NULIDADE DA SENTENÇA
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
CONCURSO DE NORMAS
CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CRIME DE PERSEGUIÇÃO
Sumário


I. A simples alteração da qualificação jurídica não implica a nulidade da sentença recorrida nos termos do artº 379º nº 1 al. b) do CPP uma vez que essa nulidade está expressamente prevista para a alteração de “factos” e não da qualificação jurídica. Quando muito, poderia implicar a prévia comunicação por parte do Tribunal à arguida para, querendo, preparar a sua defesa.
II. Contudo, no caso em apreço, pese embora a nova qualificação jurídica implique uma imputação penal diversa à arguida, embora não desconhecida dada a forma como a queixa foi apresentada, a verdade é que tal imputação não agrava a situação da arguida porque não traduz a possibilidade de se aplicar uma moldura penal mais grave.
III. Por outro lado, o crime de perseguição cuja prática pela arguida acabou por lhe ser imputada pelo Tribunal a quo é um crime que está numa situação de consumpção em relação ao crime, mais grave e mais amplo, que é o de violência doméstica. Ou seja, o crime de perseguição, tal como o crime de ofensa à integridade física, o de ameaça e o de importunação sexual, entre outros ainda, estão numa relação de concurso aparente com o de violência doméstica, sendo crimes “consumidos”, isto é, numa relação de consumpção, com o crime de violência doméstica.
IV. Assim, no exercício jurídica levado a cabo pelo Tribunal a quo o que ocorreu foi o de considerar que não se verificava o crime mais grave, ou seja, o de violência doméstica, mas, apenas, uma das suas parcelas – o crime de perseguição – à qual se deu autonomia jurídica.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. No âmbito de processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, que corre termos pelo Juiz ... do Juízo Local Criminal de Braga, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, sob o nº 4721/23.1T9BRG, após audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença em 04-02-2025, com a refª ...16, relativamente à arguida AA através da qual a mesma foi condenada nos seguintes termos (transcrição):

III. DISPOSITIVO
A. Quanto à parte criminal
A) Absolver a arguida AA da prática, como autora material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p.e p. pelo art.º 152.º n.º 1 al. b) e n.º 2 al. a) do C.Penal;
B) Condenar a arguida pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de perseguição, p. e p. pelo art.º 154.º-A n.º 1 do C.Penal, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de 5,00 € (cinco euros), o que perfaz o total de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros);
C) Condenar a arguida na pena acessória de obrigação de frequência de programa específico de prevenção de condutas típicas da perseguição, a indicar pela DGRSP, cuja frequência deve ser também fiscalizada por esse instituto, no prazo máximo de dois anos;
D) Condenar a arguida no pagamento das custas criminais, que se fixam em 3 (três) UC’s, conforme o disposto nos arts.º 513.º e 514.º n.º 1, do C.P.Penal e artigo 8.º e tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
B. Quanto à parte cível
Pelo exposto, o Tribunal julga o pedido de indemnização civil parcialmente procedente, decidindo, em conformidade:
a) Condenar a demandada AA a pagar ao demandante BB a quantia de 2.000,00 € (dois mil euros) a título de indemnização, acrescida de juros de mora, a contar de dia 22/07/2024 (notificação da demandada para contestar) e até efectivo e integral pagamento, à taxa legal de 4,00%;
b) Custas pelas partes na proporção do seu decaimento, que se fixa em 40 % para a demandanda e 60 % para o demandante.”

II) Inconformada com a sua condenação veio a arguida interpor recurso em 06-03-2025, com a refª ...82, tendo rematado com as seguintes conclusões:
           
“I- A Recorrente em sede dos presentes autos, foi condenada pela Sentença proferida pelo Tribunal a quo pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de perseguição, p. e p. pelo art. 154.ºA n.º1 do Código Penal, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de 5,00€ (cinco euros), o que perfaz o total de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros), bem como na pena acessória de obrigação de frequência de programa especifico de prevenção de condutas típicas de perseguição.
Mais condenou a Arguida ao pagamento de uma indemnização a pagar ao Demandante na quantia de 2.000,00€. Por fim foi a Arguida condenada nas custas do processo tendo as mesmas sido fixadas no valor de 3 Unidades de Conta e as custas do pedido cível na proporção do decaimento.
II- A ora Recorrente entende, salvo melhor opinião, que a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo enferma de uma clamorosa injustiça, faz uma errada apreciação da matéria de facto e uma incorreta aplicação da lei.
III- A Recorrente nega veementemente que tenha praticado qualquer ato de perseguição, e entende, salvo melhor opinião, que esta sentença abre espaço à banalização do crime de perseguição, um ilícito penal que, sendo efetivamente grave no nosso ordenamento jurídico, deve ser reservado para situações em que há um impacto real e substancial na liberdade e segurança da vítima.
IV- A Recorrente nada mais é do que uma mulher apaixonada, que movida por um sentimento legítimo de amor e esperança de reconciliação tenta entrar em contacto com o ex-companheiro, seja por chamadas ou mensagens, e não pode ser comparada com um verdadeiro perseguidor que cria inquietação e medo.
V- Acresce ainda que, o Tribunal a quo fundamentou a condenação da Recorrente exclusivamente nas declarações prestadas pelo Assistente, sem que tenha sido produzida qualquer prova objetiva que corroborasse a sua versão dos factos. A inexistência de prova objetiva para sustentar a versão do Assistente impõe que qualquer incerteza deva reverter a favor da Recorrente, o que não sucedeu na decisão recorrida.
VI- O Tribunal a quo deu erradamente como provados no que ao Recorrente respeita os factos constantes dos pontos 16, 17, 22, 23, 30, 33, 34, 35, 36, 37, 53, 90, 95, 96, 98, 99, 100, 101 e 102 da matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida.
VII- O Tribunal a quo não poderia dar como provado o ponto 16 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, onde consta o seguinte “Surpreso com a presença da arguida, aquela só saiu quando o assistente lhe disse que ia chamar a PSP, acompanhada do progenitor deste, CC;”
VIII- Como resulta do depoimento da testemunha CC, em sede de audiência de discussão e julgamento, no dia 06- 01-2025, que disse o seguinte (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 06-01-2025, entre as 15:17:13 horas e as 15:31:08 horas, por referência à acta) que não teve de colocar a Recorrente na rua, pois a mesma acatou a ordem para se retirar da habitação.
IX- Também a testemunha DD, em sede de audiência de discussão e julgamento, no dia 28- 01-2025, que disse (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 28-01-2025, entre as 09:30:56 horas e as 09:41:19 horas, porreferência à acta): que foi a mesma que disse à Recorrente para entrar, pois não sabia que a relação do filho com a Recorrente tinha terminado, não tendo a mesma forçado a entrada ou entrado sem autorização.
X- Não foi a ameaça de ser chamada a PSP que fez a Recorrente ir embora, porque a mesma jamais iria forçar a sua permanência na casa do Assistente. A Recorrente foi sempre cordial e respeitadora, como confirmam os pais do Assistente.
XI- A Recorrente foi apenas, tal como referido por ela, entregar os pertences do Assistente e da sua filha, os quais se encontravam na posse dela. Era de esperar que, se a Recorrente tivesse o objetivo de perseguir, causar medo, inquietação no Assistente, a mesma não iria por livre e espontânea vontade e sem causar qualquer tipo de entrave sair da casa do Assistente.
XII- A Recorrente agiu movida por um sentimento amoroso e não por uma intenção persecutória.
XIII- Em face da prova carreada para os presentes autos, os testemunhos da mãe e do pai do Assistente, bem como o depoimento da Recorrente e ainda as regras da experiência comum e o princípio in dúbio pro reu, o Tribunal a quo não podia ter dado como provado o ponto 16 da matéria de facto dada como provada e consequentemente tal ponto deve ser dado como não provado.
XIV- O Tribunal a quo não poderia dar como provado o ponto 17 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, onde consta o seguinte “Após, a arguida dirigiu-se à residência de EE, Guarda Principal da GNR ..., vizinho do Assistente, a chorar e a afirmar que o assistente lhe tinha apertado o pescoço e que tinham acabado a relação;”
XV- Veja-se a este propósito o depoimento da Arguida, em sede de audiência de discussão e julgamento, no dia 26-11-2024, que disse (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 26-11- 2024, entre as 09:52:08 horas e as 11:34:17 horas, por referência à acta) que não foi a casa do agente EE!
XVI- A Recorrente ia a passar, após sair da casa do Assistente, quando reparou que este se encontrava na rua e, ao ver o estado em que ela se encontrava, o mesmo convidou-a a entrar e desabafar com ele, factos comprovados pelo próprio.
XVII- Veja-se ainda a este propósito o depoimento da testemunha EE, em sede de audiência de discussão e julgamento, no dia 06-01-2025, que disse (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 06-01-2025, entre as 14:53:29 horas e as 15:16:34 horas, por referência à acta) que a Recorrente não se deslocou à casa dele, nem tocou à campainha. A testemunha especifica que se cruzou ocasionalmente com a Recorrente quando esta ia a subir a rua.
XVIII- Venerandos Desembargadores, do depoimento da Recorrente e da testemunha EE é evidente que a Recorrente em momento algum pretendeu dirigir se à residência da testemunha
XIX- Tratou-se de um encontro ocasional, tal como referido pela própria testemunha, não havendo qualquer prova do contrario, pelo que nunca poderia o ponto 17 ter sido dado como provado.
XX- Em face da prova carreada para os presentes autos, nomeadamente o depoimento da Recorrente e da testemunha EE, bem como das regras da experiência comum e o princípio in dúbio pro reu, o Tribunal a quo não podia ter dado como provado o ponto 17 da matéria de facto dada como provada e consequentemente tal ponto deve ser dado como não provado.
XXI- O Tribunal a quo não poderia dar como provado o ponto 22 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, onde consta o seguinte “Entre o dia 20/06/2023 e, pelo menos, o dia 16/11/2023, a arguida efectuou pesquisas da rede social Facebook por amigos do assistente com os quais não tem nenhum tipo de relação, efectuando pedidos de amizade com esses amigos e amigas, que foram prontamente recusados.
XXII- Venerandos Desembargadores, o simples ato de enviar pedidos de amizade é simplesmente explicado por motivos sociais e não configura, por si só, uma tentativa de perseguição. Enviar pedidos de amizade é uma funcionalidade comum das redes sociais e não pode ser automaticamente interpretado como assédio ou perseguição.
XXIII- Porém, a Recorrente não enviou pedidos de amizade a amigos ou conhecidos do Assistente!!
XXIV- Veja-se a este propósito o depoimento da Arguida, em sede de audiência de discussão e julgamento, no dia 26-11-2024, que disse (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 26-11- 2024, entre as 09:52:08 horas e as 11:34:17 horas, por referência à acta) especificamente que não o fez.
XXV- A Recorrente não enviou qualquer pedido de amizade a amigos do Assistente. Mas, se o tivesse feito, sempre se dirá que enviar pedidos de amizade é uma prática comum nas redes sociais, não podendo ser interpretado como um comportamento persecutório, pois não revela intenção de causar medo ou perturbação.
XXVI- A criminalização de comportamentos sociais triviais colocaria em causa a proporcionalidade e razoabilidade da aplicação da lei penal.
XXVII- Em face da manifesta falta de prova carreada para os presentes autos, bem como do depoimento da Recorrente, e as regras da experiência comum e o princípio in dúbio pro reu, o Tribunal a quo não podia ter dado como provado o ponto 22 da matéria de facto dada como provada e consequentemente tal ponto deve ser dado como não provado.
XXVIII- O Tribunal a quo não poderia dar como provado o ponto 23 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, onde consta o seguinte “Agora com menos alternativas de contacto, a arguida optou por outra estratégia e passou a abordar conhecidos em comum a esta e ao assistente;”
XXIX- Por uma questão de economia processual damos como integralmente reproduzido o referido na impugnação do ponto 22 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, na medida em que a Recorrente não enviou pedidos de amizade aos amigos do Assistente, nem os tentou contactar por que meio fosse.
XXX- Não há prova objetiva de que a Recorrente adotou uma “estratégia” deliberada para contornar a falta de contacto direto com o assistente. O termo “estratégia” implica uma intenção premeditada de perseguição, o que não está demonstrado nos autos.
XXXI- Não se pode confundir uma interação social, ainda que indesejada, com um comportamento persecutório penalmente relevante. Desde logo, não foi demonstrado em sede de audiência de discussão e julgamento que a Recorrente tenha adotado qualquer estratégia persecutória.
XXXII- A Recorrente não tentou contactar os amigos e conhecidos do Assistente, mas mesmo que o tivesse feito, o simples facto de conversar com conhecidos do Assistente não configura, por si só, um ato de perseguição, uma vez que não há prova de que tais interações tenham sido insistentes, indesejadas ou que tenham provocado qualquer alteração na vida da vítima.
XXXIII- Em face da manifesta falta de prova carreada, para os presentes autos as regras da experiência comum e o princípio in dúbio pro reu, o Tribunal a quo não podia ter dado como provado o ponto 23 da matéria de facto dada como provada e consequentemente tal ponto deve ser dado como não provado.
XXXIV- O Tribunal a quo não poderia dar como provado o ponto 30 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, onde consta o seguinte
“A arguida ainda pediu ao assistente que lhe desse uma nova oportunidade e que caso retomassem a relação de namoro esta de imediato retirava a queixa em Tribunal, ao que o assistente lhe respondeu que a relação era para terminar;”
XXXV- Venerandos Desembargadores, pedir uma nova oportunidade num relacionamento não revela, por si só, intenção de assediar ou importunar. Pelo contrário, trata-se de um comportamento humano normal, especialmente no contexto de um término de relação. A vítima simplesmente recusou o pedido, sem alegar que se sentiu amedrontada ou coagida. A lei protege contra perseguições opressivas e ameaçadoras, não contra tentativas legítimas de reconciliação.
XXXVI- A Recorrente em momento algum condicionou ou ameaçou o Assistente, tendo se limitado a expressar um desejo pessoal de retomar a relação, pelo que tal não se enquadra no conceito de perseguição previsto no nosso ordenamento jurídico.
XXXVII- Acresce ainda que, o Tribunal a quo não teve qualquer ponderação sobre o estado emocional da aqui Recorrente no momento, uma vez que a Recorrente, após o término desta relação e toda a carga emocional que a mesma envolveu encontrava-se completamente devastada e acreditava que a única maneira de se sentir melhor seria com a reconciliação.
XXXVIII- Mas, um pedido de reconciliação, por mais inoportuno que possa parecer, não deve ser criminalizado se não representar um perigo real para a vítima. A condenação da Recorrente baseia-se numa interpretação excessivamente rigorosa e desproporcional dos factos.
XXXIX- Em face da manifesta falta de prova carreada, para os presentes autos as regras da experiência comum e o princípio in dúbio pro reu, o Tribunal a quo não podia ter dado como provado o ponto 30 da matéria de facto dada como provada e consequentemente tal ponto deve ser dado como não provado.
XL- O Tribunal a quo não poderia dar como provado o ponto 33 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, onde consta o seguinte “Após o mês de Julho de 2023, ou seja, após a prolação de despacho de arquivamento no NUIPC 1060/23.1PBBRG, a arguida começou a manifestar comportamentos obsessivos pela filha do assistente, exigindo estar com ela alguns dias enquanto estivesse a passar férias com ele;”
XLI- A Recorrente não manifestou qualquer intenção de assediar, intimidar ou importunar o Assistente, mas apenas um desejo de continuar a conviver com a filha deste, com quem mantinha um vínculo afetivo.
XLII- A Sentença proferida pelo Tribunal a quo assenta numa interpretação desproporcional dos factos, confundindo sentimentos legítimos com condutas penalmente relevantes, não podendo o comportamento da Recorrente ser equiparado a um comportamento persecutório, na medida em que não se verificam atos reiterados e insistentes de pressão psicológica ou coação sobre a vítima.
XLIII- O Tribunal a quo deveria ter avaliado com cautela a fronteira entre o vínculo emocional e a perseguição, sob pena de criminalizar comportamentos que não apresentam risco real para a vítima.
XLIV- Em face da manifesta falta de prova carreada, para os presentes autos as regras da experiência comum e o princípio in dúbio pro reu, o Tribunal a quo não podia ter dado como provado o ponto 33 da matéria de facto dada como provada e consequentemente tal ponto deve ser dado como não provado.
XLV- O Tribunal a quo não poderia dar como provado o ponto 34 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, onde consta o seguinte “Em dia não concretamente apurado, mas em 2023, a arguida enviou uma fotografia recente da filha do assistente (FF) à sobrinha e afilhada do assistente, GG, onde depois escreveu “envia ao pai imagino a saudade;”
XLVI- Por uma questão de economia processual damos como integralmente reproduzido o referido na impugnação do ponto 33 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, na medida em que não
A Sentença proferida pelo Tribunal a quo assenta numa interpretação desproporcional dos factos, confundindo sentimentos legítimos com condutas penalmente relevantes.
XLVII- O simples ato de enviar uma fotografia da filha do Assistente não constitui uma intromissão ilegítima na sua vida privada, especialmente tendo em conta o vínculo afetivo que a Recorrente manteve com a criança durante dois anos, não se tratando de uma conduta ilícita ou persecutória.
XLVIII- É perfeitamente normal que a Recorrente sinta saudades, não só do Assistente, como também da sua filha, com quem conviveu durante os dois anos da relação, tendo acompanhado de perto o crescimento da criança.
XLIX- Deste modo, não é sequer possível, com o grau de certeza exigido pelo direito penal, considerar que a conduta da Recorrente tenha causado qualquer impacto negativo relevante ao Assistente ou que seja suficiente para integrar um ilícito penal.
L- Em face da manifesta falta de prova carreada, para os presentes autos as regras da experiência comum e o princípio in dúbio pro reu, o Tribunal a quo não podia ter dado como provado o ponto 34 da matéria de facto dada como provada e consequentemente tal ponto deve ser dado como não provado.
LI- O Tribunal a quo não poderia dar como provado o ponto 35 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, onde consta o seguinte “Desde, pelo menos, Julho de 2023, o assistente efectuou as visitas à filha por intermédio do CAFAP - Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, sito Tv. ..., ..., ..., o que é do conhecimento da arguida;”
LII- Face à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não é possível dar como provado este ponto, na medida em que a aqui Recorrente não podia, nem tampouco tinha forma de saber em que dias e a que horas se iriam realizar as sessões de visita da filha do Assistente, no CAFAP - Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental.
LIII- Veja-se a este propósito o depoimento da Testemunha HH, em sede de audiência de discussão e julgamento, no dia 06-01-2025, que (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 26-11-2024, entre as 14:41:20 horas e as 14:51:26 horas, por referência à acta) que declarou que a Recorrente não tinha como saber os dias e horários em que o assistente estaria naquelas sessões no CAFAP, então a conclusão do tribunal carece de suporte probatório.
LIV- O simples facto de a Recorrente ter encontrado o Assistente à porta do CAFAP não prova que ela tinha intenção persecutória. O Tribunal faz uma inferência especulativa, sem que tenha sido produzida qualquer prova que confirme que a arguida se deslocava ao local com o intuito de procurar o assistente.
LV- Para que o tribunal pudesse afirmar que ela ia ao local propositadamente para se encontrar com o Assistente, seria necessário que houvesse prova de que a Recorrente tinha acesso aos horários das reuniões, o que não sucede, bem como prova de que ela mudou a sua rotina deliberadamente para o encontrar.
LVI- O Tribunal a quo baseou a condenação da Recorrente essencialmente nas declarações do assistente, sem que tenha sido produzida prova independente que corrobore a sua versão dos factos.
LVII- As declarações da alegada vítima, nos termos da jurisprudência consolidada, por si só, não são suficientes para fundamentar uma condenação penal, salvo quando corroboradas por outros meios de prova objetivos e imparciais, o que não sucedeu!
LVIII- Não existem, nos presentes autos, testemunhos neutros ou elementos materiais que comprovem que a Recorrente tinha conhecimento prévio dos horários em que o Assistente tinha as sessões no CAFAP ou que a presença da Recorrente no local tivesse um intuito persecutório. Pelo contrário, uma testemunha do CAFAP confirmou que a Recorrente não tinha acesso a essa informação.
LIX- Em face da manifesta falta de prova carreada, para os presentes autos e das regras da experiência comum e o princípio in dúbio pro reu, o Tribunal a quo não podia ter dado como provado o ponto 35 da matéria de facto dada como provada e consequentemente tal ponto deve ser dado como não provado.
LX- O Tribunal a quo não poderia dar como provados os pontos 36 e 37 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, onde consta o seguinte “No dia 16/08/2023, o assistente encontrava-se no CAFAP - Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, local onde, visita a sua filha; A arguida aí se dirigiu;”
LXI- Por uma questão de economia processual damos como integralmente reproduzido o referido na impugnação do ponto 35 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, na medida em que não existem testemunhos neutros ou elementos materiais que comprovem que a Recorrente tinha conhecimento prévio dos horários em que o Assistente tinha as sessões no CAFAP ou que a presença da Recorrente no local tivesse um intuito persecutório.
LXII- A Recorrente encontrou o Assistente por mero acaso, quando vinha do mercado onde costuma comprar bens essenciais, tendo passado pela rua do CAFAP e visto o Assistente. A Recorrente não se dirigiu ao CAFAP!!!
LXIII- A Recorrente não perseguiu o Assistente até lá, nem provocou propositadamente tal encontro, até porque não tinha como saber que o Assistente lá se encontrava naquele dia, àquela hora!
LXIV- Em face da prova carreada, para os presentes autos, bem como das regras da experiência comum e o princípio in dúbio pro reu, o Tribunal a quo não podia ter dado como provados os pontos 36 e 37 da matéria de facto dada como provada e consequentemente tais pontos devem ser dados como não provados.
LXV- O Tribunal a quo não poderia dar como provado o ponto 53 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, onde consta o seguinte “Entre o dia 31/07/2023 e 02/08/2023, a arguida conseguiu entrar em contacto com o assistente, alertando-o que, além de doente, estava grávida;”
LXVI- Venerandos Desembargadores, o Tribunal a quo errou na apreciação da prova, pois a arguida nunca afirmou estar grávida, apenas expressou a possibilidade.
LXVII- Mesmo que a arguida tenha mencionado a possibilidade de gravidez, tal não configura um ato de perseguição, pois não há qualquer intenção de assediar, intimidar ou causar medo ao assistente. Para que exista crime de perseguição (art. 154.º-A do Código Penal), os atos da arguida teriam de ser intencionais e reiterados, com o objetivo de causar medo ou perturbação grave ao assistente. A comunicação sobre um possível estado de gravidez não preenche estes requisitos.
LXVIII- Veja-se a este propósito o depoimento da Arguida, em sede de audiência de discussão e julgamento, no dia 26-11-2024, que disse (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 26-11- 2024, entre as entre as 09:52:08 horas e as 11:34:17 horas, por referência à acta) que apenas informou o ex-companheiro da possibilidade de estar grávida, o que não é o mesmo de ela afirmar objetivamente que o está.
LXIX- A distinção entre estas duas afirmações é essencial, pois altera completamente o alcance da comunicação. A afirmação de uma dúvida ou possibilidade sobre um estado de gravidez não pode ser interpretada como um ato persecutório, na medida em que não implica qualquer pressão, coação ou intimidação sobre o assistente.
LXX- Em face da manifesta falta de prova carreada para os presentes autos, as declarações da Recorrente, as regras da experiência comum e o princípio in dúbio pro reu, o Tribunal a quo não podia ter dado como provado o ponto 53 da matéria de facto dada como provada e consequentemente tal ponto deve ser dado como não provado.
LXXI- O Tribunal a quo não poderia dar como provado o ponto 90 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, onde consta o seguinte“No dia 20/10/2023, a arguida apareceu no CAFAP – CAFAP – Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, a convidar o Assistente para o casamento do filho mais velho e novamente a pedir que deveriam reatar a relação;”
LXXII- Venerandos Desembargadores, a este propósito veja-se o depoimento da Arguida, em sede de audiência de discussão e julgamento, no dia 26-11-2024, que disse (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 26-11-2024, entre as 09:52:08 horas e as 11:34:17 horas, por referência à acta) ser mentira o facto de ter convidado o Assistente para o casamento do filho!!
LXXIII- Apenas o Assistente e a Recorrente estavam presentes e a única prova existente para este facto são as declarações do Assistente, que é parte diretamente interessada no desfecho do processo.
LXXIV- Se há contradição entre a versão do assistente e a da Recorrente, deve vigorar o princípio in dubio pro reo e presunção da inocência.
LXXV- Em face da manifesta falta de prova carreada, para os presentes autos, as declarações da Arguida e as regras da experiência comum e o princípio in dúbio pro reu, o Tribunal a quo não podia ter dado como provado o ponto 90 da matéria de facto dada como provada e consequentemente tal ponto deve ser dado como não provado.
LXXVI- O Tribunal a quo não poderia dar como provado o ponto 95 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, onde consta o seguinte “Ao contactar, remeter mensagens, de forma frequente e sequencial, ao assistente, sabia a arguida ainda que perturbava o assistente na sua paz e no seu sossego, resultado esse que pretendeu e logrou atingir, bem sabendo que a sua conduta era adequada a obter esse resultado;”
LXXVII- Venerandos Desembargadores, não há prova objetiva de que a Recorrente sabia que perturbava o assistente e que tinha intenção de o incomodar.
O envio de mensagens, por si só, não preenche os requisitos do crime de perseguição (art. 154.º-A do Código Penal), se não for demonstrada a intenção de causar medo ou perturbação grave na vítima, o que não sucedeu. A arguida não agiu por ódio ou desejo de perseguição, mas sim por amor e vínculo emocional, como podemos verificar pelas declarações da mesma.
LXXVIII- Não negamos que a Recorrente tinha como intenção reconquistar, de forma persistente e até chata, o Assistente, mas não podemos condenar uma pessoa por um crime de perseguição, quando a mesma apenas demonstrava os seus sentimentos.
LXXIX- A intenção da Recorrente não era assediar ou perseguir, mas sim expressar sentimentos amorosos e uma esperança legítima de reconciliação, sendo estes elementos fundamentais, pois distinguem um comportamento persecutório de uma manifestação legítima de afeto e de sofrimento emocional.
LXXX- O Tribunal, ao presumir que a Recorrente sabia que estava a perturbar o assistente e que pretendia esse resultado, fez uma interpretação excessiva dos factos, sem suporte probatório objetivo.
LXXXI- Em face da manifesta falta de prova carreada, para os presentes autos, as regras da experiência comum e o princípio in dúbio pro reu, o Tribunal a quo não podia ter dado como provado o ponto 90 da matéria de facto dada como provada e consequentemente tal ponto deve ser dado como não provado.
LXXXII- O Tribunal a quo não poderia dar como provado o ponto 96 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, onde consta o seguinte “A arguida actuou com o propósito conseguido de ofender o assistente na sua saúde psíquica;”
LXXXIII- Por uma questão de economia processual damos como integralmente reproduzido o referido na impugnação do ponto 95 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, na medida em que o Tribunal a quo fez uma interpretação excessiva dos factos, sem suporte probatório objetivo.
LXXXIV- A intenção da Recorrente não era assediar ou perseguir, mas sim expressar sentimentos amorosos e uma esperança legítima de reconciliação, para além de que o Assistente já tinha problemas do foro psicológico quando começou a relação com a Recorrente.
LXXXV- Veja-se a este propósito o depoimento da testemunha II, em sede de audiência de discussão e julgamento, no dia 06-01-2025, (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 06-01-2025, entre as 15:39:27 horas e as 16:07:27 horas, por referência à acta), o qual convivia com o Assistente e a Recorrente quando ainda eram casal, bem como ouvia as confidências da Recorrente, e sabe que o Assistente já era acompanhado pela psiquiatria.
LXXXVI- Assim, é falso que a saúde psíquica do Assistente tenha sido afetada pela Recorrente ou pelos atos dela em tentar reconquistá-lo, não sendo possível estabelecer qualquer nexo causal entre a conduta da Recorrente e o estado de saúde psíquica do Assistente, sendo infundada a alegação de que este tenha sido afetado pelos atos da Recorrente na tentativa de reatar a relação.
LXXXVII- Com efeito, o Assistente já padecia de problemas psicológicos, fazia uso de medicação específica e era seguido em consultas de psicologia e psiquiatria, circunstâncias pré-existentes e independentes da atuação da Recorrente.
LXXXVIII- Em face da prova carreada para os presentes autos, as regras da experiência comum e o princípio in dúbio pro reu, o Tribunal a quo não podia ter dado como provado o ponto 96 da matéria de facto dada como provada e consequentemente tal ponto deve ser dado como não provado.
LXXXIX- O Tribunal a quo não poderia dar como provado o ponto 98 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, onde consta o seguinte “Como consequência do comportamento da arguida, o assistente deixou de ter qualquer paz, sossego e tranquilidade na sua vida;”
XC- Por uma questão de economia processual damos como integralmente reproduzido o referido na impugnação do ponto 96 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, na medida em que o Tribunal a quo fez uma interpretação excessiva dos factos, sem suporte probatório objetivo.
XCI- A conduta típica do crime de perseguição consiste em reiteradamente perseguir ou assediar outra pessoa, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, apelando-se à objectividade do homem médio para aferir se a conduta em causa é adequada a produzir a lesão, invocando-se, ainda, a individualidade das circunstâncias concretas que norteiam o ilícito, mormente as personalidades de agressor e vítima e o relacionamento entre ambos.
XCII- O Assistente afirmou que o término da relação com a Recorrente e os factos em causa nos presentes autos aconteceram no momento em que o mesmo se encontrava com problemas relacionados com a filha menor, bem como questões relacionadas com uma queixa de violência doméstica, da qual a Recorrente acabou por desistir.
XCIII- Portanto, foram uma conjugação de fatores que coincidiram com esse período que fez com que o Assistente perdesse a paz, tranquilidade e sossego, mas não existe um nexo causal entre os atos da Recorrente com estes sentimentos do Assistente.
XCIV- Em face da manifesta falta de prova carreada, para os presentes autos as regras da experiência comum e o princípio in dúbio pro reu, o Tribunal a quo não podia ter dado como provado o ponto 98 da matéria de facto dada como provada e consequentemente tal ponto deve ser dado como não provado.
XCV- O Tribunal a quo não poderia dar como provado o ponto 99 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, onde consta o seguinte
“O assistente passou a sair de casa com medo de se cruzar com a arguida, com receio que esta o encontrasse e iniciasse os comportamentos supra descritos;”
XCVI- Por uma questão de economia processual damos como integralmente reproduzido o referido na impugnação do ponto 98 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo.
XCVII- Não ficou provado em sede de audiência de discussão e julgamento a existência de qualquer ameaça, coação ou intimidação direta, pelo que não se pode concluir que os atos da Recorrente tenham gerado um receio fundado no Assistente, ao ponto de afetar a sua liberdade de circulação.
XCVIII- Os encontros ocasionais entre a Recorrente e o Assistente na via pública não configuram um comportamento persecutório, nem justificam, por si só, um receio fundado que o Assistente alega.
XCIX- Em face da manifesta falta de prova carreada, para os presentes autos as regras da experiência comum e o princípio in dúbio pro reu, o Tribunal a quo não podia ter dado como provado o ponto 98 da matéria de facto dada como provada e consequentemente tal ponto deve ser dado como não provado.
C- O Tribunal a quo não poderia dar como provado o ponto 100 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, onde consta o seguinte “O assistente tinha receio que a arguida importunasse os seus amigos e familiares, incluindo a filha, que é menor de idade;”
CI- Venerandos Desembargadores, a Recorrente não importunou ou perturbou os amigos e familiares do Assistente.
CII- O receio do Assistente não se baseia em qualquer facto concreto praticado pela Recorrente, mas apenas em suposições futuras sobre o que poderia acontecer e o o direito penal não pune meras possibilidades ou temores infundados, mas sim atos concretos e demonstráveis. O medo subjetivo da alegada vítima não pode ser suficiente para fundamentar um juízo condenatório, especialmente quando não há qualquer comportamento ilícito que o justifique.
CIII- A Recorrente manteve uma relação de dois anos com o Assistente, o que, naturalmente, fez com que criasse uma ligação emocional com a filha menor deste. É normal e compreensível que, após um período tão significativo de convivência, a Recorrente mantivesse afeto pela criança, não podendo essa ligação ser interpretada automaticamente como uma intenção de importunação.
CIV- Não existe qualquer prova de que a Recorrente tenha tentado manipular, ameaçar ou prejudicar a filha do Assistente. Pelo contrário, qualquer eventual manifestação de interesse na criança deve ser vista no contexto da relação afetiva construída ao longo do tempo, e não como um comportamento ilícito.
CV- Em face da manifesta falta de prova carreada, para os presentes autos as regras da experiência comum e o princípio in dúbio pro reu, o Tribunal a quo não podia ter dado como provado o ponto 100 da matéria de facto dada como provada e consequentemente tal ponto deve ser dado como não provado.
CVI- O Tribunal a quo não poderia dar como provado o ponto 101 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, onde consta o seguinte “O assistente passou a dormir mal, a andar nervoso, a ter crise de ansiedade e insónias;”
CVII- A afirmação de que o Assistente passou a sofrer de distúrbios do sono, nervosismo e crises de ansiedade devido ao comportamento da Recorrente baseia-se apenas no seu próprio relato, sem qualquer suporte objetivo que permita estabelecer um nexo de causalidade com os atos da Recorrente.
CVIII- O próprio Assistente admitiu que, no período em questão, atravessava problemas pessoais, relacionados com a filha, e profissionais, sendo que atribuir a culpa de distúrbios do sono e ansiedade à Recorrente é completamente desproporcional.
CIX- Em face da manifesta falta de prova carreada para os presentes autos que prova que o Assistente se encontrava assim pelos atos da Recorrente, bem como as regras da experiência comum e o princípio in dúbio pro reu, o Tribunal a quo não podia ter dado como provado o ponto 101 da matéria de facto dada como provada e consequentemente tal ponto deve ser dado como não provado.
CX- O Tribunal a quo não poderia dar como provado o ponto 102 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, onde consta o seguinte “O assistente teve de recorrer a ajuda psiquiátrica e esteve inclusivamente de baixa médica;”
CXI- Por uma questão de economia processual damos como integralmente reproduzido o referido na impugnação do ponto 98 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo.
CXII- O Assistente já sofria de problemas psicológicos anteriormente, o que demonstra que os seus problemas emocionais não surgiram como consequência da atuação da Recorrente nem são os atos da Recorrente capazes, por si só, de provocar um estado psicológico condizente com o que o Assistente descreve, bem como capaz de o fazer necessitar de baixa médica.
CXIII- O Assistente já possuía diversos fatores de stress que poderiam justificar uma baixa médica ou um acompanhamento psiquiátrico, não sendo possível afirmar, sem prova concreta, que a atuação da Recorrente foi a causa direta desses problemas.
CXIV- Em face da manifesta falta de prova carreada para os presentes autos sobre o nexo de causalidade entre a conduta da Recorrente e os sentimentos do Assistente, bem como as regras da experiência comum e o princípio in dúbio pro reu, o Tribunal a quo não podia ter dado como provado o ponto 102 da matéria de facto dada como provada e consequentemente tal ponto deve ser dado como não provado.
CXV- O direito à liberdade individual não pode ser interpretado de forma a criminalizar sentimentos legítimos quando não há atos que efetivamente preencham os requisitos do crime de perseguição.
CXVI- Da Nulidade de Sentença: A Recorrente foi acusada pelo Ministério Público da prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo artigos 14.º, n.º. 1, 26.º e 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a), n.ºs 4, 5 e 6 do Código Penal.
CXVII- No decurso das audiências de discussão e julgamento foi provado que a Recorrente não praticou o crime pelo qual foi acusada pelo Ministério Público, sendo que preparou e apresentou a sua defesa tendo em conta a acusação deduzida pelo Ministério Público.
CXVIII- A Recorrente concentrou a sua defesa no sentido de provar a sua inocência quanto ao crime de violência doméstica, por ser este o único crime pelo qual a mesma vinha acusada, a Recorrente não foi acusada da prática de outros crimes.
CXIX- Acontece que o Tribunal a quo, apesar de absolver a Recorrente do crime de violência doméstica, profere uma decisão surpresa ao condená-la pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de perseguição, p. e p. pelo art.º 154.º-A n.º 1 do C. Penal, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de 5,00 € (cinco euros), o que perfaz o total de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros) e na pena acessória de obrigação de frequência de programa específico de prevenção de condutas típicas da perseguição, a indicar pela DGRSP, cuja frequência deve ser também fiscalizada por esse instituto, no prazo máximo de dois anos e ainda no pagamento das custas criminais, que se fixam em 3 (três) UC’s, conforme o disposto nos arts.º 513.º e 514.º n.º 1, do C.P. Penal e artigo 8.º e tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
CXX- Apenas no início da leitura de sentença foi comunicado à Recorrente uma alteração não substancial dos factos, nos termos do artigo 358.º n.º 1, em conjugação com o artigo 1.º al. f) “à contrario”, do CPP, não sendo nunca comunicado à Arguida que o Tribunal a quo procederia a uma alteração da qualificação jurídica dos factos.
CXXI- Nunca foi comunicado à Recorrente que existiria uma alteração da qualificação jurídica dos factos, a fim da mesma poder requerer os meios de defesa que entendesse por convenientes.
CXXII- A Recorrente não contava que pudesse ser condenada pelo crime de perseguição, p. e p. pelo artigo 154.º-A n.º 1 do C.P., uma vez que a mesma estava a ser julgada pelo crime de violência doméstica. O Tribunal a quo ao condenar a Recorrente pelo crime de perseguição profere uma decisão surpresa, pois a Recorrente nunca esteve acusada por tal crime.
CXXIII- O Tribunal a quo está vinculado ao thema decidendum definido pela acusação, in casu, o crime de violência doméstica, e tal thema decidendum mantem-se inalterado até ao trânsito em julgado da condenação.
CXXIV- A Recorrente nunca concordou com nenhuma alteração da qualificação jurídica dos factos, motivo pelo qual a sentença recorrida padece de nulidade, por imputar à Recorrente a prática de um crime diverso daquele de que veio acusada e foi absolvida.
CXXV- Declarada a nulidade da sentença recorrida a mesma deve ser repetida, no sentido de apenas ser a Recorrente absolvida da prática do crime de violência doméstica tal como sucedeu.
CXXVI- Caso os Sábio Desembargadores do alto da V. sapiência, assim não entendam o que não se concede e apenas por mera hipótese teórica se concebe, sempre de dirá o seguinte:
CXXVII- A Recorrente não praticou qualquer crime de perseguição, uma vez que o Tribunal a quo para além da incorreta apreciação da matéria de facto, conforme supra se demonstrou, também errou e interpretou incorretamente a lei, fazendo uma errada interpretação e aplicação do direito.
CXXVIII- Salvo o devido respeito, os Venerandos Desembargadores ao julgarem procedente o recurso da matéria de facto e darem como não provados os pontos 16, 17, 22, 23, 30, 33, 34, 35, 36, 37, 53, 90, 95, 96, 98, 99, 100, 101, e 102 da matéria de facto erradamente dada como provada pelo Tribunal a quo, irão repor a Justiça devida e a Recorrente será absolvida pelo crime que foi injustamente condenada.
CXXIX- O crime de perseguição previsto no artigo 154-A do Código Penal, é um crime que depende de queixa e o direito de apresentar queixa extingue- se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto, conforme decorre do artigo 115.º do CP.
CXXX- Acontece que o Assistente apresentou a sua queixa no dia 18/08/2023 e um posterior aditamento em 09/10/2023, sendo que nos presentes autos apenas podem estar em causa alegados factos ocorridos depois do dia 19/06/2023.
CXXXI- Tal como refere a sentença recorrida os factos pelos quais a Recorrente veio acusada, e que também foram alegados na queixa apresentada pelo Assistente que deu origem aos presentes autos, já foram arquivados no âmbito do processo n.º 1060/23.1PBBRG, em que o Assistente desistiu da queixa que apresentou e onde alegava que supostamente teriam ocorrido durante a relação de ambos.
CXXXII- A falta de apresentação tempestiva de queixa por factos ocorridos depois de 15/09/2023, determina a extinção do processo crime por falta de queixa do Ofendido, devendo o processo crime quanto aos referidos factos ter sido extinto.
CXXXIII- Acresce que, durante o referido lapso de tempo a Recorrente e o Assistente mantiveram uma relação afetiva e partilhavam o desejo, um pelo outro de estarem juntos a partilharem novas experiências.
CXXXIV- Com o passar do tempo a relação esfriou e o Assistente perdeu o interesse que tinha na Recorrente, chegando até a infligir maus tratos, os quais foram participados ao Ministério Público, contudo, como a Recorrente estava perdida de amores pelo Assistente, a mesma acabou por desistir da queixa, com o íntimo desejo de poder reatar a relação.
CXXXV- Como é da experiência e do conhecimento comum, quando se termina uma relação de namoro estável e duradoura, como foi a relação do Assistente e da Recorrente, existem sempre mensagens de reconciliação, e até mensagens de mais amargas devido à frustração que a pessoa sente por deixar de poder estar com a pessoa que ama.
CXXXVI- As conversas que a Recorrente tentou manter com o Assistente foram conversas de amor, de alguém que ainda nutria paixão, carinho pelo Assistente e julgava que os motivos que levaram a terminar a relação seriam temporários e ultrapassáveis, desejando que a relação voltasse a ser o que foi quando tudo começou.
CXXXVII- Quando a Recorrente se apercebeu que de todas as tentativas que fez, que todos os atos de carinho, de amor, de amizade que teve para com o Assistente não tinham qualquer efeito sobre o mesmo, a própria Recorrente deixou de contactar com o mesmo.
CXXXVIII- As conversas que a Recorrente teve com o Assistente durante o período de 3 meses, conversas estas que nunca foram diárias, pois ocorreram em 31/07/2023, 16/08/2023, 18/08/2023, 19/08/2023, 07/09/2023, 14/09/2023 e 15/09/2023, não preenchem a condição de prevista no artigo 154.º-A do CP, “de modo reiterado”.
CXXXIX- O facto de terem existido cerca de 7 contactos feitos pela Recorrente, no espaço de 3 meses não se pode considerar que tais contactos tenham sido feitos de forma reiterada.
CXL- A reiteração da conduta exigida ao preenchimento do tipo, pressupõe uma prática mais ou menos frequente e repetida, e tendo em conta que no espaço de 107 dias (30 dias junho, 31 dias julho, 30 dias agosto, 15 dias setembro), a Recorrente fez apenas 7 contactos, os quais foram feitos apenas na sequência do términus da relação de namoro que a Recorrente teve com o Assistente, não são suficientes nem justificam qualquer temor deste para com a Recorrente.
CXLI- Tal como ficou provado o Assistente é militar da Guarda Nacional Republicana, decorrendo da experiência comum que um militar da GNR é uma pessoa preparada mental e fisicamente para enfrentar as adversidades do crime e do risco que o combate ao crime implica, nas perseguições, nas rusgas, nas situações de confronto como por exemplo os jogos de futebol, e são militares que estão sempre prontos a intervir a qualquer hora sempre que são chamados.
CXLII- Os militares da GNR por dever de ofício têm uma preparação psíquica e emocional para saber atuar nas situações de confronto, pelo que não se consegue sequer conceber que 7 contactos no espaço de 107 dias possam ter qualquer efeito sobre uma pessoa que exerce as funções de GNR, e por dever de ofício enfrenta perigos maiores que as alegadas 7 conversas que a sua namorada tentou levar a cabo.
CXLIII- Além do mais a maior parte das conversas e contactos que a Recorrente teve com o Assistente tinham o teor amoroso, não se extraindo qualquer elemento intimidatório ou persecutório que pudesse sequer ser suscetível de criar medo ou pudesse perturbar a paz de um homem comum, quanto mais um militar da GNR que no seu ofício enfrenta maiores perigos que palavras de candura e amor.
CXLIV- Pelo exposto os elementos essenciais do tipo penal previsto no artigo 154.º-A do CP, nos presentes autos não se encontram preenchidos: não existiu qualquer assédio ou perturbação permanente pela Recorrida em relação ao Recorrente, nem tampouco se pode dizer que os esporádicos contactos que a Recorrente manteve com o Assistente formassem um padrão de comportamento de assédio.
CXLV- Face à ausência de elementos objetivos que demonstrem uma real perturbação na vida da vítima, deve a condenação ser revista, com a consequente absolvição da arguida.
CXLVI- Face a todo o exposto, deverá conceder-se provimento ao presente recurso, quer quanto ao apuramento da matéria de facto, quer quanto à aplicação do direito, revogando-se e substituindo-se a douta sentença recorrida, por outra que absolva a Recorrente da prática de qualquer crime.
CXLVII- A douta sentença recorrida violou os princípios constitucionais do in dubio pro reo, da verdade material e o principio da presunção de inocência e, entre outras, as disposições dos artigos 10.º, 14.°, 40.º, 47.º, 70.°, 71.°, 72.º, 115.º, 118.º, 154.º-A do Código Penal, dos artigos 1.º, 118.º, 120.º, 122.º, 124.°, 125.º, 127.°, 128.º, 129.º, 145.º, 340.°, 358.º, 359.º e 410.° do Código de Processo Penal, e dos artigos 18.º, 26.º, 29.º, 32.º da Constituição da Republica Portuguesa.

TERMOS EM QUE,
Deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogar-se a douta sentença recorrida, em conformidade com a motivação e conclusões apresentadas, como é de elementar justiça!”

III. O recurso foi admitido por despacho de 11-03-2025, com a refª ...79, tendo sido fixado efeito suspensivo ao mesmo.

IV. Respondeu o assistente BB em 10-04-2025, através de contra-alegações com a refª ...07, nas quais pugna pela improcedência do recurso, tendo rematado com as seguintes conclusões:

“I. Em face da sentença proferida no âmbito dos presentes autos que condenou a Recorrente pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de perseguição, p. e p. pelo artigo 154.º-A n.º 1 do Código Penal, apresentou, esta última, motivação de recurso para este Douto Tribunal da Relação de Guimarães, por não se conformar, de modo algum, com o teor da decisão.
II. Todavia não pode, nem deve o aqui Recorrido aceitar o vertido na motivação de recurso apresentada, quer por razões adjetivas, quer por razões substanciais.
III. A Recorrente (Arguida) contesta a decisão que a condenou pelo crime de perseguição (artigo 154.º-A, nº 1, do Código Penal), alegando incorreta apreciação da matéria de facto, na medida em que o Tribunal a Quo fez uma errada avaliação das provas testemunhais e documentais apresentadas.
IV. Alega, nesse seguimento, que, em oposição à conclusão do Douto Tribunal, as provas apresentadas são suficientes para demonstrar que não cometeu o crime de perseguição,
V. Pelo que sustenta que o Tribunal a Quo considerou como provados os factos 16, 17, 22, 23, 30, 33, 34, 35, 36, 37, 53, 90, 95, 96, 98, 99, 100, 101 e 102 constantes da matéria de facto dada como provada na Sentença recorrida, quando, com base na prova apresentada durante o julgamento, não se poderia ter chegado a essa conclusão.
VI. Tal, de modo algum, pode ser aceite pelo Recorrido, desde logo porque a sentença apresenta, de forma clara, a base das convicções do Douto Tribunal, as quais, por sua vez se fundamentaram em inúmeros elementos probatórios constantes dos autos, como mensagens, transcrições, entre o demais.
VII. A sentença fornece uma explicação detalhada sobre os motivos pelos quais o Tribunal considerou como provados os factos ínsitos nos pontos 1 a 109 da matéria de facto dada como provada e outros como não provados.
VIII. Desse modo, o Recorrido não entende o motivo pelo qual a Recorrente alega que houve incorreta apreciação da matéria de facto, pois o Douto Tribunal explicou, de forma clara e explícita, a linha de raciocínio seguida.
IX. A decisão foi bem fundamentada, baseando-se na prova documental, nas declarações da Recorrente e do aqui Recorrido, e nos depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, conforme melhor infra se demonstrará:
X. O Tribunal considerou como provado o facto constante no ponto 16 da matéria dada como provada na sentença recorrida, mormente de que a Arguida só saiu quando o Assistente mencionou chamar a polícia, baseando-se nas próprias declarações da Arguida, que confirmou o ocorrido e a interação com um colega do Assistente.
XI. O mesmo sucedeu quanto ao facto 17 da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, na medida em que o Douto Tribunal deu como provado que a Arguida, após o incidente, foi à casa de EE, dizendo que o Assistente a havia agredido e que a relação havia terminado, baseando-se nas declarações da Arguida e no depoimento prestado pela testemunha, EE.
XII. Já no que concerne os factos 22, 23, 30, 33 e 34 constantes da matéria dada como provada na sentença recorrida, resulta claro que o Douto Tribunal fundamentou sua convicção nesses pontos na extensa prova documental, incluindo mensagens trocadas entre as Partes.
XIII. Mais, no que diz respeito aos factos 35, 36, 37 e 90 constantes da matéria dada como provada na sentença recorrida, a decisão do Tribunal a Quo assentou nas declarações da Arguida, que admitiu estar no CAFAP em duas ocasiões, e no depoimento de uma testemunha, o técnico Dr. HH, que confirmou uma discussão entre as partes; A Recorrente não pode contestar a decisão, pois a prova foi suficiente para justificar os fatos.
XIV. O Tribunal concluiu que as aparições da Arguida no CAFAP não foram meras coincidências, pois a mesma trouxe presentes para a filha do Assistente, o que indicava a intenção de procurar este último.
XV. Quanto aos factos ínsitos nos pontos 53, 95, 96, 98, 99, 100, 101 e 102 da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, a convicção do Tribunal foi novamente baseada na prova documental, como mensagens enviadas pela Recorrente ao Recorrido, familiares e amigos, além de depoimentos de testemunhas que confirmaram as interações.
XVI. Além disso, o depoimento da testemunha, JJ, foi essencial para o Douto Tribunal dar como provado o facto constante do ponto 53, pois a mesma relatou uma conversa em que a Arguida mencionou assuntos pessoais do Assistente.
XVII. Por fim, as declarações prestadas pelo Assistente, aqui Recorrido, associadas aos depoimentos credíveis, isentos, desinteressados e circunstanciados das testemunhas, conduziram o Tribunal a Quo em dar como provados os factos inerentes aos efeitos que as condutas perpetradas pela aqui Recorrente causaram no aqui Recorrido.
XVIII. Desta feita, cumpre chamar à colação que muito bem andou o Tribunal a Quo quando decidiu no sentido de dar como provados os factos constantes da matéria dada como provada na sentença recorrida, e como não provados os factos constante da matéria dada como não provada, proferindo decisão a condenar a aqui Recorrente pelo crime de perseguição, p.e.p pelo artigo 154.º-A n.º 1 do Código Penal.
XIX. Assim, por tudo o supra exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, impõe-se a inelutável conclusão de que a decisão recorrida não padece de qualquer vicissitude, muito menos a incorreta apreciação da matéria de facto, alegada pela Recorrente, como V/Exas., Venerandos Desembargadores, decidirão, fazendo, só assim, inteira Justiça Material!
XX. Sem prescindir, o que não se concebe, não pode o Recorrido concordar com o invocado pela Recorrente na motivação de recurso por si interposta, no sentido da sentença padecer de nulidade por violação do princípio "in dubio pro reo".
XXI. O Tribunal não ficou em dúvida diante das diferentes interpretações dos factos; pelo contrário, chegou a uma certeza jurídica, com fundamentação coerente e racional, sem ser arbitrária ou caprichosa.
XXII. A decisão do Tribunal baseou-se não apenas na prova documental, que reflete factos notórios, mas também na prova testemunhal apresentada durante a Audiência de Discussão e Julgamento.
XXIII. O Tribunal deixou claro na sentença como formou sua convicção, analisando minuciosamente os elementos de prova.
XXIV. A decisão é resultado de uma análise crítica e analítica dos meios de prova, com especial atenção àqueles sujeitos à livre apreciação do Tribunal, analisada conforme as regras da experiência e da lei.
XXV. O artigo 374.º, nº 2, do Código de Processo Penal exige que a sentença apresente uma exposição completa e concisa dos motivos que fundamentam a decisão, incluindo o exame crítico das provas que formaram a convicção do Tribunal.
XXVI. Não se verifica a alegação da Recorrente de que o princípio "in dubio pro reo" foi violado, pois o Tribunal seguiu o processo lógico e racional para avaliar as provas, pelo que devem V/Exas, Venerandos Desembargadores, decidir no sentido de não se verificar tal violação, mantendo, na íntegra a decisão recorrida, só assim se fazendo inteira Justiça Material!
XXVII. Sem prescindir, o que não se concebe, além de tudo o já referido, invoca a Recorrente, na motivação de recurso por si interposta, a nulidade da sentença recorrida, decorrente do facto de nunca ter concordado com nenhuma alteração da qualificação jurídica dos factos,
XXVIII. Tendo, nessa linha de raciocínio, sido alvo de decisão surpresa por ter sido condenada de crime diverso àquele pelo qual foi acusada.
XXIX. Porém, mais uma vez, não pode o aqui Recorrido concordar com a linha de raciocínio adotada pela Recorrente.
XXX. A decisão proferida pelo Douto Tribunal foi uma simples alteração da qualificação jurídica dos factos, o que não configura nulidade, pois os factos descritos na acusação ou na pronúncia permaneceram inalterados.
XXXI. A nulidade prevista no artigo 379º, nº 2, al. b) do CPP só ocorre se houver uma condenação por factos diferentes dos descritos na acusação ou na pronúncia, o que não aconteceu no caso em apreço.
XXXII. De acordo com o artigo 358º, nº 3, do CPP, a alteração da qualificação jurídica requer apenas a comunicação ao arguido e, se necessário, mais tempo para defesa, não configurando nulidade.
XXXIII. A alteração da qualificação jurídica durante o julgamento é uma decisão do Tribunal, com base no princípio da independência judicial (art. 203º da Constituição da República Portuguesa).
XXXIV. O Tribunal Constitucional e a Jurisprudência reconhecem que a simples alteração da qualificação jurídica não é uma alteração substancial dos factos, a menos que resulte em uma condenação mais grave, sem que o arguido tenha sido informado e tenha tido oportunidade de se defender.
XXXV. A invocada nulidade da sentença não viola qualquer norma constitucional, especialmente o direito ao contraditório e as garantias de defesa, conforme previsto no artigo 32º da CRP, pelo que a Recorrente não apresenta fundamentos válidos para alegar a nulidade da sentença.
XXXVI. Com efeito, e tendo isto na devida consideração, é entendimento do aqui Recorrido que carece de fundamento válido a invocada nulidade da sentença, nos termos explanados em sede de motivação de recurso apresentada pela Recorrente, conforme V/Exas., Venerandos Desembargadores, certamente, decidirão, só assim se fazendo inteira Justiça Material!
XXXVII. Sem prescindir, o que não se concebe, a Recorrente, na parte final de sua motivação de recurso, sustenta que, tratando-se de um crime de perseguição (art. 154.º-A do Código Penal), o processo depende de queixa.
XXXVIII. Nessa linha de raciocínio, a Recorrente aponta que o Recorrido apresentou a queixa em 18 de agosto de 2023, e um aditamento em 9 de outubro de 2023, pelo que, devido à falta de queixa sobre os factos ocorridos após 15 de outubro de 2023 (em vez de 15 de setembro de 2023, como mencionado erroneamente), o processo deveria ser extinto por ausência de queixa.
XXXIX. No entanto, esse entendimento da Recorrente não tem fundamento e não pode ser aceite.
XL. Em determinados casos, é possível haver uma mudança na qualificação jurídica, o que pode alterar a tipificação legal do crime.
XLI. Caso isso aconteça, a natureza do crime também pode mudar, levando o arguido a ser julgado por um crime semipúblico ou particular, em vez de um crime público, como originalmente.
XLII. Porém, quando isso ocorre, a apresentação da queixa não se torna uma condição obrigatória para a continuidade do processo, independentemente da fase processual (instrução, julgamento ou recurso); A queixa não terá efeito retroativo e não iniciará um novo processo penal.
XLIII. O processo foi iniciado com base num crime de natureza pública, que seguiu o curso legal correspondente a esse tipo de crime.
XLIV. Com efeito, como o processo já foi iniciado com base num crime de natureza pública, a apresentação da queixa já foi considerada válida desde o início, tornando-se desnecessária após a requalificação do crime.
XLV. Em muitos casos, o ofendido já demonstrou sua intenção de prosseguir com a ação penal, seja como assistente, acompanhando a acusação ou solicitando a abertura de instrução.
XLVI. Desse modo, é entendimento do aqui Recorrido que carece de fundamento válido a invocada extinção do processo-crime por ausência de apresentação de queixa, nos termos explanados em sede de motivação de recurso apresentada pela Recorrente, conforme V/Exas., Venerandos Desembargadores, certamente, decidirão, só assim se fazendo inteira Justiça Material!
XLVII. Por fim, ainda sem prescindir, o que não se concebe, a Recorrente alega, na sua motivação de recurso, que não estão preenchidos os requisitos objetivos do crime de perseguição, conforme o artigo 154.º-A do Código Penal.
XLVIII. O artigo 154.º-A do Código Penal prevê que quem perseguir ou assediar alguém de forma reiterada, causando medo, inquietação ou prejudicando a liberdade de decisão da vítima, poderá ser punido com prisão até 3 anos ou multa.
XLIX. A Recorrente afirma que o Douto Tribunal errou ao considerar que a sua conduta configurou uma perseguição reiterada que prejudicou a liberdade de determinação do Recorrido, alegando que se sentiu traída e tentou reatar a relação, procurando-o por mensagens e conversas.
L. O Recorrido discorda da alegação da Recorrente, afirmando que a prova apresentada durante o julgamento e a documentação dos autos demonstram que a perseguição foi repetida e envolveu não só o Recorrido, mas também seus familiares e amigos.
LI. A Recorrente não só importunou o Recorrido diretamente, mas também fez múltiplos contatos telefónicos com o seu local de trabalho (Posto da GNR ...), incomodando os militares que estavam de serviço.
LII. O Recorrido afirma que, se essa conduta não configurar crime de perseguição, não sabe o que poderia configurar tal crime.
LIII. E prova disso mesmo é o facto de após a prolação da sentença recorrida, a Recorrente continuou a incomodar os familiares do Recorrido, entrando em contacto com eles pelas redes sociais, como evidenciado no "print" apresentado (Documento n.º 1), para além de no dia 31 de março de 2025, ter ido à casa da irmã do Recorrido para lhe entregar bens.
LIV. Assim, e sem necessidade de mais amplas considerações, carece de fundamento o alegado pela Recorrente a este propósito, devendo, V/Exas., Venerandos Desembargadores, manter a decisão recorrida na sua íntegra, só assim se fazendo inteira Justiça Material!”

V.  Respondeu ainda o Ministério Público em 17-04-2025, através de contra-alegações com a refª ...37, nas quais pugna também pela improcedência do recurso, não tendo oferecido conclusões.

VI. Foi aberta vista nos termos do disposto no artº 416º nº 1 do CPP, tendo a Exmª Srª. Procuradora-Geral Adjunta proferido douto parecer em 05-05-2025, com a refª ...93, no qual também pugna pela improcedência do recurso interposto, subscrevendo a posição assumida pelo MºPº na 1ª instância nas suas contra-alegações.

VII. Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do CPP respondeu a arguida em 22-05-2025, com a refª ...53, através de requerimento onde mantém a posição por si já assumida no seu recurso.

VIII. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.

IX. Analisando e decidindo.

O objecto do recurso interposto, e portanto da nossa análise, está delimitado pelas conclusões do mesmo, atento o disposto nos artºs 402º, 403º e 412º todos do CPP devendo, contudo, o Tribunal ainda conhecer oficiosamente dos vícios elencados no artº 410º do CPP bem como das nulidades previstas no artº 379º do mesmo CPP que possam obstar ao conhecimento do mérito do recurso.[1]
Das disposições conjugadas dos artºs 368º e 369º, por remissão do artº 424º nº 2, e ainda o disposto no artº 426º, todos do Código de Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso, pela seguinte ordem:

1º: das questões que obstem ao conhecimento do mérito da decisão, aqui incluindo-se as nulidades previstas no artº 379º do CPP e os vícios previstos no artº 410º nº 2 do CPP;
2º: das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do artº 412º do CPP;
3º: as questões relativas à matéria de Direito.

A arguida entende que:
-  a matéria de facto dada como provada nos factos vertidos em 16, 17, 22, 23, 30, 33 a 37, 53, 90, 95, 96, 98 a 102 deve ser julgada não provada tendo o Tribunal a quo errado na sua análise;
- o Tribunal a quo violou os princípios in dúbio pro reo e presunção da inocência;
- a sentença recorrida é nula porque condenou a arguida por crime diverso daquele pelo qual era acusada;
- o direito de queixa quanto ao crime de perseguição mostra-se caducado;
- o Tribunal a quo enquadrou mal os factos no Direito, não se podendo concluir pela prática de crime de perseguição;

Está, assim, em causa decidir nos presentes autos pela ordem legal supra indicada:
I) se se verifica a suscitada caducidade do direito de queixa;
II) se a sentença é nula;
III) se a matéria de facto impugnada deve ser alterada nos termos requeridos;
IV) se foi violado o princípio in dúbio pro reo;
V) se a qualificação jurídica dos factos se mostra correctamente efectuada;
           
Antes de entrarmos na análise do recurso vejamos, primeiro, os factos que foram dados por provados e por não provados e a respectiva fundamentação dessa factualidade levada a cabo pelo Tribunal a quo (transcrição):

"II. FUNDAMENTAÇÃO
A. DE FACTO

Resultam provados, com relevância para a boa decisão da causa, os seguintes factos:
1) A arguida AA casou com KK em 28 de agosto de 2006;
2) Deste casamento nasceu um filho, LL, nascido a ../../2003;
3) O casamento foi dissolvido por divórcio, decretado por sentença de 19/02/2021, transitado em julgado a 24/03/2021;
4) A arguida é ainda progenitora de outro filho, MM, nascido a ../../1995, fruto de anterior relacionamento;
5) O assistente BB casou-se com NN no dia 29/06/2013;
6) Deste casamento nasceu uma filha, FF, nascida a ../../2015;
7) O casamento foi dissolvido por divórcio, declarado por decisão de 23/09/2019, transitada na mesma data;
8) A arguida e o assistente mantiveram uma relação de namoro a partir do ano de 2021 e até 19/06/2023;
9) Dessa relação não existem filhos;
10) No dia 19/06/2023, a arguida deu entrada de queixa crime contra o assistente, por factos susceptíveis de integrar a prática de um crime de violência doméstica, dando origem ao NUIPC n.º 1060/23.1 PBBRG, o qual foi proferido despacho de arquivamento em 17/07/2023, por desistência de queixa;
11) No dia 20/06/2023, o assistente foi informado que a arguida havia apresentado queixa crime contra si;
12) Nesse dia, durante a manhã, a arguida contactou telefonicamente a sobrinha do assistente, GG, para, dessa forma, chegar ao contacto do primeiro;
13) Tendo, para tal, a informado que a relação amorosa de ambos tinha terminado, mas estava preocupada, mostrando sinais de arrependimento;
14) Ainda no dia 20/06/2023, ao final do dia, uma vez que não conseguiu entrar em contacto com o assistente, a arguida dirigiu-se à residência deste, sita na Rua ..., ...., frente, em ...;
15) Os progenitores do assistente, desconhecendo o fim da relação amorosa, permitiram o acesso à arguida no interior da habitação, tendo essa acedido à sala de estar;
16) Surpreso com a presença da arguida, aquela só saiu quando o assistente lhe disse que ia chamar a PSP, acompanhada do progenitor deste, CC;
17) Após, a arguida dirigiu-se à residência de EE, Guarda Principal da GNR ..., vizinho do assistente, a chorar e a afirmar que o assistente lhe tinha apertado o pescoço e que tinham acabado a relação;
18) No dia 21/06/2023, de madrugada, a arguida efectuou diversas tentativas de contacto telefónico com o assistente através do seu telefone fixo, perturbando o seu descanso, pois essa sabia bem que a situação era irreversível;
19) Como tal, de forma a não continuar a ser incomodado pelo contacto fixo da arguida, o assistente bloqueou o contacto da arguida;
20) Entre o dia 20/06/2023 e, pelo menos, o dia 16/11/2023, a arguida contactou o assistente por diversas vezes e em diversos dias;
21) Para não ser incomodado, o assistente teve que bloquear o número da arguida;
22) Entre o dia 20/06/2023 e, pelo menos, o dia 16/11/2023, a arguida efectuou pesquisas da rede social Facebook por amigos do assistente com os quais não tem nenhum tipo de relação, efectuando pedidos de amizade com esses amigos e amigas, que foram prontamente recusados;
23) Agora com menos alternativas de contacto, a arguida optou por outra estratégia e passou a abordar conhecidos em comum a esta e ao assistente;
24) No mês de Junho de 2023, dia não concretamente apurado, mas seguramente anterior ao dia 29 desse mês, usando um novo contacto (...82) conseguiu chegar ao contacto do assistente;
25) Em virtude disso, o assistente bloqueou esse novo contacto usado pela arguida;
26) Em dia não concretamente apurado, mas após 19/06/2023 e ainda durante esse ano, o assistente esteve no exercício das suas funções policiais, mais concretamente, de patrulha às ocorrências no Posto Territorial da Guarda Nacional Republicana do ..., sito na Av. ..., em ... entre as 16h00 e as 24h00, juntamente com OO;
27) Nesse dia, cerca das 19h00/20h00, a arguida contactou telefonicamente o Posto da GNR ..., através de número anónimo;
28) O assistente atendeu a chamada telefónica e, ao aperceber-se que era a arguida, logo colocou a chamada em alta voz para ser audível por OO;
29) A arguida questionou o assistente do motivo de ter alterado o seu número de telefone, pediu-lhe para a desbloquear do contacto telefónico e das redes sociais;
30) A arguida ainda pediu ao assistente que lhe desse uma nova oportunidade e que caso retomassem a relação de namoro esta de imediato retirava a queixa em Tribunal, ao que o assistente lhe respondeu que a relação era para terminar;
31) A arguida contactou uma ex-namorada do assistente, a quem disse que o assistente era um psicopata e que lhe tinha passado várias doenças;
32) Após, a arguida remeteu ao assistente print das conversas que manteve com a ex-namorada deste;
33) Após o mês de Julho de 2023, ou seja, após a prolação de despacho de arquivamento no NUIPC 1060/23.1PBBRG, a arguida começou a manifestar comportamentos obsessivos pela filha do assistente, exigindo estar com ela alguns dias enquanto estivesse a passar férias com ele;
34) Em dia não concretamente apurado, mas em 2023, a arguida enviou uma fotografia recente da filha do assistente (FF) à sobrinha e afilhada do assistente, GG, onde depois escreveu “envia ao pai imagino a saudade”;
35) Desde, pelo menos, Julho de 2023, o assistente efectuou as visitas à filha por intermédio do CAFAP - Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, sito Tv. ..., ..., ..., o que é do conhecimento da arguida;
36) No dia 16/08/2023, o assistente encontrava-se no CAFAP - Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, local onde, visita a sua filha;
37) A arguida aí se dirigiu;
38) Cerca 17h00/18h00, após a filha do assistente ir embora com a sua mãe, no momento em que o assistente se encontrava a chegar ao seu veículo pessoal e a falar ao telefone com o seu colega PP, a arguida interpelou-o exigindo falar com o mesmo;
39) O assistente informou PP, por chamada telefónica, que tinha que desligar por ali estar ali a arguida e questionou-a do motivo da sua presença naquele local, tendo a mesma respondido que queria ser sua testemunha (no processo judicial que se encontra a correr junto do Tribunal de Família e Menores de Braga, respeitante à filha menor do assistente), bem como que o queria ajudar, que tinha informações importantes e que tudo que lhe estavam a fazer era injusto e que a mesma não tinha feito nada;
40) Em face disso o assistente solicitou, expressamente, que a arguida o deixasse em paz e que o deixasse sair daquele local;
41) No dia 18/08/2023, através de um novo número (...52), a arguida enviou várias mensagens de madrugada ao assistente, com o seguinte teor:
18/08/23, 02:49 horas - ...52: Olá como estás
18/08/23, 02:57 horas - ...52: Não me bloqueies por favor ..
18/08/23, 03:00 horas - ...52: Podes não acreditar... Mas vou estar aqui no teu lado sempre que precisares de mim para tudo nunca te esqueças isso
18/08/23, 03:00 horas - ...52: Sei que estás a sofrer... Passar por uma situação difícil mas vai passar
18/08/23, 03:02 horas - ...52: Acredita tu não mereces eu sei isso e fiquei chocada quando soube.. Mas pensa sempre positivo Deus é grande.
18/08/23, 03:06 horas - ...52: A FF ama te muito não tenho dúvidas.
18/08/23, 03:11 horas - ...52: ... (ficheiro anexado)
42) No dia 19/08/2023, o assistente estava no exercício das suas funções, mais especificamente de serviço de atendimento ao público, no Posto Territorial da GNR ..., entre as 16h00 horas e as 24h00;
43) No dia 19/08/2023, pelas 19h00/20h00, a arguida, através de número anónimo, contactou telefonicamente o Posto Territorial da GNR ..., com o n.º ...84, sendo atendida pelo assistente;
44) Em acto continuo, o assistente, apercebendo-se que era a arguida, colocou em altifalante o telefone de serviço, uma vez que se encontrava acompanhado pelo Guarda-Principal, QQ e Guarda Principal PP;
45) Nesta chamada, a arguida exigiu que o assistente a desbloqueasse (dos contactos telefónicos e redes sociais), pois, no seu entendimento, seria o melhor para o mesmo, que tinha informações muito importantes para o assistente e para o seu futuro que podia ser muito negro;
46) Novamente, o assistente disse à arguida para parar de tentar falar com o mesmo e que seguisse com a sua vida e parasse de o seguir ou perturbar onde quer que fosse;
47) Ainda no dia 19/08/2023, pelas 23h00, novamente a arguida através de número anónimo, contactou telefonicamente o Posto Territorial da GNR ..., com o n.º ...84;
48) O assistente, suspeitando tratar-se da arguida, solicitou ao seu colega, que se encontrava juntamente com o mesmo de serviço, PP, que atendesse a chamada;
49) Nesta chamada, após PP se identificar, a arguida perguntou ao mesmo pelo assistente, não fornecendo PP a informação solicitada;
50) De seguida, a arguida, com um discurso incoerente, informou que tinha sido seguida por um indivíduo, e que teria sido o assistente a ordenar tal seguimento;
51) Perante isto, PP informou a arguida que era grave a insinuação que estava a fazer, facto esse que levou a arguida a mudar o discurso, dizendo que poderia ser uma pessoa apenas a caminhar no mesmo sentido que ela;
52) Não obstante a situação, PP informou que iria mandar a patrulha ter com a arguida, a qual prontamente negou, dando a entender que já estava em casa;
53) Entre o dia 31/07/2023 e 02/08/2023, a arguida conseguiu entrar em contacto com o assistente, alertando-o que, além de doente, estava grávida;
54) Divulgando essa informação de forma desenfreada pelo círculo de amigos do assistente a que a mesma ainda tinha acesso;
55) No dia 07/09/2023, o assistente estava de serviço interno no Posto da GNR ...;
56) Ness dia, após ter saído nos meios de comunicação social os factos denunciados no NUIPC 1060/23.1 PBBRG, a arguida contatou telefonicamente o Posto Territorial da GNR ..., tendo o assistente atendido a chamada;
57) Em tal chamada telefónica, a arguida informou o assistente que iria tomar medidas sobre as notícias que tinham saído;
58) Contudo, mais uma vez, o assistente informou a mesma que não devia continuar a perturbar, nem a efectuar contactos para aquele, directa ou indirectamente, ocupando uma linha de emergência para estes fins, desligando, de seguida, a chamada;
59) No dia 07/09/2023, a partir das 02h4, a arguida através de um outro número de telefone (...69), remeteu várias mensagens ao assistente, a saber:
07/09/23, 02:51 horas - BB por favor fala comigo
07/09/23, 02:52 horas - Eu sei que tu nunca me vais perdoar...
07/09/23, 02:56 horas - Só te peço por favor pensa na FF.
07/09/23, 03:08 horas - Sei que estás a sofrer muito mas pensa positivo tu és um homem forte não te deixes ir abaixo isso é o que as pessoas querem Deus há_de estar do teu lado. Tenho um grande desgosto tínhamos tudo para dar certo na nossa vida mas infelizmente não aconteceu culpa minha, culpa tua. Dos dois um dia vais ser feliz tenho a certeza absoluta vais encontrar o amor da tua vida....
07/09/23, 03:27 horas - Tu lá sabes o que fizeste, e deseste sobre a minha pessoa à tua ex pelo que ela me disse quando a encontrei lá no parque junto do ... com a FF um tempo atrás eu era um monstro eu era uma doente Para ela afastar a FF de mim... Enfim estaria para aqui fazer um relatório sobre isso que tu falaste da minha pessoa... Tu achas mesmo isso da minha pessoa olha que a tua filha adora me não tenho dúvidas tudo aquilo que fizeste e disseste irás pagar sabes porquê Deus não dorme == culpaste me a mim da queixa na cpcj...ainda ficaste do lado dela desgosto * mas deixa lá Deus não dorme ainda conseguiste me por mais revoltada contar ti... Acabei por ir tua comandante aqui do posto meu lado como tu sabes... Enfim tristeza, desgosto de tu nunca conseguiste ver a mulher que tinhas teu lado sempre te fui fiel.. Sempre amei te respeitei te apesar de tudo.. não sou perfeita como deves imaginar sou um ser humano.... Sabes uma coisa vou amar-te para o resto da minha vida não dúvides estas sempre no meu coração.. Tudo o que eu mais queria era estar contigo e FF e sermos felizes
07/09/23, 03:31 horas - Eu nunca me vou afastar da FF... Espero que a poeira baixe as coisas se resolvam entre vocês eu não tenho nada a ver com isso... Claro que isto não é bom para FF passar por isso infelizmente ela apenas precisa de amor, carinho e por al fora
07/09/23, 03:32 horas - E um doce de menina ela está sempre no meu
07/09/23. 03:39 horas –Também te queria dizer algo que é importante para a tua vida... Desculpa estou a ser muito sincera não deixes ninguém interferir na tua vida... Camaradas telefonemas sem fim... Dia e noite isso nunca te vai trazer tranquilidade para a tua vida eu estive teu lado dois anos e vi,e observei coisas que não eram soudaveis para uma relação.. Desculpa dizer-te isto
07/09/23, 03:46 horas: Eu tenho a certeza absoluta que isto tudo que está a acontecer na tua vida neste momento vai fazer-te pensar diferente... Não tenho dúvidas
07/09/23, 03:53 horas: Tu és um homem muito inteligente... Tens um bom coração... Mas por favor não te deixes influenciar pelos outros... Ama te mais ati próprio... Tu sabes bem que o silêncio é muito importante para darmos o passo a seguir...
07/09/23, 03:54 horas: És lindo estarás sempre presente no meu
07/09/23, 03:58 horas: Eu tenho esperança que um dia a gente vai-se encontrar e falarmos sobre a nossa relação
07/09/23, 04:02 horas: Tenho algo para te entregar. O dinheiro também tenho aqui a tua camisa tu sabes esses coisas
07/09/23, 04:02 horas: Espero que te alimentas bem, olha a tua saude
07/09/23, 04:03 horas: Um bj muito especial para ti
07/09/23, 04:07 horas: «Ficheiro não revelado»
07/09/23, 04:07 horas: Éramos tão felizes aqui «
07/09/23, 04:14 horas: Pede a guarda da FF
07/09/23, 04:14 horas: Eu estarei sempre do teu lado
07/09/23, 04:14 horas: As outras pessoas não mandam na tua vida
07/09/23, 04:16 horas: Pensa nisso... A FF é tudo na tua vida por isso faz das tripas coração.... Ditado antigo
60) Desde que o veículo pessoal do assistente foi vandalizado, este passou a estacionar o mesmo no parque de estacionamento do ..., sito na Rua ..., ... ...;
61) No dia 14/09/2023, pelas 17h10, o assistente foi ao parque de estacionamento do ...;
62) Aí chegado, o assistente foi interpelado pela arguida, que afirmou estar ali com o filho e ter sido coincidência, insistindo em falar com este, o qual recusou;
63) A arguida seguiu o assistente até o mesmo sair do parque de estacionamento apeado, sempre o informando que estava ali para o ajudar, que o mesmo é uma excelente pessoa e que a NN (mãe da filha do assistente) era a culpada de tudo e que queria ser sua testemunha.
64) O assistente disse à arguida para esta o parar de o incomodar e perturbar;
65) Ainda no dia 14/09/2023, pelas 19h10, quando o assistente regressou ao ..., aí o aguardava a arguida, perto do veículo daquele;
66) O assistente avistou a arguida e fez um compasso de espera;
67) A determinado momento, ao ver que a arguida entrou na loja de desporto “...”, o assistente dirigiu-se rapidamente para o seu veículo;
68) Não obstante, não adiantou, porque mal chegou ao seu veículo, a arguida apareceu junto do mesmo;
69) A arguida começou com um discurso incoerente, dificultando a entrada do assistente no seu veículo;
70) O assistente entrou no interior do seu veículo automóvel e a arguida exigiu que este abrisse o vidro, afirmando “temos de falar!”, “é melhor falares comigo para resolvermos os problemas graves que temos!”;
71) Perante isto foi a arguida novamente informada pelo assistente para o deixar em paz, conseguindo este último arrancar com o veículo;
72) Em momento algum, o assistente viu o filho da arguida no local;
73) Ainda no dia 14/09/2023, pelas 23h50, a arguida contactou o a GNR ..., através de número anónimo, tendo sido atendido pelo militar de serviço de atendimento, Guarda principal, RR;
74) A arguida afirmou que “sou a querida do BB”, “o BB está fora de serviço”;
75) De imediato, RR informou a arguida que a linha telefónica do Posto da GNR ... é uma linha de emergência e que não devia ser ocupada para estas situações, tendo a arguida desligado a chamada;
76) Depois de desligar, ocorreram algumas chamadas em número anónimo para o Posto da GNR ... e que, quando atendidas pelo militar de atendimento, ninguém falava;
77) No dia 15/09/2023, pelas 17h30, a arguida compareceu no CAFAP - Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, acompanhada por um amigo dela (II);
78) Aí chegada, a arguida exigiu que o assistente oferecesse uma prenda à filha (FF), bem como uns "panados" que ela tinha feito e para lhe dizer que foi ela que mandou;
79) O assistente, surpreendido, informou a arguida que a mesma não tinha de estar ali e que se devia afastar de vez de si, bem como da sua filha;
80) A arguida continuou a insistir e afirmou que se o assistente não oferecesse a prenda, ela mesma iria dar;
81) Perante isto, o assistente pegou no saco com receio que a arguida armasse uma discussão em frente da sua filha quando ela chegasse;
82) Contudo, optou por não dar aqueles bens à sua filha;
83) Desagradada, a arguida, de imediato contactou telefonicamente com a sobrinha do assistente, GG, dando-lhe conta da atitude deste;
84) Poucos minutos após a filha do assistente ir embora com mãe, de forma inesperada, foi o assistente contactado pela sua sobrinha, GG, bastante nervosa, a informar que tinha sido contactada pela arguida, que essa estava alterada e revoltada pelo facto de o assistente não ter dado os bens à sua filha, FF, e, como tal, devia, de imediato, dar os bens e panados à mesma;
85) Em face disto, o assistente informou a sua sobrinha que já estava a chegar a casa e que já falava com ela;
86) Ao chegar a casa, de imediato, o assistente deslocou-se ao quarto da sua sobrinha para melhor perceber o que tinha acontecido, tendo aquela relatado o sucedido;
87) Nesse momento, a arguida contactou telefonicamente GG e o assistente solicitou-lhe que colocasse a chamada em modo altifalante, o que aquela acatou:
88) A arguida, de forma arrogante e autoritária, disse a GG para ela dizer ao assistente que, se não entregasse os panados e prendas á FF, que ia apresentar queixa, que o futuro dele ia ser ainda mais negro;
89) Devido às contantes perturbações que a arguida efetuou no seu meio profissional, o assistente teve necessidade de entrar de baixa médica, por alguns dias, de forma a tentar que os seus colegas de trabalho não fossem mais envolvidos neste processo;
90) No dia 20/10/2023, a arguida apareceu no CAFAP - CAFAP - Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, a convidar o assistente para o casamento do filho mais velho e novamente a pedir que deviam reatar a relação;
91) Gerou-se uma discussão entre o assistente e a arguida;
92) No dia 01/01/2024, cerca das 00h20, a arguida deslocou-se ao Posto da GNR ...;
93) A avistar a arguida, PP questionou-a do motivo da sua presença, a qual alegou ter um saco de prendas para entregar ao assistente;
94) O militar PP informou a arguida que o assistente não se encontrava naquelas instalações, ao que a arguida abandonou o local;
95) Ao contactar, remeter mensagens, de forma frequente e sequencial, ao assistente, sabia a arguida ainda que perturbava o assistente na sua paz e no seu sossego, resultado esse que pretendeu e logrou atingir, bem sabendo que a sua conduta era adequada a obter esse resultado;
96) A arguida actuou com o propósito conseguido de ofender o assistente na sua saúde psíquica;
97) A arguida agiu sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
Mais se provou:
98) Como consequência do comportamento da arguida, o assistente deixou de ter qualquer paz, sossego e tranquilidade na sua vida;
99) O assistente passou a sair de casa com medo de se cruzar com a arguida, com receio que esta o encontrasse e iniciasse os comportamentos supra descritos;
100) O assistente tinha receio que a arguida importunasse os seus amigos e familiares, incluindo a filha, que é menor de idade;
101) O assistente passou a dormir mal, a andar nervoso, a ter crise de ansiedade e insónias;
102) O assistente teve de recorrer a ajuda psiquiátrica e esteve inclusivamente de baixa médica;
103) O assistente sente desgosto e revolta com as condutas da arguida;
104) O assistente é pessoa respeitada e bem considerada no seu meio profissional, mas, em virtude das condutas da arguida, passou a ter dificuldades em prestar o seu trabalho;
105) A arguida é auxiliar médica, estando actualmente desempregada e não recebendo subsídio;
106) Vive em casa própria, pela qual paga a prestação ao banco de 300,00 €;
107) Consigo vive o seu filho LL, de 21 anos, que se encontra a estudar;
108) A arguida tem o 12.º ano de escolaridade;
109) A arguida não tem condenações averbadas no seu registo criminal.

*
Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevo para a boa decisão da causa, nomeadamente que:

A) Na ocasião descrita no ponto 15), a arguida acedeu ao quarto do assistente;
B) O telefonema referido no ponto 26) ocorreu no dia 29/06/2023;
C) Na ocasião referida no ponto 30), a arguida retorquiu “vamos encontrarmo-nos no tribunal!”;
D) No dia 22/07/2023, a arguida voltou a tentar contactar telefonicamente com o assistente;
E) No dia 28/07/2023, a arguida voltou a tentar contactar telefonicamente com o assistente;
F) O descrito no ponto 34) ocorreu a 08/08/2023;
G) Entre o dia 18/08/2023 e o dia 07/09/2023, a arguida, através de outro número (...69), várias vezes contactou telefonicamente o assistente;
H) O telefonem descrito no ponto 47) ocorreu às 22h44;
I) No dia 11/09/2023, a arguida remeteu mensagem escrita à sobrinha do assistente, GG, solicitando-lhe que informasse o assistente para a contactar pois tinha um assunto do Ministério Público para falar e se o mesmo não falasse que ia ao seu local de trabalho;
J) Nas circunstâncias descritas no ponto 88), a arguida disse ainda “vais dizer ao teu padrinho que tem até às 20h00 horas para trazer os panados para dar à FF e os brinquedos que tinha encontrado à FF e à mãe”, “as coisas vão ficar ainda piores para o teu padrinho”, “fui notificada do arquivamento da primeira queixa mas vou continuar com ela”, “se o teu padrinho está no fundo do poço, vai ficar ainda mais que eu vou destruí-lo”;
K) Nas circunstâncias referidas no ponto 90), a arguida, ao retirar-se do local, afirmou “tu vais ver o que te vai acontecer”;
L) No dia 09/12/2023, a arguida remeteu à sobrinha do assistente, GG, uma fotografia do cartão de cidadão deste;
M) O assistente teve medo que a arguida atentasse contra a sua integridade física e vida;
N) Quis, a arguida, com a sua conduta reiterada, diminuir o assistente na relação de namoro e na sua dignidade, infligindo-lhe sofrimento psíquico, pese embora não ignorasse que devia ao visado, na qualidade namorado/ex-namorado especial respeito e consideração;
O) A arguida actuou com a intenção de atentar contra a honra e dignidade do assistente, bem como de perturbar a tranquilidade daquele e o afectá-lo na sua liberdade através das expressões que lhe dirigiu, bem sabendo que eram adequadas a causar ao assistente medo e receio pela sua integridade física e vida, o que conseguiu.
*
Não se deram como provados ou não provados os seguintes factos, por irrelevantes para a boa decisão da causa:
A) No ano de 2023, dia não concretamente apurado, mas seguramente posterior ao dia 19/06/2023, a arguida encontrava-se no Complexo Desportivo da Rodovia, em ... e, ao avistar SS (amigo do assistente) a correr, dirigiu-se a este e afirmou “parabéns ...”, “tu e o ... conseguiram o que queriam, separar-me do BB”, tendo o mesmo prosseguido com a corrida, sem responder à arguida;
B) No dia 24/08/2023, o assistente encontrava-se no CAFAP - Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, local onde visita sua filha;
C) Nesse dia estacionou o seu veículo pessoal, o qual foi vandalizado, tendo sido riscado na parte traseira, lateral direita e frente, não havendo nenhum conflito naquele local que levasse desconhecidos a riscar o mesmo;
D) O Dr. HH, Técnico do CAFAP - Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, verificou a existência da discussão referida no ponto 89);
E) No dia seguinte, o veículo do assistente apareceu riscado.
*
Motivação de facto

Para considerar os factos provados e não provados supra enumerados o Tribunal alicerçou a sua convicção nas declarações da arguida e do assistente, na prova testemunhal e nos documentos juntos aos autos, especificamente:
1) Print’s de mensagens de fls. 7/45 (desde 19/06/2023 a 20/07/2023);
2) Print’s de mensagens de fls. 198/217 (desde 28/06/2023 a 02/07/2023);
3) Transcrições de fls. 656/683 (desde 20/06/2023 a 31/07/2023);
4) Aditamento de fls. 713/718;
5) Print’s mensagens de fls. 719/721;
6) Assento de nascimento da arguida de fls. 750/751;
7) Assento de nascimento dos filhos da arguida de fls. 752/753 e 754/755;
8) Assento de nascimento do assistente de fls. 794/795;
9) Assento de nascimento da filha do assistente de fls. 796/797;
10) CRC da arguida.
A análise crítica da prova foi feita segundo o princípio da livre apreciação, nos precisos termos do art.º 127.º do C.P.Penal, i.e., segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador.
Ouvida a arguida, a mesma confirmou que a relação acabou no referido dia 19/06/2023 e que, no dia seguinte, ligou à sobrinha do assistente e foi a casa dos pais do assistente (onde este morava), mas apenas para devolver as coisas, tendo sido colocada fora de casa.
Confirmou ainda que o assistente disse que ia chamar a polícia e que, após esse episódio, cruzou-se por coincidência com um colega de trabalho do assistente, o militar EE, e que lhe contou que tinham terminado.
A arguida admitiu ainda que esteve duas vezes no CAFAP, uma em que existiu a intervenção da testemunha HH, que lhes pediu para falar mais baixo, e outra quando deu os panados ao assistente para a filha. Porém, a arguida afirma que se encontrou por coincidência com o assistente. Confirmou ainda que ligou à sobrinha do assistente a perguntar por que é que os panados não tinham sido entregues.
Prosseguindo, a arguida confirmou que ligou para o Posto da GNR ... a dizer que estava a ser perseguida, mas não imputou esse facto ao assistente. Quanto às chamadas para tal posto da GNR, confirmou que as foi fazendo, admitindo ainda que não devia, pois era uma linha pública para emergências.
A arguida também admitiu que ligou para casa do assistente e que tinha mais do que um número de telefone, com cartões pré-pagos, a partir dos quais contactava o assistente. Confirmou ainda que falou com a ex-namorada do assistente, mas negou ter dito que ele era um psicopata e que tinha doenças.
A arguida disse ainda que transmitiu ao assistente e à esposa de um dos seus amigos que poderia estar grávida.
Confirmou também que o encontrou no ..., mas que foi um encontro normal.
Por fim, admitiu que foi ao posto da GNR ..., no dia 01/01/2024, entregar presentes ao assistente, que não estava, por isso não os deixou.
Contudo, ouvido o assistente e as inúmeras testemunhas que presenciaram alguns dos episódios em causa, concluímos que muito daquilo que foi negado pela arguida, afinal, se confirma, e que a mesma iniciou uma autêntica perseguição ao assistente por não aceitar o final do relacionamento.
Vejamos.
O assistente descreveu de forma clara e objectiva o final do relacionamento com a arguida, a forma como esta passou a tentar contactá-lo de todas formas (chamadas, mensagens e aparecendo nos locais onde estava), como esta insistia para voltarem a ter uma relação, como o começava a ameaçar com a queixa que tinha feito quando o mesmo lhe pedia para o deixar em paz, bem como os contactos com os seus colegas de trabalho e com a família.
Os factos descritos pelo assistente, além de suportados num discurso credível e circunstanciado no tempo e espaço, foram corroborados pela restante prova produzida, quer testemunhal, quer documental.
Começando pela abundante prova documental , mesmo tendo apenas em consideração as mensagens trocadas após o dia 19/06/2023 (ou seja, as que constam da lista supra apresentada de prova documental), é possível perceber a forma de abordagem insistente e desadequada da arguida, que continuava a falar com o assistente como se estivessem juntos, insistia para se encontrarem, bem como se queria encontrar com a filha do assistente e fazia insinuações de teor sexual (por exemplo, fls. 657verso, 658verso, 660, 660verso, 671, 678verso). Ademais, a arguida dizia ao assistente que sabia os seus hábitos e que estava perto dele (cfr. fls. 658, 679, 682verso) e ameaçava que as coisas iam ficar ainda piores (cfr. fls. 664).
A arguida enviou também mensagens a pedir desculpa por ter ligado para o posto (cfr. fls. 670verso, 676verso) e, ademais, a dizer que falou com a ex-namorado do assistente e que este lhe passou doenças (cfr. fls. 674, 675verso, 682), tendo ainda dito que estava grávida (cfr. fls. 681).
Nestas conversas, apesar de o assistente ir respondendo, pedia por várias vezes para a arguida se abster daquele tipo de propostas e insinuações, dizia que precisava de espaço e de paz (cfr. fls. 657verso, 662, 667, 667verso, 670, 674 verso, 681verso)
Note-se que o facto de o assistente ir desbloqueando a arguida e ir falando com a mesma não indica que este quisesse retomar a relação ou aceitasse o comportamento da arguida, pois directamente dizia-lhe que queria distância, como já se referiu. Aliás, confrontado com estas conversas e respostas, o assistente explicou que, quando não respondia, a arguida abordava a sua família e ligava para o posto, pelo que ele ia tentando gerir a situação o melhor que sabia, dando algumas respostas para evitar estes comportamentos. Este é, aliás, um comportamento típico das vítimas.
Além das mensagens, que demonstram, por escrito, tudo aquilo que o assistente já tinha explanado sobre a forma como a arguida insistia em entrar em contacto com ele, também a prova testemunhal corrobora a versão do assistente.
A testemunha GG, sobrinha do assistente, confirmou que esta continuou a abordá-la e a perguntar pelo assistente, tendo a mesma deixado gradualmente de responder porque eram muitos dias seguidos e era cansativo. Relatou ainda o episódio dos panados.
Da família do assistente foram ainda inquiridos os seus pais, as testemunhas CC e DD. Do testemunho do seu pai pouco se conseguiu retirar, dado o estado de confusão mental óbvio em que este se encontrava. Contudo, do testemunho da sua mãe foi possível perceber a interação que ocorreu quando a arguida foi a casa deles.
Os colegas de profissão do assistente, militares da GNR, QQ, TT, RR e OO relataram de forma coincidente com o assistente os telefonemas que presenciaram, não existindo qualquer dúvida que se tratava da arguida, quer porque umas vezes se identificava, quer pelos assuntos que abordava.
O facto de as testemunhas prestarem um depoimento claro e coincidente com a restante prova produzida não lhes retira credibilidade, como parecia insinuar a defesa, como se o discurso estivesse preparado. Note-se que se tratam de militares da GNR, habituados a falar em Tribunal e a este tipo de situações, o que explica terem maior facilidade em testemunhar que o cidadão comum.
A testemunha EE, também militar da GNR, confirmou que a arguida estava a passar por sua casa e que a convidou a entrar porque ela estava muito agitada e chorosa, tendo-lhe dito que o assistente lhe tinha batido.
Também o depoimento da testemunha JJ, superior hierárquica do assistente, foi importante para perceber as acções da arguida, uma vez que a conversa que na arguida teve com esta aborda os tópicos já descritos pelo assistente (doenças, gravidez, críticas aos hábitos do assistente) e demonstram a total falta de noção do que é socialmente aceitável e, ademais, relevante, descrever a uma superior hierárquica de um ex-namorado.
A testemunha HH, técnico do CAFAP, confirmou que assistiu a uma discussão entre arguida e assistente no dia 20/10/2023, mas já não se lembrava do seu conteúdo.
Quanto a estas aparições da arguida no CAFAP, não se conferiu credibilidade à mesma quando afirmou serem meras coincidências, já que, numa das ocasiões, até levou panados e prendas para a filha do assistente. Como é que a arguida sabia as datas e horas dos encontros, não se chegou a saber, mas a realidade é que sabia e que aparecia lá de propósito para abordar o assistente.
Por fim, as testemunhas SS, UU e VV relataram factos que foram arquivados, pelo que não iremos abordar o seu depoimento nessa parte.
Contudo, do seu testemunho e das restantes testemunhas foi possível perceber os efeitos que as condutas da arguida tiveram no assistente, que também estão patentes nas suas respostas nas centenas de mensagens que constam dos autos. Também nesta parte o depoimento do assistente foi sincero, não se ignorando que este tinha outros assuntos pendentes na altura que não ajudavam ao seu estado de espírito e de saúde, mas tal não retira gravidade à conduta da arguida, nem às suas consequências.
A testemunha II, amigo da arguida, apenas esteve com a arguida e o assistente, após o término, na situação dos panados, confirmando que a arguida ali se dirigiu para entregar os panados ao assistente. Segundo a testemunha, a conversa entre ambos foi cordial e o assistente aceitou os panados. Contudo, de toda a restante prova produzida é pacífico que se confere maior credibilidade à versão do assistente, quando diz que tentou que a arguida fosse embora e somente aceitou os panados para conseguir tal.
É de realçar que a testemunha II referiu que a arguida ficou descontrolada quando a relação estava a terminar, o que confirma o relato do assistente.
Dos factos objectivos provados conclui-se que outra não poderia ser a intenção da arguida senão a de perturbar a paz e sossego do assistente. As condutas da arguida são, aos olhos de qualquer pessoa média, proibidas e punidas por lei, pelo que também o são para a arguida.
Também dos mesmos factos resulta que não ficou provado que a arguida tivesse agido com a intenção de diminuir o assistente na relação de namoro e na sua dignidade, infligindo-lhe sofrimento psíquico, pese embora não ignorasse que devia ao visado, na qualidade namorado/ex-namorado especial respeito e consideração.
Igualmente, não resulta provado que a arguida tenha actuado com o propósito de atingir a honra e dignidade do assistente, bem como de perturbar a tranquilidade daquele e o afectá-lo na sua liberdade através das expressões que lhe dirigiu, bem sabendo que eram adequadas a causar ao assistente medo e receio pela sua integridade física e vida, o que conseguiu.
O que a arguida fez atingiu a liberdade do assistente, mas não no sentido de o fazer temer pela vida e integridade física, mas sim por perturbar o seu sossego, retirando-lhe assim liberdade.
Ademais, não resultaram provadas expressões injuriosas que pudessem afectar a honra do assistente.
As condições socioeconómicas da arguida resultam das suas declarações e a falta de antecedentes criminais da arguida resulta do conteúdo do seu CRC.
Quanto aos restantes factos não provados, ou inexiste totalmente prova quanto à sua ocorrência, ou estão em contradição com os factos provados.
Umas notas apenas quanto ao elenco de factos irrelevantes.
Relativamente ao episódio com a testemunha SS, tendo em consideração que a arguida se cruzou por acaso com este e o que disse não tem qualquer relevância penal, tal episódio não foi tido em consideração.
Já quanto aos danos na viatura do assistente, é de notar que na acusação apenas se refere que os mesmos ocorreram, não os imputando a ninguém. Assim, se não os imputa à arguida, são factos irrelevantes.
Por fim, o facto de a testemunha HH ter ou não assistido à discussão também não tem, por si, qualquer relevância.”

Vejamos, agora, as concretas questões submetidas a recurso.

I) Da Caducidade do Direito de Queixa:

Entende a arguida que o direito de queixa subjacente ao crime pelo qual acabou por ser condenada se mostra caducado levando, inexoravelmente, à extinção do respectivo procedimento criminal.

Para tanto, afirma o seguinte:
“CXXIX- O crime de perseguição previsto no artigo 154-A do Código Penal, é um crime que depende de queixa e o direito de apresentar queixa extingue- se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto, conforme decorre do artigo 115.º do CP.
CXXX- Acontece que o Assistente apresentou a sua queixa no dia 18/08/2023 e um posterior aditamento em 09/10/2023, sendo que nos presentes autos apenas podem estar em causa alegados factos ocorridos depois do dia 19/06/2023.
CXXXI- Tal como refere a sentença recorrida os factos pelos quais a Recorrente veio acusada, e que também foram alegados na queixa apresentada pelo Assistente que deu origem aos presentes autos, já foram arquivados no âmbito do processo n.º 1060/23.1PBBRG, em que o Assistente desistiu da queixa que apresentou e onde alegava que supostamente teriam ocorrido durante a relação de ambos.
CXXXII- A falta de apresentação tempestiva de queixa por factos ocorridos depois de 15/09/2023, determina a extinção do processo crime por falta de queixa do Ofendido, devendo o processo crime quanto aos referidos factos ter sido extinto.”

Vejamos.

É verdade que, nos termos do disposto no artº 154º-A nº 5 do Código Penal, o crime de perseguição está dependente de queixa.

Sendo também certo que nos termos do artº 115º nº 1 do Código Penal “o direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores…”

Os factos subjacentes ocorreram a partir de 19-06-2023 tendo havido incidentes registados em 20-10-2023 (facto vertido em 90) e 01-01-2024 (facto vertido em 92).

Pelo que o tempo balizado na sentença recorrida, onde a imputada actividade criminosa teria ocorrido, situa-se entre 19-06-2023 e 01-01-2024.

Ora, o assistente participou criminalmente da arguida em 18-08-2023 (cfr. requerimento de queixa que deu entrada no DIAP de Braga em 18-08-2023 com a refª ...18) imputando àquela um crime de perseguição p. e p. pelo artº 154º-A do Código Penal, tendo efectuado um aditamento em 09-10-2023 (cfr. requerimento dirigido ao DIAP de Braga que deu entrada em 09-10-2023 com a refª ...71).

 Contudo, em 16-11-2023, ouvido em declarações documentadas no auto da PSP, junto ao processo em 21-11-2023 através da refª ...66, o assistente declarou o seu desejo de continuar com o procedimento criminal contra a arguida.

A acusação pública foi deduzida pelo MºPº em 22-05-2024 (com a refª ...24) dela constando, como facto alegado em 131º, o facto que veio a ser dado como provado em 92 da sentença recorrida.

Sendo que, através de requerimento junto em 06-06-2024, com a refª ...17, o queixoso veio requerer a sua constituição como assistente, aderindo à acusação deduzida pelo MºPº.

Dúvidas não podem, assim, restar de que não se verifica qualquer caducidade do direito de queixa por parte do assistente que, mesmo em relação a factos corridos após a sua queixa inicial e aditamento, veio reiterar o seu desejo de procedimento criminal contra a arguida, tendo, inclusive, já após a dedução da acusação pública, à qual aderiu in totum, se constituído assistente, assumindo, assim, uma posição processual reforçada conforme se retira dos direitos que são conferidos aos assistentes no âmbito do artº 69º do CPP[2].
Aliás, o exercício do direito de queixa previsto no artº 49º do Código de Processo Penal não obriga a qualquer formalidade legal bastando ao respectivo titular “dar conhecimento do facto” ao MºPº ou a qualquer outra entidade que tenha a obrigação de a transmitir àquele.

Tal como se afirmou nesta mesma Relação de Guimarães através de acórdão de 07-01-2008 (in CJ, 2008, Tomo I, p. 294):
“Tanto a lei penal como a lei processual penal são omissas quanto à forma da queixa. Basta para tal que o queixoso revele indubitavelmente a sua vontade de que tenha lugar procedimento criminal contra o agente do facto que descreve.”
 
Ou seja, o que interessa na falta de fórmula legal é que não haja dúvida quanto à vontade do queixoso de prosseguir com o procedimento criminal contra o arguido.

No caso em apreço, não só o assistente apresentou uma queixa formal, através de requerimento dirigido ao DIAP de Braga, ao qual enviou aditamento na mesma forma, como, ouvido já na fase de inquérito, reiterou a sua vontade de prosseguir com o procedimento criminal contra a arguida, tendo, já após a dedução da acusação que incluía todos os factos delineados em termos temporais, não só aderido à mesma como veio expressamente requerer a sua constituição como assistente.

Este último acto – constituição como assistente – não deixa qualquer margem para dúvida quanto à vontade do queixoso em prosseguir com o procedimento criminal contra a arguida, não só porque não é obrigatória essa constituição na qualidade de vítima, sendo que não está em causa, como nunca esteve, um crime particular, como a posição de assistente reforça a posição processual da vítima qua tale.

Quem não pretende perseguir criminalmente uma pessoa não se vai constituir assistente como se nos afigura óbvio e de elementar bom senso.

Assim, e sem necessidade de mais considerandos, afigura-se-nos que não se verifica a invocada caducidade do direito de queixa por parte do assistente no que tange a factos ocorridos posteriores a 09-10-2023, motivo pelo qual improcede, assim, esta parte do recurso.

II) Da nulidade da sentença:

Invoca a arguida a nulidade da sentença recorrida sem, contudo, quer na sua motivação, quer nas suas conclusões, identificar esta nulidade, mormente, sem a enquadrar na correcta alínea do nº 1 do artº 379º do CPP onde as nulidades da sentença vêm contempladas.

Contudo, dada a motivação desenvolvida em torno da suscitada, mas não identificada, nulidade da sentença, mormente a argumentação de que foi surpreendida com uma qualificação jurídica diferente e de se tratar de uma alteração não substancial dos factos, estamos em crer que a nulidade visada pela arguida é a prevista na al. b) do nº 1 do artº 379º do CPP.

Vejamos.

O artº 379º do Código de Processo Penal, subordinado à epígrafe “nulidade da sentença” determina o seguinte:

“1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º
3 - Se, em consequência de nulidade de sentença conhecida em recurso, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido, o recurso que desta venha a ser interposto é sempre distribuído ao mesmo relator, exceto em caso de impossibilidade.”
– sublinhado e negrito nossos

Ora, e adiantando desde já a nossa convicção quanto a esta questão, afigura-se-nos que não assiste qualquer razão à arguida.

Vejamos porquê.

A nulidade prevista no artº 379º nº 1 al. b) do CPP é clara ao referir que tem de haver na sentença uma condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia.

No caso em apreço, não houve essa condenação uma vez que o Tribunal a quo no dia de leitura da sentença, documentada na acta de 04-02-2025 com a refª ...65, comunicou, nos termos do artº 358º nº 1 do CPP, uma alteração não substancial dos factos nos seguintes termos:
“1) Os progenitores do assistente, desconhecendo o fim da relação amorosa, permitiram o acesso à arguida ao interior da habitação, tendo essa acedido à sala de estar;
2) Em dia não concretamente apurado, mas após 19/06/2023 e ainda durante esse ano, o assistente esteve no exercício das suas funções policiais, mais concretamente, de patrulha às ocorrências no Posto Territorial da Guarda Nacional Republicana do ..., sito na Av. ..., em ... entre as 16h00 e as 24h00, juntamente com OO;
3) Em dia não concretamente apurado, mas em 2023, a arguida enviou uma fotografia recente da filha do assistente (FF) à sobrinha e afilhada do assistente, GG, onde depois escreveu “envia ao pai imagino a saudade”;
4) Ainda no dia 19/08/2023, pelas 23h00, novamente a arguida através de número anónimo, contactou telefonicamente o Posto Territorial da GNR ..., com o n.º ...84.”

Tendo sido dada palavra a ambos os ilustres mandatários, nada foi requerido por nenhum deles, logo a arguida, devidamente representada em juízo pelo seu ilustre mandatário, não requereu qualquer prazo adicional para defesa.

De resto, o que o Tribunal a quo fez foi simplesmente alterar a qualificação jurídica do crime imputado à arguida.

Qualificação essa, diga-se de passagem, que já constava da queixa original apresentada pelo assistente que sempre enquadrou os factos que imputava à arguida como integrando um crime de perseguição p. e p. pelo artº 154º-A do Código Penal.

Ora, em nosso entendimento, a simples alteração da qualificação jurídica não implica a nulidade da sentença recorrida nos termos do artº 379º nº 1 al. b) do CPP uma vez que essa nulidade está expressamente prevista para a alteração de “factos” e não da qualificação jurídica.

Quando muito, poderia implicar a prévia comunicação por parte do Tribunal à arguida para, querendo, preparar a sua defesa.
 
Contudo, em nosso modesto entendimento, no caso em apreço, pese embora a nova qualificação jurídica implique uma imputação penal diversa à arguida, embora não desconhecida dada a forma como a queixa foi apresentada, a verdade é que tal imputação não agrava a situação da arguida porque não traduz a possibilidade de se aplicar uma moldura penal mais grave.

Por outro lado, o crime de perseguição cuja prática pela arguida acabou por lhe ser imputada pelo Tribunal a quo é um crime que está numa situação de consumpção em relação ao crime, mais grave e mais amplo, que é o de violência doméstica.

Ou seja, o crime de perseguição, tal como o crime de ofensa à integridade física, o de ameaça e o de importunação sexual, entre outros ainda, estão numa relação de concurso aparente com o de violência doméstica, sendo crimes “consumidos”, isto é, numa relação de consumpção, com o crime de violência doméstica.

Assim, no exercício jurídica levado a cabo pelo Tribunal a quo o que ocorreu foi o de considerar que não se verificava o crime mais grave, ou seja, o de violência doméstica, mas, apenas, uma das suas parcelas à qual se deu autonomia jurídica.

Veja-se o que diz o Tribunal a quo na sentença recorrida no que a este assunto respeita:

“Há que notar, desde logo, que dos factos provados não se pode concluir que exista qualquer ascendente da arguida perante o assistente, que até já tinham terminado a sua relação e viviam em casas separadas, tendo cada um a sua vida.
As insistências da arguida em contactar o assistente e as expressões que esta utilizava, tais como “vou-te fazer a vida negra”, são persecutórias e atingem a liberdade e sossego do assistente e, assim, podem, como iremos analisar, configurar a prática de outro tipo de crime, mas não bastam para, per si, configurar um comprometimento grave do desenvolvimento individual.
Para que exista um crime de violência doméstica é necessário algo que ultrapasse a normal afectação dos bens jurídicos protegidos por outras normas, seja a integridade física, seja a honra ou liberdade. É preciso que a própria dignidade da pessoa seja colocada em causa. Ora, no caso concreto, tal não se verifica.
Porém, como facilmente se percepciona pelo número de bens jurídico-penais protegidos pelo tipo legal, o crime de violência doméstica encontra-se numa relação de especialidade com vários outros crimes, tais como os crimes de ofensas à integridade física simples ou qualificadas, os crimes de ameaças simples ou agravadas, os crimes contra a honra, entre outros.
Assim, no caso concreto, podemos estar perante condutas que integrem a prática de um crime de perseguição (p. e p. pelo art.º 154.º-A n.º 1 do C.Penal).
- sublinhado nosso

O que o Tribunal a quo fez foi apenas convolar o crime mais grave, numa versão mais simples, restrita e limitada.

Não imputou à arguida um crime completamente diferente com tutela de bens jurídicos diversos daqueles já previstos no crime original.

Como afirma o MºPº na sua resposta ao recurso interposto pela arguida e que aqui sufragamos:
“Neste concreto, em sentido consonante com o entendimento perfilhado pelo tribunal recorrido, sufragamos o entendimento de que inexistindo alteração da factualidade apurada - pois na situação presente, os factos dados como provados na sentença recorrida constavam todos eles da acusação e o tipo de crime pelo qual a arguida veio a ser condenada (perseguição) constituiu apenas um minus quando comparado com aquele por que vinha acusado, na exata medida em que todos os elementos constitutivos deste crime se encontram integrados (numa relação de especialidade) na tipicidade do crime de violência doméstica de que vinha acusada - não foi a recorrente surpreendido com a convolação do crime de violência doméstica para o crime de perseguição, na medida em que teve a oportunidade de se defender de todos os factos dados como provados e acaba por ser condenado pela prática de um crime menos grave, patente nas respetivas molduras penais (vide, neste sentido os acórdãos do TRC, de 22-05-2024, processo 2125/19.0T8VS.C1 e do TRP, de 22-09-2021, proc. 1025/18.5PBMSI.P1, e Ac. do TRL, de 08-01-2020, proc. 59/17.7T9OER.L1-3 in www.dgsi).
Acompanhando o primeiro dos citados acórdãos, a ratio subjacente à norma ínsita no artigo 358.º do C.P.P. é a garantia do exercício do direito de defesa perante decisões surpresa. “Assim e atenta a ratio do instituto, vem-se entendendo que só nos caso se situações em que as garantias de defesa do arguido - artigo 32.º, n.º 1,da Constituição da República - o exijam (possam estar em causa), está o tribunal obrigado a comunicar ao arguido a alteração da qualificação jurídica e a conceder-lhe prazo para preparação da defesa.
Por isso, se considera que a alteração resultante da imputação de um crime simples ou «menos agravado», quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime, mas em forma qualificada ou mais grave, por afastamento do elemento qualificador ou agravador inicialmente imputado, não deve ser comunicada, visto que o arguido ao defender-se do crime qualificado ou mais grave se defendeu, necessariamente, do crime simples ou «menos agravado», ou seja, defendeu-se em relação a todos os elementos de facto e normativos pelos quais vai ser julgado(idem)
Porém, em situações como a que ocorrem no caso vertente, em que o arguido teve oportunidade de se pronunciar/defender de todos os factos que resultaram provados (que, grosso modo foram parcialmente comprimidos, por força do caso julgado verificado), por um lado, e dado que a alteração da qualificação jurídica operada não implicou qualquer surpresa para si, uma vez que o crime de perseguição e as condutas que o integram se contém no ilícito da violência doméstica, por outro, podemos concluir não ter existido qualquer prejuízo na sua defesa, pelo que não seria necessária a comunicação do n.º 1 do artigo 358.º do C.P.P..”
- sublinhado nosso

O mesmo se diga em relação ao douto parecer oferecido nos autos pela Exmª Srª PGA que também aqui subscrevemos:
“No caso concreto, a possibilidade de condenação do arguido pela tipicidade do crime de perseguição, p. e p. pelo art.º 154.º-A n.º 1 do C.Penal, não implicou qualquer alteração dos factos descritos na acusação, sendo que todos os elementos atinentes ao tipo subjetivo já constavam da acusação.
O que ocorreu tão simplesmente foi uma alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, porém, em moldes que não implicaram uma agravação da respetiva moldura penal abstrata, não tendo tal alteração qualquer repercussão negativa para a arguida, que se reflita numa diminuição das suas garantias de defesa.
Na verdade, tratam-se exatamente dos mesmos factos, com diferente qualificação e com moldura penal abstrata inferior à do crime de violência doméstica porque foi acusada, para o qual lhe foi conferido o pleno exercício do contraditório e dos seus direitos de defesa, constitucionalmente consagrados no artigo 32.º da CRP, não ocorrendo, assim, qualquer violação do disposto no art.º 358.º do CPP.
Neste sentido, com interesse, para além dos arestos citados na resposta do M.P., vejam-se também os Ac. da Relação do Porto de 16/11/2022, no Processo n.º 218/21.2GBAMT.P1, de 14-03-2018 no Proc. 563/16.9GAALB.P1 e de 28-04-2021 no Proc. 668/19.4GAFLG.P1.”

É importante ainda reter que a acusação deduzida contra a arguida apresentava factos que visavam uma convivência conjugal desde 2022, com a alegada prática de factos que integravam ofensas verbais e ameaças, sendo a parte persecutória referente já à separação do casal em Junho de 2023.

Ou seja, a acusação deduzida pelo MºPº continha factos que versavam vários anos de convivência entre assistente e arguida, com comportamentos diferentes, aptos a enquadrar de per se vários tipos legais – injúrias, ameaças e perseguição – mas que, dada a sua aparente unidade comportamental, foram enquadrados no crime “mãe” ou seja no crime de violência doméstica.

Acontece que o Tribunal a quo desconsiderou uma boa parte dos factos imputados à arguida (por entender haver caso julgado quanto aos mesmos), mormente os alegadamente praticados durante a convivência conjugal, deixando de fora os factos ocorridos já após a separação e que apenas assumiam o cunho persecutório da arguida.

Vejamos o que o Tribunal a quo determinou no início da sua sentença:

Questão prévia: existência de caso julgado
Em sede de audiência de julgamento, veio a arguida alegar que existia caso julgado quanto a determinados factos da acusação, pois os mesmos já haviam sido alvo de arquivamento no Proc. n.º 1060/23.1PBBRG, que foram arquivados por desistência de queixa.
Analisada a certidão enviada por tal processo (junta a 15/01/2025), constata-se que quer o aqui assistente, quer a aqui arguida (ambos arguidos naquele processo) se queixaram de determinados factos ocorridos durante a relação, tendo o assistente descrito a arguida como ciumenta, controladora, que proferia impropérios contra si e, ademais, pormenorizando os acontecimentos de dia 19/06/2023.
Ora, a acusação proferida nestes autos inclui não só factos ocorridos durante a relação de namoro, como após a separação, a 19/06/2023.
Face ao exposto é necessário avaliar se os factos já apreciados no âmbito do Proc. n.º 1060/23.1PBBRG e que foram arquivados são os mesmos pelos quais a arguida vem agora acusado. Caso o Tribunal chegue a tal conclusão estaremos perante a excepção de caso julgado no processo penal, no caso, parcialmente.
Sobre este tema remetemos para o seguinte excerto do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. n.º 3501/03, datado de 14/01/2004:
“6. A questão a decidir, como se referiu, consiste no apuramento do chamado “efeito consuntivo” do caso julgado.
6.1. A Primeira constatação a fazer em termos do ordenamento vigente é a falta de regulamentação sistemática e específica do caso julgado em processo penal, constituindo os arts. 84º e 467º do CPP referências insuficientes.
Nem o disposto no art. 358º quanto à alteração dos factos em audiência resolve a questão, dado que não pode definir-se previamente quais os factos que podem resultar da discussão da causa, a qual é limitada previamente pela acusação.
Tão-pouco o mecanismo do art. 471º/472º do mesmo diploma que obriga à realização de audiência para efectivação de cúmulo jurídico, uma vez que está limitado ao conhecimento superveniente do concurso de crimes. (…)
Dada a especificidade da delimitação do objecto do processo penal tendo por referência designadamente os seus efeitos nos direito de defesa do arguido, a aludida falta de regulamentação expressa não pode ser colmatada com recurso, nos termos do art. 4º do CPP, às disposições sobre este tema do CPC (que, no art. 498º, n.º1 define o caso julgado em função da identidade da acção tendo como pressuposto a identidade de partes, pedido e causa de pedir) – v. conclusões do Ac. STJ para fixação de jurisprudência n.º2/95, de 16.05, publicado no DR IS-A de 12.06.1995; Ac STJ de 18.12.1997, CJ/STJ, 1997, t. 3, 259; Ac. STJ de 18.06.1998, CJ/STJ, 1998, t. 3, 167.
Mas a falta de norma expressa sobre o caso julgado, não implica que o legislador não tenha querido consagrá-lo, tanto mais que se trata de um instituto fundamental do direito de defesa, como ainda da paz social, que tem sido reconhecido uniformemente pela doutrina e pela jurisprudência – cfr. FREDERICO ISASCA, in Alteração Substancial dos Factos e Sua Relevância em Processo Penal, p. 227.
(…)
Apesar de o CPP vigente não conter norma expressa sobre o caso julgado, resulta indirectamente consagrado por via de regulamentação em sede de admissibilidade de recursos e de execução das decisões penais, designadamente da conjugação dos arts. 396º, n.º4; 399º; 400º; 411º; 427º; 432º; 438º; 447º, n.º1; 449º, n.º1; 467º; 487º: 492; 498º, n.º3; etc. – cfr. FREDERICO ISASCA, cit., p. 227.
6.2. Um correcto entendimento deste instituto passa desde logo pelo plano Constitucional, atento não só a natureza “regulamentar” do seu texto em matéria de direitos fundamentais, como o princípio da interpretação da lei ordinária em conformidade com a Lei Suprema.
Postula na verdade o artigo 29º, n.º 5 da Constituição da República que "ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo crime”.
Trata-se de imperativo constitucional ao qual é devida imediata obediência por força do disposto no art. 18°, n.º l da Constituição da República Portuguesa.
(…)
O princípio ne bis in idem consagrado no art. 29°, n.º5, da Constituição da República, “embora pensado e estruturado em razão da segurança e paz jurídica”, “assume também uma garantia fundamental do cidadão que se traduz na certeza , que se lhe assegura, de não poder voltar a ser incomodado pela prática do mesmo facto” – cfr. Frederico Isasca, cit. p. 218 e 226.
A dificuldade está porém em determinar, quando se diz que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime, em determinar o que pode entender-se pela expressão "mesmo crime”.
Não pode desde logo ser considerada no seu estrito sentido técnico-jurídico, mas em função do que pode ser definido como objecto do processo e dos poderes de cognição do tribunal.
Na verdade, como evidenciou Eduardo Correia, no estudo mais laborado da doutrina sobre o tema Unidade e Pluralidade de Infracções já referido, p. 386 “o efeito de caso está em íntima correlação com os poderes de cognição do juiz”.
Em termos de qualificação jurídica, no caso em apreço não há dúvida de que o ilícito criminal imputado aos arguidos é, em ambos os processos, o de abuso de confiança fiscal.
Importa porém apreciar se pode considerar-se que se trata do “mesmo crime”, tendo por referência os factos imputados em ambos os processos aos arguidos” (destacado e sublinhado nosso)
Ora, torna-se patente que no âmbito do Proc. n.º 1060/23.1PBBRG, o assistente imputou à arguida factos ocorridos durante a relação, não só aqueles que concretizou (como dia 19/06/2023), como, no geral, factos que demonstravam uma relação desequilibrada, na qual a arguida o controlava e maltratava.
Tendo o assistente desistido da queixa apresentada e tendo os autos sido arquivados, não podemos, agora, analisar se os mesmos ocorreram ou não, sob pena de reabrir um inquérito que, primeiro, nem foi apenso a estes autos, e, segundo, no qual existiu desistência de queixa.
Assim, os factos relativos à forma como ocorreu a relação entre assistente e arguida estão abrangidos pelo despacho de arquivamento do Proc. n.º 1060/23.1PBBRG, não podendo, agora, voltar a constar dos factos provados ou não provados, sob pena, como explicado, de violação de um dos princípios basilares do direito penal português, o princípio do ne bis in idem (ninguém pode ser condenado mais de uma vez pelo mesmo delito, previsto no n.º 5 do art.º 29.º da Constituição da República Portuguesa) e, em consequência e pelo exposto, igual violação do efeito “consuntivo” do caso julgado.
Assim, o procedimento criminal quanto a tais factos é inadmissível, o que importa o arquivamento dos pontos 10.º a 39.º do despacho de acusação proferido, ficando apenas os factos 1.º a 9.º e 40.º a 41.º para enquadramento da relação anterior entre arguida e assistente.
Pelo exposto, determina-se verificada a excepção de caso julgado, por aplicação do princípio ne bis in idem (art.º 29.º n.º 5 do CRP), determinando-se o arquivamento dos pontos 10.º a 39º do despacho de acusação proferido.
- o sublinhado e negrito são da própria sentença

Ora, os presentes autos nasceram de uma queixa apresentada pelo assistente em 18 de Agosto de 2023 onde o mesmo imputa à arguida, entre outros crimes, o crime de perseguição.

Por motivos que nos ultrapassam, o MºPº, aquando da dedução da acusação, decidiu incluir no elenco, a par dos factos arguidos pelo assistente na sua queixa e tendentes a imputar um crime de perseguição, outros factos provenientes de um outro inquérito, com o nº 1060/23.1PBBRG, que foi arquivado, com os quais, juntamente com os factos constantes da queixa que deu lugar aos presentes autos nº 4721/23.1T9BRG, levaria à imputação à arguida de um crime de violência doméstica.

Como bem referiu o Tribunal a quo na sua sentença, os factos vertidos em 10º a 39º da acusação implicam a violação do caso julgado, por já terem sido abrangidos no outro inquérito nº 1060/23.1PBBRG, motivo pelo qual os expurgou da sua análise.

Deixando, assim, incólume os restantes factos integradores da queixa apresentada pelo assistente em 18-08-2023 e com os quais visava imputar à arguida, a par de um crime de injúria, um crime de ameaça e um crime de coacção, um crime de perseguição pelo qual a mesmo veio efectivamente a ser condenada.

Não se vislumbra, assim, que o direito de defesa da arguida tenha sido, de alguma forma, beliscado, sendo que os autos nasceram por causa de factos ocorridos após a separação do casal em 19-06-2023, e após os factos alegadamente ocorridos no inquérito 1060/23.1PBBRG, sendo que o assistente sempre imputou à arguida um crime de perseguição p. e p. pelo artº 154º-A do Código Penal.

E, se olharmos a extensíssima motivação e prolixas conclusões do seu recurso, constatamos que a arguida desenvolveu uma defesa cabal e abrangente, tanto que começa o seu recurso com a impugnação da matéria de facto com a qual pretende excluir a condenação de que foi alvo, não se vislumbrando em que medida a sua defesa sai prejudicada ou sequer diminuída.

Improcede, assim, esta parte do seu recurso.

III) Da Impugnação da Matéria de Facto:
                       
A arguida impugna os factos vertidos em 16, 17, 22, 23, 30, 33 a 37, 53, 90, 95, 96 e 98 a 102 da sentença recorrida, os quais entende deverem ser considerados “não provados” por entender que a prova que indica leva a solução diversa, tendo o Tribunal a quo cometido erro de julgamento.

Vejamos.

A impugnação da matéria de facto segue o disposto no artº 412º nº3 do Código de Processo Penal que dispõe o seguinte:
“3. Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.”

Tendo a prova sido gravada diz o nº 5 do citado artº 412º do CPP que “as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”

Sendo que, nos termos do nº 6 do artº 412º do CPP “no caso previsto no nº 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”

No que se refere às declarações dos arguidos, aos depoimentos das testemunhas e à sua articulação com os documentos, vigora o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do artº 127º do CPP, que assenta na inexistência de regras legais que atribuam valor específico, pré-determinado às provas, ou que estabeleçam alguma hierarquia entre elas e na admissibilidade de todos os meios de prova, em geral, desde que não incluídos nas proibições contidas no artº 126º do CPP, em sintonia com o princípio consagrado no art. 32º nº 8 da Constituição.
 
Assim, “O tribunal ad quem não procede a um novo julgamento, verifica apenas da legalidade da decisão recorrida, tendo em conta todos os elementos de que se serviu o tribunal que proferiu a decisão recorrida. Daí que também a renovação da prova só seja admitida em situações excepcionais e, sobretudo, o recorrente tenha que indicar expressamente os vícios da decisão recorrida” (Prof. Germano Marques da Silva, Registo da Prova em Processo Penal, Tribunal Colectivo e Recurso, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, Coimbra, 2001. No mesmo sentido, Ana Maria Brito, Revista do C.E.J., Jornadas Sobre a Revisão do C.P.P., pág. 390; Cunha Rodrigues, «Recursos», in O Novo Código de Processo Penal, p. 393).

“Por outro lado diremos também que, dependendo o juízo de credibilidade da prova por declarações do carácter e probidade moral de quem as presta e não sendo tais atributos apreensíveis, em princípio, mediante exame e análise da gravação áudio onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto com as pessoas, é evidente que o tribunal superior, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal a quo.
Ou seja, a convicção do julgador só pode ser modificada, pelo tribunal de recurso, quando a mesma violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova) ou então quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.”[3]

Conforme se esclarece ainda no Acórdão da Relação de Lisboa (9ª secção) de 08-10-2015, proferida no procº nº 220/15.3PBAMD.L1-9, in dgsi.pt:
“III- O recurso em matéria de facto, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo, relativamente à decisão sobre os concretos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgado, fazendo referência expressa às concretas passagens/excertos das declarações, que, no seu entendimento, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações, ou da renovação das provas nos pontos em que entenda que esta deve ocorrer;
IV- Não basta ao recorrente enunciar a sua pretensão quanto a um determinado resultado final em termos de facto ou de direito (v.g. da prova produzida não resultam provados os factos do tipo legal ou não se provou o crime, pelo que deve ser absolvido), de tal modo que fosse o tribunal superior, oficiosamente a retirar conclusões sobre quais os factos e provas concretas que se ajustariam à sua pretensão final e dentro destas, quais as passagens relevantes, depois de ouvir a prova gravada na íntegra, uma vez que o recurso da matéria de facto fundado em erro de julgamento não visa a realização, pelo tribunal “ad quem”, de um segundo julgamento, mas apenas a correção de erros relevantes (evidentes e óbvios) na apreciação e ou aquisição da prova produzida em sede de primeira instância.”

Por isso é que é absolutamente fundamental que no recurso interposto da matéria de facto, nos termos do artº 412º nº 3 do CPP, o recorrente identifique os concretos factos cuja alteração pretende e as concretas provas que impunham a requerida alteração, não cabendo a este Tribunal de recurso refazer o julgamento, ouvir toda a prova e voltar a decidir.
     É que a alteração da matéria de facto em sede de recurso só deve ocorrer se, após cumprimento do disposto no artº 412º do CPP, o Tribunal de recurso constatar que o Tribunal a quo nunca poderia ter decidido como decidiu face à concreta prova produzida e tendo em atenção as regras da experiência comum, da lógica, etc.
Se apenas se constatar que o Tribunal a quo seguiu uma possível solução de entre várias possíveis interpretações válidas resultantes da prova produzida, então, deve ser dada prevalência à convicção do Tribunal a quo por ser o tribunal mais bem colocado para avaliar toda a prova atendendo ao princípio da imediação da prova.

Conforme se esclarece de forma clara no Acórdão da Relação de Guimarães de 23-03-2015:[4]
“I. O recurso visa apenas uma reapreciação autónoma da decisão tomada pelo tribunal a quo, circunscrita aos factos individualizados que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base, para tanto, na avaliação das provas que impunham uma decisão diferente.
II. Tem-se entendido que impor decisão diferente quanto á matéria de facto provada e não provada (artigo 412º nº 3 alínea b) do CPP) não pode deixar de ter um significado mais exigente do que admitir ou permitir uma decisão diversa da recorrida.
III. Deste modo, se o tribunal de recurso se convencer que os concretos elementos de prova indicados pelo recorrente permitem ou consentem uma decisão diferente, mas que não a «tornam necessária» ou racionalmente «obrigatória», então deve manter a decisão da primeira instância tal como está.
IV. A circunstância de alguém, seja por erro de percepção ou por outro motivo, acabar por efectuar declarações inverosímeis ou contraditórias não significa necessariamente que seja falsa toda a sua narrativa, pelo que o tribunal não se encontra adstrito á inutilização de todo um depoimento ou declaração por uma incompletude ou por uma contradição com outros elementos probatórios.” – sublinhado nosso

Como afirma Paulo Pinto de Albuquerque na sua anotação ao artº 412º do Código de Processo Penal[5]:
“A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida. Por exemplo, é insuficiente a indicação genérica de um depoimento, de um documento, de uma perícia ou de uma escuta telefónica realizada entre duas datas ou a uma pessoa. Mais exactamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de «voltas» do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento. (…)

Por fim, e como explicado de forma muito clara e compreensiva no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ nº 3/2012 de 08-03-2012 (in DR 1ª Série, nº 77 de 18-04-2012):

“Pede -se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1.ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1.ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo.
Esta limitação da capacidade cognitiva da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação sempre esteve presente, como desde logo esclareceu o primeiro diploma legal onde se estabeleceu a documentação das declarações orais.
Com efeito, como foi afirmado no preâmbulo do Decreto -Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, «o objecto do 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a Relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará sensivelmente os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova (que, aliás, embora em menor grau, sempre ocorreria, mesmo com a gravação em vídeo da audiência)».
O Supremo Tribunal de Justiça tem reafirmado que o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª instância, como se o julgamento não existisse, tratando-se antes de um remédio jurídico, destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros e não indiscriminadamente, de forma genérica, quaisquer eventuais erros. (…)
Como se refere no acórdão de 27 de Janeiro de 2009, processo n.º 3978/08 -3.ª «O julgamento efectuado pela Relação é de via reduzida, de remédio para deficiências factuais circunscritas, confinadamente a pontos específicos, concretamente indicados, não valendo uma impugnação genérica, repousando em considerações mais ou menos alargadas ou simplesmente abrangentes da leitura pessoal, unilateralista e interessada que os sujeitos processuais fazem das provas e do resultado a que devam chegar».
Os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão em matéria de facto, a exemplo do que ocorria com o artigo 690.º -A, e actualmente do artigo 685.º -A do CPC e artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, decorrem dos princípios estruturantes da cooperação, lealdade e boa fé processuais, com vista a assegurar a seriedade do recurso e obviar que os poderes da Relação sejam utilizados para fins dilatórios.”

Ora, e adiantando desde já a nossa convicção, a impugnação da matéria de facto efectuada pela arguida está votada ao insucesso.

Vejamos porquê.

Em primeiro lugar, a arguida não cumpre com o determinado no artº 412º nº 3 do CPP pois, pese embora tivesse indicado os concretos factos que visa impugnar, não só não indicou de forma legal a prova que oferece, como não demonstra em que medida essa prova “impõe” uma decisão diversa.

Ora, e quanto ao segundo ónus em falta, a arguida limita-se a identificar, em relação aos depoimentos que oferece, o início e fim do respectivo depoimento para depois transcrever partes do mesmo sem sequer indicar a que minutos os trechos citados correspondem.

Os trechos não estão, assim, devidamente identificados dentro do discurso maior que é o depoimento, estão naturalmente fora de contexto e tal como se encontram transcritos obrigam a que esta Relação ouça na íntegra os respectivos depoimentos à procura das partes citadas.
 
O que incumpre de forma manifesta a forma legalmente imposta para rever a matéria de facto.

Por outro lado, e ainda que se fizesse um esforço para localizar os concretos trechos citados, a verdade é que deles não se retira em que medida o respectivo facto teria de ser desconsiderado, isto é, a arguida não logrou demonstrar em que medida os trechos que indica impõem decisão diversa.

Vejamos de perto a impugnação efectuada pela arguida recapitulando os factos que a mesma impugna.

16) Surpreso com a presença da arguida, aquela só saiu quando o assistente lhe disse que ia chamar a PSP, acompanhada do progenitor deste, CC;
17) Após, a arguida dirigiu-se à residência de EE, Guarda Principal da GNR ..., vizinho do assistente, a chorar e a afirmar que o assistente lhe tinha apertado o pescoço e que tinham acabado a relação;
22) Entre o dia 20/06/2023 e, pelo menos, o dia 16/11/2023, a arguida efectuou pesquisas da rede social Facebook por amigos do assistente com os quais não tem nenhum tipo de relação, efectuando pedidos de amizade com esses amigos e amigas, que foram prontamente recusados;
23) Agora com menos alternativas de contacto, a arguida optou por outra estratégia e passou a abordar conhecidos em comum a esta e ao assistente;
30) A arguida ainda pediu ao assistente que lhe desse uma nova oportunidade e que caso retomassem a relação de namoro esta de imediato retirava a queixa em Tribunal, ao que o assistente lhe respondeu que a relação era para terminar;
33) Após o mês de Julho de 2023, ou seja, após a prolação de despacho de arquivamento no NUIPC 1060/23.1PBBRG, a arguida começou a manifestar comportamentos obsessivos pela filha do assistente, exigindo estar com ela alguns dias enquanto estivesse a passar férias com ele;
34) Em dia não concretamente apurado, mas em 2023, a arguida enviou uma fotografia recente da filha do assistente (FF) à sobrinha e afilhada do assistente, GG, onde depois escreveu “envia ao pai imagino a saudade”;
35) Desde, pelo menos, Julho de 2023, o assistente efectuou as visitas à filha por intermédio do CAFAP - Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, sito Tv. ..., ..., ..., o que é do conhecimento da arguida;
36) No dia 16/08/2023, o assistente encontrava-se no CAFAP - Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, local onde, visita a sua filha;
37) A arguida aí se dirigiu;
53) Entre o dia 31/07/2023 e 02/08/2023, a arguida conseguiu entrar em contacto com o assistente, alertando-o que, além de doente, estava grávida;
90) No dia 20/10/2023, a arguida apareceu no CAFAP - CAFAP - Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, a convidar o assistente para o casamento do filho mais velho e novamente a pedir que deviam reatar a relação;
95) Ao contactar, remeter mensagens, de forma frequente e sequencial, ao assistente, sabia a arguida ainda que perturbava o assistente na sua paz e no seu sossego, resultado esse que pretendeu e logrou atingir, bem sabendo que a sua conduta era adequada a obter esse resultado;
96) A arguida actuou com o propósito conseguido de ofender o assistente na sua saúde psíquica;
98) Como consequência do comportamento da arguida, o assistente deixou de ter qualquer paz, sossego e tranquilidade na sua vida;
99) O assistente passou a sair de casa com medo de se cruzar com a arguida, com receio que esta o encontrasse e iniciasse os comportamentos supra descritos;
100) O assistente tinha receio que a arguida importunasse os seus amigos e familiares, incluindo a filha, que é menor de idade;
101) O assistente passou a dormir mal, a andar nervoso, a ter crise de ansiedade e insónias;
102) O assistente teve de recorrer a ajuda psiquiátrica e esteve inclusivamente de baixa médica;

Ora, em relação ao facto vertido em 16 - Surpreso com a presença da arguida, aquela só saiu quando o assistente lhe disse que ia chamar a PSP, acompanhada do progenitor deste, CC – a arguida oferece partes dos depoimentos das testemunhas CC e DD, pais do assistente, e ainda partes do seu próprio depoimento, mas olhando esses trechos deles não se consegue concluir que o facto vertido em 16 está incorrectamente assente.

Aliás, a arguida limita-se a cirurgicamente transcrever as partes dos depoimentos que lhe convém esquecendo-se que, dos depoimentos no seu todo, resulta que a própria arguida admite que o assistente lhe transmitiu que iria chamar a PSP, facto que o próprio assistente também confirma nas suas declarações aos 20:53 minutos, bem como a mãe do assistente, DD, aos 6:00 minutos, tal como bem notado pela Exmª Srª PGA no seu douto parecer.

 De notar em particular no depoimento da mãe do assistente, DD que diz por volta dos 2.13 minutos do seu depoimento:
“Quando abri a porta à AA eu naquela altura não sabia de nada do que se tinha passado.
Depois ela queria falar com ele mas ele não queria falar…
Ele diz «vai-te embora não quero conversa vai-te embora vai-te embora»
E ela não queria sair.”

Sendo que a testemunha DD também confirma que o seu marido CC acompanhou a arguida até à saída.

Pelo que o facto vertido em 16 mostra-se correctamente julgado.

O mesmo se diga em relação ao facto vertido em 17 – Após, a arguida dirigiu-se à residência de EE, Guarda Principal da GNR ..., vizinho do assistente, a chorar e a afirmar que o assistente lhe tinha apertado o pescoço e que tinham acabado a relação – relativamente ao qual a arguida oferece as suas próprias declarações.

Ora, este facto tem de ser conjugado com o anterior, portanto, a arguida dirigiu-se à casa do assistente sem que este soubesse, tendo sido a sua mãe que inadvertidamente lhe abriu a porta, após o qual foi convidada a sair pelo assistente que ameaçou chamar a polícia.

Nesta circunstância, a arguida não tem roupa, nem foi buscar qualquer roupa a casa do assistente como se percebe com clareza da audição dos depoimentos do assistente e da sua mãe DD.

Assim, não faz qualquer sentido a arguida nas declarações que oferece do seu próprio depoimento afirmar que voltou com a saca na mão a pé e, por acaso, se cruzou com a testemunha EE que estava a conduzir um carro quando a viu.

O que resulta da conjugação dos depoimentos que determinaram o facto vertido em 16 é que a arguida, tendo sido expulsa da casa do assistente e vivendo próximo deste a testemunha EE ao mesmo se dirigiu para fazer queixa do assistente.

Acontece que a testemunha EE porque estava a sair com a família avistou a arguida na rua antes desta chegar a tocar à sua campainha e por isso a convidou a entrar em casa.

Note-se que a transcrição da parte do depoimento da testemunha EE que a arguida oferece contraria as suas próprias declarações, uma vez que a testemunha EE não diz que estava a conduzir um carro quando avistou a arguida.

E é porque a testemunha EE intercepta a arguida a subir a rua que presume que fosse um encontro ocasional, e, assim, do seu ponto de vista, seria.

Contudo, isso não significa que a arguida não estivesse a dirigir-se à casa desta testemunha pois, caso contrário, não se percebe o que estava a fazer na rua da residência desta testemunha.

No que tange ao facto vertido em 22 – Entre o dia 20/06/2023 e, pelo menos, o dia 16/11/2023, a arguida efectuou pesquisas da rede social Facebook por amigos do assistente com os quais não tem nenhum tipo de relação, efectuando pedidos de amizade com esses amigos e amigas, que foram prontamente recusados – a arguida limita-se a tecer comentários entre os quais afirma:
“O simples acto de enviar pedidos de amizade é simplesmente explicado por motivos sociais e não configura, por si só, uma tentativa de perseguição.”

Ora esta afirmação não afasta, antes, pelo contrário, até reforça, o facto em apreço sendo que o facto isolado, em si, poderá não levar a qualquer conclusão de índole criminal mas, inserido e conjugado com os restantes factos já tem um papel relevante.

O mesmo se diga em relação ao facto vertido em 23 – Agora com menos alternativas de contacto, a arguida optou por outra estratégia e passou a abordar conhecidos em comum a esta e ao assistente – que a arguida também não consegue afastar socorrendo-se dos mesmos argumentos que teceu em relação ao facto vertido em 22.

O mesmo vale ainda para os factos vertidos em 30, 33 e 34 – 30) A arguida ainda pediu ao assistente que lhe desse uma nova oportunidade e que caso retomassem a relação de namoro esta de imediato retirava a queixa em Tribunal, ao que o assistente lhe respondeu que a relação era para terminar; 33) Após o mês de Julho de 2023, ou seja, após a prolação de despacho de arquivamento no NUIPC 1060/23.1PBBRG, a arguida começou a manifestar comportamentos obsessivos pela filha do assistente, exigindo estar com ela alguns dias enquanto estivesse a passar férias com ele; 34) Em dia não concretamente apurado, mas em 2023, a arguida enviou uma fotografia recente da filha do assistente (FF) à sobrinha e afilhada do assistente, GG, onde depois escreveu “envia ao pai imagino a saudade” –  em relação aos quais a arguida se limita a tecer considerações sem indicar qualquer prova concreta que afaste tais factos.

No que tange aos factos vertidos em 35, 36 e 37 – 35) Desde, pelo menos, Julho de 2023, o assistente efectuou as visitas à filha por intermédio do CAFAP - Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, sito Tv. ..., ..., ..., o que é do conhecimento da arguida; 36) No dia 16/08/2023, o assistente encontrava-se no CAFAP - Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, local onde, visita a sua filha; 37) A arguida aí se dirigiu;  – a arguida argumenta que não tinha maneira de saber os dias e horas em que se realizariam as sessões de visita do assistente no CAFAP.

E transcreve alguns trechos da testemunha HH, pertencente ao CAFAP, que terá confirmado que não transmitiu à arguida informação acerca das visitas.

Contudo, a referida testemunha disse que as visitas eram marcadas de acordo com as folgas do assistente, facto que a arguida poderia saber com facilidade atento a convivência que teve com o assistente, sendo certo que o facto da dita testemunha nada ter dito à arguida não significa que esta não pudesse saber por outras pessoas, mormente a mãe da criança.

Sendo de notar que a arguida efectivamente encontrou o assistente à porta do CAFAP, como admite no seu recurso, o que de per se, já é um forte indicador que sabia o dia em que o podia lá encontrar, não sendo minimamente credível que a arguida se tivesse deslocado por mero acaso a um CAFAP que não lhe dizia respeito.

Repare-se que um CAFAP é uma entidade que visa mediar as visitas entre menores e o progenitor que não tem a sua guarda, no âmbito de processos tutelares cíveis, pelo que se pergunta o que é que a arguida estava a fazer no CAFAP?

E logo, por coincidência, cruzou-se com o assistente num dia que, logo por coincidência, lá estava?
 
Claro se torna ver que os factos em apreço mostram-se correctamente julgados.

O mesmo se diga em relação ao facto vertido em 53 e 90 – 53) Entre o dia 31/07/2023 e 02/08/2023, a arguida conseguiu entrar em contacto com o assistente, alertando-o que, além de doente, estava grávida; 90) No dia 20/10/2023, a arguida apareceu no CAFAP - CAFAP - Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, a convidar o assistente para o casamento do filho mais velho e novamente a pedir que deviam reatar a relação;  – oferecendo a arguida trechos das suas próprias declarações.

Acontece, tal como muito bem observa a Exmª Srª PGA no seu douto parecer, que o Tribunal a quo não atribuiu credibilidade às declarações da arguida, tendo considerado credíveis as declarações do assistente.

Quanto aos factos vertidos em 95, 96 e 98 – 95) Ao contactar, remeter mensagens, de forma frequente e sequencial, ao assistente, sabia a arguida ainda que perturbava o assistente na sua paz e no seu sossego, resultado esse que pretendeu e logrou atingir, bem sabendo que a sua conduta era adequada a obter esse resultado; 96) A arguida actuou com o propósito conseguido de ofender o assistente na sua saúde psíquica; 98) Como consequência do comportamento da arguida, o assistente deixou de ter qualquer paz, sossego e tranquilidade na sua vida; – estes factos traduzem o mundo interior psicológico da arguida que se alcança através da conjugação dos restantes factos objectivamente alcançados.

O facto da arguida ter afirmado que tudo quanto fez foi por amor e porque queria conquistar o assistente não significa que não se possa considerar que o seu comportamento, ao longo dos vários episódios, revelam outra intenção, não tendo o Tribunal a quo, em face da conjugação de toda a prova de que dispunha, inclusive documental, e o facto da arguida ter, efectivamente, feito queixa crime do assistente por factos objectivamente graves para depois desistir da queixa, concluído que as suas declarações não mereciam credibilidade porque objectivamente contrariadas pelo seu comportamento.

Alega ainda que o assistente já teria problemas do foro psíquico mas, além de não indicar qualquer prova clínica segura nesse sentido, indica um depoimento, prestado pela testemunha II que, segundo a transcrição oferecida pela arguida, se limita a dizer aquilo que ele, por sua vez, ouviu dizer à própria arguida.

Ou seja, estamos perante um depoimento de “ouvir dizer” que de nada serve para impugnar os factos indicados.

Quanto aos restantes factos impugnados, os vertidos em 99, 100, 101 e 102 - 99) O assistente passou a sair de casa com medo de se cruzar com a arguida, com receio que esta o encontrasse e iniciasse os comportamentos supra descritos; 100) O assistente tinha receio que a arguida importunasse os seus amigos e familiares, incluindo a filha, que é menor de idade; 101) O assistente passou a dormir mal, a andar nervoso, a ter crise de ansiedade e insónias; 102) O assistente teve de recorrer a ajuda psiquiátrica e esteve inclusivamente de baixa médica; –  a arguida nenhuma prova oferece, apenas se limita a tecer considerações e argumentos com os quais pretende impugnar a convicção do Tribunal a quo.

Ora, o que resulta à saciedade da motivação da arguida é que a mesma pretende discutir a convicção alcançada pelo Tribunal a quo por entender que a sua leitura da prova é mais válida.

Ou seja, da cuidada análise da impugnação da matéria de facto oferecida pela recorrente, o que salta à vista é o discorrer de páginas de argumentação cuja única finalidade é oferecer uma leitura alternativa sem, contudo, cumprir com o ónus previsto no artº 412º do CPP e que é o de demonstrar como é que a prova alternativa que oferece “impõe” decisão diversa.

O que a arguida faz é apresentar uma versão alternativa dos factos, assente na sua própria convicção, sem lograr demonstrar em que medida a convicção do Tribunal a quo teria, forçosamente, de ser outra.

Veja-se, que a arguida retira trechos de algumas testemunhas, fora de contexto, os quais apresenta com a sua leitura e a sua interpretação, sem demonstrar em que medida a interpretação seguida pelo Tribunal a quo é objectivamente errada.

De notar que, em relação aos depoimentos das testemunhas, o Tribunal a quo ouviu em primeira mão todas as testemunhas, incluindo o ofendido, beneficiando, assim, dos princípios da imediação e da oralidade, pôde aperceber-se de um manancial de elementos não verbais como olhares, expressões, tons de voz, hesitações, tiques, postura corporal, etc. etc. etc.
Ora, à recorrente compete demonstrar porque motivo racional e coerente, de um ponto de vista da lógica e das regras da experiência comum, o Tribunal a quo deveria ter rejeitado este ou aquele depoimento ou feito esta ou aquela leitura.
Só assim é que poderíamos falar em erro de julgamento porquanto o Tribunal a quo não teria avaliado de forma lúcida, racional e lógica determinado depoimento.

Por exemplo:
Se o Tribunal a quo se limita a dizer que não acreditou na testemunha A por que sim, ou porque não gostou do cabelo ou do casaco dessa testemunha, claramente se torna ver que estamos perante uma avaliação pessoal, meramente arbitrária e, consequentemente, em violação directa do disposto no artº 127º do Código de Processo Penal.

Contudo, explicando o Tribunal a quo os concretos motivos pelos quais, até em conjugação com a restante prova, atribuiu credibilidade a determinada testemunha ou porque motivo só aceitou como verosímil parte do respectivo depoimento, a simples discordância da recorrente não basta para se concluir ter havido erro de julgamento.

Mesmo que esta Relação, ouvindo a prova, tivesse uma leitura diferente da mesma (o que desde já se confirma que não tem), desde que a análise do Tribunal a quo se mantenha dentro do que é plausível, ou seja, desde que seja uma narrativa alternativamente aceitável, não há que considerar haver erro de julgamento, devendo prevalecer a leitura da prova efectuada pelo Tribunal a quo que dela beneficiou em primeira mão.

Em conclusão, a arguida não logrou demonstrar, com a prova alternativa que oferece, o motivo pelo qual o Tribunal a quo errou ao dar como provados os factos que a arguida impugna, nem conseguiu provar que o Tribunal a quo tivesse violado o disposto no artº 127º do CPP uma vez que, não resulta da sentença recorrida que o Tribunal a quo tivesse agido de forma arbitrária na avaliação que efectuou da prova, ou que tivesse valorado prova proibida, ou encetado raciocínio ilógico e violador das regras da experiência comum.

Quanto à violação do princípio in dúbio pro reo que pode ser considerada uma violação do disposto no artº 127º do CPP veremos já de seguida esse item.

IV) Da violação do princípio in dubio pro reo:

Entende ainda a recorrente que o Tribunal a quo violou o princípio in dúbio pro reo uma vez que deveria ter ficado na dúvida acerca da sua culpabilidade em face da prova produzida.

Vejamos.

O princípio do in dúbio pro reo foi transposto para o processo penal a partir do consagrado no artº 32º da Constituição da República Portuguesa que, subordinada à epígrafe “garantias do processo criminal”, diz o seguinte:

“1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
3. O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória.
4. Toda a instrução é da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades a prática dos actos instrutórios que se não prendam directamente com os direitos fundamentais.
5. O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.
6. A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento.
7. O ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei.
8. São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.
9. Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior.
10. Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.”

Ou seja, existindo uma séria dúvida sobre determinado facto, essa dúvida deve ser resolvida a favor do arguido, atento o princípio da presunção da sua inocência.

Ou, conforme muito bem explicitado no Acórdão do STJ de 12-03-2009, cujo relator é Soreto de Barros:

“III- O princípio do in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa; como tal, é um princípio que tem a ver com a questão de facto, não tendo aplicação no caso de alguma dúvida assaltar o espírito do juiz acerca da matéria de direito.
IV- Este princípio tem implicações exclusivamente quanto à apreciação da matéria de facto, quer seja nos pressupostos do preenchimento do tipo de crime, quer seja nos factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
V- Não existindo um ónus de prova que recaia sobre os intervenientes processuais e devendo o tribunal investigar autonomamente a verdade, deverá este não desfavorecer o arguido sempre que não logre a prova do facto; isto porque o princípio in dubio pro reo, uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP) contempla, impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos: em tal situação, o tribunal tem de decidir pro reo.
VI- Daqui se retira que a sua preterição exige que o julgador tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido. Já o saber se, perante a prova produzida, o tribunal deveria ter ficado em estado de dúvida é uma questão de facto que não cabe num recurso restrito à matéria de direito, mesmo que de revista alargada.
VII - A apreciação pelo STJ da eventual violação do princípio in dubio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto: há-de ser pela mera análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio, ou seja, quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.” – sublinhado nosso

No caso em apreço, o Tribunal a quo não manifestou qualquer dúvida ao fixar a matéria de facto.
           
Sendo certo que, apenas da simples análise do texto da sentença recorrida, sem ponderar os elementos de prova, não se chega à conclusão de que o Tribunal a quo deveria ter ficado com dúvida, pelo que nunca poderia estar em causa um erro notório na apreciação da prova no que tange a este princípio.

Ora, a dúvida que a arguida expressa é sua e apenas sua, não inquinando a convicção do Tribunal a quo que explicou de forma clara o seu percurso logico-dedutivo, o qual não apresenta falhas aptas a levar-nos a concluir que a dúvida deveria ter surgido.

Repare-se que a arguida parte de um entendimento de que a matéria de facto por si indicada deveria ter sido julgada não provada, mas como vimos supra a sua tese não foi por nós acolhida, pelo que, entendendo-se que os factos foram correctamente julgados, não há lugar a qualquer dúvida e, portanto, não há qualquer violação do princípio in dúbio pro reo.

Improcede, consequentemente, também esta parte do recurso.

V) Do erro na qualificação jurídica do crime imputável à arguida:

Por fim, entende a recorrente que não se mostra preenchido o tipo legal que lhe foi imputado não só porque não há um comportamento reiterado, como tudo quanto fez foi porque ainda amava o assistente e queria reatar com o mesmo.

Antes de entrarmos na análise desta questão vejamos, primeiro, o que consta da sentença recorrida no que tange ao respectivo enquadramento dos factos no crime pelo qual a arguida foi condenada.

“B. DE DIREITO

Enquadramento jurídico-penal
A arguida encontra-se acusada da prática de um crime de violência doméstica, p.e p. pelo art.º 152.º n.º 1 al. b) e n.º 2 al. a) do Código Penal.
A incriminação por violência doméstica tem como bens jurídico-penais protegidos não só a integridade física e psíquica, como também a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual e a própria honra.
No fundo, podemos afirmar que a incriminação dos actos que consubstanciam a violência doméstica, os denominados maus tratos, como iremos de seguida desenvolver, tem como objectivo proteger a dignidade da pessoa humana, princípio constitucionalmente previsto e basilar de qualquer sociedade de direito democrática (cfr. art.º 1 da CRP).
O elemento objectivo do tipo de ilícito é preenchido por condutas que consubstanciem maus tratos físicos ou psíquicos, nos quais se incluem a violência física, psicológica, verbal e sexual, praticadas contra uma das pessoas referidas nas alíneas do n.º 1 do art.º 152.º C.Penal, desde que tais condutas não sejam punidas com pena mais grave por força de disposição legal.

Assim, o tipo de ilícito de violência doméstica tem como pressupostos do seu elemento objectivo os seguintes:
1. Uma das relações previstas no n.º 1 do art.º 152.º do C.Penal entre a vítima e o agente, i.e.,: a. Casamento (contemporâneo ou anterior);
b. Relação de namoro ou união de facto (contemporâneo ou anterior);
c. A vítima ser progenitora de descendente comum em 1.º grau;
d. Coabitação com a vítima, sendo esta pessoa particularmente indefesa;

2. Inflicção de maus tratos físicos ou psíquicos.

Quanto ao primeiro requisito, e como afirma MIGUEZ GARCIA, este é um “crime de relação (…). Relações que, além de não suporem, necessariamente, um vínculo afectivo estável, nalguns casos são longínquas (pretéritas) ou desprovidas de laços familiares. Relevará, mais exactamente, um certo grau de proximidade, ao lado de uma estreita comunidade de vida, realidades que instituem normas de conduta cuja violação fundamenta ou agrava a ilicitude do facto” (MIGUEZ GARCIA in “O Direito Penal – Passo a Passo”, Vol. I, Almedina, 2ª Ed., 2015, pág. 217).
Efectivamente, como nota também PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, este é um crime “cuja ilicitude é agravada em virtude da relação familiar, parental ou de dependência entre o agente e a vítima”, (in “Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, 3ª Ed., Novembro de 2015, pág. 591).
Apesar de ser necessária uma das relações acima citadas, o tipo de ilícito não pretende proteger a unidade familiar, mas sim punir a violência praticada contra pessoas pelas quais o agente deveria nutrir especial respeito e cuidado. Pretende-se, pois, proteger a integridade individual dessas mesmas pessoas.
Quanto ao segundo requisito, o tipo legal exige que estejamos perante maus tratos físicos ou psíquicos, o que implica que se prove a existência de “actos que revelam crueldade, desprezo, vingança, especial desejo de humilhar e fazer sofrer a vítima.” (v. Ac. TRG de 18 de Março de 2013, proc. n.º 78/12.4GDVCT.G1, relatora Maria Luísa Arantes).
Assim, os maus tratos físicos e psíquicos traduzem-se em actos que revelam uma especial perversidade e perigosidade por parte de quem os pratica. De um ponto de vista ético e social, uma conduta violenta por parte de um indivíduo contra pessoas por quem este deveria nutrir especial respeito, como já foi referido, devido à relação com estas (presente ou passado), a terem filhos em comum ou existir uma especial vulnerabilidade da vítima, torna os seus actos mais gravosos e censuráveis.
Todavia, tal não implica que não se deva ir para além da constatação da relação entre a vítima e o agente. Simultaneamente, deverão ser analisadas todas as condutas concretas do agente e a as suas motivações. Não basta a qualidade de cônjuge ou ex-cônjuges, ou de namorados, entre as partes para, face a comportamentos integrativos de um crime de ofensa à integridade física, injúria, ameaça ou perseguição, se conclua pela prática de um crime de violência doméstica. Terá de ser feita uma avaliação global do comportamento do agente.
Nesta matéria, concordamos com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 8 de Fevereiro de 2017, no qual se afirma que “um crime de ofensas à integridade física simples, ou um simples crime de injúria, cometidos em circunstâncias normais, não é pelo facto de a vítima ser cônjuge que passam automaticamente a preencher o conceito de “maus tratos” e a ser considerados “violência doméstica”. Com reiteração ou não, as concretas circunstâncias em que ocorreu a conduta é que serão determinantes para, a partir delas, se apurar se os factos ilícitos cometidos, valorados à luz do relacionamento entre agressor e vítima, são susceptíveis de constituir um verdadeiro atentado à dignidade desta, para além de ofenderem a integridade física ou a honra, ou atentarem contra a liberdade ou a autodeterminação sexual. Ou seja, é essencial que fique demonstrado que a conduta ilícita “atingiu o âmago da dignidade da pessoa ou o livre desenvolvimento da sua personalidade”, de molde a poder concluir-se que, com tal actuação, o agressor tratou a vítima como mera “coisa” ou “objecto” e não como sua igual, como pessoa livre, titular de direitos que está obrigado a respeitar.” (Ac. TRL, 8 de Fevereiro de 2017, proc. n.º 1816/14.6PFLRS.L1-5).
Deste modo, a violência usada pelo agente neste tipo de ilícito terá de “comprometer gravemente o desenvolvimento da personalidade da pessoa atingida” (MIGUEZ GARCIA in ob. cit., pág. 218), afectando de forma grave a sua própria dignidade de pessoa humana e, consequentemente, atingir a sua saúde, quer física, quer mental.
O comprometimento da dignidade da pessoa humana pode ser alcançado das mais diversas formas, mas terá sempre de se revelar na acção do agente um domínio sobre a vítima, i.e., “a panóplia de acções que integram o tipo de crime em causa, analisadas à luz do contexto especialmente desvalioso em que são perpetradas, constituem-se em maus tratos quando, por exemplo, revelam uma conduta maltratante especialmente intensa, uma relação de domínio que deixa a vítima em situação degradante ou um estado de agressão permanente.” (Ac. TRL de 4 de Outubro de 2016, proc. n.º 311/15.0JAPDL.L1-5).
Quanto ao elemento subjectivo, o tipo legal exige o dolo.
A al. a) do n.º 2 do art.º 152.º do C.Penal prevê ainda a agravação da moldura penal abstracta nos casos em que o agente “praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima”.
Analisemos, então, se a situação factual que ora nos ocupa consubstancia um crime de violência doméstica.
A arguida e o assistente mantiveram uma relação de namoro, pelo que a sua relação se enquadra na al. b) do n.º 1 do art.º 152.º do C.Penal.
Ademais, ficou provado que essa relação terminou a 19/06/2023.
Após tal término, a arguida passou a contactar o assistente por todos os meios possíveis, enviando mensagens, ligando para a sua casa, telemóvel e local de trabalho, aparecendo nos sítios onde este estava e forçando o contacto, apesar de instada a não fazê-lo. Tais comportamentos perduraram desde o final da relação até Janeiro de 2024.
Ademais, a arguida não só contactou o assistente, como abordou a sua sobrinha, insistia para estar com a sua filha e falava com os seus colegas de trabalho e amigos.
Nos seus contactos, a arguida flutuava entre insistir em retomar a relação, querer ajudar o assistente nos problemas que este tinha com a ex-mulher por causa da filha, e ameaçar que lhe ia fazer a vida negra, especialmente usando a queixa que havia apresentado contra este.
Ficou ainda provado que, ao actuar desta forma, a arguida sabia que perturbava o assistente na sua paz e no seu sossego, resultado esse que pretendeu e logrou atingir, bem sabendo que a sua conduta era adequada a obter esse resultado.
A arguida agiu sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Teremos, pois, de analisar se estas condutas configuram, ou não, maus tratos, tendo em consideração as exposições teóricas já feitas quanto ao tema.
Há que notar, desde logo, que dos factos provados não se pode concluir que exista qualquer ascendente da arguida perante o assistente, que até já tinham terminado a sua relação e viviam em casas separadas, tendo cada um a sua vida.
As insistências da arguida em contactar o assistente e as expressões que esta utilizava, tais como “vou-te fazer a vida negra”, são persecutórias e atingem a liberdade e sossego do assistente e, assim, podem, como iremos analisar, configurar a prática de outro tipo de crime, mas não bastam para, per si, configurar um comprometimento grave do desenvolvimento individual.
Para que exista um crime de violência doméstica é necessário algo que ultrapasse a normal afectação dos bens jurídicos protegidos por outras normas, seja a integridade física, seja a honra ou liberdade. É preciso que a própria dignidade da pessoa seja colocada em causa. Ora, no caso concreto, tal não se verifica.
Porém, como facilmente se percepciona pelo número de bens jurídico-penais protegidos pelo tipo legal, o crime de violência doméstica encontra-se numa relação de especialidade com vários outros crimes, tais como os crimes de ofensas à integridade física simples ou qualificadas, os crimes de ameaças simples ou agravadas, os crimes contra a honra, entre outros.
Assim, no caso concreto, podemos estar perante condutas que integrem a prática de um crime de perseguição (p. e p. pelo art.º 154.º-A n.º 1 do C.Penal).
Vejamos.
O crime de perseguição encontra-se previsto no art.º 154.º-A n.º 1 do C.Penal, que, no seu n.º 1, determina que “quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, directa ou indirectamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal” (sublinhado nosso).
Este foi um normativo integrado no C.Penal português por imposição do art.º 34.º da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e ao Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (Istambul, 2011) e pretende proteger a liberdade de decisão e de acção de cada indivíduo.

Os elementos objectivos do tipo são:
1. Perseguir ou assediar outra pessoa;
2. Por qualquer meio;
3. Directa ou indirectamente;
4. De forma a provocar-lhe medo ou inquietação ou prejudicar a sua liberdade de determinação.

Trata-se, pois, de um crime de execução livre, já que a perseguição pode ser feita por qualquer meio. O legislador teve a clara intenção de não restringir o tipo legal a condutas específicas ou, até, exemplificativas, já que este tipo de crime pode-se traduzir numa infinita panóplia de condutas.
Outra característica típica do crime de perseguição é a aparente inocência das condutas que o integram que, depois de avaliadas globalmente, demonstram a sua verdadeira danosidade. Por esta razão, o tipo legal exige a forma reiterada.
O meio terá de ser adequado a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação da vítima. A adequação é aferida tendo em conta o critério do homem médio e as circunstâncias do caso concreto, de modo a aferir o que se pode mostrar ou não adequado a provocar medo ou inquietação ou prejudicar a liberdade de determinação da vítima.
O elemento subjectivo é apenas preenchido com dolo, em qualquer uma das suas modalidades.
Feito o enquadramento jurídico-penal do crime de perseguição, vejamos se a arguida praticou tal ilícito.
Como já se explicou, ficou provado que por diversas vezes, em diversos dias e por diversos meios, a arguida contactou o assistente contra a sua vontade, chegando a aparecer, por diversas ocasiões, nos locais onde este se encontrava e forçado o contacto.
Tais comportamentos perduraram desde o final da relação (Junho de 2023) até Janeiro de 2024.
Ficou ainda provado que, ao actuar desta forma, a arguida sabia que perturbava o assistente na sua paz e no seu sossego, resultado esse que pretendeu e logrou atingir, bem sabendo que a sua conduta era adequada a obter esse resultado.
A arguida agiu sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Consequentemente, ficou provado que a arguida, durante seis meses, de forma contínua, perseguiu o assistente, contactando-o por diversas formas e aparecendo nos locais onde este estava.
Tais condutas são adequadas a prejudicar a liberdade de acção de qualquer um, como, em concreto, aconteceu com o assistente.
Conclui-se, pois, que a arguida praticou, em autoria material e na forma consumada, um crime de perseguição, p. e p. pelo art.º 154.º-A n.º 1 do C.Penal.
Não se verificam quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, pelo que deverá a arguida ser responsabilizada pela sua conduta.”

Antes de mais, convém referir que a matéria de facto impugnada pela recorrente não foi alterada nos termos por esta pretendido, pelo que não é possível retirar as consequências que a mesma pretende a nível de enquadramento jurídico daqueles factos.

Por outro lado, não há a menor dúvida que os factos provados revelam uma real perseguição por parte da arguida ao assistente.

Note-se, por exemplo, no facto vertido em 59 que revela que a arguida enviou, só no dia 07-09-2023, um total de vinte e uma (!) mensagens ao assistente das 2:51 até às 4:16 da madrugada!

E, no facto vertido em 41, a arguida enviou no dia 18-08-2023, sete mensagens num espaço temporal de 22 minutos, também de madrugada entre as 2:49 e as 3:11.

Tratam-se de horários em que as pessoas por norma dormem ou, pelo menos, estão a descansar, sendo incompreensível que a arguida para “conquistar o assistente de volta” o fosse perturbar no seu descanso.

Só as mensagens revelam a reiteração do comportamento da arguida.

Os factos vertidos em 18 e 20 revelam também essa reiteração, tanto que o assistente teve de bloquear a arguida.

Tendo sido sistematicamente bloqueada pelo assistente, a arguida passou a encetar telefonemas a partir de outros números (facto vertido em 24) e, por fim, ligou para o local de trabalho (facto vertido em 27).

A arguida chegou a contactar a ex-namorada do assistente para falar mal deste (factos vertidos em 31 e 32).

A lista continua, com intercepções do assistente pela arguida no CAFAP e mais telefonemas para o local de trabalho do arguido.

Considerando todos os factos provados dúvidas não podem restar que a arguida encetou um verdadeiro “stalking” do assistente, sendo as suas investidas reveladoras de um comportamento obsessivo e altamente constrangedor da vítima, o que nada tem a ver com amor ou com uma vontade em reatar uma relação.

E mesmo que, por hipótese, se considerasse que era essa a vontade da arguida a verdade é que um desejo de reatar não pode implicar uma perturbação da vida daquele que não deseja esse reatamento, nem o amor implica impor uma presença não desejada.

Dúvidas não restam, assim, que o Tribunal a quo enquadrou correctamente os factos no crime imputado à arguida, nada havendo a censurar à sentença recorrida.

Assim, improcede in totum o recurso da arguida.

Decisão:

Em face do acima exposto, os Juízes Desembargadores da Secção Penal da Relação de Guimarães, julgam IMPROCEDENTE o recurso da arguida, e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas a cargo da arguida recorrente fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC's: (artºs 513º nº 1 CPP e 8º e 9º do Regulamento das Custas Processuais conjugando este com a Tabela III anexa a tal Regulamento).
Guimarães, 11 de Junho de 2025.
 
Florbela Sebastião e Silva (Relatora)
Anabela Rocha (1ª Adjunta)
Fernando Chaves (2º Adjunto)


[1] Ver a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt, que reproduzimos: “Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).”.
[2] Diz o artº 69º do Código de Processo Penal o seguinte:
1 - Os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei.
2 - Compete em especial aos assistentes:
a) Intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se afigurarem necessárias e conhecer os despachos que sobre tais iniciativas recaírem;
b) Deduzir acusação independente da do Ministério Público e, no caso de procedimento dependente de acusação particular, ainda que aquele a não deduza;
c) Interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito, dispondo, para o efeito, de acesso aos elementos processuais imprescindíveis, sem prejuízo do regime aplicável ao segredo de justiça.
[3] Ac. Rel. Évora de 28-05-2013 no procº nº 166/11.4IDFAR.E1 in dgsi.pt.
[4] In www.dgsi.pt.
[5] In “Comentário do Código de Processo Penal”, 4ª edição actualizada, reimpressa na Universidade Católica em 2018, página 1144.