ATUALIZAÇÃO ANUAL DA PRESTAÇÃO SUPLEMENTAR PARA AUXÍLIO DE TERCEIRA PESSOA
PERCENTAGEM DE ATUALIZAÇÃO DO IAS INFERIOR À DA ATUALIZAÇÃO DA RETRIBUIÇÃO MENSAL MÍNIMA GARANTIDA / INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário

I - É nula, por violação do contraditório, a decisão que, sem ouvir a seguradora responsável sobre questão de direito não debatida anteriormente e que não se reveste de manifesta simplicidade, determine a atualização da prestação suplementar para auxílio de terceira pessoa.
II - O n.º 4 do art.º 54º da Lei n.º 98/2009 de 04/09 é inconstitucional numa dimensão interpretativa que permita que a atualização anual da prestação suplementar para auxílio de terceira pessoa seja inferior àquela que resultaria da aplicação da percentagem de atualização da retribuição mensal mínima garantida, por violação do disposto no artigo 59º, n.º 1, alínea f), da CRP.
III - Sendo, a percentagem de atualização do IAS para o ano de 2025, inferior à prevista para a RMMG, a atualização da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa para esse ano deverá ser realizada de acordo com a última, devendo incidir sobre o valor da prestação fixado para o ano de 2024.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Processo n.º 177/18.9T8EVR-A.P1

Origem: Comarca do Porto Este, Juízo do Trabalho de Penafiel – ...

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

Nos presentes autos de processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado AA e entidades responsáveis A... - Companhia de Seguros, S.A. e B... SA, foi realizada a tentativa de conciliação, em 29/10/2021, resultando do respetivo auto o seguinte:

“Iniciada a diligência pelo:

SINISTRADO foi dito: Que no dia 24 de janeiro de 2017, cerca das 06:45 horas, em Montemor-o-Novo, foi vítima de um acidente de trabalho quando exercia as funções de motorista de pesados, sob as ordens, direcção e fiscalização da entidade empregadora C..., mediante a retribuição anual de €922,00 x 14 + €5,70 x 242 + €593,94 x 12 (total anual de €21.414,68) cuja responsabilidade se encontrava integralmente transferida para a Seguradora.

O acidente ocorreu quando estava em cima de um camião, tendo caído e resultado um traumatismo crânio encefálico com hematoma subdural agudo do hemisfério esquerdo.

Submetido a exame médico no gabinete médico-legal de Penafiel foi-lhe atribuído o grau de incapacidade de 85,7004% com IPA e fixada a data da alta em 09 de abril de 2018, cujo resultado declara aceitar.

Foram-lhe pagas todas as indemnizações e demais despesas acessórias que eram devidas até à data da alta.

Reclama: a pensão anual, vitalícia e actualizável no montante de €17.131,74 a ser paga mensalmente, até ao 3º dia de cada mês e no seu domicílio, devida a partir de 10 de abril de 2018, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão, bem como o subsídio de férias e de Natal, cada um igualmente no valor de 1/14 da pensão anual, a serem pagos nos meses de Junho e Novembro de cada ano, respectivamente, conforme o disposto no artº 48º, nº 3, alínea c) e 72, nº2, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, nada reclama a título de despesas de deslocações obrigatórias ao gabinete médico-legal de Penafiel, Clínica D..., Centro Hospitalar Tâmega e Sousa, INML- Porto e Centro de Reabitação de Gaia e a este Tribunal uma vez que foi fornecido pela Seguradora;

Reclama ainda canadiana uma vez por ano e a manutenção de implante coclear.

O subsídio de elevada incapacidade permanente no valor de €5.561,37;

Prestação suplementar para assistência de terceira pessoa no valor de €6.605,06.

Declara não pretender a atribuição de subsídio de reabilitação profissional.

Reclama ainda o subsídio de readaptação da habitação no valor de €5.561,37.

Reclama ainda acompanhamento médico na área da Medicina Física e de Reabilitação periodicamente.

(…)

Pelo legal representante da Companhia de Seguros foi dito: Aceita a existência e caracterização do acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, a retribuição transferida de €922,00 x 14 + €5,70 x 242 + €593,94 x 12, o grau de incapacidade atribuído pelo perito médico do gabinete médico-legal.

Aceita, por isso, conciliar-se nos termos requeridos pelo sinistrado.

Aceita prestar assistência clinica, medicamentosa e ajuda técnica ao sinistrado, sempre que prescrita pelos serviços clínicos da seguradora.

A seguradora encontra-se a pagar pensões provisórias que irá deduzir em pagamentos futuros.

A sua quota parte de responsabilidade é de 60%.

Na qualidade de líder procede, em seu próprio nome e em nome dos restantes co-seguradores, à liquidação global do sinistro.

(…)

Pelo legal representante da Companhia de Seguros Tranquilidade foi dito: Faz sua a posição da líder.

A sua quota parte de responsabilidade é de 40%.

PELO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, FOI DITO:- Sendo o acordo legal e as partes capazes dava-as por conciliadas e ordenava que os autos vão ao Mmº.Juíz nos termos do art.º 114º, nº 1 do C.P. Trabalho.”

Tal acordo foi homologado por despacho judicial com o seguinte teor:

“Uma vez que o mesmo se mostra conforme com os elementos fornecidos pelo processo e com as normas em vigor, homologo, ao abrigo do artº 114º, nº 1, do C.P.T., o acordo constante do auto sob a ref.ª 86912925.

Sobre a(s) quantia(s) devida(s) incide(m) juros de mora, calculados, à taxa legal, desde a(s) data(s) de vencimento.

Os encargos com o(s) exame(s) realizado(s) serão suportados pelas entidades responsáveis pelo acidente - cfr. artºs 1º, nºs 1 e 2, alínea a), do C.P.T., 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C., e 16º, nº 1, alínea h), e 17º, nº 8, ambos do R.C.P..

Fixo o valor da causa em € 192.591,47 - cfr. artº 120º, nº 1, do C.P.T..”

Comunicada pela segurada a atualização das prestações em pagamento para o ano de 2025, incluindo a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, o Ministério Público promoveu o seguinte:

“Uma vez que a atualização da prestação suplementar para assistência de 3ª pessoa agora demonstrada se mostra inferior ao valor do RMMG, de acordo com o Acórdão T.C. n.º 380/24 de 4/6, p. se notifique a Seguradora para, em 10 dias, proceder em conformidade com tal.”

Seguiu-se despacho com o seguinte teor: “Como se promove.”

Notificada a seguradora, veio a mesma interpor o presente recurso, com vista à revogação da decisão que acolheu a promoção do Ministério Público, sintetizando as suas alegações nas seguintes conclusões:

(…)

O Ministério Público apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

(…)


*


O recurso foi regularmente admitido, tendo-lhe sido atribuído efeito suspensivo, atenta a caução prestada pela recorrente.

Recebidos os autos neste Tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público que não emitiu parecer por não estarem verificados os pressupostos a que alude o art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (CPT).


*


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


*


Delimitação do objeto do recurso

Resulta do art.º 81.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho (doravante CPT) e das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).

Assim, são as seguintes as questões a decidir:

- violação do contraditório;

- se a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa deve ser atualizada em função da percentagem de atualização do IAS.


*


Os factos relevantes para a decisão são os que resultam do relatório supra.


*


Apreciação

Como decorre da enunciação das questões a decidir, importa começar por apreciar a matéria relativa à violação do contraditório.

A seguradora/recorrente alega que a decisão recorrida, acolheu a promoção do Ministério Público, sem contraditório.

Ainda que a recorrente não qualifique tal vício como de nulidade, certo é que, o alegado é suscetível de se conduzir à nulidade da decisão recorrida pelo que importa que este tribunal se pronuncie.

Decorre do relatório supra que, tendo a recorrente comunicado o valor da atualização daquela prestação para o ano de 2025, o Ministério Público promoveu que a mesma fosse notificada para comprovar a atualização em conformidade com o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 380/24 de 04/06, que a Mm.ª Juiz determinou sem que a seguradora tivesse sido ouvida.

Dispõe o art.º 3.º, nº 3 do CPC que: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”

Ora, como se pode ler no Ac. do STJ de 19/10/2022[1]:

«O princípio do contraditório, enquanto princípio estruturante do processo civil, exige que se dê a cada uma das partes a possibilidade de deduzir as suas razões “de facto e de direito”, de “oferecer as suas provas”, de “controlar as provas do adversário” e de “discretear sobre o valor e resultados de umas e outras”.

[cf. acórdão do T. Constitucional n.º 177/2000, DR, II série, de 27.10.2000].

A norma do n.º 3 do artigo 3.º do CPC, introduzida pela Reforma de 1995/96, veio ampliar o âmbito tradicional do princípio do contraditório, como garantia de uma discussão dialéctica ou polémica entre as partes no desenvolvimento do processo.

A uma concepção válida, mas restritiva, substitui-se hoje uma noção mais lata de contraditoriedade (…), entendida como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontram em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para decisão.

O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo.

[cf. Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à luz do Código Revisto", 1996, pág. 96].

Mesmo relativamente às questões de direito, a norma proíbe, como sublinha este Autor, as decisões-surpresa, ou seja, decisões baseadas “em fundamento que não tenha sido considerado previamente pelas partes”, enquanto violadoras do princípio do contraditório, conforme entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça.

[cf. Acórdão do STJ de 15.10.2002, in wwwdgsi.pt).

No dizer de António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, pp. 19 e seguintes: “Ao princípio do contraditório subjaz a ideia de que repugnam ao nosso sistema processual civil, decisões tomadas à revelia de algum dos interessados (...). Tal como o princípio do contraditório não deve obscurecer o objetivo da celeridade processual, também esta não pode conduzir a uma dispensa do contraditório sob o pretexto da sua desnecessidade. Tal dispensa é prevista a título excecional, de modo que apenas se justificará quando a questão já tenha sido suficientemente discutida ou quando a falta de audição das partes não prejudique de modo algum o resultado final.”.»

A questão suscitada pelo Ministério Público e sobre a qual incidiu a decisão recorrida, é uma questão que não havia antes sido tratada nos autos, sendo uma questão integralmente nova que decorreu do Ac. do Tribunal Constitucional n.º 380/2024, de 4 de junho, que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do art.º 54.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 4/09 (LAT)[2], na medida em que permite que o limite máximo da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa seja inferior ao valor da retribuição mínima mensal garantida.

Apesar da singeleza da decisão recorrida, que, sem qualquer fundamentação adicional, se limitou a acolher a promoção do Ministério Público, através de um simples “Como se promove”, as implicações da sobredita declaração de inconstitucionalidade sobre a questão da atualização da prestação em causa, não são pacíficas, revestindo complexidade que demanda a audição das partes prévia à decisão. De resto, a decisão recorrida nada diz quanto à dispensa do contraditório e á verificação dos seus pressupostos.

Por isso, ao decidir sem ouvir a responsável pelo pagamento da prestação em causa, o tribunal preteriu formalidade essencial com influência na decisão da causa, obnubilando o direito da requerida ao contraditório, motivo pelo qual a decisão proferida constituiu uma verdadeira decisão-surpresa, o que configura um ato nulo, cujos efeitos se projetam nos termos subsequentes do processo (art.º 195.º, n.º 2 do CPC)[3] e que determina a anulação daquela decisão.

Ainda assim, importa atender a que nos termos do art.º 665.º, n.º 1 do CPC, ainda que seja declarada a nulidade da sentença, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação, desde que resultem dos autos os elementos necessários para o efeito, como acontece na situação em apreço, pelo que avançaremos para a apreciação da segunda questão acima enunciada na delimitação do objeto do recurso.

Tal questão, considerando as posições assumidas pela recorrente e pelo Ministério Público, reconduz-se a saber se a prestação suplementar para assistência por terceira pessoa devida no ano de 2025 deve ser atualizada por referência à percentagem de aumento do IAS, como pretende a recorrente.

Importa, antes de mais, fazer uma explicitação quanto ao sentido da decisão recorrida.

De facto, conjugando tal decisão com a promoção que a mesma acolheu, tal como a entendemos, conclui-se que o que foi decidido nos autos foi que a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa deveria, a partir de 2025, passar a corresponder ao valor da remuneração mínima mensal garantida (RMMG). Isto é, o que resulta da decisão recorrida é que o tribunal “a quo” considerou que, face ao Ac. do TC supra citado a prestação em causa, deveria passar a ter o valor correspondente à RMMG, não tendo aplicado qualquer fator de atualização ao valor de tal prestação em vigor para o ano de 2024.

Importa, pois, perceber as implicações do Ac. do TC na atualização da prestação suplementar para auxílio de terceira pessoa.

Para o efeito, importa convocar as disposições dos arts. 53.º e 54.º da LAT cujo teor, na parte relevante, é o seguinte:

“Artigo 53.º Prestação suplementar para assistência a terceira pessoa

“1- A prestação suplementar da pensão destina-se a compensar os encargos com assistência de terceira pessoa em face da situação de dependência em que se encontre ou venha a encontrar o sinistrado por incapacidade permanente para o trabalho, em consequência de lesão resultante de acidente.

2 - A atribuição da prestação suplementar depende de o sinistrado não poder, por si só, prover à satisfação das suas necessidades básicas diárias, carecendo de assistência permanente de terceira pessoa.

(…)

5 - Para efeitos do n.º 2, são considerados, nomeadamente, os atos relativos a cuidados de higiene pessoal, alimentação e locomoção.

(…).

Artigo 54.º Montante da prestação suplementar para assistência a terceira pessoa

1 - A prestação suplementar da pensão prevista no artigo anterior é fixada em montante mensal e tem como limite máximo o valor de 1,1 IAS.

(…)

4 - A prestação suplementar é anualmente actualizável na mesma percentagem em que o for o IAS.”.

Ora, o Tribunal Constitucional, pelo mencionado Ac. n.º 380/2024, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 1 do artigo 54.º da LAT, por violação do direito à assistência e justa reparação dos trabalhadores vítimas de acidente de trabalho, previsto no artigo 59.º, n.º 1, al. f), da CRP, na medida em que permite que o limite máximo da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa possa ser inferior ao valor da retribuição mínima mensal garantida.

Para o efeito, resulta do mencionado Acórdão, citando-se, que “nos casos em que, em consequência da lesão em que se materializou o risco inerente à prestação laboral, o trabalhador se vê simultaneamente confrontado com supressão da sua plena capacidade de ganho e a perda da autonomia funcional necessária à satisfação das necessidades básicas diárias, a efetivação do direito à justa reparação a que alude a alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição não pode deixar de pressupor a atribuição de uma prestação suplementar da pensão em valor congruente com a necessidade de contratação da assistência de terceira pessoa. Congruência essa que obriga a que aquele limite máximo, a existir, leve em conta não menos do que o valor da retribuição mínima mensal garantida praticada no mercado de trabalho – isto é, aquele com que o sinistrado terá, ele próprio, de assegurar sempre que a situação de dependência originada pela lesão resultante de acidente de trabalho exija a assistência permanente de terceira pessoa durante oito horas diárias (artigo 203.º, n.º 1, do Código de Trabalho). É esse o referencial pressuposto pelo direito à justa reparação em caso de acidente de trabalho, conclusão especialmente evidente se não se perder de vista que o limite máximo da pensão suplementar tenderá a ser atingido apenas nos casos mais graves, graduando-se em sentido inverso o restante universo de casos”.

Quanto aos efeitos de tal decisão importa considerar:

- o disposto pelo n.º 1 do artigo 282.º da CRP, segundo o qual “a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado”;

- o disposto pelo n.º 3 da mesma disposição legal que estabelece que “Ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido” e

- o disposto pelo no n.º 4 do mesmo preceito, que prevê que “quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restritivo do que o previsto nos n.ºs 1 e 2.”

Sobre as implicações deste Ac. do TC na atualização da prestação suplementar para auxílio de terceira pessoa, pronunciou-se já o STJ no Ac. de 03/10/2025[4], em termos relativamente aos quais não vemos motivo para discordar, transcrevendo-se o respetivo sumário, na parte que aqui importa:

«I - O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 380/2024, de 4 de junho, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral [FOG], da norma do artigo 54.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, na medida em que permite que o limite máximo da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa seja inferior ao valor da retribuição mínima mensal garantida.

II - O Acórdão do Tribunal Constitucional acima identificado ao julgar materialmente inconstitucional a regra jurídica constante do número 1 do artigo 54.º da LAT/2009, repristinou o dispositivo legal que, na Lei n.º 100/97, correspondia a esse mesmo número e que é o número 1 do artigo 19.º da LAT/1997, que, como limite máximo da prestação complementar, estabelece a RMMG referente ao contrato de trabalho do serviço doméstico, que, desde o ano de 2005, já não é autonomizado por referência aos demais setores de atividade.

III - A declaração de inconstitucionalidade com FOG, que emerge do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 380/2024, de 4 de junho, dado não conter quaisquer limites ou restrições quanto à sua produção de efeitos, retroage tal inconstitucionalidade à data da publicação do número 1 do artigo 54.º da LAT/2009, mas sem prejudicar as situações que entretanto foram sendo decididas e se mostrem cobertas pelo instituto do caso julgado.

IV - Logo, quer o valor inicialmente fixado (…) como as sucessivas atualizações que foram sendo feitas pela Companhia de Seguros e controladas judicialmente (…) mostram-se definitivamente determinadas e consolidadas, formando caso julgado material, o mesmo já não acontecendo quanto ao ano de 2025, por força de tal Aresto do Tribunal Constitucional, mas apenas no que respeita à forma de cálculo da atualização.

V - A única verdadeira questão que pode ser analisada e decidida neste recurso de Revista prende-se com a manutenção da aplicação da percentagem do IAS à atualização da prestação complementar de assistência por terceira pessoa ou passar a fazer depender a mesma, por força do Acórdão do Tribunal Constitucional, das percentagens referentes ao aumento anual da RMMG.

VI - As pensões derivadas da reparação dos danos causados por acidentes de trabalho são substancialmente diferentes, em termos de natureza, conteúdo e finalidade, da prestação complementar de assistência por terceira pessoa, pois enquanto aquelas são estabelecidas, em termos pecuniários, a partir do cruzamento das regras legais com diversos elementos profissionais e pessoais, respeitantes ao sinistrado, naquela outra tal já não acontece, pois através da mesma visa-se essencialmente garantir o pagamento a uma terceira pessoa dos serviços necessariamente remunerados que irá prestar e que se traduzem em atos de assistência diversa ao sinistrado.

VII - Há uma clara opção por parte do Tribunal Constitucional, em termos de interpretação e aplicação da Constituição da República Portuguesa, no que concerne à «justa reparação dos acidentes de trabalho», em estabelecer como referencial para esta matéria da prestação complementar de assistência por terceira pessoa a RMMG, ao invés e em desfavor do IAS, o que, inevitável e necessariamente, tem também de se refletir na interpretação e aplicação do número 4 do artigo 54.º da LAT/2009, no que toca à atualização daquela prestação, por uma razão de lógica interna, coerência jurídica e por força da estreita conexão que existe entre tal norma e a constante do número 1, que foi julgada inconstitucional e, em função da repristinação operada, substituída pelo número 1 do artigo 19.º da LAT/1997.

VIII - Tendo o Aresto do Tribunal Constitucional comparado, em termos jurídicos e materiais, o IAS e a RMMG e as respetivas atualizações de que foram sendo alvo e verificando-se, por força de tal confronto, a tendência crescente para os respetivos valores se distanciarem com o avançar do tempo, o entendimento de que deveria continuar a ser a percentagem de aumento anual do IAS e não a da RMMG que deveria passar a ser igualmente considerada em termos de aplicação do número 4 do artigo 54.º da LAT/2009, não apenas seria contraditória com a regra do número 1 do artigo 19.º, número 1 da LAT/1997 [imposição da RMMG como limite máximo da PSATP] como continuaria a perpetuar tal diferenciação jurídica e desfasamento pecuniário entre o montante anual da RMMG e a quantia concreta que resultaria da aplicação da taxa anual de aumento do IAS, obrigando o sinistrado a pagar do seu bolso parte da remuneração liquidada à terceira pessoa que lhe dá assistência, numa clara violação do já mencionado princípio constitucional da justa reparação dos danos resultantes do acidente de trabalho.

IX - Logo, a atualização da prestação complementar de assistência por terceira pessoa deve ser feita em função da percentagem de aumento anual da RMMG e que foi de 2024 para 2025 de 6,1 (…).

Revertendo estas considerações para a situação dos autos, é inelutável que a decisão recorrida não se poderá manter.

De facto, como resulta do supra exposto, tal decisão considerou que, face ao Ac. do TC a prestação em causa, deveria passar a ter o valor correspondente à RMMG, não tendo aplicado qualquer fator de atualização ao valor da prestação em vigor para o ano de 2024, extravasando o âmbito do incidente de atualização, o qual tem um objeto restrito e não está configurado para debater e decidir mais do que a atualização anual da pensão e outras prestações atualizáveis, no que respeita à sua comunicação, correção dos valores comunicados e comprovação do pagamento[5].

Diga-se, também, que, ao modificar o valor da prestação, a decisão recorrida é atentatória do caso julgado já formado relativamente ao valor da prestação com as sucessivas atualizações até ao ano de 2024, que a declaração de inconstitucionalidade do art.º 54.º, n.º 1 da LT deixou incólume.

Impõe-se, de todo o modo, decidir como deve ser efetuada a atualização da prestação suplementar para auxílio de terceira pessoa, que o art.º 54.º, n.º 4 da LAT prevê que seja efetuada na mesma percentagem em que o for o IAS.

Face à interligação existente entre o n.º 1 do mencionado art.º 54.º e o seu n.º 4, e tendo por base os argumentos jurídicos vertidos no citado Ac. do TC, aqui igualmente aplicáveis com as devidas adaptações, necessárias por as referidas normas terem âmbitos de aplicação diferentes, a interpretação do n.º 4, e apenas essa, que permita que a atualização anual daquela prestação seja inferior àquela que resultaria da aplicação da percentagem de atualização da retribuição mensal mínima garantida não pode deixar de se considerar inconstitucional.

Realça-se que, ainda que o montante da prestação não possa ser fixado em montante inferior à RMMG, de acordo com a aplicação do Ac. do TC, a garantia de uma interpretação do art.º 54.º, nº 4 da LAT conforme a Constituição e congruente com a doutrina daquele acórdão, não determina que a prestação deva ser atualizada no ano de 2025 para passar a ter o valor da RMMG, pois este preceito apenas se reporta ao modo de atualização da prestação, tendo um âmbito de aplicação diverso do n.º 1 da mesma disposição legal.

De resto, a norma do art.º 54.º, n.º 4 da LAT, interpretada no sentido de que a atualização anual da prestação seja inferior à percentagem em que o for essa RMMG, foi já declarada inconstitucional, ainda que sem força obrigatória geral, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa, pelos Acs. do TC n.º 793/2022, processo n.º 952/19, e n.º 610/2023, processo n.º 383/2023, datados, respetivamente, de 17/11/2022 e de 28/09/2023[6].

Assim, ainda que seja de recusar a aplicação do art.º 54.º, n.º 4 da LAT naquela concreta dimensão interpretativa, afastando o critério subjacente à atualização da prestação suplementar ali previsto, tal não afeta a previsão da mesma norma, na parte em que impõe, expressamente, que a dita prestação seja atualizada, impondo-se apenas, com vista à aplicação da norma conforme à Constituição, por razões de lógica interna e coerência jurídicas, como resulta do citado Ac. do STJ de 03/10/2025, que o critério para a atualização seja o da percentagem de aumento anual da RMMG, por razões de lógica interna e coerência jurídicas, como resulta do citado Ac. do STJ de 03/10/2025.

De facto, para o ano de 2025 a percentagem de atualização estabelecida para o IAS é inferior à estabelecida para a RMMG – pela Portaria 6-B/2025/1, de 06/01 o valor do IAS para vigorar no ano de 2025 foi atualizado em 2,6%, enquanto a RMMG, para o mesmo ano, foi atualizada, de acordo com o estabelecido no DL n.º 112/24 de 19/12, numa percentagem de 6,1%, pelo que deverá ser esta última a ser aplicada, incidindo sobre o valor da prestação no ano de 2024.

De resto, à mesma conclusão se chegaria, mesmo que fosse de desaplicar toda a previsão normativa do art.º 54.º, n.º 4 da LAT, na consideração de que, sendo de repristinar a aplicação do art.º 19.º, n.º 1 da Lei 100/97, de 13/09, em consequência da declaração de inconstitucionalidade do art.º 54.º, n.º 1 da LAT, sempre aquela prestação estaria sujeita a atualização, o que é inequívoco face ao disposto pelo art.º 1.º, al. c), ponto i., do DL n.º 142/1999, de 30 de Abril, na redação que nele foi introduzida pelo DL n.º 185/2007, de 10 de Maio, sendo o critério de tal atualização, o da medida do aumento anual da RMMG, como vinha sendo decidido pela jurisprudência no domínio da vigência da Lei 100/97 de 13/09[7].

Conclui-se, pois, que a atualização da prestação suplementar para assistência por terceira pessoa para o ano de 2025, deve ser efetuada por aplicação da percentagem do aumento anual da RMMG em vigor no mesmo ano (6,1%), ao valor daquela prestação devido no ano de 2024.

Assim, o recurso é de julgar apenas parcialmente procedente, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se que a atualização da prestação suplementar para auxílio de terceira pessoa seja efetuada nos termos acima definidos, devendo a recorrente ser notificada para demonstrar a atualização e pagamento da prestação em causa em conformidade com o decidido.


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As custas são da responsabilidade da recorrente na proporção de ½, não se condenando o Ministério Público em custas atenta a isenção legal de que beneficia nos termos do art.º 4.º, n.º 1, al. a) do Regulamento das Custas Processuais, sem prejuízo do disposto pelo art.º 26.º, n.º 6 do mesmo Regulamento.


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Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência:

- declara-se a nulidade do despacho recorrido;

- revoga-se o despacho recorrido, decidindo-se, em sua substituição que a atualização da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, para o ano de 2025, deve ser efetuada por aplicação da percentagem do aumento anual da RMMG em vigor no mesmo ano (6,1%), ao valor daquela prestação devido no ano de 2024, devendo a recorrente ser notificada para demonstrar a atualização e pagamento da prestação em causa em conformidade.


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Custas nos termos acima definidos.

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Notifique.

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Porto, 26/11/2025

Maria Luzia Carvalho (Relatora)

Teresa Sá Lopes (1.ª Adjunta)

Nelson Fernandes (2.º Adjunto)

(assinaturas eletrónicas nos termos dos arts. 132º, n.º 2, 153.º, n.º 1, ambos do CPC e do art.º 19º da Portaria n.º 280/2013 de 26/08)

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[1] Processo n.º 13358/20.6T8LSB.L1.S1, acessível www.dgsi.pt.
[2] A aplicável no caso dos autos, já que entrou em vigor em 01/01/2010 e é aplicável aos acidentes ocorridos após essa data, nos termos dos seus arts. 187.º e 188.º.
[3] Sobre a questão da qualificação da nulidade decorrente da violação do princípio do contraditório como nulidade processual ou como nulidade da sentença, em todo o caso como fundamento de recurso, veja-se, por todos, o Ac. da RC de 02/05/2023, processo n.º 5576/17.0T8CBR-B.C1, acessível em www.dgsi.pt.
[4] Processo n.º 258/17.6T8PDL.2.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[5] Como resulta da fundamentação do Ac. do STJ de 03/10/2025, identificado na nota anterior “o incidente que melhor se coaduna com tais operações de reconfiguração da prestação de assistência por terceira pessoa e do seu valor mensal será o da revisão da incapacidade ou da pensão, desde que se mostrem preenchidos os respetivos pressupostos - artigos 145.º e 146.º do CPT e 70.º da LAT/2009.
[6]Acessíveis em  www.tribunalconstitucional.pt.
[7] Neste sentido, os Acs. do TRP de 12 /12/2005 e de 20/03/2006, proferidos, respetivamente, nos processos n.ºs 0515361 e 0514803, o Ac. do TRL de 13/12/2007, processo n.º 8145/2007, e o Ac. da RE de 12/09/2024, proferido no processo n.º 658/05.4TTSTR.1.E1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.