo desportivo, no interior do recinto desportivo, atuando em grupo, atentasse contra a integridade física de terceiros, desse modo provocando reações dos restantes espectadores e colocando em perigo a segurança no interior do recinto desportivo;
11. Com o novo normativo, a ofensa à integridade física da vítima, ocorrida durante o espetáculo desportivo, perpetrada por elemento ou elementos de um grupo, era suficiente para o preenchimento do tipo;
12. Patentemente excluía-se, em ambos os casos, a possibilidade de a ofensa à integridade física dos ofendidos ser punível quando resultasse de uma ação individual, não enquadrável ou inserida em atuação grupal;
13. A subsequente alteração da Lei 39/2009, operada através da Lei 52/2013, de 25/07, introduziu uma primeira inflexão ao tipo, agravando, ao mesmo tempo, a pena: deixou ser necessária uma atuação grupal, bastando à incriminação que o agente infligisse danos na integridade física da vítima com a colaboração de pelo menos outra pessoa;
14. A segunda alteração à Lei 39/2009, operada através da Lei 113/2019, introduziu uma segunda inflexão ao tipo: a incriminação passou a bastar-se com qualquer comportamento do agente ofensivo da integridade física da vítima, quer tivesse colaboração de outras pessoas quer resultasse de uma decisão e atuação totalmente individual;
15. A associação tendencial - dir-se-ia subconsciente -, do tipo ao público assistente, ou seja, aos espetadores, desapareceu, pendor que foi mantido na redação atualmente em vigor vinda da Lei 40/2023, de 10/08;
16. E é por isso que parece hoje indiscutível que qualquer das pessoas referidas na alínea a), do artigo 2º, da Lei 39/2009, na redação vigente na data dos factos como na atual, e, especificamente, o praticante, pode ser agente do crime;
17. De resto, como já decorria do artigo 2º da Lei 39/2009, desde a redação introduzida pela Lei 113/2019, a lei aplicava-se, e aplica-se, a todos os espetáculos desportivos e a acontecimentos com os eles relacionados, incluindo comportamentos em locais destinados ao treino e à prática desportiva e em deslocações de adeptos e agentes desportivos;
18. Lei que, por força do artigo 3º, alínea a), quer na redação vigente quer na redação em vigor na data da prática dos factos, é também necessariamente aplicável, mormente nas suas manifestações penais, aos praticantes, como é o caso dos autos;
19. E daí que a interpretação da norma incriminatória escolhida pelo M.isso Juiz surja como inadmissivelmente restritiva;
20. Tal interpretação parte, por um lado, de uma avaliação estática do fenómeno da violência associada ao desporto, em particular ao futebol, e, por outro, da desvalorização do sentido da evolução das respostas que historicamente motivou;
21. E por isso é contrária à real vontade do legislador, pelo menos desde 2019;
22. Com efeito, a ideia de que os fenómenos de violência associados ao espetáculo desportivo, apenas emergem ou podem emergir de atos praticados por adeptos e já não por agentes desportivos, nomeadamente contra outros agentes desportivos, é hoje profundamente redutora;
23. Assim, se o diploma original de 2009 acolhia uma matriz de violência associada essencialmente ao comportamento dos adeptos, a partir de 2019, com a Lei 113/2019, a norma do artigo 33º, estendeu o seu âmbito de aplicação a todos os agentes desportivos;
24. Se assim não fosse, o combate penal ao segmento da violência associável à influência que o comportamento dos jogadores tem no espetáculo desportivo, e, consequentemente, sob os espetadores, e a violência associada à xenofobia e ao racismo expressamente visado pelo legislador, não teria lugar e estaria, no geral, condenado ao insucesso;
25. Ao contrário do entendimento expresso na sentença, o âmbito de aplicação do diploma, em vez da restrição ali propugnada, foi-se progressivamente alargando, em termos de abarcar, na atualidade, praticamente todas as situações relacionadas com a violência no fenómeno desportivo;
26. Com efeito, o âmbito da aplicação da lei evoluiu desde a afirmação de que se aplicava a todos os espetáculos desportivos (cf. artigo 2º da Lei 39/09, da versão originária), para a afirmação de que se aplicava “...a todos os espetáculos desportivos..., incluindo celebrações de êxitos desportivos, comportamentos em locais destinados ao treino e à prática desportiva,....e em deslocações de adeptos e agentes desportivos de e para os recintos ou complexos desportivos e locais de treino...” (cf. versão da Lei 113/2019), até à afirmação de que se aplicava também às “...concentrações de adeptos prévias, simultâneas ou posteriores ao espetáculo desportivo, com exceção dos casos expressamente previstos noutras disposições legais” (cf. versão da Lei 40/2023);
27. O sentido e dinâmica do alargamento do âmbito de aplicação da Lei relativa à violência e segurança nos e dos espetáculos desportivos é, pois, evidente;
28. Ou seja, deixou de visar apenas o comportamento dos adeptos nos locais que lhes estavam destinados nos recintos para abranger quaisquer acontecimentos relacionados com o fenómeno desportivo, incluindo os que ocorressem em locais destinados ao treino e à prática desportiva e a adeptos ou agentes desportivos que se deslocassem de ou para os recintos desportivos e de ou para os recintos ou nos locais de treino;
29. Por outro lado, é notório que quando o legislador quis intencionalmente restringir a conduta típica a uma categoria específica de agentes (por exemplo, apenas aos adeptos) disse-o expressamente, como sucedia, e sucede, nas situações previstas no artigo 29º e 30º (embora este só na redação da Lei 40/2023), nas quais se exige que o perpetrador atue inserido num grupo de adeptos;
30. Relativamente aos demais tipos, neles se incluindo o previsto no artigo 33º e 34º, o legislador usou o pronome indefinido “quem”, comumente utilizada em muitos outros tipos legais com um âmbito de aplicação subjetivamente geral e indeterminado;
31. Trata-se hoje de um crime comum, pois o tipo não exige qualquer qualidade especial do agente ou a sua pertinência a ente coletivo, em contraste com o que resultava da sua versão originária ou com a que lhe foi conferida pela Lei 52/2013, em que se tratava de um tipo plurissubjetivo - implicando a participação necessária de uma pluralidade de agentes ou de mais que uma pessoa;
32. O que, como já vimos, deixou de suceder com revisão de 2019;
33. E, impondo-se assumir, por força do disposto no artigo 9º, n.º 3, do Código Civil, que o legislador soube exprimir-se em termos adequados, então não pode restar dúvida que a norma abrange também a condutas dos agentes desportivos, quer entre si, quer quando se dirijam a outros intervenientes no espetáculo ou acontecimento desportivo;
34. E se o elemento literal não consente a interpretação restritiva operada pelo M.isso Juiz, o mesmo se diga relativamente ao elemento teleológico;
35. É verdade que o bem jurídico protegido pela incriminação é, a título principal, a integridade física da pessoa ofendida. Todavia, a ratio da criação do tipo, mais gravemente punido do que o matricial, não se resume à proteção daquele bem jurídico;
36. Está também subjacente o reconhecimento de que as condutas violentas praticadas no contexto dos espetáculos pelos intervenientes, especialmente pelos jogadores, potenciam, por efeito mimético, o contágio a outras pessoas, aumentando assim o perigo de lesão;
37. A tensão emocional induzida por ambientes assim contaminados, gera condições para que qualquer ato violento dos intervenientes no espetáculo, especialmente se forem jogadores, conduza a episódios de grande violência coletiva;
38. E se, como inequivocamente decorre da intenção legislativa, o que se projetou foi a criação de condições que possibilitassem a realização de espetáculos desportivos com segurança, então deveria ser indiferente, como se julga que é, que esses atos de violência ocorram entre adeptos, entre agentes desportivos ou entre adeptos e agentes desportivos;
39. Num certo sentido, recuperou-se, parcial e implicitamente, o objeto do crime de tumulto, previsto no artigo 26º da Lei 16/2004, de 11/05, sem o requisito da atuação grupal;
40. É que todos aqueles atos são suscetíveis de gerar reações em cadeia;
41. Por isso que a todos os potenciais agentes se exige o mesmo padrão de comportamento: um comportamento normativo e pacífico que contribua para a segurança do espetáculo desportivo e, consequentemente, para a segurança de espetadores, agentes desportivos e de todos os outros profissionais envolvidos no acontecimento;
42. Acresce que, como já dito, que o crime se constitui hoje como comum, sendo que no domínio destas leis se tratava de um tipo plurissubjetivo, o que, como já vimos, deixou de suceder com revisão de 2019;
43. Todavia, a ratio da criação deste tipo legal, mais gravemente punido do que o tipo matricial, não se resume à proteção daquele bem jurídico;
44. É que, como acima se disse, a tensão emocional induzida pelos referidos ambientes - com enorme potencial disruptivo -, gera condições para que qualquer ato violento dos intervenientes no espetáculo, especialmente se forem jogadores, conduza a episódios de grande violência coletiva, como aqueles a que, por intermediação das televisões, assistimos muitas vezes em direto;
45. E é também por isso que, mesmo nos exemplos que o M.isso Juiz teve como excludentes, com o fundamento de que nesses casos a atuação dos agressores está para lá do fenómeno desportivo, não devem objetivamente escapar à previsão típica;
46. A refutação das conclusões a que chegou o M.isso Juiz na douta sentença, nos termos que decorrem do que vem de dizer-se, é, pois, imperativa;
47. É que tais conclusões se fundaram em premissas que, salvo o devido respeito, se não verificam, sendo por isso falaciosas;
48. E daí que os factos tidos como provados nas alíneas a) a i) da fundamentação, integrem o crime que ao arguido vinha imputado na acusação - o previsto e punido nos artigos 33º e 34º, n.º 1, da Lei 39/2009, de 30 de julho, na redação então vigente da Lei 113/2019, de 11 de setembro, crime que é atualmente previsto e punido no artigo 33.º, n.º 2, al. a) daquela Lei n.º 39/2009 - e não aqueloutro de ofensas à integridade física simples, previsto e punido no artigo 143º, n.º 1, do Código Penal;
49. Crime que, por ser de natureza pública, não admite desistência;
50. E daí que a apresentada pelo ofendido não possa considerar-se válida, não podendo, consequentemente, ser homologada, como erroneamente foi;
51. Decorrentemente a sentença recorrida viola, por erro de interpretação, o disposto nos artigos 33º, n.º 2, al. a), da Lei 39/2009, na redação da Lei 113/2019, e 51º, n.º 1 e 2, do Código Processo Penal;
52. Por isso que se impõe a sua revogação, devendo, subsequentemente, tal como se prevê acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2016, ser proferido acórdão pelo Douto Tribunal da Relação, que, apreciando o mérito da acusação e tenho em conta a matéria de facto tida por provada, condene o arguido pela prática do crime previsto e punido, ao tempo do seu cometimento, no artigo 32º e 33º, n.º 1, da Lei 39/2009, na redação da Lei 113/2019;
Quanto à determinação da pena e da sua medida concreta
53. Como vem de sustentar-se os factos tidos como provados integram o crime previsto nos artigos 33º e 34º, n.º 1, da Lei 39/2009, de 30 de julho, na redação então vigente da Lei 113/2019, de 11 de setembro;
54. O crime era então punido com pena de prisão de seis (6) meses a quatro (4) anos, ou com pena de multa de trinta (30) a seiscentos (600) dias, pena agravada, nos seus limites mínimo e máximo, em metade, ou seja, na pena de prisão seria de nove (9) meses no seu mínimo e de seis (6) anos no seu máximo;
55. Por seu turno, a pena de multa teria a duração mínima de quarenta e cinco (45) dias e de novecentos (900) dias no seu máximo;
56. Sucede que o crime é atualmente previsto no artigo 33.º, n.º 2, al. a) daquela Lei n.º 39/2009, mas na redação introduzida pela Lei 40/2023, de 10 de agosto, sendo punido exclusivamente com a pena de prisão, pena que, em abstrato, por força da tipificada agravação, vai de quarenta e cinco (45) dias a quatro (4) anos e seis (6) meses;
57. Em ambos os regimes, a pena acessória também aplicável traduz-se na interdição de acesso a recintos desportivos por um período de um (1) a cinco (5) anos;
58. Vista a circunstância, impõe-se, nos termos do artigo 2º, n.º 4, do Código Penal,  identificar qual dos regimes das preditas leis se mostra concretamente mais favorável ao arguido – operação que envolve necessariamente a escolha e determinação concreta das penas a aplicar num e noutro regime;
59. Aplicando o regime da lei vigente na data da prática dos factos - e ponderando que ao crime eram aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade - impor-se-ia, em obediência ao disposto no artigo 70º do Código Penal, dar preferência à aplicação de pena não detentiva;
60. Aplicação que no caso se imporia já que a essa pena realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, dado que o arguido confessou os factos, é primário, está socialmente inserido e foi desculpado pelo ofendido - que por isso quis desistir da queixa;
61. E, tendo em conta as circunstâncias a que alude o artigo 71º do Código Penal, e, em especial, por um lado, o grau de ilicitude do facto - que se tem por elevado - e as circunstâncias em que foi praticado - nomeadamente o sentimento de tensão a que o arguido se encontrava sujeito na decorrência do jogo de futebol em causa nos autos - diminuindo a intensidade da culpa, e por outro, o comportamento anterior do arguido - que não averba condenações anteriores - e posterior – aqui relevando, sobremaneira, a confissão e a aparente reparação moral ao ofendido - impor-se-ia a aplicação de uma pena de multa sensivelmente abaixa do seu termo médio - termo médio que se situaria nos quatro (4) meses e vinte cinco (25) dias;
62. Em concreto, propugna-se, neste paradigma, pela aplicação de uma pena de cento e oitenta (180) dias de multa;
63. E, tendo em conta as condições económicas do arguido, tal como como provadas, afigura-se que a taxa diária de tal multa não deverá ultrapassar os € 7,00 (sete euros);
64. Caso se optasse pela aplicação do regime da lei atualmente vigente, tendo em conta os critérios determinativos da medida concreta da pena acima aludidos, forçosa seria a inflição de uma pena que se não vê que pudesse fixar-se abaixo dos dez (10) meses de prisão;
65. Neste quadro crê-se ser patente que o regime concretamente mais favorável ao arguido é o previsto nos artigos 33º e 34º, n.º 1, da Lei 39/2009, de 30 de julho, na redação da Lei 113/2019, de 11 de setembro, vigente na data da prática do crime;
66. E, porque assim se pondera, tendo em conta o demais que se foi avançando, propõe-se que seja aplicada ao arguido, nos termos dos artigos 33º e 34º, n.º 1, da Lei 39/2009, de 30 de julho, na redação da Lei 113/2019, de 11 de setembro, a pena de multa de cento e oitenta (180) dias, a taxa diária não inferior a € 7,00 (sete euros);
67. Concomitantemente, nos termos do artigo 35º, n.º 1, daquela Lei, na redação da Lei 113/2019, deverá ser-lhe aplicada a pena acessória de interdição de acesso a recintos desportivos em dias de jogos pelo um período de um (1) ano e dois (2) meses.

Termos em que deve a douta sentença ser revogada e substituída por outra que, apreciando o mérito da acusação, profira decisão condenatória nos termos acima propugnados, com o que, ao que se crê, se fará justiça!»

5. O arguido BB respondeu ao recurso, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões (transcrição):
«1 -O arguido confessou os factos da acusação e o ofendido desistiu da queixa;
2 - O Tribunal “a quo” homologou a desistência e declarou extinto o procedimento criminal;
3 - O Ministério Público recorreu da Douta Sentença por entender que o crime de que o arguido vinha acusado, não admite a respectiva desistência de queixa por se tratar de violência no âmbito do desporto;
4 – Ora, a Douta Sentença recorrida bem andou quando entendeu que a legislação objecto do presente recurso sobre o crime no desporto pretende proteger a paz pública e visa as colectividades desportivas, adeptos e agentes, e não os actos pessoais, individuais, como foi o caso dos autos;
5 - O Tribunal “a quo” mais esclareceu que:
“Excluído da abrangência do tipo legal, salvo melhor opinião, ficará (quer à luz da pretérita tipificação, quer da actual) a situação do agente que, dentro ou fora do estádio, atinge a integridade física de um terceiro ao arredio do fenómeno desportivo.”
6 - Pois,
“(…) a conduta dos praticantes desportivos – ainda que acabados de serem excluídos do jogo pelo árbitro, como era o caso dos autos – que agridem outro jogador (da mesma ou de outra equipa) também se não perfila como inserida no contexto da prática desportiva tout court, antes consubstanciando uma situação de ofensa à integridade física a despeito da prática ou do espectáculo desportivo”
7 - A situação em causa mais não é que uma “altercação individual, que já nada tem a ver com o desporto em si.”
8 - Assim, a Douta Decisão recorrida deverá ser mantida nos seus precisos termos porque nenhuma censura merece.
Assim decidindo, farão V.ªs Ex.ªs, como sempre, a melhor
JUSTIÇA»
6. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na vista a que se refere o artigo 416.º do Código de Processo Penal, emitiu parecer, afirmando, em conclusão, que o recurso do Ministério Público merece integral provimento porquanto o crime imputado ao arguido não reveste natureza semi-pública, como erradamente se exarou na sentença recorrida, já que a especial norma incriminatória do arguido não revela a necessidade de queixa por parte do ofendido para que haja lugar o exercício da acção penal, sendo então, e por via disso, um crime de natureza pública, com a consequente não admissão de desistência de queixa e com o imediato sancionamento daquele em pena de multa e pena acessória de interdição de acesso a recintos desportivos em dias de jogos.
7. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, não houve resposta.
8. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.                                                                 

*
II – FUNDAMENTAÇÃO

1. A sentença recorrida
1.1. Na sentença proferida na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):
«1.1.Factos provados
1.1.1. da acusação e pedido de indemnização civil (Unidade Local de Saúde .../..., E.P.E.)
a) No dia 15 de Outubro de 2022, pelas 16h00m, decorreu um jogo de futebol, no Parque Desportivo S. ..., situado na Rua ..., ... – ..., a contar para o Campeonato Distrital, Divisão de Honra, organizado pela Associação de Futebol ..., que opôs as equipas do “Clube X” vs “Clube Y”.
b) O AA participou nesse jogo como jogador da equipa visitada, vestindo a camisola com o n.º 37.
c) O arguido participou nesse jogo como jogador da equipa visitante, vestindo a camisola com o n.º 6.
d) Por volta do minuto 80, após ter cometido uma falta, o árbitro assinalou essa infracção e expulsou o arguido.
e) Já com o jogo interrompido e antes de abandonar a área do espectáculo desportivo, o arguido abeirou-se do AA e, com força, deferiu-lhe uma cabeçada na face deste.
f) Em consequência directa e necessária da referida agressão, o AA sofreu: fractura no dente 42; dor à mastigação com necessidade de medicação analgésica diária; na face, equimose infra-orbitária direita, as quais demandaram para a sua cura/consolidação 8 dias, sem afectação da capacidade para o trabalho geral ou profissional.
g) Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu com o propósito de molestar o corpo e a saúde do AA, bem sabendo, que se encontrava na área de espectáculo (interior do campo de futebol) de um recinto desportivo e durante a ocorrência do dito jogo de futebol.
h) O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
*
i) Em consequência da produção das lesões referidas em c), o AA foi consultado, sujeito a exames de diagnóstico e recebeu tratamento no Hospital ..., tendo a Unidade de Saúde onde o dito hospital se encontra integrado despendido no tratamento daquele a quantia de € 153,51.

Mais se provou que:
j) O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados.
k) O comportamento do arguido supra descrito (e que foi pelo mesmo assumido) resultou, ainda, de um sentimento de tensão a que o mesmo se encontrava sujeito na decorrência do jogo em que interveio.
l) No decurso da audiência de julgamento, o queixoso AA declarou desistir da queixa que oportunamente apresentou contra o ora arguido.
m) O arguido é pintor, auferindo um rendimento mensal de cerca de € 800,00; vive numa casa arrendada, com um colega, pagando uma prestação mensal a título de renda de € 475,00; tem despesas de água, luz e gás no montante de, aproximadamente, € 100,00; tem o 9.º ano de escolaridade.
n) O arguido não tem antecedentes criminais.»
*
1.2. Inexistem factos não provados.
*
1.3. O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):
«No apuramento dos factos provados e não provados, atendeu-se às declarações do arguido, que confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados, esclarecendo ademais que se encontrava nervoso na decorrência da forma como o jogo vinha a ser disputado e das palavras que lhe haviam sido previamente dirigidas, circunstâncias que catalisaram o predito comportamento.
Quanto às lesões e sequelas ocasionadas, valorou-se o teor do relatório do exame médico-legal de fls. 20 a 22, conjugadamente considerado com a ficha clínica de fls. 15/16.
Já no que tange aos custos dos cuidados médicos administrados pelo Hospital ..., considerou-se o teor da 117vº.
No mais, e designadamente no que concerne às condições pessoais, económica e sociais do arguido, valoraram-se as declarações pelo mesmo prestadas nos autos (na fase de inquérito – cfr. fls.), relevando, finalmente, o teor do certificado do registo criminal de fls. 142vº. no que tange à aferição dos seus antecedentes criminais.»
*
1.4. E dela consta a seguinte fundamentação de direito e decisão:
«2.1. Enquadramento jurídico-penal.
Ao arguido é imputada a prática de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelos artigos 33.º e 34.º, n.º 1, da Lei n.º 39/2009, de 30 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º Lei n.º 92/2021, de 17 de Dezembro.
Veio, entretanto, o queixoso AA declarar que desiste da queixa que oportunamente formulou contra o aqui arguido.
Cumpre, assim, decidir da validade e eficácia da desistência da queixa.
Para o efeito, cumpre aferir se os factos imputados ao arguido se subsumem à previsão do art. 33.º da Lei n.º 39/2009, de 30 de Julho, recorrendo-se imediatamente à exposição de motivos das propostas que deram origem à Lei n.º 39/2009, de 30 de Julho (na versão originária) e à exposição de motivos que esteve na origem da terceira alteração ao referido diploma legal (que fixou a tipificação prevista nos arts. 33.º e 34.º, na redacção em vigor à data da prática dos factos).
Como decorre da primeira das motivações, a Lei n.º 39/2009 veio suprir as insuficiências da Lei n.º 16/2004, de 11 de Maio, debruçando-se essencialmente sobre os grupos organizados de adeptos e o registo e acesso dos grupos organizados de adeptos ao recinto desportivo, o que se reflectiu na originária tipificação dos artigos 33.º e 34.º do diploma em escrutínio.
Já a exposição de motivos que se debruçou sobre a terceira alteração do referido diploma (efectuada através da Lei n.º 113/2019, de 11/09) – que serve de preâmbulo à Proposta de Lei 153/XIII/4 – estabeleceu “como prioridade a intervenção sobre os fenómenos de violência associados aos espetáculos e, particularmente, às atividades desportivas, com especial incidência na dissuasão das manifestações de racismo, de xenofobia e de intolerância, promovendo-se o comportamento cívico e a tranquilidade na fruição dos espaços públicos”, esclarecendo “É ainda necessário enquadrar a recentemente criada APCVD, melhorar a capacidade dissuasora do seu regime sancionatório, tornar mais eficaz a sua aplicabilidade, conferir maior exigência ao enquadramento previsto para os grupos organizados de adeptos e reforçar a celeridade de tramitação e a transparência dos processos contraordenacionais que eram da responsabilidade do IPDJ, I.P // ...//
Relativamente ao reforço do caráter dissuasor do regime sancionatório a aplicar, prevê-se o aumento dos limites mínimos das coimas, a aplicação obrigatória de determinadas penas e sanções acessórias e a punibilidade dos adeptos que introduzirem, possuírem, transportarem ou utilizarem determinados instrumentos e objetos de apoio aos clubes e sociedades desportivas, fora das zonas previstas para o efeito. // No que respeita ao regime aplicável aos grupos organizados de adeptos, determina-se um aumento de 100% dos limites mínimos das coimas aplicáveis aos casos de atribuição de qualquer apoio a grupos organizados de adeptos não registados, nomeadamente através da concessão de facilidades de utilização ou cedência de instalações, de apoio técnico, financeiro ou material. // Por outro lado, definem-se zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos, criando-se um cartão de acesso às mesmas e impondo-se a venda eletrónica dos respetivos títulos de ingresso. Estabelece-se também a proibição da introdução, posse, transporte ou utilização, fora daquelas zonas, de megafones e outros instrumentos produtores de ruídos, por percussão mecânica e de sopro, bem como bandeiras, faixas, tarjas e outros acessórios, de qualquer natureza e espécie, de dimensão superior a 1 metro por 1 metro, passíveis de serem utilizados em coreografias de apoio aos clubes e sociedades desportivas. Finalmente, introduz-se, ao nível das punições previstas para os promotores do espetáculo desportivo, a sanção acessória de interdição de zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos // Com vista ao reforço da segurança na realização dos espetáculos desportivos, prevê-se ainda a possibilidade de adoção de medidas que impeçam a cedência de títulos de ingresso a adeptos de clubes ou sociedades desportivas visitantes, nos casos em que tenham ocorrido incidentes graves em espetáculos desportivos anteriores. // Por fim, propõe-se uma atualização e reforço do regime relativo aos ilícitos disciplinares, prevendo-se sanções específicas para a violação do dever de correção, moderação e respeito e para o incitamento ou defesa da violência, do racismo, da xenofobia, da intolerância ou do ódio”.
No decurso do processo legislativo, que se pode acompanhar no sítio electrónico da AR[1], verifica-se que, na proposta inicial de revisão à Lei n.º 39/2009 (que veio a acontecer através da Lei n.º 113/2019), não constava a alteração aos arts. 33.º e 34.º, sendo que foi no âmbito do debate na especialidade que, e depois da discussão e votação, venceu a proposta do grupo Parlamentar do PSD, de onde passou a constar a redacção vertida, em especial, no artigo 33.º com o seguinte teor[2]: «Quem, encontrando-se no interior do recinto desportivo, durante a ocorrência de um espetáculo desportivo, ou em acontecimento relacionado com o fenómeno desportivo, com ou sem a colaboração de pelo menos outra pessoa, ofender a integridade física de terceiros é punido com pena de prisão de 6 meses a 4 anos, ou com pena de multa até 600 dias, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.».
Com esta redacção, e de acordo com a evolução legislativa mais recente (reiterada na recente Lei n.º 40/2023, de 10 de Agosto, cfr. exposição de motivos da Proposta de Lei 44/XV/1), quis o legislador aprofundar os «mecanismos dissuasores da intolerância ou de discriminação e estimulando o comportamento cívico e a tranquilidade na fruição dos espaços públicos e de acesso público», na senda, aliás, do propugnado na Convenção do Conselho da Europa sobre uma Abordagem Integrada da Segurança, da Protecção e dos Serviços por Ocasião dos Jogos de Futebol e outras Manifestações Desportivas (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 11/87, DR I, n.º 57, de 10/03/1987), procurando capacitar as autoridades com meios legais, humanos e técnicos similares àqueles que existem no resto do espaço europeu.
Da leitura da referida Convenção, esmiuçada, por seu lado, no parecer apresentado pelo então Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) aquando da discussão e votação da citada Lei n.º 113/2019[3], atinge-se que foi intenção do legislador punir o adepto ou grupos de adeptos que pratiquem a conduta ali tipificada (e que remete, ademais, para o crime de ofensa à integridade física simples, como veio a ser clarificado com a alteração legislativa propugnada pela Lei n.º 40/2023).
Excluído da abrangência do tipo legal, salvo melhor opinião, ficará (quer à luz da pretérita tipificação, quer da actual) a situação do agente que, dentro ou fora do estádio, atinge a integridade física de um terceiro ao arredio do fenómeno desportivo (v.g., o caso caricato do cônjuge que descobre, naquele momento, que o outro cônjuge lhe é infiel e, por isso, decide travar-se de razões com ele; o caso do policia que agride o cidadão, seja ele ou não adepto, extravasando o exercício dos seus poderes-deveres funcionais, etc.; em síntese, nestes dois exemplos a actuação dos agentes agressores está para lá do fenómeno desportivo, nada tendo a ver com ele).
Outrossim, a conduta dos praticantes desportivos – ainda que acabados de serem excluídos do jogo pelo árbitro, como era o caso dos autos – que agridem outro jogador (da mesma ou de outra equipa) também se não perfila como inserida no contexto da prática desportiva tout court, antes consubstanciando uma situação de ofensa à integridade física a despeito da prática ou do espectáculo desportivo.
Não que se defenda que, e independentemente das responsabilidades disciplinares do agente, tal comportamento fique arredado da tutela do direito penal. Tão só que se não acolhe que esse comportamento – de acordo aliás com as razões de ser plasmadas na citada convenção e melhor escalpelizadas no citado parecer do IPDJ – possa subsumir-se ao tipo legal plasmado no art. 33.º da Lei n.º 39/2009.
Aliás, é de salientar, na senda do comentário ao preceito em causa anotado por Jorge Gonçalves (in Comentário das Leis Penais Extravagantes, Vol. II, Universidade Católica Editora, p. 754) e numa altura em que o tipo exigia ainda um comportamento grupal, que o bem jurídico tutelado, mais do que a simples integridade física, é a paz pública, pelo que só os comportamentos que atentem contra essa paz pública ou alterem a ordem pública são tutelados pela dita norma.
Daí que, uma altercação de onde resulta uma agressão de um a outro jogador, ainda que no âmbito de um espectáculo desportivo, sem mais, não tem cabimento teleológico-finalístico no referido preceito.
Reitera-se que na base da criação da predita Lei e, em concreto, da referida incriminação, estava o comportamento dos adeptos (primeiro em grupo e, depois, isoladamente considerados) ou até de outras pessoas estranhas à produção do espectáculo desportivo.
Até porque, como se observa, o comportamento dos intervenientes no jogo (ou como a Lei os define, os “agentes desportivos”, cfr. art. 3.º, al. a), do citado diploma) será, por outra via, designadamente disciplinar e contra-ordenacionalmente, sancionado.
Finalmente, a infracção em apreço é, como aliás se acautela na acusação deduzida, punida com a pena acessória prevista no art. 35.º da Lei n.º 39/2009. Ora, salvo o devido respeito, a aplicação do referido preceito – e a necessária incriminação – só fará sentido, à luz dos critérios constitucionais de proporcionalidade, necessidade e adequação (art. 18.º, n.º 2, da Const. da Repúbl. Portuguesa), se cogitarmos como agente específico do crime em apreço, p. e p. pelo art. 33.º da Lei n.º 39/2009, alguém que, não intervindo directamente no espectáculo desportivo, senão como espectador, adepto ou simples observador, ponha em causa a integridade física dos ali presentes e desencadeie um atentado à referida paz pública. Nunca uma situação de altercação individual, que já nada tem a ver com o desporto em si.
Como se disse, e ainda que sendo a conduta em apreço sancionada pelo direito nos termos gerais previstos no art. 143.º do Cód. Penal, não se vê que a mesma possa ser cometida pelos agentes desportivos, designadamente os jogadores, ainda que (obviamente) não a coberta de qualquer causa da justificação ou desculpação (pela evidente razão de que tais condutas ultrapassam as regras consentidas pela modalidade desportiva).
De resto, não é de estranhar algumas antinomias legais (vg., cfr. a punição do comportamento tipificado no art. 30.º, n.º 3, al. b), face ao previsto no art. 33.º da referida Lei, na sua actual redacção) previstas no regime sancionatório da Lei n.º 39/2009, e que carecem de ser interpretadas à luz da posição de cada um dos agentes na prática de cada um dos aludidos comportamentos.

III. Decisão.

Nestes termos, e por se considerar que, efectivamente, o comportamento em apreço será subsumível ao tipo legal matricial previsto no art. 143.º, n.º 1, do Cód. Penal, procedendo-se assim à necessária convolação jurídica dos factos descritos no libelo acusatório, e destarte atenta a natureza semi-pública deste crime, mais se verificando os requisitos exigidos pelas disposições conjugadas dos arts. 113º e 116º, ambos do C. Penal, e 51º, nº 3, do CPP, atenta a não oposição por parte do arguido, julgo válida e relevante a desistência de queixa formulada por quem de direito, pelo que a homologo e, consequentemente, declaro extinto o procedimento criminal instaurado nos presentes autos contra o arguido BB.
Sem custas.
*
Consequentemente, nos termos do art. 277º, al. e), do CPC, julgo extinta, por impossibilidade legal, a instância referente ao pedido de indemnização civil deduzido pela .
Sem custas, também nesta parte, atendendo ao valor do pedido, que se fixa em € 153,51, e ao disposto no art. 4.º, n.º 1, al. n), do RCP..»
*
2. Apreciando
Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal([1]) que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a apreciar e decidir consistem em saber se é incorrecta a qualificação jurídica dos factos operada na sentença recorrida e, consequentemente, inválida a desistência da queixa, devendo a sentença recorrida deve substituída por outra que, apreciando o mérito da acusação, profira decisão condenatória do arguido.
Vejamos.
O Ministério Público deduziu acusação contra o arguido BB, imputando-lhe a prática de um crime de ofensas à integridade física no âmbito de espectáculo desportivo, previsto e punido nos artigos 33.º e 34.º, n.º 1 da Lei 39/2009, de 30/07, na redação que lhes foi dada pela Lei n.º 113/2019, de 11/09.
Realizado o julgamento e fixada a matéria de facto, o tribunal a quo apreciou depois a desistência de queixa apresentada por AA, a qual julgou válida e relevante por entender que os factos imputados ao arguido, considerados como provados, integram singelamente o crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, declarando extinto o procedimento criminal instaurado contra o arguido.
O Ministério Público mantém o entendimento de que os factos imputados ao arguido integram a previsão dos artigos 33.º e 34º, n.º 1 da Lei n.º 39/2009, de 30/07, na redacção da Lei n.º 113/2019, em vigor na data da sua prática, e actualmente o tipo previsto no artigo 33.º, n.º 2, al. a) da Lei n.º 39/2009, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 40/2023, de 10/08.
Em sentido contrário se pronunciou o arguido para quem é correcta a qualificação jurídica feita na sentença e relevante a desistência da queixa apresentada.
Posto isto.
Os factos imputados ao arguido, dados como provados, ocorreram no dia 15 de Outubro de 2022, encontrando-se nesta data em vigor a Lei n.º 39/2009, de 30/07, na versão introduzida pela Lei n.º 113/2019, de 11/09.
Na versão vigente à data da prática dos factos, os artigos 33.º e 34.º do citado diploma tinham a seguinte redacção:
“Artigo 33.º
Ofensas à integridade física
Quem, encontrando-se no interior do recinto desportivo, durante a ocorrência de um espetáculo desportivo, ou em acontecimento relacionado com o fenómeno desportivo, com ou sem a colaboração de pelo menos outra pessoa, ofender a integridade física de terceiros é punido com pena de prisão de 6 meses a 4 anos, ou com pena de multa até 600 dias, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
Artigo 34.º
Crimes contra agentes desportivos, responsáveis pela segurança e membros dos órgãos da comunicação social
1 - Se os atos descritos nos artigos 29.º a 33.º forem praticados de modo a colocar em perigo a vida, a saúde, a integridade física ou a segurança dos praticantes, treinadores e demais agentes desportivos que estiverem na área do espetáculo desportivo, bem como dos membros dos órgãos de comunicação social em serviço na mesma, as penas naqueles previstas são agravadas, nos seus limites mínimo e máximo, até um terço.
2 - Se os atos descritos nos artigos 29.º a 33.º forem praticados de modo a colocar em perigo a vida, a saúde, a integridade física ou a segurança de elemento das forças de segurança, dos árbitros, de assistente de recinto desportivo ou qualquer outro responsável pela segurança, no exercício das suas funções ou por causa delas, as penas naqueles previstas são agravadas, nos seus limites mínimo e máximo, em metade.
3 - A tentativa é punível.”
A Lei n.º 39/2009, de 30/07, foi, entretanto, alterada pela Lei n.º 40/2023, de 10/08, que entrou em vigor a 10/09/2023, sendo revogado o artigo 34.º e alterada a redacção do artigo 33.º.
Assim, a partir de 10/09/2023, mercê da entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 40/2023 de 10/08, deixou de existir o artigo 34.º, que foi revogado, e o artigo 33.º passou a dispor o seguinte:
“Artigo 33.º
Ofensas à integridade física no âmbito de espetáculo desportivo ou em acontecimento relacionado com o fenómeno desportivo
1 - Quem praticar os factos descritos nos artigos 143.º, 144.º e 145.º do Código Penal, no âmbito do espetáculo desportivo, durante a deslocação para ou de espetáculo desportivo ou em acontecimento relacionado com o fenómeno desportivo, é punido com a correspondente pena de prisão agravada em um quarto nos seus limites mínimo e máximo.
2 - Quem, encontrando-se:
a) No interior do recinto desportivo durante a ocorrência de um espetáculo desportivo; ou
b) Em acontecimento relacionado com o fenómeno desportivo;
praticar os factos descritos nos artigos 143.º, 144.º e 145.º do Código Penal contra agentes desportivos, membros dos órgãos de comunicação social, elementos das forças de segurança, assistentes de recinto desportivo ou qualquer outro responsável pela proteção e segurança, no exercício das suas funções ou por causa delas, é punido com a correspondente pena de prisão agravada em metade nos seus limites mínimo e máximo.”.
O artigo 33.º da Lei n.º 39/2009, de 30/07, representa uma novidade face à anterior Lei n.º 16/2004, de 11/05, que não contemplava tal norma incriminadora. O crime de tumultos, que existia neste diploma, apesar de apresentar algumas semelhanças com a estrutura típica do crime previsto no novo diploma, deixou de existir, sendo substituído pela incriminação prevista no artigo 33.º. 
O bem jurídico protegido pela nova incriminação é a integridade física, cujo conceito coincide com o utilizado no Código Penal, sendo o crime em questão de dano (quanto ao bem jurídico tutelado) e de resultado (tendo em vista a forma de consumação do ataque ao objecto da acção)([2]).
Na redacção originária e na introduzida pela Lei n.º 52/2013, de 25/07, o tipo objectivo consistia na ofensa à integridade física de uma outra pessoa, exigindo-se que agente e vítima se encontrassem no interior de recinto desportivo e durante a ocorrência de um espectáculo desportivo.
Tratava-se de um tipo plurissubjectivo – um crime de participação necessária ou crime colectivo, como alguns lhe chamam – por exigir uma pluralidade de agentes.
A actuação teria de ser «em grupo» (redacção originária) ou «com a colaboração de pelo menos outra pessoa» (revisão de 2013).
Com a revisão de 2019 introduziu-se a expressão «com ou sem a colaboração de pelo menos outra pessoa» pelo que o tipo passou a ser preenchido com qualquer comportamento do agente ofensivo da integridade física da vítima, quer tivesse colaboração de outras pessoas, quer resultasse de uma decisão e actuação totalmente individual.
A visão tradicional sobre a violência no desporto, que tendia a responsabilizar exclusivamente os adeptos pelos comportamentos agressivos associados aos eventos desportivos, associando o tipo ao público assistente, ou seja, aos espectadores, desapareceu, o que foi mantido na redação actualmente em vigor dada pela Lei n.º 40/2023, de 10/08.
A violência associada ao espectáculo desportivo tem sido, historicamente, atribuída aos adeptos mas esta visão, embora comum, revela-se profundamente redutora e ignora a multiplicidade de agentes envolvidos no fenómeno desportivo, tornando-se, por isso, imperativo reconhecer que jogadores, treinadores, dirigentes e até árbitros podem ser protagonistas ou catalisadores de comportamentos violentos, contribuindo para uma cultura de agressividade que transcende as bancadas.
Assim, se o diploma original de 2009 acolhia uma matriz de violência associada essencialmente ao comportamento dos adeptos, a partir de 2019 através da Lei n.º 113/2019 a norma do artigo 33.º estendeu o seu âmbito de aplicação a todos os agentes desportivos pelo que agora qualquer uma das pessoas referidas na alínea a) do artigo 3.º da Lei n.º 39/2009, na redacção vigente na data dos factos como na actual, pode ser agente do crime, designadamente o praticante.
Trata-se de um crime comum, pois o tipo não exige qualquer qualidade especial do agente. 
O tipo subjectivo é doloso, podendo ser cometido com qualquer forma de dolo.
Aqui chegados, impõe-se concluir que os factos dados como provados nas alíneas a) a h) da matéria de facto assente integram o crime de ofensas à integridade física, previsto e punido nos artigos 33.º e 34.º, n.º 1 da Lei n.º 39/2009, de 30/07, na redação então vigente da Lei n.º 113/2019, de 11/09, actualmente previsto e punido no artigo 33.º, n.º 2, al. a) da Lei n.º 39/2009, na redacção dada pela Lei n.º 40/2023, de 10/08, e não o crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido no artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal.
Assim, tendo o crime em causa natureza pública, pois o respectivo procedimento criminal não depende de queixa, torna-se irrelevante a desistência de queixa apresentada por AA e a não oposição por parte do arguido.
Assiste, pois, razão ao recorrente quando defende que o tribunal a quo não podia ter homologado a desistência de queixa, impondo-se, assim, a revogação da decisão sob recurso e a prolação de decisão condenatória do arguido.
Importa, agora, proceder à escolha e determinação da medida concreta da pena.
Prevenção e culpa são os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da pena (artigo 40.º, nºs 1 e 2 do Código Penal), reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite às exigências de prevenção e, portanto, o limite máximo da pena.
A medida da pena resultará da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no caso concreto ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada – [prevenção geral positiva ou de integração] – temperada pela necessidade de prevenção especial de socialização, constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena.
Frequentemente a determinação da pena, em sentido amplo, passa pela operação de escolha da pena, o que sucede, designadamente, quando o crime é punido, em alternativa, com pena privativa e com pena não privativa da liberdade. O critério de escolha da pena encontra-se fixado no artigo 70.º do Código Penal segundo o qual, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.  
Os factos dados como provados integram a prática de um crime de ofensas à integridade física, previsto e punido nos artigos 33.º e 34.º, n.º 1 da Lei n.º 39/2009, de 30/07, na redacção então vigente da Lei n.º 113/2019, de 11/09, com pena de prisão ou pena de multa, e actualmente previsto e punido no artigo 33.º, n.º 2, al. a) da Lei n.º 39/2009, na redacção introduzida pela Lei n.º 40/2023, de 10/08, apenas com pena de prisão.
Neste quadro, perante a sucessão de regimes punitivos, não tendo o arguido antecedentes criminais, tendo confessado integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados e estando inserido social e profissionalmente, afigura-se evidente que a aplicação do anterior regime se mostra concretamente mais favorável para o arguido, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 4 do Código Penal, já que a opção por pena de multa dará integral satisfação às exigências de prevenção requeridas.
Assim, deve aplicar-se integralmente o anterior regime [em bloco], e não combinar disposições favoráveis de ambos os regimes, já que a excepção prevista no artigo 2.º, n.º 4 do Código Penal  - que permite aplicar a lei mais favorável ao agente – refere-se ao regime global e não à selecção de normas avulsas([3]).
Nos termos dos artigos 33.º e 34.º, n.º 1 da Lei n.º 39/2009, de 30/07, na redacção da Lei n.º 113/2019, de 11/09, o crime praticado pelo arguido é punido com multa até 600 dias, agravada de um terço nos limites mínimos e máximos, ou seja, com multa de 13 dias a 800 dias.
Passemos então à determinação da medida concreta da pena de multa.
Já sabemos que ela é feita em função das necessidades de prevenção e da culpa do agente. Para tanto, o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (artigo 71.º do Código Penal). Entre outras, haverá então que ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal).

Posto isto.

Em face da factualidade apurada temos:
- O grau de ilicitude dos factos situa-se num patamar elevado e não são de desprezar as suas consequências;
- O dolo com que o arguido actuou atingiu intensidade elevada na forma de dolo directo;
- São elevadas as exigências de prevenção geral dada a frequência de actos de violência relacionados com o fenómeno desportivo, o enorme alarme social que causam e as consequências trágicas que, por vezes, desencadeiam.
- Não são significativas as exigências de prevenção especial já que o arguido não tem antecedentes criminais, encontra-se social e profissionalmente inserido e revelou sinais de ter interiorizado o desvalor da sua conduta e a necessidade da sua censura penal ao confessar integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados.
Assim, atenta a moldura abstracta prevista – multa de 13 a 800 dias – e o que fica dito, consideramos a pena de 150 dias de multa adequada aos fins visados e perfeitamente suportada pela culpa do arguido.
O critério legal para a fixação do quantitativo diário da multa encontra-se fixado no artigo 47.º, n.º 2 do Código Penal, havendo, para tanto, que atender, à situação económica e financeira do condenado e aos seus encargos pessoais, sem esquecer que, se por um lado, enquanto pena criminal, para alcançar os fins para que é decretada em cada caso, ela tem que constituir sempre um sacrifício para o condenado, por outro, a própria lei consagra determinados mecanismos que atenuam aquele sacrifício, v.g., o pagamento em prestações.
Assim, considerando que o arguido aufere um rendimento mensal de cerca de € 800,00, vive numa casa arrendada com um colega, paga uma prestação mensal a título de renda de € 475,00 e tem despesas de água, luz e gás no montante de, aproximadamente, € 100,00, afigura-se-nos razoável fixar aquele quantitativo diário em € 6,00.
Em conclusão, deve o arguido ser condenado na pena de 150 dias de multa à taxa diária de € 6,00, perfazendo a multa global de € 900,00.
Por outro lado, o artigo 35.º da Lei n.º 39/2009, de 30/07, na redacção em vigor à data dos factos, estabelece o seguinte:
1 - Quem for condenado pelos crimes previstos nos artigos 29.º a 34.º é punido na interdição de acesso a recintos desportivos por um período de 1 a 5 anos, se pena acessória mais grave não couber por força de outra disposição legal.
3 - A aplicação da pena acessória referida no n.º 1 pode incluir a obrigação de apresentação e permanência junto de uma autoridade judiciária ou de órgão de polícia criminal em dias e horas preestabelecidos, podendo ser estabelecida a coincidência horária com a realização de competições desportivas, nacionais e internacionais, da modalidade em cujo contexto tenha ocorrido o crime objeto da pena principal e que envolvam o clube, associação ou sociedade desportiva a que o agente se encontre de alguma forma associado, tomando sempre em conta as exigências profissionais e o domicílio do agente.
4 - Nos casos de condenação pelo crime previsto no artigo 34.º, a aplicação da pena acessória referida no n.º 1 inclui a obrigação prevista no número anterior.”
A privação do direito de entrar em recintos desportivos é uma verdadeira pena acessória através de cuja aplicação se permite que o arguido seja especialmente censurado pelo particular circunstancialismo que envolve o crime cometido, o qual será de modo a justificar a privação de certos direitos, faculdade ou posição privilegiada de algum modo relacionada com a prática do delito.
As penas acessórias, tal como explica Pedro Caeiro, visam «censurar especialmente o arguido pelo circunstancialismo que envolve o crime cometido, circunstancialismo esse que justifica a privação de certo direito, faculdade ou posição privilegiada de algum modo relacionados com a prática do crime. É precisamente a relação (cuja existência só em concreto pode ser estabelecida) entre o cometimento do crime e o abuso (mau uso) do direito ou faculdade que a ele se liga que cria o «espaço» onde vive a censura suplementar contida na pena acessória; é também nessa relação que a pena acessória colhe o fundamento material legitimador da sua aplicação ao lado da pena principal»([4]).
As penas acessórias, pressupondo embora a condenação do arguido numa pena principal [prisão ou multa], são verdadeiras penas criminais e por isso também elas ligadas à culpa do agente e justificadas pelas exigências de prevenção([5]).
Nesta medida são-lhe aplicáveis os critérios legais de determinação das penas principais.
Assim, sabendo-se a moldura penal abstracta aplicável, a determinação da medida da pena acessória será feita de acordo com a culpa e as exigências de prevenção (geral e especial), tendo por base todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente – n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal.
Tendo presente que a culpa estabelece o máximo inultrapassável de pena concreta que é possível aplicar, a moldura de prevenção é definida entre o limiar mínimo abaixo do qual não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr em causa a sua função tutelar de bens jurídicos e de estabilização das expectativas comunitárias, e a medida máxima e óptima de tutela dos bens jurídicos e das mencionadas expectativas.
Considerando os apontados critérios, já acima concretizados na determinação da pena principal, tendo em conta que as exigências de prevenção geral são elevadas mas não são significativas as necessidades de prevenção especial, aplica-se ao arguido a pena acessória de interdição de acesso a recintos desportivos pelo período de 1 (um) ano.
Nos termos do artigo 35.º, nºs 3 e 4 da Lei n.º 39/2009, de 30/07, tal pena acessória incluirá a obrigação de apresentação e permanência junto da autoridade policial mais próxima do domicílio do arguido nos dias e horas em que jogue a equipa da “Clube Y”.
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III – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso do Ministério Público e, consequentemente, decidem:

1) Revogar a sentença recorrida na parte em que homologou a desistência de queixa apresentada por AA e declarou extinto o procedimento criminal instaurado contra o arguido.
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2) Condenar o arguido BB pela prática de um crime de ofensas à integridade física, previsto e punido nos artigos 33.º e 34.º, n.º 1 da Lei n.º 39/2009, de 30/07, na redacção dada pela Lei n.º 113/2019, de 11/09, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros), perfazendo a multa global de € 900,00 (novecentos euros), assim como na pena acessória de interdição de acesso a recintos desportivos pelo período de 1 (um) ano, nos termos do artigo 35.º, nºs 1, 3 e 4 do mesmo diploma.
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Recurso sem tributação.
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Após trânsito:
a) Remeta-se boletim à DSIC.
b) Comunique-se à APCVD, ao PNID, à PSP ... e à Associação de Futebol ... - artigos 35.º, n.º 8 e 38.º, n.º 1 da Lei n.º 39/2009, de 30 de Julho.
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(O acórdão foi processado em computador pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do CPP)
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Guimarães, 11.11.2025

Os Juízes Desembargadores
Fernando Chaves (Relator)
Pedro Cunha Lopes (1º Adjunto)
Paulo Almeida Cunha (2º Adjunto)
                  

[1] https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=43089.
[2] De acordo com a proposta do BE, era a seguinte a redacção colocada à votação para alteração do citado art. 33.º: “Quem, encontrando-se no interior do recinto desportivo, durante a ocorrência de um espectáculo desportivo, ou em acontecimento relacionado com o fenómeno desportivo, atuando em grupo, ofender integridade física de terceiros, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa não inferior a 500 dias”.
[3] Parecer do IPDJ ainda disponível para consulta em:
https://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=egd1SXgBia2P1vbkbpYb8wYe%2f6sN9vPOeJIFVHxsto
7A7HA%2b35OVjQCE9cB2JpZoegbn0gFjy%2fkGx7K5cCbEvjR9PTwKFFWe4vj66txSVNpnPZBRiC97jXYP
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o.pdf&Inline=true.
[1] - Diploma a que se referem os demais preceitos legais citados sem menção de origem.
[2] - Jorge Gonçalves, Comentário da Lei Penais Extravagantes [coordenação Paulo Pinto de Albuquerque e José Branco], volume 2, pág. 754.
[3] - Cfr. Código Penal anotado M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio.
[4] - Qualificação da sanção de inibição da faculdade de conduzir prevista no artigo 61.º, n.º 2, al. d), do Código da Estrada (anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de abril de 1992)”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal 3 (1993), pp. 543-572).
[5] - Cfr. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1ª edição, 2013, pág. 34.