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INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
CRÉDITO DA HERANÇA
Sumário
A interrupção da prescrição de um crédito da herança pode resultar de um requerimento de execução desse crédito apresentado por um de vários herdeiros.
(Sumário da responsabilidade do Relator)
Texto Integral
Proc. n.º 191/02.6GCAMT-A.P1
Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
I –
AA, executado e opoente nos autos de execução que lhe são movidos por BB, vem interpor recurso de apelação da douta sentença do Juiz 6 do Juízo Central Criminal de Penafiel do Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este que julgou parcialmente procedentes os embargos de executado por si movidos contra tal execução, declarando a prescrição dos juros vencidos nos últimos cinco anos que precederam a sua citação e considerou improcedentes tais embargos no restante.
São as seguintes as conclusões da motivação do recurso:
«I - A AQUI RECORRENTE NÃO SE CONFORMA COM A DECISÃO QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTE OS EMBARGOS À EXECUÇÃO E RECONHECEU A PRESCRIÇÃO DOS JUROS MORATÓRIOS E COMPULSÓRIOS E JULGOU NO DEMAIS IMPROCEDENTES OS EMBARGOS.
II - NA DOUTA SENTENÇA ORA EM CRISE, A MERITÍSSIMA JUÍZA ENTENDEU QUE:
1. A INSTAURAÇÃO DA EXECUÇÃO POR UM DOS INTERESSADOS NA HERANÇA ONDE SE INTEGRA O CRÉDITO EXEQUENDO É UM MEIO EFICAZ DE GERAR A INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO.
2. A PRESCRIÇÃO INTERROMPEU-SE PELA INSTAURAÇÃO DA ACÇÃO EXECUTIVA PELA EXEQUENTE E CITAÇÃO DO EXECUTADO, AINDA QUE ESTA ESTEJA DESACOMPANHADA DOS RESTANTES HERDEIROS.
3. TENDO A PRESCRIÇÃO DO DIREITO EXEQUENDO ACONTECIDO E SIDO ALEGADA NO ARTICULADO SUPERVENIENTE, OU SEJA, DEPOIS DE DECORRIDO O PRAZO PARA APRESENTAR EMBARGOS À EXECUÇÃO, NÃO PODERIA PROCEDER TAL PEDIDO.
III - É DESTA ASSERÇÃO, DECISÃO E CORRESPONDENTE FUNDAMENTAÇÃO QUE A EXECUTADO/EMBARGANTE DISCORDA E DAÍ A PERTINENTE CRÍTICA E O PRESENTE RECURSO.
IV - A HERANÇA INDIVISA CORRESPONDE A UMA UNIVERSALIDADE COMPOSTA POR UM PATRIMÓNIO AUTÓNOMO, EM QUE OS HERDEIROS NÃO DETÊM DIREITOS PRÓPRIOS SOBRE CADA UM DOS BENS HEREDITÁRIOS, NEM TÃO POUCO SÃO COMPROPRIETÁRIOS DESSES BENS, MAS APENAS TITULARES EM COMUNHÃO DE TAL PATRIMÓNIO.
V - OS DIREITOS DE CRÉDITO DA TITULARIDADE DA HERANÇA DEVEM SER COBRADOS PELOS HERDEIROS A QUEM OS MESMOS SEJAM ENCABEÇADOS NO ATO DE PARTILHA, NÃO PODENDO UM DOS HERDEIROS OU O CABEÇA DE CASAL FORA DOS CASOS EXCEPCIONAIS CONTEMPLADOS NO ARTIGO 2089.º DO CCIVIL, PROCEDER À COBRANÇA COERCIVA DAS DÍVIDAS ATIVAS.
VI - EXISTE UMA LIMITAÇÃO DA LEGITIMIDADE SUBSTANTIVA DO CABEÇA DE CASAL DA HERANÇA CONSTANTE DO ARTIGO 2089 DO CCIVIL E, DECORRENTEMENTE, DA SUA LEGITIMIDADE AD CAUSAM.
VII - A FALTA DE INTERVENÇÃO DE ALGUM HERDEIROS CONSTITUI FUNDAMENTO DE OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO POR EMBARGOS E DETERMINA A EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA NA ACÇÃO EXECUTIVA.
VIII – OS HERDEIROS NÃO SÃO CREDORES SOLIDÁRIOS, ENTRE SI, NO ÂMBITO DOS CRÉDITOS, MAS SÓ COLETIVAMENTE, OU SEJA, COMO REPRESENTANTES DO PATRIMÓNIO HEREDITÁRIO.
IX - A CITAÇÃO EFECTUADA NA SEQUÊNCIA DA INSTAURAÇÃO DA ACÇÃO EXECUTIVA POR UM HERDEIRO, QUANDO DESACOMPANHADO DOS RESTANTES HERDEIROS, NÃO É APTA, NEM IDÓNEA A INTERROMPER A PRESCRIÇÃO.
X - NÃO SE PODEM OS HERDEIROS DO APROVEITAR-SE DA INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO PROMOVIDA POR UM DOS HERDEIROS, POIS NÃO ESTAMOS PERANTE UM CASO DE CREDORES SOLIDÁRIOS.
XI - O EXECUTADO APRESENTOU ARTICULADO SUPERVENIENTE COM AMPLIAÇÃO DO PEDIDO, SUSTENTANDO QUE, ATÉ À DATA DA PROLACÇÃO DO DESPACHO QUE CONVIDOU A EXEQUENTE A FAZER INTERVIR O CHAMADO NOS AUTOS, A EXEQUENTE PRIMITIVA NÃO TINHA CONDIÇÕES PARA, POR SI SÓ, PROMOVER A EXECUÇÃO E EXIGIR O CUMPRIMENTO DA DÍVIDA, PELO QUE O EXECUTADO NÃO PODE, ATÉ À DATA DESSE CHAMAMENTO/NOTIFICAÇÃO, CONSIDERAR-SE INTERPELADO, POIS QUE O CO-TITULAR DO DIREITO NÃO MANIFESTOU QUALQUER INTENÇÃO OU PRETENSÃO RELATIVAMENTE A SI, TENDO ENTRETANTO DECORRIDO MAIS DE 20 ANOS DESDE O TRÂNSITO DA DECISÃO CONDENATÓRIA E COMO TAL O CRÉDITO EXEQUENDO MOSTRA-SE PRESCRITO.
XII - O CO-HERDEIRO DA EXEQUENTE SÓ FOI CHAMADO PARA A EXECUÇÃO DEPOIS DE DECORRIDO O PRAZO DE 20 ANOS A CONTAR DO TRANSITO EM JULGADO DO ACÓRDÃO CONDENATÓRIO E SÓ NESTA DATA SE PODE CONSIDERAR INTERPELADO O EXECUTADO, PORQUANTO SE TRATA DE DIREITO É INCINDÍVEL, UNO E INDIVISÍVEL.
XIII - AO PARALISAR E IMPEDIR O EXEQUENTE DE INVOCAR FACTOS QUE OCORRERAM APÓS A SUA OPOSIÇÃO, COM EVIDENTE REFLEXO E INTERESSE PARA O PROCESSO, A SENTENÇA RECORRIDA VIOLOU PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS BASILARES DE UM ESTADO DE DIREITO, DESIGNADAMENTE E CONCRETIZANDO A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PREVISTA NO ARTIGO 2091.º, DO CÓDIGO CIVIL, QUE CONSAGRA UM LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO LEGAL, NO SENTIDO QUE A INSTAURAÇÃO DE ACÇÃO EXECUTIVA POR UM DOS HERDEIROS E CONSEQUENTE CITAÇÃO INTERROMPEU A PRESCRIÇÃO DO DIREITO E QUE O EXECUTADO ESTAVA IMPEDIDO DE EM ARTICULADO SUPERVENIENTE ALEGAR ESSA PRESCRIÇÃO, VIOLA O PRINCIPIO DO ACESSO AO DIREITO E TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA E DA FORÇA JURÍDICA CONSAGRADO NOS ARTIGOS 2.º, 13.º, 18.º E 20.º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, INTERPRETAÇÃO INCONSTITUCIONAL ESSA, QUE DESDE JÁ SE ALEGA COM TODOS E PARA OS DEVIDOS EFEITOS LEGAIS
XI - AO DECIDIR COMO DECIDIU A DOUTA DECISÃO EM CRISE FEZ ERRADA INTREPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DOS ARTIGO 3.º, 5.º, 6.º, DO CÓDIGO PROCESSO CIVIL, ARTIGOS 309.º, 311.º, 515.º, 2089.º E 2091.º DO CÓDIGO CIVIL E ARTIGOS 2.º, 13.º, 18.º E 20.º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA».
Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.
II -
As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, as de saber se o recorrente (executado e opoente) invocou tempestivamente a prescrição dos créditos em execução e se deverá proceder essa invocação.
III –
É o seguinte o teor da douta sentença recorrida:
«I. Relatório: AA, executado, veio deduzir oposição à execução que lhe é movida por BB.
Argumentou, em síntese, que a exequente dá à execução o Acórdão condenatório proferido na parte cível no mesmo enxertada, sendo que, ali, era somente co-assistente e co-demandante, tendo a indemnização fixada o sido a favor da exequente e do pai da vítima, CC. A exequente é, assim, parte ilegítima se desacompanhada daquele, o que expressamente invoca.
Mais aduz que foi citado para a execução em 22.09.2023, tendo, desde o trânsito da decisão condenatória que constitui o título executivo dos autos, passado cerca de 20 anos, pelo que, apelando ao disposto no artigo 310º, al, d) do C.Civil, mostram-se prescritos os juros peticionados pela exequente para além dos 5 anos que antecederam a citação.
Recebida a oposição à execução deduzida, veio a exequente contestar.
Alega que o pedido de indemnização civil formulado pelos assistentes no âmbito do processo principal foi-o ao abrigo de um litisconsórcio voluntário e não necessário, nos termos previstos no artigo 496º do C. Civil; tendo, ademais, a indemnização sido atribuída à exequente e seu então marido no estado de casados, a presente execução não exige que que a acção tenha tido por ambos intentada por não corresponder a qualquer objecto de acção previsto no artigo 34º do C.P.Civil.
Sem prescindir, requereu a intervenção principal de CC.
No que à invocada prescrição concerne, sustenta que a execução deu entrada em juízo em 6-09-2023, sendo alheia ao facto de a citação apenas ter tido lugar em 22-09-2023; a prescrição considera-se interrompida logo que decorram 5 dias se não for feita dentro de cinco depois de ter sido requerida por causa não imputável ao requerente (artigo 232º, n.º 2 do C. Civil), pelo que são devidos juros moratórios até efectivo e integral pagamento.
. O executado veio pugnar pelo indeferimento do pedido de intervenção principal provocada pois que a interrupção do prazo de prescrição em relação à exequente é insusceptível de se comunicar ao chamado.
Notificada a exequente veio esclarecer que não foi feita qualquer partilha de bens por óbito de DD, pois que este era menor à data do seu falecimento, tendo sido a exequente que, exerceu, sempre, de facto, as funções de cabeça de casal, o que o executado contesta, por alegar que tal subverte a imposição legal do artigo 2080º do C. Civil.
Foi proferido despacho a convidar a exequente a fazer intervir nos autos CC, o que fez.
Citado para os autos, nada fez.
O executado apresentou articulado superveniente com ampliação do pedido, sustentando que, até à data da prolacção do despacho que convidou a exequente a fazer intervir o chamado nos autos- 14.06.2024- a exequente primitiva não tinha condições para, por si só, promover a execução e exigir o cumprimento da dívida, pelo que o executado não pode, até essa data, considerar-se interpelado, pois que o co-titular do direito não manifestou qualquer intenção ou pretensão relativamente a si; tendo decorrido mais de 20 anos desde o trânsito da decisão condenatória, o crédito exequendo mostra-se prescrito, o que invoca e requer em sede de ampliação do pedido.
Foi liminarmente admitido o articulado superveniente apresentado e notificada a exequente para responder- artigo 588º, n.º 4 do C.P.Civil, o que fez, aduzindo que relativamente ao chamado a acção considera-se proposta aquando da apresentação da petição inicial, pelo que o chamado beneficia da interrupção da prescrição operada com a citação.
Foi admitido o articulado superveniente (cfr. fls. 60).
***
II. Saneamento:
O Tribunal é competente, em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia, da estrutura e da forma.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e estão devidamente patrocinadas.
Tendo as partes anuído na desnecessidade de marcação de audiência prévia, não será realizada tal diligência, nos termos do art. 6º do CPC.
Assim, será proferido, de imediato, despacho saneador.
***
Invocou o executado a excepção dilatória de ilegitimidade activa da exequente.
Alegou, para o efeito, que o co-demandante na decisão exequenda não é interveniente na presente execução, sendo que está em causa uma situação de litisconsórcio necessário, nos termos do arts. 2091º, do CC e 33º do CPC.
A exequente pronunciou-se, pugnando pela improcedência dessa excepção.
Vejamos.
Por despacho proferido nos autos, na sequência do incidente de intervenção principal activa suscitada pelo A., a convite do Tribunal, foi determinada a citação de CC, então se entendendo que, dessa forma, a ilegitimidade activa da exequente ficava suprida.
Face à citação do mesmo, forçoso é considerar, tal como plasmado naquele despacho, cujos fundamentos aqui se dão por reproduzidos, tal excepção não se verifica.
Lateralmente, importa referir que ao chamar-se a intervir o terceiro em litisconsórcio está-se a afirmar, desde logo, a legitimidade quer do primitivo réu ou autor - em face da relação jurídica configurada inicialmente pelo mesmo autor (cfr. art. 30, n.º 3, do CPC) –, quer a do terceiro.
Assim sendo, a decisão favorável ao chamamento consubstancia um julgado implícito sobre a legitimidade processual da parte - a da primitiva e a da chamada - e esse julgado implícito é também o resultado de uma apreciação concreta e não um julgado de natureza genérica.
Assim, tal como decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-1-2016, in www.dgsi.pt, que seguiu na esteira do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-12-2001, aí mencionado, “Proferindo-se despacho em que, referindo-se a necessidade das sociedades de quem os Autores eram sócios terem também instaurado a acção, por se estar perante uma situação de litisconsórcio necessário activo, convidaram-se os Autores a provocar a intervenção dessas sociedades, que, subsequentemente, com alicerce no apontado litisconsórcio, foram admitidas a intervir como “associadas dos Autores”, deixou-se inequivocamente afirmada, de modo não tabelar, a legitimidade activa dos primitivos Autores, pelo que se forma caso julgado quando a essa matéria, o que obsta a que, posteriormente, nessa mesma acção, estes venham a ser declarados partes ilegítimas.”.
Para este efeito, é irrelevante que o terceiro chamado, devidamente citado, permaneça em silêncio. A ilegitimidade por preterição de litisconsórcio fica suprida com a sua mera citação para a acção. Com efeito, tal como dispõe o art. 320º do CPC, ainda que o chamado não intervenha nos autos após a sua citação, a sentença que vier a ser proferida sobre o mérito da causa sempre apreciará a relação jurídica de que o mesmo seja titular, constituindo, quanto a ele, caso julgado.
Pelo exposto, julgo improcedente a invocada excepção de ilegitimidade activa invocada pelo executado.
Notifique.
***
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território.
As partes gozam de personalidade jurídica, são legítimas e encontram-se devidamente representadas.
O processo é o próprio e encontra-se isento de nulidades que o invalidem na totalidade.
Não existem outras excepções dilatórias ou questões prévias de que cumpra conhecer.
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Nos termos do art. 595º, nº 1, al. b), do CPC, aplicável por força do art. 732º, nº 2 do CPC, considerando que o estado do processo permite, sem necessidade de mais provas, o conhecimento do mérito da causa, será proferida, de imediato, sentença.
***
Essencialmente, urge apreciar nos presentes autos, se é admissível a invocação da excepção de prescrição após o decurso do prazo de apresentação de oposição à execução; em caso afirmativo, cumpre apreciar se essa prescrição se verifica.
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
2.1 – Factos provados:
1 – No processo comum colectivo n.º 191/02.6GCAMT, por Acórdão proferido em 16-10-2003, transitado em julgado em 31-20-2003, foi o aqui executado condenado a pagar à aqui exequente e a CC, ali assistentes e demandantes a quantia global de € 63.488,00, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a notificação dos arguidos para contestar o pedido de indemnização civil.
2- Nos termos do mesmo Acórdão, a quantia aludida em 1 compreende:
- Supressão do direito à vida- €40.000.00
- Sofrimento da vítima- €2500.00
- Sofrimento dos demandantes- €10.000,00 para cada um.
- Despesas realizadas pelos demandantes no total de € 988.
3- Em 5-09-2023, a ali assistente/demandante e ora exequente, instaurou execução contra AA, ali arguido e aqui executado, no montante global de € 147.230,14, apresentando, como título executivo, o referido Acórdão, sendo € 40.000,00 o valor da indemnização fixada pela supressão do direito à vida, € 2500.00 a título de indemnização pelo sofrimento da vítima e € 10.000,00 a título de indemnização pelo sofrimento da exequente, acrescidas de juros de mora.
4 – O executado foi citado para deduzir embargos, querendo, em 22.09.2023.
4 – Por despacho proferido em 14-06-2024, foi convidada a exequente a fazer intervir nos autos CC.
5 – CC foi citado em 23-09-2024, tendo-se remetido, nessa sequência, ao silêncio.
6 – Por requerimento 4-02-2025, denominado “articulado superveniente”, o executado alegou, além do mais, a prescrição do crédito exequendo.
7 – Tal articulado foi admitido liminarmente, tendo a exequente respondido ao mesmo.
8 – Por despacho de 29-04-2025, foi admitida a apresentação do referido articulado superveniente.
2.2 – Facto não provados:
Inexistem
2.3 – Fundamentação de facto:
Os factos acima tidos como provados resultam da análise das peças processuais integrantes quer dos presentes autos executivo, quer dos autos principais.
2.4 – Fundamentação de direito:
Invocou o executado a prescrição do direito exequendo, nos termos do art. 729º, al. g), do CPCivil.
Porém, apenas invocou tal excepção no articulado superveniente apresentado em 4-2-2025, - ou seja, depois de decorrido o prazo para apresentar embargos à execução.
Ora, nos termos do nº 1 do art. 573º do CPC, aplicável “ex vi” art, 732º, nº 2, do mesmo diploma, toda a defesa deve ser deduzida, em princípio, na contestação.
Porém, o nº 2 deste preceito permite que, depois da contestação, sejam deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa i) que sejam supervenientes, ii) ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou iii) de que de se deva conhecer oficiosamente.
Importa apurar, assim, se a situação em análise se subsume nalguma das três hipóteses previstas no referido nº 2 do art. 732º.
Ora, a excepção de prescrição não é de conhecimento oficioso, devendo, para ser eficaz, ser invocada por quem a aproveita – cfr. art. 303º do CC. Assim, a invocação ulterior da excepção de prescrição não se poderá fundar no facto de a mesma poder ser conhecida oficiosamente.
Por outro lado, nenhum preceito legal permite que a prescrição possa ser invocada após a contestação; assim, este fundamento de invocação ulterior da prescrição previsto no nº 2 do art. 573º do CPC também não se verifica.
Contudo, invocou o executado que o facto em que funda a invocação superveniente desta prescrição é, nos termos o nº 2 do art. 573º, superveniente.
Alega, para o efeito, que o co-demandante nos autos principais só foi citado para a execução depois de decorrido o prazo de 20 anos a contar do transito em julgado do Acórdão condenatório, nos termos do art. 311º e 309º do CC, sendo que, após essa citação, nada disse.
Vejamos mais demoradamente.
Apreciemos, nesta senda, cada um dos pedidos constantes do requerimento injuntivo.
Dúvida inexistem que o direito exequendo relativo ao recebimento de 10 000 € é um direito próprio da exequente, fixado a título de indemnização pelos danos não patrimoniais pela mesma sofridos, pelo que o prazo de prescrição de 20 anos iniciado após o trânsito em julgado da sentença interrompeu-se no 5º dia, posterior à instauração da acção executiva, nos termos o art. 323º, nºs.1 e 2, do CPC.
Face às datas aludidas nos “factos provados”, tal prazo de 20 anos ainda não havia decorrido aquando da instauração da execução (melhor: não havia decorrido no 5º dia apos a instauração da execução).
Note-se que o requerimento execeutivo não contempla o direito próprio do interveniente ao recebimento daquela mesma quantia a título de direito próprio.
Já quanto aos restantes direitos exequendos – os 40 000 € a título de dano da morte e os 2 500 € relativos ao sofrimento da vítima -, forçoso é considerar, face ao disposto no art. 496º, nºs. 2 e 3, do CCivil, que os mesmos advieram à exequente e ao interveniente a título sucessório, enquanto direito integrante da herança do falecido.
Conforme ensina Luís Filipe Pires de Sousa, in “Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas”, Almedina, 2017, pág. 18, “A comunhão hereditária cessa pela partilha de uma generalidade de bens entre os interessados, por forma a ficar determinado quais os patrimónios individuais em que tais bens passarão a estar integrados”.
E especifica: “Até à partilha, os herdeiros são apenas titulares de um direito sobre o conjunto da herança, e não sobre bens certos e determinados. Enquanto não se fizer a partilha, os herdeiros têm sobre os bens que constituem a herança indivisa um direito indivisível, recaindo tal direito sobre o conjunto da herança e não sobre bens certos e determinados desta.”.
Dito de outra forma, a contitularidade do direito à herança incide sobre uma parte ideal desta, e não sobre cada um dos bens que a compõem; só após a partilha da herança é que o direito de cada interessado se concretizará sobre bens específicos dela, assim cessando a indivisão.
Assim sendo, tal como referido por PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA in “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, pág. 531, antes da partilha não há solidariedade entre os herdeiros; estes mantêm em conjunto a posição do “de cujus”.
Nesta senda, as quantias que vierem a ser arrecadas na execução pertencerão à herança, e não a cada um dos exequentes individualmente considerados; carecem, assim, de partilha ulterior, de forma a serem distribuídas pelos herdeiros.
Por isso, não é pensável que exista prescrição relativamente a um dos herdeiros, mas inexista relativamente ao outro.
É que, como vimos, o direito hereditário não é cindível relativamente a cada um dos herdeiros interessados nessa herança.
A especial natureza deste direito sobre a herança tem, inclusivamente, repercussões processuais.
Com efeito, tal como referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-9-2022, in www.dgsi.pt, por remissão para o decido no Acórdão do mesmo Tribunal de 17-3-2016, “[… ] as situações de litsconsórcio necessário – em que se integra o litisconsórcio necessário legal dos herdeiros para o exercício de direitos da herança, previsto no art. 2091º do CC, […] implicam que exista uma única acção com pluralidade de sujeitos (art. 35º do CPC): ora, como é evidente, esta unidade da acção que caracteriza as situações de litisconsórcio necessário é manifestamente incompatível com a possibilidade de um dos litisconsortes necessários (activos, no caso) se associar com a parte contrária (neste caso, o R.), praticando actos processuais que a esta aproveitam (sendo objectivamente desfavoráveis aos interesses — incindíveis — dos demais litisconsortes necessários activos)” (…).
Assim será porque “O interesse relevante em casos de litisconsórcio necessário é um interesse uno, incindível ou indivisível.”
Face ao exposto, entendemos que a instauração da execução por um dos interessados na herança onde se integra o crédito exequendo é um meio eficaz de gerar a interrupção da prescrição.
Com efeito, este é um meio idóneo de transmitir ao devedor a intenção de exercer esse direito conjunto.
Aliás, não se compreenderia que a eventual inércia (deliberada ou não) dos restantes herdeiros pudesse prejudicar o interesse do herdeiro que pretende exercer o direito. Este caso é um exemplo paradigmático da injustiça do resultado a que tal tese conduziria.
Pelo exposto, conclui-se que a prescrição interrompeu-se pela instauração da acção executiva pela exequente e citação do executado, ainda que desacompanhada dos restantes herdeiros.
Assim sendo, não estamos perante um facto superveniente que possibilitasse ao executado a invocação da prescrição após o decurso do prazo de oposição.
Não se verifica, por isso, a última das excepções prevista no nº 2 do art. 573º do CPC.
Assim sendo, conclui-se que a prescrição da obrigação devia ter sido invocada pelo executado no prazo disponível para se opor à execução.
Não o tendo feito, o direito de deduzir a prescrição da obrigação exequenda encontra-se precludido; estava o executado impedido, assim, de o invocar em momento posterior ao decurso daquele prazo.
Veja-se, neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21-11-2019, in www.dgsi.pt.
***
Da Invocada Prescrição dos juros:
Invoca, também, o executado (e aí em sede de embargos de executado) que, nos termos do artigo 310º, al. d) do CCivil, os juros convencionais ou legais prescrevem no prazo de 5 anos, pelo que os juros peticionados pela exequente para além dos 5 anos que antecederam a citação estão prescritos.
A exequente aduz que a excepção em causa não se verifica, pois os juros só prescrevem no prazo geral ordinário de 20 anos, por força do disposto no artigo 311º, n.º 1 do CCivil.
Vejamos.
Preceitua o artigo 310º, al. d) do CCivil que prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades.
Por sua vez, o artigo 311º do mesmo diploma legal, a propósito de direitos reconhecidos em sentença ou outro título executivo, estabelece que “ O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.
2. Quando, porém, a sentença ou o outro título se referir a prestações ainda não devidas, a prescrição continua a ser, em relação a elas, a de curto prazo.”
Como compatibilizar, então, os dois normativos legais em apreço?
Tendo presente que o título executivo é um Acórdão, a contagem do prazo prescricional iniciou-se com o trânsito em julgado do mesmo, ou seja, em 31-10-2003.
Ali se compreende, no segmento dispositivo, a condenação no pagamento de valores em capital e bem assim os juros de mora legais contados desde a notificação para pagamento do pedido de indemnização civil e até efectivo e integral pagamento.
O artigo 309º do CC fixa o prazo geral da prescrição em vinte anos e, por seu lado, o artigo 310º do mesmo código estabelece uma excepção ao prazo geral, fixando o prazo mais curto, de cinco anos, para as prestações contempladas nas suas várias alíneas, entre as quais os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos (alínea d).
Convocando o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-06-2023, diremos que "Sendo reconhecida a dívida, incluindo juros, nesse título executivo que tem a data de 22 de Maio de 2016, o prazo de prescrição deixa de ser o prazo mais curto de cinco anos, para ficar sujeito ao prazo ordinário de 20 anos previsto no artigo 309º, sem prejuízo de se manter o prazo de 5 anos relativamente aos juros vencidos posteriormente a 22/5/2016, nos termos do nº2 do artigo 311º (cfr neste sentido, entre outros, acs STJ de 22/11/2007, P.07B3799 e da RC de 1/12/2015, P. 6449/14, ambos em www.dgsi.pt).
Donde: os juros de mora reconhecidos no Acórdão proferido estão sujeitos ao prazo ordinário de prescrição- 20 anos- e os juros de mora vencidos posteriormente ao trânsito em julgado do Acórdão proferido ficam, já, sujeitos, ao prazo de prescrição mais curo de 5 anos.
Procedem, assim, nesta parte, os embargos de executado, não só porque a prescrição foi invocada em sede de oposição deduzida, como também porque, de facto, à luz do artigo 310º do Civil, mostram-se prescritos os juros de mora vencidos nos últimos 5 anos que precederam a citação (tendo esta ocorrido em 22-9-2023), o que se julga em conformidade.
***
III. DISPOSITIVO
Pelo exposto, julgam-se parcialmente procedentes os embargos de executado deduzidos por AA, declarando-se verificada a excepção de prescrição dos juros de mora vencidos nos últimos cinco anos que precederam a citação do executado (em 22-09-2023), no mais se julgando os mesmos improcedentes, determinando-se o prosseguimento da execução.
As custas ficam a cargo de exequente e executado na proporção dos respectivos vencimentos, sem prejuízo do apoio judiciário concedido (art. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC).
Fixo à presente oposição o valor de € 147.230,14, correspondente ao valor da execução (uma vez que o executado pediu a sua absolvição total do pedido executivo), nos termos dos arts. 296º, nº 1, e 297º, nºs. 1 e 2, do CPC.
Notifique.»
IV –
Cumpre decidir.
Alega o recorrente o seguinte:
A herança indivisa corresponde a uma universalidade composta por um património autónomo em que os herdeiros não detêm direitos próprios sobre cada um dos bens e direitos que o compõem, nem deles são comproprietários, mas titulares em comunhão de tal património. Os herdeiros não são credores solidários, não podem isoladamente cobrar dívidas da herança (salvo nas situações excecionais previstas no artigo 2089.º do Código Civil, em que para tal tem legitimidade o cabeça-de-casal), estamos perante créditos incindíveis, sendo que se verifica, pois, uma situação de litisconsórcio necessário. Assim sendo, a citação do executado numa execução movida apenas por um dos herdeiros não é apta a interromper a prescrição. Neste caso, só o chamamento do co-herdeiro como interveniente no processo poderia interromper a prescrição, sendo que quando se procedeu a esse chamamento já havia decorrido o prazo de prescrição (ao contrário do que se verificava aquando da instauração da execução), prazo que é de vinte anos. Não foi, desse modo, intempestiva a invocação da prescrição no articulado superveniente (apresentado após o prazo para a dedução da oposição à execução), uma vez que estamos perante um facto superveniente que permite a apresentação desse articulado, nos termos do artigo 573.º, n.º 2, do Código Civil. A interpretação seguida na sentença recorrida viola o princípio de acesso ao Direito e o direito a uma tutela judicial efetiva consagrados nos artigos 2.º, 13.º, 18.º e 20.º da Constituição da República.
Vejamos.
As duas questões em apreço (saber se o recorrente invocou tempestivamente a prescrição dos créditos em execução e se deverá proceder essa invocação) estão estreitamente ligadas.
A questão central é a de saber se a instauração de uma execução de um crédito de uma herança indivisa por parte de apenas um dos herdeiros (como se verifica no caso em apreço)) tem a virtualidade de interromper a prescrição desse crédito, nos termos do artigo 323.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil.
Fora dessa questão está, no caso em apreço e como bem se refere na sentença recorrida, a execução do crédito de que a exequente é titular a título pessoal (relativo aos sofrimentos por ela própria sofridos e fixado em dez mil euros).
Afigura-se-nos decisiva, a este respeito, a razão evocada na sentença recorrida: não deve a inércia de qualquer dos herdeiros prejudicar o exercício do direito que também a outro, ou outros, pertence. A solução que daí resultaria seria injusta e contrária ao espírito da Lei. Não podemos ignorar a regra de interpretação do artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil: «na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas».
Se um herdeiro manifesta através da instauração da execução de um crédito de que é único titular a intenção de o fazer valer judicialmente, está verificada a quebra da inércia que justificava a prescrição e essa quebra justifica a interrupção da prescrição. Na manifestação dessa intenção reside a justificação dessa interrupção, independentemente da exigência de intervenção de outros herdeiros chamados ao processo por estarmos perante uma situação de litisconsórcio necessário. Esse chamamento e essa intervenção, que podem ser necessários para assegurar a legitimidade das partes, não são relevantes para a interrupção da prescrição porque a manifestação de intenção de exercício do direito não reside aí, reside na própria instauração da execução. Tanto assim é que essa interrupção não depende da posição assumida pelo herdeiro chamado; ela não deixa de se verificar pelo facto de esse herdeiro nada dizer e manter a inércia que justifica a prescrição. Se assim fosse, grave seria a injustiça daí resultante para o herdeiro que pretende exercer o direito de que é cotitular. Por isso, não se justifica que seja o momento do chamamento desse herdeiro determinante para a interrupção da prescrição.
Há que atender, ainda ao seguinte.
Do regime de interrupção da prescrição resulta que ela não pode ser comprometida por fatores independentes da vontade do credor. O artigo 323.º do Código Civil estatui que a interrupção se dá com a citação ou notificação judicial relativas a um ato que exprima a intenção de exercer um direito (n.º 1), mas se essa citação ou notificação não se fizer nos cinco dias depois de ter sido requerida por causa não imputável ao requerente, essa interrupção ocorre passados esses cinco dias. Não se compreenderia que essa interrupção se desse com o chamamento de um outro herdeiro passados esses cinco dias, o que também não dependeria da vontade do credor.
Numa situação de proximidade do fim do prazo de prescrição (como sucederá no caso em apreço), poderemos estar perante a situação prevista no artigo 2089.º do Código Civil, em que ao cabeça de casal (como será a exequente no caso em apreço) cabe, por si só, a legitimidade para cobrar dívidas ativas da herança quando a cobrança possa perigar com a demora. À luz deste preceito, não seria até necessário o chamamento do herdeiro CC para assegurar a legitimidade da exequente (nem, por maioria de razão, a interrupção da prescrição).
Não suscita, pois, dúvidas que a interrupção dos créditos em execução no caso em apreço se deu cinco dias depois da apresentação do requerimento dessa execução. A invocação da prescrição pelo executado/opoente e ora recorrente não era procedente (além de não ter sido invocada tempestivamente).
A sentença recorrida não é, pois, merecedora de reparo.
A interpretação seguida de modo algum viola os direitos constitucionais de acesso ao direito e de tutela judicial efetiva. Pelo contrário, seria a interpretação seguida pelo recorrente a impedir o exercício desses direitos por parte da exequente, como aqui e na sentença recorrida se afirmou.
Deve, pois, ser negado provimento ao recurso.
V –
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, mantendo a douta sentença recorrida.
Condenam o recorrente nas custas relativas ao presente recurso, sem prejuízo do apoio judiciário de que possa beneficiar.
Notifique
Porto, 12 de dezembro de 2025
(processado em computador e revisto pelo signatário)