PROCEDIMENTO CONTRA-ORDENACIONAL
DECISÃO POR DESPACHO
NULIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA
DEVOLUÇÃO DOS AUTOS À AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
Sumário


I. No âmbito de um recurso contraordenacional, quando a sentença recorrida foi prolatada nos termos do art.º 64º nºs 1 e 2 do RGCO, ou seja, quando a decisão recorrida traduz um despacho judicial proferido sem realização prévia de audiência de julgamento, ao Tribunal a quo não é permitido efectuar qualquer outra acção diversa de:
- arquivar o processo;
- absolver o arguido; ou
- manter ou alterar a condenação.
II. Não é, assim, legalmente possível devolver os autos de contra-ordenação à respectiva autoridade administrativa para sanar uma nulidade intrínseca da própria decisão administrativa.
III. Se é verdade que o Tribunal de 1ª instância não decide um simples “recurso” de contra-ordenação, antes, decide de mérito com amplos poderes, ou como se afirma no Acórdão do STJ nº 3/2019 “a causa é retirada do âmbito administrativo e entregue a um órgão independente e imparcial, o tribunal. E o tribunal irá decidir do mérito da causa como se fosse a primeira vez…” não é menos verdade que, constatando o Tribunal a quo a falta de factos necessários ao preenchimento da respectiva contra-ordenação e consequente imputação ao arguido da respectiva coima, que o “mérito da decisão” levará forçosamente à absolvição do acoimado e não à devolução à autoridade administrativa para sanação do problema.
IV. Tanto mais que a insuficiência de factos para a decisão condenatória (que é o que, na realidade, se constata existir com a decisão administrativa em apreço), sendo um vício de sentenças judiciais cujo conhecimento (oficioso ou não) só pode ocorrer em sede de recurso para a Relação ou para o STJ, não é aplicável às decisões administrativas (aliás, nem o é para quaisquer outras decisões judiciais, mormente instrutórias) e, por isso, não pode o Tribunal de 1ª instância invocar tal falta para devolver os autos à autoridade administrativa para sanação como ocorre no âmbito de recurso para a Relação ou para o STJ nos termos do artº 426º do CPP.
V. Por outro lado, tendo o Ministério Público considerado que dos autos administrativos e, mormente, da decisão administrativa constavam todos os factos e todos os indícios para imputar ao acoimado a contra-ordenação por este impugnada, ao ponto de o submeter a juízo e de, a partir daí, já em sede do Tribunal Judicial, assumir a posição de representante do Estado, no lugar da autoridade administrativa, enquanto acusador – lembre-se que nos termos do artº 62º nº 1 do RGCO a submissão dos autos administrativos a juízo vale como acusação – não se pode, depois de introduzido em juízo esta “decisão-acusação”, como o qualifica o Ac. do STJ nº 3/2019, querer ultrapassar o próprio MºPº, que julgou válida a decisão administrativa pois a submeteu como acusação, e devolver à entidade administrativa com vista a que a mesma sane um vício que nem o MºPº pode sanar.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. No âmbito do Recurso Judicial de Contra-ordenação que corre termos pelo Juízo de Competência Genérica de Valpaços, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, sob o nº 285/24.7T8VPC, foi proferida sentença em 06-01-2025, com a refª ...51, relativamente ao arguido/acoimado AA através do qual o mesmo foi absolvido da coima que lhe havia sido aplicada pela Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), nos seguintes termos:

“IV) DISPOSITIVO
Nos termos e com os fundamentos vertidos supra, julga-se procedente o recurso interposto pelo recorrente, AA e, em consequência declara-se nula a decisão administrativa proferida pela INSPEÇÃO-GERAL DA AGRICULTURA, DO MAR, DO AMBIENTE E DO ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO, absolvendo-se o recorrente da contraordenação que foi imputada.
Sem custas (artigos 93.º n.º 3 e 94.º n.º 3 do Regime Geral das Contraordenações).
Notifique e deposite.
Dê conhecimento à Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (Cfr. artigo 70.º, n.º 4 do Regime Geral das Contraordenações).”

II. Inconformado, veio o Ministério Público interpor recurso em 13-01-2025 com a refª ...14, através do qual pugna pela validade da decisão administrativa, tendo rematado com as seguintes conclusões:

“1. A decisão proferida pela Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e Ordenamento do Território – IGAMAOT - não é nula, pois contém, de forma sucinta, mas suficiente, fundamentação de facto e de direito.
2. A decisão administrativa insere-se na fase administrativa do processo de contra-ordenação, sujeita às características da simplicidade e da celeridade, onde prevalecem os princípios próprios do direito administrativo.
3. O artigo 58.º do RGCOC (DL nº 433/82 de 27/10) ex-vi artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 50/2006, de 29/08 (Lei Quadro das Contraordenações Ambientais), apenas exige que uma decisão administrativa contenha uma fundamentação, de facto e de direito, ainda que sucinta, que seja suficiente para demonstrar o raciocínio da entidade administrativa, transcrevendo a respectiva factualidade, indicando as norma jurídicas violadas e a coima aplicada, possibilitando um conhecimento perfeito dos factos e normas imputados, o que se verifica no caso em concreto.
4. Verificados aqueles requisitos, que estão presentes na decisão administrativa em causa, tal é suficiente para que o arguido possa exercer os seus direitos de defesa, o que aliás fez na fase administrativa.
5. As contraordenações não respeitam à tutela de bens jurídicos ético-penalmente relevantes, mas apenas e tão só, à tutela de meras conveniências de organização social e económica e à defesa de diversos interesses, que ao Estado cumpre regular impondo regras de conduta nos mais variados domínios de relevo para a organização e bem-estar social.
6. A culpa nas contraordenações não se baseia em qualquer censura ético-penal, mas tão só na violação de certo procedimento imposto a agente, bastando-se por isso com a mera imputação do facto ao agente.
7. Além disso, na decisão da autoridade administrativa, o elemento subjectivo da conduta pode presumir-se da descrição do elemento objectivo (que se encontra enunciado na decisão administrativa).
8. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 58.º e 41.º do DL. nº 433/82 de 27/10, 379.º, n.º 1, alínea a), e 374º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal.
9. Pugnando-se, assim, pela revogação da decisão que absolveu o arguido, e a sua substituição por outra que considere verificados os requisitos previstos no artigo 58.º do Dec- Lei n.º 433/82, de 27/10, e que aprecie os demais fundamentos da impugnação judicial.
Termos em que se conclui como supra, julgando-se o presente recurso procedente e proferindo-se douto acórdão que revogue a douta sentença sindicada, como é de toda JUSTIÇA!!!”

III. O recurso foi admitido por despacho de 30-01-2025 com a refª ...11 tendo sido fixado efeito devolutivo.

IV. Não houve resposta.

V. Foi aberta vista nos termos do disposto no artº 416º nº 1 do CPP, tendo o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto proferido douto parecer em 18-03-2025, com a refª ...35, no qual pugna pela procedência do recurso e consequente aplicação de coima, acompanhando a posição do MºPº da 1ª instância.

VI. Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do CPP veio o arguido/acoimado responder em 03-04-2025, através de requerimento com a refª ...94, onde reitera a posição por si já assumida aquando da interposição do recurso contra-ordenacional, pugnando pela validade da sentença recorrida.

VII. Foi então proferida Decisão Sumária em 15-04-2025 com a refª ...24 através da qual se decidiu rejeitar o recurso interposto pelo Ministério Público por manifesta improcedência ao abrigo do disposto nos artºs 417º nº 6 al. b) e 420º nº 1 al. a), ambos do Código de Processo Penal.

VIII. Inconformado, veio o Exmº Sr. PGA reclamar para a Conferência através de requerimento de 02-05-2025 com a refª ...97, na qual tece as seguintes considerações:

“O MINISTÉRIO PÚBLICO notificado da decisão sumária proferida a 15.04.2025 [referência ...24 no processo electrónico] nos autos supra referenciados, dela vem apresentar RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA, nos termos do previsto no artigo 417.º n.º 8 do Código de Processo Penal, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
i. Por sentença datada de 06.01.2025, decidiu-se julgar procedente o recurso interposto pelo recorrente AA e, em consequência, declarar nula a decisão administrativa proferida pela IGAMAOT, absolvendo o recorrente da contra-ordenação que lhe fora imputada e por que fora condenado.
ii. Desta sentença recorreu o Ministério Público, defendendo que a decisão administrativa não padecia de qualquer nulidade e que, por isso, a sentença recorrida violara o disposto nos artigos 58.º e 41.º do RGCO, pedindo a sua revogação e substituição por outra que considerasse verificados os requisitos previstos no artigo 58.º do RGCO e que apreciasse os demais fundamentos da impugnação judicial.
iii. A decisão sumária proferida nestes autos considerou:
a. que a decisão administrativa era de facto nula, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 379.º n.º 1, alínea a), do CPP e 41º do RGCO, por violar o disposto no artigo 58º n.º 1, alíneas b) e c), do RGCO, já que lhe faltavam factos absolutamente essenciais ao preenchimento do tipo contra-ordenacional imputado ao arguido, mormente a nível dos elementos objectivos, assim como lhe falhava a cabal identificação das normas legais aplicáveis;
b. e que esta nulidade, por resultar da insuficiência de factos para imputação ao arguido do respectivo tipo contra-ordenacional, não era suprível pela IGAMAOT, uma vez que a sua decisão, tal como uma acusação do Ministério Público, delimita o objecto processual, não podendo ser acrescentados os factos que claramente estão em falta, sob pena de se incorrer numa alteração substancial dos factos.
iv. E decidiu pela rejeição do recurso interposto pelo Ministério Público, por manifesta improcedência, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 417.º n.º6, alínea b), e 420.º n.º1, alínea a), ambos do CPP.
v. Ora, ainda que a decisão administrativa fosse efectivamente nula, sempre os autos teriam de ser devolvidos à IGAMAOT, para a devida sanação, mostrando-se incorrecto o entendimento da decisão sumária de que esta sanação não é viável.
vi. Não se desconhece a corrente doutrinária e jurisprudencial, em que se insere a decisão sumária, que defende a impossibilidade de sanação da nulidade mediante remessa à autoridade administrativa, a qual parte, fundamentalmente, do segmento do artigo 62.º n.º1 do RGCO “valendo este acto como acusação”, a partir do qual se cinge estritamente ao regime processual penal de nulidade da acusação por falta de elementos essenciais ao preenchimento do tipo, convocando inclusivamente o Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência 1/2015[1].
vii. Mas esta “colagem” ao regime processual penal é manifestamente excessiva e legalmente desfocada.
viii. De facto, a atribuição de natureza subsidiária aos preceitos reguladores do processo criminal conferida pelo artigo 41.º n.º1 do RGCO não pode significar a transformação do processo contra-ordenacional em processo penal; o regime das contra-ordenações tem autonomia dogmática, tanto ao nível substantivo, como processual, que implica limites àquela importação de soluções do processo penal; de resto, tais limites estão bem expressos no citado preceito – os preceitos reguladores do processo penal só são aplicáveis “se o contrário não resultar do diploma” e desde que “devidamente adaptados”.
ix. Assim é que António Leones Dantas, in Direito Processual das Contraordenações, Almedina, 2023, páginas 219, afirma que o processo contra-ordenacional “tem soluções processuais que o afastam radicalmente do processo penal e da estrutura acusatória que o enforma”.
x. É, pois, no específico contexto do processo contra-ordenacional que tem de ser entendido o recurso de impugnação judicial e o papel do tribunal.
xi. Ora, no âmbito do recurso de impugnação judicial da decisão administrativa condenatória não há acusação formal que fixe o objecto do processo.
xii. Nos termos do artigo 62.º do RGCO, “Recebido o recurso, e no prazo de cinco dias, deve a autoridade administrativa enviar os autos ao Ministério Público (…), que os tornará presentes ao juiz, valendo este ato como acusação” –salientado nosso.
xiii. É, pois, o acto de apresentação dos autos ao juiz que vale como acusação, em lado algum da lei se dizendo que a decisão administrativa se transmuta em acusação[2].
xiv. Mas ainda que se entendesse que na fase de impugnação judicial a decisão administrativa passa a valer como acusação[3], o seu papel enquanto tal esgota-se na definição do objecto do processo, porém entendido este na linha da doutrina fixada pelo Acórdão do STJ 3/2019, segundo a qual, em sede de 1.ª instância o Tribunal conhece de toda a questão em discussão -o objeto da sua apreciação não é a decisão administrativa, mas a questão sobre a qual incidiu a decisão administrativa.
xv. Daí que, ainda de acordo com a doutrina daquele Acórdão de Fixação de Jurisprudência, o tribunal decida do mérito da causa como se fosse a primeira vez, com pleno poder de conhecimento do mérito, com plena jurisdição, o que se traduz em plenos poderes de cognição, abarcando questões de facto e de direito e possibilidade de determinação do âmbito da prova a produzir.
xvi. Assim, na síntese de António Leones Dantas, ob. cit., “No âmbito do recurso de impugnação, o objeto do processo não está fixado nem delimitado, conhecendo o tribunal do acontecimento histórico subjacente à intervenção da autoridade administrativa com base em todo o processo” [págs. 209]; “o objeto do processo são os autos e não qualquer peça processual que concretize um universo factual e qualifique esse universo por referência a determinadas normas” [págs. 261] -no mesmo sentido, Alexandra Vilela, in O Direito de Mera Ordenação Social, Coimbra Editora, páginas 186/187.
xvii. Ou seja, de acordo com esta doutrina, e com a jurisprudência fixada do Acórdão do STJ 3/2019, uma vez que a decisão administrativa não esgota o objecto processual -o que o tribunal aprecia não é, como se disse, a decisão administrativa, mas a questão sobre a qual incidiu a decisão administrativa-, em processo contra-ordenacional o objecto do processo não se fixa com a decisão administrativa nos mesmos termos em que no processo penal se fixa com a acusação, ou com o requerimento de abertura de instrução do assistente.
xviii. Pelo que, não se pode mimetizar em processo contra-ordenacional o funcionamento do princípio da vinculação temática em processo penal, nem, por conseguinte, importar deste, qua tale, o regime da alteração dos factos -cfr. neste sentido, o Acórdão do TRL de 16.10.2024, proferido no processo 248/23.0YUSTR.L1-PICRS, onde foi colhida parte das referências doutrinárias citadas.
xix. Sobre este regime deve entender-se que “o regime de alteração do objeto do processo no âmbito do processo das contraordenações não está integralmente sujeito à disciplina dos artigos 358.º e 359.º do Código do Processo Penal, embora algumas das componentes desse regime sejam compatíveis com o processo das contraordenações e com o universo de garantias de defesa que nesse processo devem ser asseguradas ao arguido” -António Leones Dantas, ob.cit, págs. 261/262.
xx. Do que vem dito, resulta que “A peça do processo penal com que a decisão prevista pelo artigo 58.º do RGCO mais se assemelha é, sem sombra de dúvida, a sentença. (…) Logo, tem de se entender que é subsidiariamente aplicável, com as necessárias adaptações, o regime das nulidades da sentença penal”[4].
xxi. Tanto assim é que, diversamente do que sucede no processo penal, no recurso de impugnação judicial em processo contra-ordenacional, quando o tribunal é chamado a conhecer já houve uma condenação e é essa condenação que o arguido pretende sindicar.
xxii. E embora em processo contra-ordenacional, remetidos os autos a tribunal, o Ministério Público passe a ser o titular da pretensão punitiva, como se salienta no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 373/2015, a existência dessa condenação torna a dinâmica dos intervenientes processuais na sua relação com o processo completamente diversa daquela do processo penal, uma vez que tendo sido precedida de uma fase administrativa que assegurou garantias de participação e defesa, exige-se ao arguido fundamento para o recurso e proactividade na sua demonstração.
xxiii. Em conclusão, a nulidade segue o regime decorrente das disposições conjugadas dos artigos 379.º do CPP, 2.º da LQCOA e 41.º do RGCO, impondo-se a remessa dos autos à autoridade administrativa para a sua sanação.
xxiv. Colar a solução para a constatação de uma nulidade da decisão administrativa ao regime processual penal de nulidade da acusação por falta de elementos essenciais ao preenchimento do tipo, desconsidera a fase administrativa do processo contra-ordenacional, desfoca a natureza e papel da decisão administrativa e descaracteriza o processo contra-ordenacional.
Pelo exposto, deduz o Ministério Público a presente Reclamação da Decisão Sumária proferida a 15.04.2025 [referência ...24 no processo electrónico], nos termos do artigo 417.º, n.º 8, do Código de Processo Penal, por dela discordar, requerendo a V.ª Ex.ª que se digne ordenar que o processo seja remetido à conferência, para que seja conhecido o recurso interposto pelo Ministério Público.”

IX. Notificado o arguido este nada veio oferecer aos autos.
X. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
XI. Analisando e decidindo.
Nos presentes autos o digno recorrente veio reclamar para a conferência da decisão sumária proferida, a qual lhe rejeitou o recurso nos termos dos artºs 417º nº 6 al. b) e 420º nº 1 al. a), ambos do Código de Processo Penal.

Diz o artº 417º nºs 8 e 10 do Código de Processo Penal que:
“8 - Cabe reclamação para a conferência dos despachos proferidos pelo relator nos termos dos n.ºs 6 e 7.
10 - A reclamação prevista no n.º 8 é apreciada conjuntamente com o recurso, quando este deva ser julgado em conferência.”

Comecemos, então, pela análise da reclamação olhando, primeiro, para o teor da decisão sumária proferida nos autos que aqui se transcreve.

“Nos termos do disposto no artº 417º nº 6 do Código de Processo Penal, subordinado à epígrafe “exame preliminar”:
“6 - Após exame preliminar, o relator profere decisão sumária sempre que:
a) Alguma circunstância obstar ao conhecimento do recurso;
b) O recurso dever ser rejeitado;
c) Existir causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade criminal que ponha termo ao processo ou seja o único motivo do recurso; ou
d) A questão a decidir já tiver sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado.” – sublinhado nosso

Sendo que, nos termos do disposto no artº 420º do Código de Processo Penal, cuja epígrafe é “rejeição de recurso”:
“1 - O recurso é rejeitado sempre que:
a) For manifesta a sua improcedência;
b) Se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do n.º 2 do artigo 414.º; ou
c) O recorrente não apresente, complete ou esclareça as conclusões formuladas e esse vício afectar a totalidade do recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 417.º” – sublinhado nosso

No nosso muito modesto entendimento, e salvo o devido respeito, o presente recurso é manifestamente improcedente.

Vejamos porquê.

Nos termos do disposto no artº 75º do Regime Geral das Contra-ordenações – doravante RGCO – aprovado pelo DL nº 433/82 de 27-10[5], o recurso ao Tribunal da Relação apenas poder versar matéria de direito.

Sendo doutrina e jurisprudência uniformes que o objecto do recurso, e portanto da nossa análise, está delimitado pelas conclusões do mesmo, atento o disposto nos artºs 402º, 403º e 412º todos do Código de Processo Penal.[6]

Ora, o Digno recorrente entende que a decisão administrativa, impugnada pelo arguido/acoimado, é perfeitamente válida, respeitando o disposto no artº 58.º do Regime-Geral das Contra-ordenações, o qual é aplicável ao caso dos autos por força do artº 2.º, n.º 1, da Lei n.º 50/2006, de 29/08 (Lei Quadro das Contra-ordenações Ambientais), motivo pelo qual conclui que a declaração da sua nulidade por parte do Tribunal a quo e consequente absolvição do arguido/acoimado se mostra ilegal e violadora do disposto nos artºs 379º nº 1 al. a) e 374º nº 1, ambos do CPP.

Antes de mais, fica-se na dúvida se o Digno recorrente pretende suscitar uma nulidade da sentença recorrida ao invocar o artº 379º nº 1 al. a) do Código de Processo Penal, uma vez que o Exmº Sr. PGA, no seu douto parecer, efectivamente invoca essa nulidade, ou se pretende demonstrar que a sentença recorrida, ao declarar a nulidade da decisão administrativa, aplicou de forma errónea o disposto no artº 379º nº 1 al. a) do Código de Processo Penal.

Analisemos as duas possibilidades, até porque, tratando-se de uma nulidade da sentença recorrida, a mesma sempre seria de conhecimento oficioso.

Vejamos, então e antes de mais, a sentença recorrida (transcrição):

I) RELATÓRIO
Veio AA interpor recurso da decisão administrativa proferida pela INSPEÇÃO-GERAL DA AGRICULTURA, DO MAR, DO AMBIENTE E DO ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO, em 29/11/2023, na qual foi condenada na coima de 2.000,00 €, pela prática de contraordenação grave, nos termos do disposto nos artigos 97.º e 117.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro conjugado com os artigos 88.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 19.º, n,º 1 do Decreto-Lei n.º 152-D/2017 de 11 de dezembro, sancionável nos ermos do artigo 22.º, n.º 3, alínea a) da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais.
Para tanto alega, em síntese, a nulidade da notificação da decisão de instauração de processo contraordenacional, do projeto de decisão e da própria decisão administrativa, por da mesma não se extraírem quaisquer factos suscetíveis de integrar uma contraordenação, o que impossibilita a sua defesa.
Nesta medida impugna os factos constantes da decisão administrativa, por não perceber a imputação contraordenacional que lhe é feita.

*
Enviados os autos ao Ministério Público, foram estes presentes nos termos do disposto no nº 1 do artigo 62º do Regime Geral das Contraordenações aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82 de 27 de outubro, valendo tal ato como acusação.
*
O recurso foi admitido por despacho proferido em 09/12/2024, tendo sido verificada a possibilidade de apreciação do mesmo sem realização de audiência de julgamento, podendo a questão ser decidida por despacho, nos termos do artigo 64º do Decreto Lei n.º 433/82 de 27 de outubro (Regime Geral das Contraordenações).
*
Notificados o Ministério Público e o recorrente para, nos termos do n.º 2 da referida norma legal se pronunciarem, os mesmos não se opuseram.
***
II) SANEAMENTO

A instância mantém-se válida e regular importando, antes de mais, apreciar a seguinte questão:
Da nulidade da decisão administrativa
Veio o recorrente invocar a nulidade da decisão administrativa por falta de fundamentação e imputação de factos.
Estabelece o artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do Regime Geral das Contraordenações que “A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: a) (…); b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas”.
Constitui entendimento pacífico na jurisprudência que os processos contraordenacionais, têm maior simplicidade processual, pelo que, por inerência, o dever de fundamentação é menos intenso em comparação com as sentenças penais.
Neste sentido, veja-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 09/01/2019, no qual se decidiu que o dever de fundamentação da decisão administrativa “tem uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal, comportando a decisão administrativa um modo sumário de fundamentar, desde que permita ao coimado perceber o que se decidiu e por que razão assim se decidiu”[7].
Do exposto extrai-se que a decisão administrativa deve conter uma descrição de factos que permitam satisfazer o preenchimento da conduta tipificada como ilícita, querendo com isto significar que os factos relevantes devem apresentar-se de forma naturalística e não jurídica, genérica e conclusiva, porque é nos factos relevantes que está a salvaguarda do mérito da decisão condenatória.
Efetivamente, só com uma enunciação concreta e concretiza dos factos será plenamente assegurado ao arguido a possibilidade de exercício efetivo dos seus direitos de defesa. Com efeito, o arguido só se poderá defender cabalmente se tiver um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e as condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão.
Assim e no que concerne à fundamentação propriamente dita de uma decisão da autoridade administrativa em processo de contraordenação, a mesma passa essencialmente, atento os princípios fundamentais do direito administrativo, pela sua suficiência, clareza e congruência.
No caso sub judice, compulsada a matéria de facto constante da decisão administrativa não se percebe quais os atos alegadamente praticados pelo arguido que são suscetíveis de integrar a contraordenação que lhe é imputada, nem se consegue enquadrar temporalmente a alegada contraordenação.
Ademais, em sede de matéria de facto não são mencionados quaisquer factos atinentes ao elemento subjetivo da coima imputada ao recorrente.
A natureza tendencialmente mais simplificada e menos formal do procedimento contraordenacional não pode constituir justificação para a não descrição de modo compreensível dos factos imputados ao arguido, incluindo os factos atinentes ao elemento subjetivo da concreta contraordenação em causa.
A decisão impugnada limita-se a elencar legislação e a fazer considerações genéricas e conclusivas, não se percebendo os factos imputados ao arguido nem o que motiva a imputação de uma contraordenação a título de negligência na medida em que não são indicados os factos concretos de onde esta mesma conclusão se poderia retirar.
A infração contraordenacional deve sempre ter tradução em factos, não bastando para tanto, a utilização de meros conceitos ou fórmulas conclusivas.
Não constando os mesmos da decisão administrativa, não são imputados todos os factos que a resultarem provados seriam suscetíveis de integrar a prática de um ilícito contraordenacional por parte do recorrente. Mais se diga que aqueles factos não podem ser aditados pelo tribunal em consonância com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão uniformizador 1/2015, de 27 de janeiro[8].
Inexistindo consequência legal no Regime Geral das Contraordenações, para o desrespeito do citado artigo 62.º do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas, importa convocar as normas que regulam o processo criminal, por força do disposto no artigo 41.º n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações ex vi do artigo 79.º do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas.
Assim, tal omissão, constituindo violação do disposto na alínea b) do nº1 62.º do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas, determina, por aplicação da alínea a) do nº1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, ex vi do disposto no artigo 41º do Regime Geral das Contraordenações e do artigo 79.º do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas, a nulidade da decisão administrativa.
A nulidade em questão, não permite o prosseguimento dos autos uma vez que não existem nos autos todos os factos necessários à apreciação da prática do ilícito contraordenacional pela arguida.
***
IV) DISPOSITIVO

Nos termos e com os fundamentos vertidos supra, julga-se procedente o recurso interposto pelo recorrente, AA e, em consequência declara-se nula a decisão administrativa proferida pela INSPEÇÃO-GERAL DA AGRICULTURA, DO MAR, DO AMBIENTE E DO ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO, absolvendo-se o recorrente da contraordenação que foi imputada.
Sem custas (artigos 93.º n.º 3 e 94.º n.º 3 do Regime Geral das Contraordenações).
Notifique e deposite.
Dê conhecimento à Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (Cfr. artigo 70.º, n.º 4 do Regime Geral das Contraordenações).”
- fim da transcrição

O artº 379º do Código de Processo Penal, subordinado à epígrafe “nulidade da sentença” determina o seguinte:
“1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º
3 - Se, em consequência de nulidade de sentença conhecida em recurso, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido, o recurso que desta venha a ser interposto é sempre distribuído ao mesmo relator, exceto em caso de impossibilidade.”
– sublinhado nosso

E o artº 374º do Código de Processo Penal, subordinado à epígrafe “requisitos da sentença” estabelece:

“1 - A sentença começa por um relatório, que contém:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis;
c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido;
d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.
2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
3 - A sentença termina pelo dispositivo que contém:
a) As disposições legais aplicáveis;
b) A decisão condenatória ou absolutória;
c) A indicação do destino a dar a animais, coisas ou objetos relacionados com o crime, com expressa menção das disposições legais aplicadas;
d) A ordem de remessa de boletins ao registo criminal;
e) A data e as assinaturas dos membros do tribunal.
4 - A sentença observa o disposto neste Código e no Regulamento das Custas Processuais em matéria de custas.”
- sublinhado nosso

Ora, em parte alguma do seu recurso o MºPº demonstra em que medida a sentença recorrida padece da apontada nulidade, sendo que a mesma mostra-se fundamentada, atendendo ao facto de se tratar de decisão dada no âmbito de um recurso de contra-ordenação sem julgamento prévio e que se queda pela análise de uma nulidade, por sua vez, invocada pelo arguido.

É certo que o MºPº invoca violação do disposto no nº 1 do artº 374º do CPP, em vez do nº 2, mas, não se tratando de eventual lapso, que é a situação que melhor se coaduna com a invocação da nulidade do artº 379º nº 1 al. a) CPP, a verdade é que também não se verifica a apontada falta dos elementos elencados no nº 1 do artº 374º do CPP.

A sentença recorrida não é, de forma alguma, nula, pelo que esta parte do recurso se revela claramente improcedente.

Quanto à segunda possibilidade supra anunciada, a mesma tem já a ver com o próprio mérito da sentença recorrida uma vez que, se concluirmos que a mesma imputou incorrectamente uma nulidade à decisão administrativa, haverá que concluir pela validade desta e consequentemente repristinar a coima aplicada ao arguido.

Vejamos, olhando agora o teor integral da decisão administrativa (transcrição, sendo que o itálico, sublinhado e negrito são originários da própria decisão):

PROCESSO DE CONTRAORDENACÃO Nº CO/002910/23.8CGl
Nome: AA
Morada: Travessa ..., ...
NIF: ...11

l. Participação / OFÍCIO ...05... da APA
Infração constante do Despacho
Incumprimento da obrigação de inscrição no Sistema Integrado de Registo Eletrónico de Resíduos (SIRER), em violação do disposto no art. 97º do Decreto-Lei nº 102-D/2020, de 10 de dezembro (abreviadamente, RGGR[9]) retificado pela Declaração de Retificação n º 3/2021, de 21 de janeiro, na sua atual redação, consubstanciando uma contraordenação ambiental grave, p.p. pelo art. 97º e aft. 117º/2 uuu) do RGGR.

Do ofício/participação resulta, sucintamente, que:
a) O Decreto-Lei nº 152-D/2017, de 11 de dezembro, na sua atual redação (abreviadamente UNILEX) estabelece o regime jurídico a que fica sujeita a gestão dos fluxos específicos de resíduos, sob a égide do princípio da responsabilidade alargada do produtor, determinando o seu art. 88 º/1 que “É proibida a colocação no mercado de produtos quando os respetivos produtores, embaladores ou fornecedores de embalagens de serviço: a) Não tenham, para cada tipologia ou categoria de produto ou embalagem em concreto, adotado um dos sistemas previstos no n e 1 do artigo 7º; b) Não estejam em cumprimento da obrigação de inscrição prevista no n o 1 do artigo 19º."
b) O produtor do produto, está, assim, obrigado ao cumprimento destas duas obrigações: (i) a aderir à entidade gestora do fluxo específico de embalagens e resíduos de embalagens, nos termos do art. 88º/1 a); e (ii) a efetuar a inscrição de dados no SIRER, nos termos conjugados do art. 88º/1 b), art. 19º/1, ambos do UNILEX e art. 97º do RGGR;
c) Determina o art. 101º/I do RGGR que “A inscrição no SIRER deve ser efetuada no prazo de 1 mês após a ocorrência do facto que determina a sua obrigatoriedade, nos termos do art. 19º. "; e refere o art. 19º/9 do UNILEX que "Os produtores de produtos, .os embaladores e os fornecedores de embalagens de serviço devem comunicar à APA, IP., no prazo máximo de 30 dias após a sua ocorrência, quaisquer alterações relativamente às informações transmitidas no âmbito do registo a que se refere o presente artigo... ";
d) A inscrição no módulo Registo de Produtores do SIRER é obrigatória e o seu incumprimento inibe a colocação de produtos que configurem fluxos específicos no território nacional;
e) A APA - Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. verificou, em 25/05/2022, que AA (doravante, Arguido), consta na Lista de aderentes à Entidade Gestora EMP01... — Sociedade ..., ou seja, colocou no mercado embalagens e resíduos de embalagens, mas não se encontrava inscrito no SIRER, conforme verificado na 'Lista de Produtores Enquadrados janeiro 2022', no sítio https:/lwww.apambiente.pt/sites/default/files/Residuos/SlRER/ProdutoresEnquadrados 04012022.pdf;
f) Em concreto, a APA verificou que o Arguido não estava na 'Lista de Produtores Enquadrados -janeiro 2022' (lista relativa às adesões reportadas até final do ano de 2021), em violação da obrigação de inscrição no prazo de 1 mês após a ocorrência do facto que determina a sua obrigatoriedade, conforme art. 101º/1 do RGGR e art. 19º/9 do UNILEX;
g) O Arguido encontrava-se em incumprimento da obrigação de inscrição, no SIRER, em violação do art. 97º do RGGR.

II. INSTRUÇÃO E DEFESA

O Arguido apresentou defesa acompanhada de dois documentos.

Prova documental
Da APA
- A constante junto à participação/Ofício ...05... da APA
Do Arguido
- Extrato emitido pela Sociedade ..., referente ao período de 01/01/2020 até 05/07/2022;
- Cópia da consulta no Portal das Finanças dos totais mensais faturados durante o ano 2021.

Prova testemunhal
Da APA
- BB (Engenheira, responsável pela Divisão de Fluxos Específicos e Mercado de Resíduos), a notificar no seu domicílio profissional, na APA — Agência Portuguesa do Ambiente, IP.

Análise da defesa
O Arguido alega que terminou a sua atividade de colocação de embalagens no mercado em março do ano 2021 e tinha contrato ativo com a EMP01..., com todos os pagamentos em dia, com inscrição no SILIAMB, cumprindo todas as regras necessárias para assegurar que as embalagens teriam o destino adequado.
O Arguido está acusado de crime ambiental grave por não ter feito um registo no SIRER, e que os dados fornecidos a este registo são os mesmo ou muito parecidos com os dados e quantidades e tipos de embalagem que registou na EMP01..., ou seja, nada tinha a e acrescentar. Consubstancia-se apenas em mais uma obrigação a que poucos empresários têm informação de ser obrigatória, elevando a enorme burocracia do nosso país a um patamar ainda superior. Se o Arguido tivesse intenção de falhar algum tipo de registo ou obrigação legal, falharia algum em que tivesse de pagar, o que não é o caso, por isso simplesmente foi falta de informação, sendo que são as entidades que deveriam informar de boa-fé os empresários. O Arguido considera extremamente injusta qualquer coima que seja aplicada neste caso e totalmente desproporcional ao real impacto no ambiente (elemento principal a proteger).
Sobre as questões em apreco dir-se-á o seguinte.
No que respeita ao alegado desconhecimento da lei, chamamos à colação é princípio geral de direito ínsito no art.6º 2 do Código Civil (CC) — Ignorantia legis non excusat — "A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas".
De acordo com o art.19. 2/1 do UNILEX "Os produtores de produtos, os embaladores e os fornecedores de embalagens de serviço estão obrigados a efetuar a inscrição e submissão de dados no SIRER, nos termos previstos nos artigos 97. 9 e 98. g do RGGR (...).
A EMP01... — Sociedade ... é uma entidade gestora que assume a responsabilidade de gerir os resíduos relativos às embalagens não-reutilizáveis, em nome de embaladores. No dia 25/05/2022 o Arguido era aderente da EMP01..., ou seja, colocou no mercado embalagens e resíduos de embalagens.
Nos termos do art.101.º/1 do RGGR "A inscrição no SIRER deve ser efetuada no prazo de um mês após a ocorrência do facto que determina a sua obrigatoriedade, nos termos do artigo 97.º” e ainda de acordo com o art.19º/9 do UNILEX "Os produtores de produtos, os embaladores e os fornecedores de embalagens de serviço devem comunicar à APA, l. P., no prazo máximo de 30 dias após a sua ocorrência, quaisquer alterações relativamente às informações transmitidas no âmbito do registo a que se refere o presente artigo, bem como cancelar o seu registo quando deixem de exercer a atividade.”
Segundo o art. 98.º/1 j) do RGGR "Sem prejuízo do previsto em legislação específica, estão sujeitos a submissão de dados no SIRER (...) Os produtores de produtos, os embaladores, bem como os fornecedores de embalagens de serviço sujeitos à obrigação de registo nos termos da legislação relativa a fluxos específicos de resíduos, abrangidos ou não pela responsabilidade alargado do produtor".
O Arguido vem assim acusado da prática de uma contraordenação ambiental grave (e não de um crime ambiental), porque colocou no mercado embalagens e resíduos de embalagens, mas não procedeu à inscrição no SIRER, conforme obrigação que consta da suprarreferida legislação.
Constata-se ainda que o Arguido não apresentou provas (que têm como função demonstrar a realidade dos factos — art. 341. º do CC) que corroborem os factos que alega, nomeadamente que terminou a atividade de colocação de embalagens no mercado em março de 2021. De facto, não basta alegar, há que apresentar prova do que se alega, prova essa que tem de ser apresentada com respeito pelo prazo legalmente previsto para o efeito.
No âmbito da defesa apresentada o Arguido não apresentou documento comprovativo de regularização da inscrição no SIRER, estando na sua disponibilidade a junção de tal comprovativo, a existir. Não o tendo feito, tem-se com assente a informação prestada pela APA em como o Arguido não se encontra registado no SIRER, sendo tudo o demais alegado de mera contextualização que em nada altera a infração que lhe é imputada.

III. FACTOS com relevo para a decisão

a) O Decreto-Lei nº 152-D/2017, de 11 de dezembro, na sua atual redação (UNILEX) estabelece o regime jurídico a que fica sujeita a gestão dos fluxos específicos de resíduos, sob a égide do princípio da responsabilidade alargada do produtor, determinando o seu art. 88 º/1 que "É proibida a colocação no mercado de produtos quando os respetivos produtores, embaladores ou fornecedores de embalagens de serviço: a) Não tenham, para cada tipologia ou categoria de produto ou embalagem em concreto, adotado um dos sistemas previstos no nº 1 do artigo 7º' b) Não estejam em cumprimento da obrigação de inscrição prevista no n º 1 do artigo 19º ".
b) O produtor do produto, está, assim, obrigado ao cumprimento destas duas obrigações: (i) a aderir à entidade gestora do fluxo específico de embalagens e resíduos de embalagens, nos termos do art. 88º/1 a); e (ii) a efetuar a inscrição de dados no SIRER, nos termos conjugados do art. 88º/1 b), art. 19º/1, ambos do UNILEX e art. 97º do RGGR;
c) Determina o art. 101º/1 do RGGR que "A inscrição no SIRER deve ser efetuada no prazo de 1 mês após a ocorrência do facto que determina a sua obrigatoriedade, nos termos do art. 97º”; e refere o art. 19º/9 do UNILEX que "Os produtores de produtos, os embaladores e os fornecedores de embalagens de serviço devem comunicar à APA, IP., no prazo máximo de 30 dias após a sua ocorrência, quaisquer alterações relativamente às informações transmitidas no âmbito do registo a que se refere o presente artigo..." ,
d) A inscrição no módulo Registo de Produtores do SIRER é obrigatória e o seu incumprimento inibe a colocação de produtos que configurem fluxos específicos no território nacional;
e) AAPA - Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. verificou, em 25/05/2022, que o Arguido AA constava na Cista de aderentes à Entidade Gestora EMP01... — Sociedade ..., ou seja, colocou no mercado embalagens e resíduos de embalagens, mas não se encontrava inscrito no SIRER, conforme verificado na 'Lista de Produtores Enquadrados janeiro 2022', no sítio https://www.apambiente.pt/sites/default/files/Residuos/SIRER/ProdutoresEnquadrados 04012022.pdf;
f) Em concreto, a APA verificou que o Arguido não estava na 'Lista de Produtores Enquadrados -janeiro 2022' (lista relativa às adesões reportadas até final do ano de 2021), em violação da obrigação de inscrição no prazo de 1 mês após a ocorrência do facto que determina a sua obrigatoriedade, conforme art. 101º/1 do RGGR e art. 19º/9 do UNILEX;
g) O Arguido encontrava-se em incumprimento da obrigação de inscrição no SIRER, em violação do art. 97 º do RGGR;
h) O Arguido, como produtor de produto, independentemente da qualidade em que o faça, a título profissional ou ocasional, que coloca no mercado embalagens e resíduos de embalagens, tinha obrigação de conhecer e cumprir com o prescrito para o exercício desta atividade, devendo ter procedido, em tempo, à sua inscrição no SIRER, tanto mais que aderiu a uma entidade gestora para o seu fluxo de resíduos;
i) Não o tendo feito, não agiu com a diligência necessária e de que era capaz, não resultando dos autos elementos que retirem censurabilidade aos factos supra descritos ou que excluam a ilicitude da sua conduta.

Não provados
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão.

Motivação
A apreciação da matéria supra fundou-se na análise crítica da prova nos autos — máxime a participação/Ofício ...05... da APA e na defesa do Arguido — conjugada com as regras da experiência.

IV. FUNDAMENTAÇÃO

1. Infração
Incumprimento da obrigação de inscrição no SIRER
O Decreto-Lei n. º 152-D/2017, de 11 de dezembro (UNILEX), veio concentrar num único diploma as obrigações e os procedimentos aplicáveis em matéria de fluxos específicos de resíduos, definindo por um lado, um conjunto de normas comuns à gestão desses fluxos e por outro, as normas que refletem a natureza especifica de cada um desses fluxos de resíduos, designadamente, das embalagens e resíduos de embalagens.
Refere o art.1º/2 que "O presente decreto-lei estabelece ainda medidas de proteção do ambiente e da saúde humana, com os objetivos de prevenir ou reduzir os impactes adversos decorrentes da produção e gestão desses resíduos, diminuir os impactes globais da utilização dos recursos, melhorar a eficiência dessa utilização e contribuir para o desenvolvimento sustentável,..." transpondo para a ordem jurídica interna as diretivas do Parlamento Europeu e do Conselho, relacionadas com a matéria.
Determina o art. 88 º/1 que "É proibida a colocação no mercado de produtos quando os respetivos produtores embaladores ou fornecedores de embalagens de serviço: a) Não tenham para cada tipologia ou categoria de produto ou embalagem em concreto, adotado um dos sistemas previstos no n. º 1 do artigo 7º; b) Não esteiam em cumprimento da obrigação de inscrição prevista no n. º 1 do artigo 19º "
O art. 7º/1 refere que "Para efeitos do cumprimento das obrigações estabelecidas no presente decreto-lei, os produtores do produto, os embaladores que utilizam embalagens não reutilizáveis e os fornecedores de embalagens de serviço não reutilizáveis ficam obrigados a aferir os respetivos resíduos através de um sistema individual ou de um sistema integrado, sujeito a autorização ou licença, respetivamente, nos termos do presente decreto-lei, ou através do sistema de depósito previsto no artigo 23. º-C. "
Por sua vez, estipula o art. 19 º/1 que "Os produtores de produtos os embaladores e os fornecedores de embalagens de serviço estão obrigados a efetuar a inscrição e submissão de dados no SIRER nos termos previstos nos artigos 97. º e 98. º do RGGR, comunicando à APA, I. P., o tipo e a quantidade de produtos ou o material e a quantidade de embalagens colocados no mercado e o sistema de gestão por que optaram em relação a cada tipo de resíduo, sem prejuízo de outra informação específica de cada fluxo específico de resíduos."
O RGGR, aprovado no anexo II do Decreto-Lei nº 102-D/2020, de 10 de dezembro, veio estabelecer, entre outros, o regime geral da gestão de resíduos.
Refere o art. 1º que este diploma “… estabelece as medidas de proteçção do ambiente e da saúde humana, necessárias para prevenir ou reduzir a produção de resíduos e os impactes adversos decorrentes da produção e gestão de resíduos, para diminuir os impactes globais da utilização dos recursos e para melhorar a eficiência dessa utilização, com vista à transição para uma economia circular e para garantir a competitividade a longo prazo, …” transpondo para a ordem jurídica interna as diretivas do Parlamento Europeu e do Conselho, relacionadas com a matéria.

Determina o art. 97º/1 que "Estão sujeitas a inscrição no S/RER todas as pessoas singulares e coletivas que tenham obrigação de submissão de dados, nos termos do artigo seguinte." Acrescenta o art. 98 º/1 que "Sem prejuízo do previsto em legislação específica, estão sujeitos a submissão de dados no SIRER:
a) Os seguintes produtores de resíduos:
i) As pessoas singulares ou coletivas responsáveis por organizações que empreguem mais de 10 trabalhadores e que produzam resíduos não incluídos na responsabilidade dos sistemas municipais ou multimunicipais;
ii) As pessoas singulares ou coletivas responsáveis por estabelecimentos que produzam resíduos perigosos não incluídos na responsabilidade dos sistemas municipais ou multimunicipais;
iii) As pessoas singulares ou coletivas responsáveis por estabelecimentos que produzam resíduos com poluentes orgânicos persistentes;
b) Os produtores de subprodutos, de produtos ou materiais resultantes da aplicação de mecanismos de desclassificação de resíduos, bem como intervenientes em operações de preparação para reutilização;
c) As pessoas singulares ou coletivas que procedam à recolha ou ao transporte de resíduos perigosos a título profissional;
d) Os operadores que efetuam tratamento de resíduos, mesmo que isentos de licenciamento;
e) As entidades responsáveis pelos sistemas municipais e multimunicipais de gestão de resíduos urbanos;
f) As pessoas singulares ou coletivas que estabeleçam acordos voluntários com a ANR, de acordo com as especificações desses acordos;
g) As entidades que têm obrigação de reporte de movimentos transfronteiriços de resíduos no âmbito dos artigos 40. º e 41.º
h) As entidades responsáveis por sistemas de gestão integrados e individuais, bem como os operadores económicos que se corresponsabilizem pela gestão defluxos específicos de resíduos, nos termos da legislação relativa a fluxos específicos de resíduos, abrangidos ou não pela responsabilidade alargada do produtor;
i) Os operadores que ajam na qualidade de comerciantes e corretores de resíduos perigosos;
j) Os produtores de produtos, os embaladores, bem como os fornecedores de embalagens de serviço sujeitos à obrigação de registo nos termos da legislação relativa afluxos específicos de resíduos, abrangidos ou não pela responsabilidade alargado do produtor;".

O art. 117 º/2 uuu), comina como contraordenação ambiental grave "O incumprimento da obrigação de inscrição no SIRER em violação do disposto no artigo 97.º"
O Arguido aderiu à Entidade Gestora EMP01... — Sociedade ..., de Produtores de embalagens e resíduos de embalagens, mas não efetuou a sua inscrição no SIRER, em violação do legalmente estipulado.
Da matéria dada como provada, máxime nas alíneas a) a g), resulta que o Arguido não procedeu à inscrição no SIRER, termos em que se tem por verificada a infração que lhe é imputada.
2. Atentos os fundamentos referidos em 1 do presente capítulo, o Arguido praticou:
Uma (1) contraordenação ambiental grave, p.p. pelo art. 97 º e art. 117 º/2 uuu) do Decreto-Lei nº 102-D/2020, de 10 de dezembro

V. SANÇÃO
A determinação da coima faz-se em «...função da gravidade da contraordenação, da culpa do agente, da sua situação económica e dos benefícios obtidos com a prática dos factos» (cfr. art. 20º/1 da LQCA[10]).

Gravidade
Com a aprovação da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais, o legislador veio prever a classificação das contraordenações - «muito grave», «grave», ou «leve» - em razão do maior ou menor juízo de desvalor atribuído aos diferentes graus de nocividade do desrespeito de tais condições para o ambiente e para a saúde pública.
O incumprimento da obrigação de inscrição no SIRER, nos termos referidos em III e IV, constitui "contraordenação ambiental grave" [art. 117º/2 uuu) do RGGR], à qual, em consonância com o juízo de desvalor reconhecido pelo legislador à violação dessa obrigação, deve corresponder um elevado grau de gravidade. Do apontado entendimento faz eco o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n. º 6/2018 (Recurso Extraordinário de Fixação de Jurisprudência) quando afasta a possibilidade de aplicação de sanções próprias de contraordenações leves às contraordenações graves e muito graves.

Culpa
No cumprimento das obrigações a que está adstrito, a conduta do Arguido apresenta-se subsumível no art. 15 º/a) do CP[11], aplicável ex vi do art. 32º do RGCC[12], termos em que, tendo violado o dever de cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, é sancionável a título de negligência, nos termos do art. 9 º/2 da LQCA.

Situação económica
Apesar de notificado para o efeito, o Arguido não juntou elementos que permitam aferir da carência ou da abundância da sua situação económica, circunstância que, assim, não o poderá beneficiar nem prejudicar.

Benefício económico
No caso vertente, o benefício económico correspondente, pelo menos, às despesas não suportadas que permitissem assegurar o cumprimento da obrigação legal cuja determinação não é possível por ora quantificar.

Vl. DECISÃO

Considerados os factos e fundamentos em II, III e IV, e os pressupostos enunciados em V, decide-se:

a) Condenar o Arguido na coima de € 2.000,00 (dois mil euros), pela prática de uma contraordenação ambiental grave (incumprimento da obrigação de inscrição no SIRER), p. e p. pelo art. 97 º e art. 117 º/2 uuu), do Decreto-Lei n º 102-D/2020, de 10 de dezembro (RGGR), conjugado com os arts 88 º/1 a) e b) e 19 2/1 do Decreto-Lei n º 152-D/2017, de 11 de dezembro, na redação atual (UNILEX), sancionável nos termos do art. 22 º/3 a) da LQCA.
b) Condenar o Arguido em custas de processo no valor de € 75,00 (setenta e cinco euros), ao abrigo do art. 58º da LQCA.

Notifique por carta registada com aviso de receção. Registe. O Inspetor-Geral”
- fim da transcrição

O artº 58º do RGCO, subordinado à epígrafe “decisão condenatória” estabelece os seguintes requisitos:
1 - A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:
a) A identificação dos arguidos;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias.
2 - Da decisão deve ainda constar a informação de que:
a) A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do artigo 59.º;
b) Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.
3 - A decisão conterá ainda:
a) A ordem de pagamento da coima no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão;
b) A indicação de que em caso de impossibilidade de pagamento tempestivo deve comunicar o facto por escrito à autoridade que aplicou a coima.”

Resulta do citado preceito legal, no que ao recurso que em concreto somos chamado a decidir, que a decisão proferida pela respectiva entidade administrativa Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e Ordenamento do Território – doravante IGAMAOT – tem de conter a descrição dos factos imputados, cfr. al. b) do no 1 do citado artº 58º do RGCO.

Isto porquanto, nos termos do disposto no artº 2º do RGCO, que estabelece o princípio da legalidade:

“Só será punido como contra-ordenação o facto descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática.”

Significa isto que, tal como ocorre no direito penal, uma pessoa só pode ser acoimada se o seu comportamento preencher o tipo contra-ordenacional que lhe é imputado.

Assim, e mesmo considerando a orientação generalizadamente aceite de que uma decisão administrativa não tem de ter o rigor que uma sentença judicial, há um mínimo que ela não pode desrespeitar e que se prende com a descrição dos factos imputados ao acoimado que permitem concluir pelo preenchimento de uma contra-ordenação.

Ou seja, em termos mais simples, tem de constar da decisão administrativa de condenação a clara indicação de todos os factos, objectivos e subjectivos, que integram o respectivo tipo contra-ordenacional.

Ora, no caso em apreço o arguido/acoimado foi condenado pela prática de uma contra-ordenação grave prevista no artº 117º nº 2 al. uuu) do Regime Geral de Gestão de Resíduos, aprovado pelo DL n.º 102-D/2020, de 10 de Dezembro[13] - doravante RGGR – que determina o seguinte:

“2 - Constitui contraordenação ambiental grave, nos termos da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais, a prática dos seguintes atos:
uuu) O incumprimento da obrigação de inscrição no SIRER, em violação do disposto no artigo 97.º;”

Sendo que, nos termos do disposto no referido artº 97º, do mesmo RGGR[14], o qual tem como epígrafe “Inscrição no Sistema Integrado de Registo Eletrónico de Resíduos”:

“1 - Estão sujeitas a inscrição no SIRER todas as pessoas singulares e coletivas que tenham obrigação de submissão de dados, nos termos do artigo seguinte.
2 - Estão ainda sujeitas a inscrição no SIRER as pessoas singulares ou coletivas que:
a) Sejam intervenientes nas e-GAR, nomeadamente os produtores, detentores, transportadores e destinatários de resíduos;
b) Procedam à recolha ou ao transporte de resíduos a título profissional, e que não estejam abrangidas pela alínea anterior;
c) Sejam corretores ou comerciantes de resíduos;
d) Se pretendam licenciar enquanto operadores de tratamento de resíduos nos termos do capítulo viii do título ii.
3 - A ANR pode isentar os produtores ou detentores referidos na alínea a) do n.º 2 da obrigação de inscrição no SIRER quando estes se enquadrem nas exceções previstas na portaria referida no n.º 2 do artigo 95.º”

E o artº 98º do RGGR, a que remete o nº 1 do artº 97º, subordinado à epígrafe “submissão de dados” determina o seguinte:

“1 - Sem prejuízo do previsto em legislação específica, estão sujeitos a submissão de dados no SIRER:
a) Os seguintes produtores de resíduos:
i) As pessoas singulares ou coletivas responsáveis por organizações que empreguem mais de 10 trabalhadores e que produzam resíduos não incluídos na responsabilidade dos sistemas municipais ou multimunicipais;
ii) As pessoas singulares ou coletivas responsáveis por estabelecimentos que produzam resíduos perigosos não incluídos na responsabilidade dos sistemas municipais ou multimunicipais;
iii) As pessoas singulares ou coletivas responsáveis por estabelecimentos que produzam resíduos com poluentes orgânicos persistentes;
b) Os produtores de subprodutos, de produtos ou materiais resultantes da aplicação de mecanismos de desclassificação de resíduos, bem como intervenientes em operações de preparação para reutilização;
c) As pessoas singulares ou coletivas que procedam à recolha ou ao transporte de resíduos perigosos a título profissional;
d) Os operadores que efetuam tratamento de resíduos, mesmo que isentos de licenciamento;
e) As entidades responsáveis pelos sistemas municipais e multimunicipais de gestão de resíduos urbanos;
f) As pessoas singulares ou coletivas que estabeleçam acordos voluntários com a ANR, de acordo com as especificações desses acordos;
g) As entidades que têm obrigação de reporte de movimentos transfronteiriços de resíduos no âmbito dos artigos 40.º e 41.º;
h) As entidades responsáveis por sistemas de gestão integrados e individuais, bem como os operadores económicos que se corresponsabilizem pela gestão de fluxos específicos de resíduos, nos termos da legislação relativa a fluxos específicos de resíduos, abrangidos ou não pela responsabilidade alargada do produtor;
i) Os operadores que ajam na qualidade de comerciantes e corretores de resíduos perigosos;
j) Os produtores de produtos, os embaladores, bem como os fornecedores de embalagens de serviço sujeitos à obrigação de registo nos termos da legislação relativa a fluxos específicos de resíduos, abrangidos ou não pela responsabilidade alargado do produtor;
2 - A ANR pode isentar as entidades referidas no número anterior da obrigação de submissão de dados quando estes possam ser obtidos por outra via.”

Por sua vez, o artº 101.º do RGGR, cuja epígrafe é “prazos de inscrição e de submissão de dados” estabelece o seguinte:

“1 - A inscrição no SIRER deve ser efetuada no prazo de um mês após a ocorrência do facto que determina a sua obrigatoriedade, nos termos do artigo 97.º
2 - Os prazos para submissão de informação são fixados por portaria do membro do Governo responsável pela área do ambiente.”

Ora, e antes de mais, não consta da decisão administrativa qual dos dois números do artº 97º do RGGR é imputado ao arguido/acoimado, contudo, é citado o nº 1 do artº 97º do RGGR no corpo da decisão, pelo que temos de presumir que é a situação prevista no nº 1, e não a prevista no nº 2, do artº 97º do RGGR que é imputada ao arguido/acoimado.

Assim, o arguido foi condenado a pagar uma coima de € 2.000,00 (dois mil euros) por ter praticado, alegadamente, a contra-ordenação resultante do incumprimento de inscrição no SIRER nos termos do nº 1 do artº 97º do RGGR.

Relembra-se que o artº 97º nº 1 RGGR remete para o artº 98º do mesmo RGGR que prevê uma série de categorias de pessoas abrangíveis:
- três tipos de produtores de resíduos (al. a), i), ii) e iii);
- os produtores de subprodutos e de produtos alterados (al. b);
- os transportadores de resíduos perigosos (al. c);
- os operadores de tratamento de resíduos (al. d);
- os gestores municipais dos resíduos urbanos (al. e);
- entidades várias com determinadas responsabilidades (als. f) a h); - os comerciantes e correctores de resíduos perigosos (al. i);
- os produtores de produtos, os embaladores e fornecedores de embalagens (al. j).

Contudo, a decisão administrativa não especifica qual das situações previstas no artº 98º RGGR se aplica ao arguido, ou seja, a decisão administrativa não qualifica a actividade do arguido, e como infra veremos melhor, nem sequer fixa quaisquer factos que permitem enquadrar o arguido numa das categorias previstas no artº 98º RGGR que, por força do artº 97º nº 1 RGGR, impunha a sua inscrição no SIRER.

Ou seja, não sabemos se o arguido é um produtor, e nesse caso, que tipo de produtor, se é um transportador, um embalador, etc.

A decisão administrativa apenas conjuga a contra-ordenação prevista no artº 117º nº 2 al. uuu) do RGGR com os artºs 88º nº 1 als. a) e b) e 19º nº 1, ambos do DL nº 152-D/2017 de 11-12, que aprova o Regime de Gestão de Fluxos Específicos de Resíduos – doravante RGFER.

Sendo que, o artº 88º nº 1 als. a) e b) do dito RGFER, cuja epígrafe é “proibições de colocação e disponibilização no mercado”, diz o seguinte:

“1 - É proibida a colocação no mercado de produtos quando os respetivos produtores, embaladores ou fornecedores de embalagens de serviço:
a) Não tenham, para cada tipologia ou categoria de produto ou embalagem em concreto, adotado um dos sistemas previstos no n.º 1 do artigo 7.º;
b) Não estejam em cumprimento da obrigação de inscrição prevista no n.º 1 do artigo 19.º”
- negrito nosso

E o artº 19º nº1 do mesmo RGFER, subordinado à epígrafe “registo de produtores e outros intervenientes” estabelece o seguinte:
“1 - Os produtores de produtos, os embaladores e os fornecedores de embalagens de serviço estão obrigados a efetuar a inscrição e submissão de dados no SIRER, nos termos previstos nos artigos 97.º e 98.º do RGGR, comunicando à APA, I. P., o tipo e a quantidade de produtos ou o material e a quantidade de embalagens colocados no mercado e o sistema de gestão por que optaram em relação a cada tipo de resíduo, sem prejuízo de outra informação específica de cada fluxo específico de resíduos.”
- negrito nosso

É apenas com a conjugação de todas as supra referidas normas, retiradas de vários diplomas legais, que se consegue concluir, mas como infra veremos melhor, sem certeza porquanto não foram fixados factos nesse sentido, que a IGAMAOT aplicou a respectiva coima ao arguido enquanto produtor, embalador ou fornecedor de embalagens de serviços, enquadrando-se, assim, a actividade do arguido – retiramos nós essa conclusão deste exercício jurídico que mais parece um quebra-cabeças – na j) do nº 1 do artº 98º do RGGR, ou seja:
“1 - Sem prejuízo do previsto em legislação específica, estão sujeitos a submissão de dados no SIRER:
j) Os produtores de produtos, os embaladores, bem como os fornecedores de embalagens de serviço sujeitos à obrigação de registo nos termos da legislação relativa a fluxos específicos de resíduos, abrangidos ou não pela responsabilidade alargado do produtor;”

Só por este exemplo se constata com facilidade que falta a indicação cabal de todas as normas onde se enquadra o comportamento do arguido/acoimado, pelo que se conclui, com clareza, que a decisão administrativa violou o disposto na al. c) do nº 1 do artº 58º do RGCO por não ter indicado “as normas segundo as quais se pune”.

É certo que ao longo da decisão administrativa se faz referência por várias vezes a “produtor de embalagens”, mas como veremos de seguida não consta um único facto que permita concluir, com segurança, que: a) o arguido/acoimado é um produtor, b) que é um produtor de embalagens (pois há outros tipos de produtores abrangidos pela legislação invocada pela IGAMAOT), c) que estava obrigado a inscrever-se no SIRER d) que, estando obrigado não se inscreveu no prazo legalmente estipulado e e) quando a infracção foi cometida.

Antes de mais, dos factos dados por provados, sob as als. a) a i) apenas as als. e), primeira parte, f), h) e i) são factos, sendo as restantes alíneas matéria de direito ou matéria conclusiva.

Vejamos as indicadas alíneas:

e) AAPA - Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. verificou, em 25/05/2022, que o Arguido AA constava na Lista de aderentes à Entidade Gestora EMP01... — Sociedade ..., ou seja, colocou no mercado embalagens e resíduos de embalagens, mas não se encontrava inscrito no SIRER, conforme verificado na 'Lista de Produtores Enquadrados janeiro 2022', no sítio https://www.apambiente.pt/sites/default/files/Residuos/SIRER/ProdutoresEnquadrados 04012022.pdf;
- sublinhado nosso

f) Em concreto, a APA verificou que o Arguido não estava na 'Lista de Produtores Enquadrados - janeiro 2022' (lista relativa às adesões reportadas até final do ano de 2021), em violação da obrigação de inscrição no prazo de 1 mês após a ocorrência do facto que determina a sua obrigatoriedade, conforme art. 101º/1 do RGGR e art. 19º/9 do UNILEX;

h) O Arguido, como produtor de produto, independentemente da qualidade em que o faça, a título profissional ou ocasional, que coloca no mercado embalagens e resíduos de embalagens, tinha obrigação de conhecer e cumprir com o prescrito para o exercício desta atividade, devendo ter procedido, em tempo, à sua inscrição no SIRER, tanto mais que aderiu a uma entidade gestora para o seu fluxo de resíduos;

i) Não o tendo feito, não agiu com a diligência necessária e de que era capaz, não resultando dos autos elementos que retirem censurabilidade aos factos supra descritos ou que excluam a ilicitude da sua conduta.

Só a primeira parte da alínea e) dos factos provados é que traduz um facto, pois a segunda parte – “ou seja, colocou no mercado embalagens e resíduos de embalagens, mas não se encontrava inscrito no SIRER, conforme verificado na 'Lista de Produtores Enquadrados janeiro 2022', no sítio…” – é uma conclusão que, francamente, não conseguimos sequer acompanhar o respectivo raciocínio.

Pergunta-se: o simples facto do arguido constar de uma lista de aderentes à Entidade Gestora EMP01... — Sociedade ... permite concluir que é um produtor de embalagens?

E permite concluir que, sendo um produtor de embalagens colocou no mercado, necessariamente, embalagens e resíduos de embalagens?

E quando é colocou essas embalagens e resíduos de embalagens no mercado?

Como se vê, a decisão administrativa falha logo neste pressuposto fáctico fundamental que é a qualificação da actividade desempenhada pelo arguido/acoimado e quando é que essa actividade foi desenvolvida.

Talvez por esse motivo não soube a IGAMAOT enquadrar o arguido na correspondente alínea do nº 1 do artº 98º do RGGR, que claramente omite da sua decisão.

Os factos dados por provados deveriam, assim, ter começado logo com a identificação da actividade desenvolvida pelo arguido/acoimado.

Como deveria haver uma ligação lógico-temporal entre os factos que permitisse, com clareza, concluir os concretos actos que o arguido desenvolveu e que o levaram à prática da contra-ordenação que lhe foi imputada.

Assim, teria a IGAMAOT que dar como provado que:
- o arguido é produtor de embalagens, devendo definir a concreta actividade desenvolvida;
- que nessa qualidade constava na Lista de aderentes à Entidade Gestora EMP01... — Sociedade ...,
- facto que foi verificado pela AAPA - Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. em 25/05/2022;
- que no(s) dia(s) tal(ais), do mês tal, do ano tal colocou no mercado embalagens e resíduos de embalagens;
- que o arguido não efectuou a sua inscrição no SIRER.

A Lei não é clara quanto ao acontecimento que entende determinar a obrigatoriedade da inscrição no SIRER, uma vez que o artº 101º do RGGR apenas fala no prazo de um mês após “a ocorrência do facto que determina a sua obrigatoriedade”.

Assim, essa ocorrência tanto poderia ser a colocação no mercado das respectivas embalagens como a adesão à entidade gestora.

Em qualquer dos casos, caberia à IGAMAOT optar por uma das duas possibilidades, de acordo com o seu entendimento, pelo que seria também fundamental que na matéria de facto constasse a respectiva data da ocorrência que obrigaria o arguido a inscrever-se no SIRER, pois só assim, se poderia concluir que um mês após essa ocorrência, o arguido não se tinha ainda inscrito no SIRER.

É nisto que se consubstancia a contra-ordenação que foi imputada ao arguido/acoimado.

Assim, se a IGAMAOT entendesse que a respectiva ocorrência que determinaria a obrigatoriedade do arguido se inscrever no SIRER era a sua adesão à entidade gestora, então teria de constar dos factos provados, além dos supra referidos, ainda, a data em que o arguido aderiu à Entidade Gestora EMP01... — Sociedade ....

E, se o entendimento fosse no sentido da ocorrência se identificar com o efectivo início da actividade de colocar no mercado as respectivas embalagens, então teria de constar dos factos provados a data em que tal colocação ocorreu.

Só com uma destas duas situações definidas temporalmente é que se poderia concluir, então, que o arguido, estando obrigado a tal, porque é produtor de embalagens, não se inscreveu no prazo de um mês após a ocorrência que o obrigava a essa inscrição no SIRER.

Por outro lado,

Quando abrimos o link facultado no facto vertido em e) – https://www.apambiente.pt/sites/default/files/Residuos/SIRER/ProdutoresEnquadrados 04012022.pdf – verificamos que, no final da longa lista, consta a seguinte indicação:
“Nota: não estão aqui incluídos os produtores/embaladores registados através de representante autorizado.”

Como não sabemos o que o arguido/acoimado efectivamente faz, porque esse facto inicial, essencial como vimos para sustentar a contra-ordenação contra si levantada, não se mostra plasmado na matéria de facto, desconhecemos se o acoimado possa ou não estar abrangido pela “nota” acima referida.

Isto tem relevância porquanto, a referida “nota” obriga a que conste da matéria de facto da decisão administrativa que o arguido/acoimado não é um produtor/embalador registado através de representante autorizado, pois, caso contrário, o simples facto do seu nome não constar da lista indicada pela autoridade administrativa como sendo a lista do SIRER, não nos permite concluir pelo preenchimento da contra-ordenação, uma vez que é possível o acoimado não constar da lista se for um “produtor/embalador registado através de representante autorizado.”

Pelo que se torna absolutamente claro ver que, objectivamente, faltam factos necessários ao preenchimento do respectivo tipo contra-ordenacional imputado ao arguido.

Não se vislumbra, ao contrário da sentença recorrida, que faltem os elementos subjectivos, os quais, traduzindo a alegada prática da infracção contra-ordenacional a título de negligência, mostra-se suficientemente enquadrada nos factos vertidos em h) e i).

Contudo, de nada serve ter os elementos subjectivos do tipo legal em apreço quando faltam, claramente, os elementos objectivos.

Não está, assim, em causa uma decisão administrativa que apenas carece de uma técnica mais aperfeiçoada, pois nem mesmo fora dos factos provados, no restante texto da decisão, se consegue encontrar qualquer alusão aos factos cuja falta aqui acusamos.

Note-se que já fora dos factos provados[15] a IGAMAOT declara que “o arguido aderiu à Entidade Gestora EMP01... – Sociedade ..., de Produtores de embalagens e resíduos de embalagens, mas não efectuou a sua inscrição no SIRER, em violação do legalmente estipulado” – dando, assim, a entender que a ocorrência que entende impor a inscrição no SIRER é a adesão à entidade gestora, e não o momento em que coloca no mercado os produtos, – mas não indica quando é que essa adesão ocorreu.

No entanto, em outra parte da decisão administrativa – mais concretamente no 7º parágrafo do item “Análise da Defesa” – a IGAMAOT afirma que: “o Arguido vem assim acusado de uma contraordenação ambiental grave…porque colocou no mercado embalagens e resíduos de embalagens, mas não procedeu à inscrição no SIRER, conforme obrigação que consta da supra referida legislação” levando, assim, à dúvida de saber qual dos dois momentos entende determinantes – o da adesão ou o da colocação no mercado – para se aferir se o arguido se inscreveu, ou não, no SIRER no prazo de um mês após a respectiva ocorrência.

Em todo o caso, mesmo no que tange à colocação no mercado, a IGAMAOT continua sem indicar quando é que essa colocação no mercado ocorreu.

Por fim, a IGAMAOT declara na sua decisão que não há factos “não provados”, contudo, atendendo à defesa desenvolvida pelo arguido, deveriam constar em tal item os factos que a IGAMAOT entendeu não terem sido devidamente comprovados pelo arguido, mormente que o mesmo cessou a sua actividade em Março de 2021, o que, a ter sido comprovado, poderia ter afectado o mérito da decisão.

Aliás, a IGAMAOT diz no item “Análise de Defesa” da sua decisão que: “constata-se ainda que o Arguido não apresentou provas …que corroborem os factos que alega, mormente que terminou a actividade de colocação de embalagens no mercado em março de 2021.”

Ora, se a respectiva autoridade administrativa entendia que o arguido não fez prova do por si alegado porque motivo, então, não colocou nos factos “não provados” aqueles mesmos factos alegados pelo arguido e julgados não provados pela IGAMAOT?

Levando, assim, a uma clara contradição entre os considerandos tecidos na primeira parte da decisão e a matéria de facto fixada, mormente a não elencada enquanto factos não provados.

Ora, e salvo o devido respeito, não pode haver a mais pálida dúvida de que efectivamente faltam factos absolutamente essenciais ao preenchimento do tipo contra-ordenacional imputado ao arguido, mormente, a nível dos elementos objectivos.

Como falha a cabal identificação das normas legais aplicáveis.

Pelo que, claramente se mostra, assim, violado o disposto no artº 58º nº 1 als. b) e c) do RGCO.

O que leva à nulidade da decisão administrativa nos termos do artº 379º nº 1 al. a) do Código de Processo Penal por força do artº 41º do RGCO.

Esta nulidade, contudo, por resultar da insuficiência de factos para imputação ao arguido do respectivo tipo contra-ordenacional, não é suprível pela respectiva autoridade administrativa uma vez que a sua decisão, tal como uma acusação do MºPº, delimita o objecto processual, não podendo ser acrescentados factos que claramente estão em falta sob pena de se incorrer numa alteração substancial dos factos.

De notar que nos termos do artº 62º RGCO:
“1 - Recebido o recurso, e no prazo de cinco dias, deve a autoridade administrativa enviar os autos ao Ministério Público, que os tornará presentes ao juiz, valendo este acto como acusação.”

E se é verdade que, de acordo com a doutrina estabelecida pelo Parecer nº nº 5/2020 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de 21 de Maio de 2020, em especial de acordo com a 2ª conclusão alcançada “com a apresentação dos autos ao juiz não se verifica uma conversão da decisão sancionatória impugnada numa acusação” não é menos verdade que “a apresentação do processo contraordenacional ao juiz” embora não se (traduzindo), “pois, na dedução de uma acusação, tem os mesmos efeitos desse acto em processo penal - manifesta a pretensão do Ministério Público de que o arguido seja submetido a julgamento e delimita a temática do julgamento– 4ª conclusão do referido Parecer.

Contudo, em nosso modesto entendimento, não podemos sufragar tout court a 2ª conclusão contida no Parecer em discussão.

De facto, é a decisão administrativa que vai ter de delimitar os factos imputados ao arguido/acoimado sob pena de não fazer sentido que o MºPº possa ficar dispensado de fazer, por punho próprio, uma acusação e aderir ao processo de contra-ordenação.

É, assim, com a decisão administrativa que se delimitam os factos imputados ao acoimado e, portanto, é com essa decisão que se estabelece o objecto submetido a julgamento.

Tanto mais que, nos termos da al. b) do nº 2 do citado artº 58º do RGCO, submetido o recurso a julgamento em 1ª instância, pode o Tribunal a quo decidir por mero despacho, sem haver forçoso recurso a julgamento, o que significa que a decisão administrativa tem de conter todos os elementos necessários para que uma decisão por mero despacho possa ser prolatada.

Ora, ciente disto, o tal Parecer também concluiu que:
“5.ª Mas esta não é a única opção de que dispõe o Ministério Público quando a autoridade administrativa lhe remete os autos do processo contraordenacional, não sendo aquele magistrado um mero núncio que se limita a proceder a entrega do processo no Tribunal.
6.ª A intervenção do Ministério Público na denominada fase intermédia do processo contraordenacional só pode ter um significado que seja compatível com a estrutura deste tipo de processo, designadamente na fase judicial subsequente, e com as funções do Ministério Público que lhe são cometidas pela lei.
7.ª Conforme resulta da tramitação da fase judicial do processo contraordenacional regulada no RGCO, esta tem uma estrutura acusatória, sendo atribuída a magistratura do Ministério Público, a semelhança do que sucede no processo penal, a representação dos interesses do Estado no sancionamento das práticas contraordenacionais.
8.ª Nas funções de promoção da ação contraordenacional na sua fase judicial, o Ministério Público, como órgão autónomo da administração da justiça, encontra-se incondicionalmente sujeito aos valores da descoberta da verdade e da realização da justiça, pelo que só deve solicitar o julgamento daqueles arguidos sobre os quais recaem indícios seguros de que cometeram um ilícito contraordenacional.
9.ª O artigo 62.º, n.º 1, do RGCO, ao determinar a intervenção do Ministério Público na fase intermédia do processo contraordenacional, pretendeu que este magistrado examinasse o processo que lhe é remetido, designadamente a decisão sancionatória proferida e a contestação apresentada, e ponderasse, obedecendo a critérios de legalidade e objetividade, se o arguido devia ou não ser sujeito a julgamento judicial pela prática de contraordenação ou contraordenações que foram objeto temático do processo que lhe foi remetido.
10.ª Assim, após exame dos autos do processo contraordenacional, o Ministério Público deve apresentá-los ao tribunal competente, para serem distribuídos a um juiz, equivalendo essa opção a dedução de uma acusação em processo penal, caso entenda que existem indícios suficientes da prática da contraordenação ou contraordenações que foram objeto daquele processo; ou pode, pelo contrário, determinar o seu arquivamento, se tiver verificado a existência de prova bastante desses ilícitos não se terem verificado ou de o arguido não os ter praticado, de ser legalmente inadmissível o respetivo procedimento ou ainda de não existirem indícios suficientes da verificação da atividade contraordenacional ou dos seus agentes, tal como sucede no processo penal, por aplicação do disposto no artigo 277.º, n.º 1 e 2, do respetivo Código.
11.ª Quando porém se verificarem vícios sanáveis na decisão impugnada ou no processo contraordenacional, que nem justificam o arquivamento do processo, nem a sua apresentação no tribunal, deve o Ministério Público antecipar-se a decisão judicial de devolução do processo a autoridade administrativa e proceder ele a essa remessa, de modo a que tais vícios sejam sanados, proferindo a autoridade administrativa nova decisão, sem que seja necessária uma intervenção judicial.
12.ª Numa leitura integrada, que tenha presente os princípios que subjazem a intervenção do Ministério Público no Processo Penal, é possível entender-se que estes poderes se encontram ínsitos na competência que lhe é atribuída pelo artigo 62.º, n.º 1, do RGCO, ou então, para quem se sinta limitado pela literalidade deste preceito, deve considerar-se que, com as necessárias adaptações, é aplicável aos poderes do Ministério Público, nesta fase intermédia, o disposto no artigo 277.º e seg., do Código de Processo Penal, como legislação subsidiária.
13.ª Nesta fase, o arquivamento do processo contraordenacional não está dependente da concordância do arguido, nem da auscultação da autoridade administrativa.
14.ª Com o arquivamento ou a devolução do processo contraordenacional a autoridade administrativa, a decisão sancionatória impugnada fica sem efeito, sem ter chegado a ser necessária uma intervenção judicial.
15.ª Arquivado o processo, por decisão do Ministério Público, o processo contraordenacional só pode ser reaberto se surgirem novos elementos de prova que invalidem os fundamentos da opção de arquivamento, numa aplicação subsidiária do disposto no artigo 279.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou caso se verifiquem situações análogas as previstas no artigo 449.º, n.º 1, a) e b), do mesmo diploma.
16.ª O Ministério Público não pode, no entanto, face a inexistência de indícios suficientes da prática de qualquer contraordenação pelo arguido, ordenar a entidade administrativa a repetição ou a realização de novas diligências de prova, nem pode devolver-lhe os autos para realização dessas diligências, uma vez que não existe qualquer relação de subordinação hierárquica entre a autoridade administrativa e o Ministério Público.”
– sublinhado e negrito nossos

Ou seja, cabe ao MºPº, no exercício pleno das suas funções legalmente acometidas, analisar os autos de contra-ordenação e decidir, em princípio, uma de duas coisas:
- submeter os autos de contra-ordenação a julgamento;
- arquivá-los por falta de indícios.

Mas, se os submete a julgamento é porque entende que há indícios suficientes e matéria de facto suficiente para levar a uma condenação.

Ora, no caso em apreço, o MºPº decidiu “aderir” aos autos de contra-ordenação, pelo que os factos que terão de ser apreciados são os que constam da decisão administrativa que os concentra todos.

Factos que, como vimos já, não chegam para o preenchimento do tipo contra-ordenacional imputado ao arguido/acoimado.

Pelo que, não se pode admitir que, por se concluir que a autoridade administrativa não fez constar da sua decisão todos os factos necessários à imputação ao arguido do respectivo tipo contra-ordenacional, que lhe é lícito, em momento posterior e já na fase judicial, acrescentar os factos em falta.

Este é um princípio basilar do direito penal que não sofre, nem pode sofrer, qualquer atenuação quando transposta para a área de ilícito de mera ordenação social.

Até porque, conforme resulta do já citado artº 2º do RGCO, que consagra o princípio da legalidade só pode ser punido como contra-ordenação o facto descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática.

Por isso, só com a descrição de todos os elementos que integram o respectivo tipo contra-ordenacional é que se pode sancionar um arguido, não podendo esses factos, uma vez constatada a sua falta ou insuficiência, ser colmatados ou acrescentados pela respectiva autoridade administrativa da mesma maneira que, faltando numa acusação elaborada pelo MºPº em sede penal os necessários factos, quer objectivos, quer subjectivos, do respectivo tipo legal não é autorizada a devolução dos autos ao MºPº para correcção, levando inexoravelmente à absolvição do arguido.

E se nos termos do Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência nº1/2015 (DR, I Série de 27-01-2015): “A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal.”

Por maioria de razão a falta dos elementos objectivos do tipo penal também não podem ser acrescentados com recurso ao mecanismo do artº 358º do CPP.

Não se podendo agir de maneira diferente na área de ilícito de mera ordenação social, pois, apesar de não estar em causa um comportamento penalmente censurável, a verdade é que muitas das coimas aplicadas por autoridades administrativas são extremamente elevadas, e muito mais gravosas do que as multas penais fixadas pelos Tribunais.

Repare-se que, ao arguido destes autos, foi aplicada uma coima de € 2.000,00 (dois mil euros) e, apesar dessa coima refelectir o valor mínimo previsto na lei, ela não deixa de representar cerca de dois e meio ordenados mínimos, traduzindo a coima dos autos um valor significativo, por um acto de mera negligência e de mera ordenação social, quando comparado com as multas penais fixadas, por vezes, por crimes graves.

Há, na realidade, dois pesos e duas medidas:

Por um lado, afirma-se que o ilícito de mera ordenação social carrega consigo uma censura social muito mais branda e menos estigmatizante e, porque aplicada por entidades que não são tribunais, não carecem as suas decisões do mesmo rigor, nem devem estar sujeitas à mesma exigência, que uma decisão judicial.

Mas, por outro lado, as coimas aplicáveis, por vezes pela omissão de simples actos burocráticos que muitas das vezes pouco ou nada têm a ver com a verdadeira defesa dos interesses subjacentes, acarretam coimas na ordem dos milhares de euros que o cidadão comum não consegue suportar.

É por isso que, embora se aceitando que uma decisão administrativa possa revestir uma forma menos rigorosa que uma decisão judicial, ela não pode descurar uma estrutura básica que permita ao visado apreender as exactas razões pelas quais foi acoimado.

Ou seja, tem de constar de qualquer decisão administrativa de condenação, como mínimo dos mínimos, todos os factos e identificação da respectiva legislação que permitam levar àquela condenação, pois só assim se respeita o princípio da legalidade que condiciona todo o direito de ilícito de mera ordenação social, como se garante o inalienável direito de defesa e de contradição constitucionalmente garantido.

Por isso, faltando os factos necessários à imputação ao arguido de uma contra-ordenação, tal como uma acusação do MºPº que se apresente em violação do disposto no artº 283º nº 3 al. b) do CPP, não há lugar à devolução dos autos para correcção da nulidade em causa, devendo o acoimado, tal como um arguido em processo penal, ser absolvido.

E tanto assim é que, nos termos do artº 64º nº 3 do RGCO, havendo despacho, ao tribunal apenas é lícito: “ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação”.

Não estando legalmente prevista a possibilidade de se devolver o processo administrativo à respectiva entidade para corrigir o preencher as faltas detectadas.

Pelo que, bem andou o Tribunal a quo em julgando nula a decisão administrativa, absolver o arguido.

Sendo, assim, e salvo o devido respeito, manifestamente improcedente o recurso do MºPº.

Decisão:
Em face do acima exposto rejeita-se o recurso interposto pelo MºPº por manifesta improcedência, ao abrigo do disposto nos artºs 417º nº 6 al. b) e 420º nº 1 al. a), ambos do Código de Processo Penal.
Sem Custas.
Notifique.”
- fim da transcrição

Ora, a decisão sumária acabada de transcrever não só abrangeu o tema submetido a recurso pelo digno recorrente, como nenhum outro argumento jurídico há a acrescentar por este Colectivo.
Vejamos.
No que tange à reclamação propriamente dita o Exmº Sr. PGA oferece como fundamento, para reclamar para esta conferência da decisão sumária, o facto de na mesma não ter sido determinada a devolução dos autos à respectiva entidade administrativa para sanação da respectiva nulidade.
Contudo e, salvo o devido respeito, não era esse o objecto do recurso interposto pelo MºPº.
Como é sabido o objecto do recurso interposto, e portanto da análise a efectuar por esta Relação, está delimitado pelas conclusões do mesmo, atento o disposto nos artºs 402º, 403º e 412º todos do CPP devendo, contudo, o Tribunal ainda conhecer oficiosamente dos vícios elencados no artº 410º do CPP bem como das nulidades previstas no artº 379º do mesmo CPP que possam obstar ao conhecimento do mérito do recurso.[16]
Ora, das conclusões do recurso interposto pelo MºPº constatamos que o mesmo não pediu que, na eventualidade de ser considerada nula a decisão administrativa, que os respectivos autos de contra-ordenação fossem devolvidos à respectiva entidade administrativa.
Antes, pelo contrário, o digno recorrente defendia a posição de que a decisão administrativa não era nula e que continha todos os factos necessários à prolação de uma decisão de mérito por parte do Tribunal a quo.

Recapitulemos as conclusões de recurso do MºPº:

“1. A decisão proferida pela Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e Ordenamento do Território – IGAMAOT - não é nula, pois contém, de forma sucinta, mas suficiente, fundamentação de facto e de direito.
2. A decisão administrativa insere-se na fase administrativa do processo de contra-ordenação, sujeita às características da simplicidade e da celeridade, onde prevalecem os princípios próprios do direito administrativo.
3. O artigo 58.º do RGCOC (DL nº 433/82 de 27/10) ex-vi artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 50/2006, de 29/08 (Lei Quadro das Contraordenações Ambientais), apenas exige que uma decisão administrativa contenha uma fundamentação, de facto e de direito, ainda que sucinta, que seja suficiente para demonstrar o raciocínio da entidade administrativa, transcrevendo a respectiva factualidade, indicando as norma jurídicas violadas e a coima aplicada, possibilitando um conhecimento perfeito dos factos e normas imputados, o que se verifica no caso em concreto.
4. Verificados aqueles requisitos, que estão presentes na decisão administrativa em causa, tal é suficiente para que o arguido possa exercer os seus direitos de defesa, o que aliás fez na fase administrativa.
5. As contraordenações não respeitam à tutela de bens jurídicos ético-penalmente relevantes, mas apenas e tão só, à tutela de meras conveniências de organização social e económica e à defesa de diversos interesses, que ao Estado cumpre regular impondo regras de conduta nos mais variados domínios de relevo para a organização e bem-estar social.
6. A culpa nas contraordenações não se baseia em qualquer censura ético-penal, mas tão só na violação de certo procedimento imposto a agente, bastando-se por isso com a mera imputação do facto ao agente.
7. Além disso, na decisão da autoridade administrativa, o elemento subjectivo da conduta pode presumir-se da descrição do elemento objectivo (que se encontra enunciado na decisão administrativa).
8. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 58.º e 41.º do DL. nº 433/82 de 27/10, 379.º, n.º 1, alínea a), e 374º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal.
9. Pugnando-se, assim, pela revogação da decisão que absolveu o arguido, e a sua substituição por outra que considere verificados os requisitos previstos no artigo 58.º do Dec- Lei n.º 433/82, de 27/10, e que aprecie os demais fundamentos da impugnação judicial.
Termos em que se conclui como supra, julgando-se o presente recurso procedente e proferindo-se douto acórdão que revogue a douta sentença sindicada, como é de toda JUSTIÇA!!!”
- sublinhado e negrito nossos

E, no seu douto parecer, emitido nos autos em 18-03-2025 com a refª ...35, o Exmº Sr. PGA, subscrevendo a posição assumida pelo MºPº no seu recurso, mas sem acrescentar quaisquer outros argumentos, mormente que no caso de se verificar a nulidade da decisão administrativa, esta deveria ser devolvida para sanação, disse o seguinte:

“CUMPRE APRECIAR
Acompanha-se na íntegra o recurso interposto pelo Ministério Público.
Na verdade, resulta com clareza da decisão administrativa, sem qualquer esforço de exegése especial, aquilo que ao arguido foi imputado e motivou a sua condenação nessa sede: que o arguido, estando obrigado a inscrição no Sire tendo colocado no mercado embalagens e resíduos de embalagens, por se encontrar na lista de aderentes à entidade gestora EMP01..., no dia 25.05.2022 não estava inscrito no SIRER [Sistema Integrado de Registo Electrónico de Resíduos], como estava obrigado pelos normativos legais citados na decisão.
E que incumpriu esta obrigação por não ter actuado com a diligência e cautela que lhe eram exigíveis e de que era capaz, pois como produtor de produto que coloca no mercado embalagens e resíduos de embalagens tinha obrigação de conhecer as suas obrigações legais e de cumprir com elas.
Acresce que a infracção contra-ordenacional imputada é, precisamente, o exercício de actividade que obrigava à inscrição no SIRER, sem que tal inscrição tivesse sido efectuada [disposições conjugadas dos artigos 88.º n.º1, 7.º n.º1, 19.º n.º1, do UNILEX [Decreto-Lei 152-D/2017, de 11.12] e 97.º e 117.º n.º2, alínea uuu), do RGGR [Decreto-Lei 102-D/2020, de 22.12].
Não se alcança, por conseguinte, o que pretende, e a que se refere, a decisão recorrida com as considerações que motivaram a declaração de nulidade: “No caso sub judice, compulsada a matéria de facto constante da decisão administrativa não se percebe quais os atos alegadamente praticados pelo arguido que são suscetíveis de integrar a contraordenação que lhe é imputada, nem se consegue enquadrar temporalmente a alegada contraordenação.
Ademais, em sede de matéria de facto não são mencionados quaisquer factos atinentes ao elemento subjetivo da coima imputada ao recorrente”.
E não se entendendo, não por qualquer dificuldade de percepção de quem lê a decisão recorrida, mas por ela não explicar por que razão os factos alinhados na decisão recorrida não servem a exigência prevista no artigo 58.º n.º1, alínea b), do RGCO [ex vi do artigo 2.º n.º1 da LQCOA], é ela que é nula, por falta de fundamentação, já que não se alcança do seu texto, por reporte à concreta decisão administrativa, a justificação do que foi decidido -artigos 379.º n.º1, alínea a), e 374.º n.º2, ambos do Código de Processo Penal, 2.º n.º1 da LQCOA e 41.º n.º1 do RGCO.
Em CONCLUSÃO, somos de parecer que o recurso merece integral provimento.”
Ora, e salvo o devido respeito, a decisão sumária debruçou-se aturadamente sobre o thema decidendum do recurso, ou seja, o de saber se a decisão administrativa era ou não nula por faltar factos essenciais à respectiva condenação, tendo concluído, sem qualquer sombra para dúvida que, pese embora não faltassem os factos tendentes a demonstrar o elemento subjectivo do tipo contra-ordenacional em causa, faltavam factos objectivamente necessários ao preenchimento do tipo contra-ordneacional imputado ao acoimado, inclusive faltava a cabal indicação das normas legais aplicáveis, tendo, assim, sido violado o disposto no artº 58º do RGCO.

Concluindo pela validade da sentença recorrida, e, portanto, pela não verificação da apontada nulidade da mesma.

Pretende agora o MºPº, na qualidade de recorrente, ampliar o seu recurso pois pretende que esta Conferência se pronuncie sobre a possibilidade de se devolver a decisão administrativa para que a nulidade de que a mesma padece – e que parece agora ser aceite pelo digno recorrente – seja sanada, indo, assim, além do pedido efectuado no recurso primitivo.

O que se nos afigura não ser legalmente admissível, salvo o devido respeito, até porque se nos afigura que o MºPº se conformou com a decisão singular quanto à nulidade imputada à decisão administrativa, pedindo seja decidido em conferência apenas a remessa dessa decisão administrativa à respectiva autoridade administrativa para sanação.

É certo que na decisão sumária a Relatora acabou por se pronunciar sobre essa possibilidade mas sempre na óptica de confirmar o despacho recorrido uma vez que o mesmo concluiu pela impossibilidade de se proceder a essa devolução à respectiva autoridade administrativa, tendo optado, e bem, pela absolvição do acoimado.

Em todo o caso, e porque na decisão sumária se faz referência à (im)possibilidade de se devolver os autos administrativos à respectiva entidade para efeitos de sanação da nulidade detectada, tal como entendido pela sentença recorrida, iremos brevemente analisar esse aspecto que é o único que levou o digno recorrente a reclamar para esta conferência.

Assim e, antes de mais, convém ter presente que a sentença recorrida foi prolatada nos termos do artº 64º nºs 1 e 2 do RGCO, ou seja, a decisão recorrida traduz um despacho judicial proferido sem realização prévia de audiência de julgamento.

Significa isto que, nos termos do nº 3 do artº 64º do RGCO:
“O despacho pode ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação.”

Ou seja, havendo lugar a despacho judicial, ao Tribunal a quo não é permitido efectuar qualquer oura acção que não seja a de:
- arquivar o processo;
- absolver o arguido; ou
- manter ou alterar a condenação.

Não é, assim, legalmente possível devolver os autos de contra-ordenação à respectiva autoridade administrativa para sanar uma nulidade intrínseca da própria decisão.

Ora, o Exmº Sr. PGA invoca no seu douto requerimento um Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ com o nº 3/2019[17] com o qual conclui que:

“xvii. Ou seja, de acordo com esta doutrina, e com a jurisprudência fixada do Acórdão do STJ 3/2019, uma vez que a decisão administrativa não esgota o objecto processual -o que o tribunal aprecia não é, como se disse, a decisão administrativa, mas a questão sobre a qual incidiu a decisão administrativa-, em processo contra-ordenacional o objecto do processo não se fixa com a decisão administrativa nos mesmos termos em que no processo penal se fixa com a acusação, ou com o requerimento de abertura de instrução do assistente.”

Contudo e, salvo o devido respeito, afigure-se-nos que a leitura cabal de tal acórdão, cuja análise se reportava à natureza do recurso contra-ordenacional em sede da Relação – tendo decidido que «Em processo contraordenacional, no recurso da decisão proferida em 1.ª instância o recorrente pode suscitar questões que não tenha alegado na impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa» –  leva-nos precisamente à conclusão alcançada na decisão sumária.

Vejamos o que se afirma em tal Acórdão do STJ nº 3/2019:

“3.1. O «processo das contra-ordenações não é uma forma de processo penal, obedece a uma dinâmica própria, que decorre da especificidade do Direito de Mera Ordenação Social e da atribuição às autoridades administrativas dos poderes de impulso processual e sancionatórios típicos deste ilícito».[18]
Se, por um lado, após a fase administrativa, o processo contraordenacional se apresenta com um âmbito distinto do processo administrativo, por outro lado, pese embora a sua especificidade, apresenta-se próximo das regras de processo penal, como aliás o RGCO o evidencia: os princípios de processo penal são subsidiários do regime (cf. art. 41.º, n.º 1, do RGCO). Esta proximidade ocorre logo na fase administrativa, pois, "[n]o processo de aplicação da coima e das sanções acessórias, as autoridades administrativas gozam dos mesmos direitos e estão submetidas aos mesmos deveres das entidades competentes para o processo criminal, sempre que o contrário não resulte do presente diploma" (art. 41.º, n.º 2, do RGCO).
(…)
Em sede de 1.ª instância, o Tribunal conhece de toda questão em discussão - «o objecto da sua apreciação não é a decisão administrativa, mas a questão sobre a qual incidiu a decisão administrativa»[19].
O âmbito de cognição deste tribunal é bastante amplo: não se limita a um controlo da legalidade do ato, mas procede a uma apreciação de todo o ato administrativo, uma «apreciação da veracidade e exactidão dos factos (e da sua qualificação)», e também uma apreciação da medida da coima aplicada, considerando-se que o Tribunal tem «poderes de jurisdição plena»[20]. Isto é, «são admissíveis, na fase judicial do processo contraordenacional, todos os tipos de pronúncia que incidem sobre o mérito da causa, designadamente a manutenção da decisão administrativa, a sua revogação in totum, por via da absolvição, e a sua modificação, quer da qualificação jurídica quer da sanção»[21]. Não se trata, pois, de um mero controlo da legalidade, mas de um pleno poder de conhecimento do mérito da questão, de uma plena jurisdição à semelhança do que ocorre atualmente nos tribunais administrativos[22].
Daqui decorre que a impugnação da decisão da autoridade administrativa não é um verdadeiro recurso. A causa é retirada do âmbito administrativo e entregue a um órgão independente e imparcial, o tribunal. E o tribunal irá decidir do mérito da causa como se fosse a primeira vez - o julgador não estará vinculado, nem limitado pelas questões abordadas na decisão impugnada, nem estará limitado pelas questões que tenham sido suscitadas aquando da impugnação, estando apenas limitado pelo objeto do processo definido pela decisão administrativa. Esta sofre uma transformação - o Ministério Público recebe da autoridade administrativa os autos, e remete-os ao juiz «valendo este ato como acusação» (art. 62.º, n.º 1, do RGCO)[23]. Aquela decisão administrativa passa a constituir uma "decisão-acusação", e aquela fase administrativa "transforma-se" em fase instrutória.
Porém, a transformação aparente da decisão da autoridade administrativa numa acusação apenas serve para demonstrar que, a partir da análise dos autos enviados pela entidade administrativa ao MP, este considerou que destes resultam indícios suficientes de se ter verificado a contraordenação e de quem foi que a praticou. (…)
Ou seja, a decisão da autoridade administrativa, havendo impugnação judicial, vale como acusação pelo Ministério Público[24], mas o seguimento do processo judicial depende ainda da vontade do arguido e/ou do MP, com a concordância de um ou outro respetivamente. (…)
Assim sendo, a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa tem um âmbito alargado a toda a situação sob escrutínio. Não pode, pois, ser classificada como recurso, uma vez que o tribunal de 1.ª instância tem poderes de cognição alargados ao conhecimento do mérito da questão, podendo conhecer de todas as questões que pudesse conhecer.”
- sublinhado e negrito nossos

Ora, se o Tribunal de 1ª instância não decide um simples “recurso” de contra-ordenação, antes, decide de mérito com amplos poderes, ou como se afirma no Acórdão supra citado “a causa é retirada do âmbito administrativo e entregue a um órgão independente e imparcial, o tribunal. E o tribunal irá decidir do mérito da causa como se fosse a primeira vez significa isso que, constatando o Tribunal a quo a falta de factos necessários ao preenchimento da respectiva contra-ordenação e consequente imputação ao arguido da respectiva coima, que o “mérito da decisão” levará forçosamente à absolvição do acoimado e não à devolução à autoridade administrativa para sanação do problema.

Tanto mais que a insuficiência de factos para a decisão condenatória (que é o que, na realidade, se constata existir com a decisão administrativa em apreço), sendo um vício de sentenças judiciais cujo conhecimento (oficioso ou não) só pode ocorrer em sede de recurso para a Relação ou para o STJ, não é aplicável às decisões administrativas (aliás, nem o é para quaisquer outras decisões judicias, mormente instrutórias) e, por isso, não pode o Tribunal de 1ª instância invocar tal falta para devolver os autos à autoridade administrativa para sanação como ocorre no âmbito de recurso para a Relação ou para o STJ nos termos do artº 426º do CPP.

Por outro lado, tendo o MºPº considerado que dos autos administrativos e, mormente, da decisão administrativa constavam todos os factos e todos os indícios para imputar ao acoimado a contra-ordenação por este impugnada, ao ponto de o submeter a juízo e de, a partir daí, já em sede do Tribunal Judicial, assumir a posição de representante do Estado, no lugar da autoridade administrativa, enquanto acusador – lembre-se que nos termos do artº 62º nº 1 do RGCO a submissão dos autos administrativos a juízo vale como acusação – não se pode, depois de introduzido em juízo esta “decisão-acusação”, como o qualifica o Ac. do STJ nº 3/2019, querer ultrapassar o próprio MºPº, que julgou válida a decisão administrativa pois a submeteu como acusação, e devolver à entidade administrativa com vista a que a mesma sane um vício que nem o MºPº pode sanar.

É que, é o próprio RGCO que no artº 65º-A chama expressamente aos autos administrativos, dos quais é expressão máxima a decisão administrativa impugnada judicialmente, de “acusação”.

Veja-se o que diz o artº 65º-A do RGCO:
“1 - A todo o tempo, e até à sentença em 1.ª instância ou até ser proferido o despacho previsto no n.º 2 do artigo 64.º, pode o Ministério Público, com o acordo do arguido, retirar a acusação.
2 - Antes de retirar a acusação, deve o Ministério Público ouvir as autoridades administrativas competentes, salvo se entender que tal não é indispensável para uma adequada decisão.”

Sendo a decisão administrativa equiparável a uma acusação, relativamente à qual o MºPº adere e defende em sede judicial, podendo inclusive, indicar toda a prova tida por pertinente, claro se torna ver que, faltando factos necessários à imputação contra-ordenacional, não é viável a devolução dos autos para a respectiva correcção, da mesma maneria que não é viável a devolução de uma acusação ao MºPº para suprimento das falhas nele detectadas havendo, antes, lugar ao despacho previsto no artº 311º do CPP com rejeição da acusação ou, na falta atempada da respectiva detecção da nulidade por insuficiência de factos, à prolação de sentença com a consequente absolvição do arguido.

 Assim e salvo o devido respeito, não só a reclamação tem de improceder como o próprio recurso.

Decisão:

Em face do acima exposto os Juízes Desembargadores da Relação de Guimarães julgam IMPROCEDENTE a reclamação apresentada pelo MºPº e, em consequência, REJEITAM o recurso por manifesta improcedência.
Sem custas.
Guimarães, 11 de Junho de 2025.

Florbela Sebastião e Silva (Relatora)
Paula Albuquerque (1ª Adjunta)
António Teixeira (2º Adjunto)


[1] Paradigmaticamente, na doutrina, Nuno Brandão, in o Controlo Judicial da Decisão Administrativa Condenatória, págs. 331, consultável em https://apps.uc.pt/mypage/files/nbrandao/1604 [particularmente nota 63]; na jurisprudência, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 31.10.2019.
[2] Conferir, manifestando veemente oposição ao entendimento de que a decisão administrativa passa a acusação, Vítor Sequinho dos Santos, in O dever de fundamentação da decisão administrativa condenatória em processo contraordenacional, págs. 108, consultável em Contraordenações laborais”, 2.ª ed., e-book., CEJ, entendimento citado e seguido no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República 5/2020, cujas conclusões foram tornadas doutrina obrigatória para o Ministério Público pela Directiva PGR 4/21; neste entendimento, “O que corresponde a uma acusação é o ato de apresentação dos autos do processo contraordenacional ao juiz, não existindo no processo contraordenacional uma acusação em sentido formal, enquanto indicação precisa pelo Ministério Público da factualidade que conforma o objeto do processo e das infrações que são imputadas ao arguido, tal como exige o Código de Processo Penal no artigo 283.º, n.º 3”.
[3] Cfr., por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional 141/2019, onde se considera que “Quando o processo é enviado para o Tribunal, na sequência da impugnação do arguido, tem lugar uma nova apreciação, em que a decisão anterior passa a ser tida como acusação que delimita o objeto do conhecimento do tribunal.”
[4] Vítor Sequinho, ob. cit., págs. 141.
[5] Alterado sucessivamente pelos seguintes diplomas legais: Declaração de 06-01-1983; DL nº 356/89 de 17-10; Declaração de 31-10-1989; DL nº 244/95 de 14-09; DL nº 323/2001 de 17-12 e Lei nº 109/2001 de 24-12.
[6] Ver a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt, que reproduzimos: “Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).”.
[7] Processo n.º 257/18.0T8SRT.C1; Relator: Vasques Osório, disponível em http://www.dgsi.pt/.
[8] Sumário: “A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjetivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal”.
[9] Novo Regime Geral da Gestão de Resíduos.
[10] Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais, aprovada pela Lei nº 50/2006, de 29 de agosto, na redacção actual.
[11] Código Penal.
[12] Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na redacção actual.
[13] O qual sofreu alteração pelo DL n.º 24/2024, de 26/03, mas, dada a data em que o respectivo auto-contra-ordenacional foi levantado, em 2023, não se aplica ao caso ora sob análise.
[14] Mas já com a Retificação n.º 3/2021, de 21/01.
[15] Mais especificamente no 7º parágrafo do item “Fundamentação”.
[16] Ver a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt, que reproduzimos: “Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).”.
[17] Consultável em:
https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/3-2019-122857882
[18] Leones Dantas, O Despacho Liminar do Recurso de Impugnação no Processo das Contra-Ordenações, Regime Geral das Contraordenações e as contraordenações administrativas e fiscais, e-book, CEJ, set. 2015, p. 12, consultável aqui http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ Administrativo/Regime_geral_contraordenacoes_contraordenacoes_administrativas_fiscais.pdf
[19] Maria Borges Campos, Os poderes de cognição e decisão do tribunal na fase de impugnação judicial do processo de contraordenação, Estudos sobre Law Enforcement, Compliance e Direito Penal, coord. Maria Fernanda Palma, Augusto Silva Dias e Paulo de Sousa Mendes, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2018, p. 390.
[20] Assim, Joaquim Pedro Formigal Cardoso da Costa, O recurso para os tribunais judiciais da aplicação de coimas pelas autoridades administrativas, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 366 (abril-junho, 1992), p. 59, 64, 67-8.
[21] Maria Borges Campos, ob. cit., p. 390.
[22] Cf. art. 3.º, n.º 1,.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos segundo o qual - "(...) os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua atuação".
[23] Também evidenciando que não se trata de uma acusação do MP, cf. Augusto Silva Dias, Direito das Contra-Ordenações, Coimbra: Almedina, 2018, p. 240 - "A lei não diz que o MP acusa, mas tão-só que aquele acto de envio vale como acusação"; também assim, Alexandra Vilela, O Direito de Mera Ordenação Social, Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 469.
[24] Cf. neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, Lisboa: UCP, 2011, art. 62.º/nm. 6, p. 258.