PROVA PROIBIDA
LEI DO CIBERCRIME
ACESSO AOS METADADOS
INTERNET PROTOCOL ADRESS
Sumário


I – O Tribunal Constitucional no Acórdão do n.º 268/2022, de 19/04/2022, que decidiu declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º conjugada com o artigo 6.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho e da norma constante do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, não fiscalizou, nem censurou quaisquer outras normas, nem outros diplomas legais que se encontram em vigor;
II – No caso dos autos, o Ministério Público determinou na fase de inquérito que as operadoras móveis preservassem pelo período mínimo de 3 meses, a identificação dos titulares dos contratos de Internet e determinou ainda a notificação das mesmas operadoras, para indicarem o nome e morada dos titulares dos contratos de internet associados aos IPs, ao abrigo da lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro e não ao abrigo da Lei 32/2008;
III - Ora a Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro não foi alvo de qualquer juízo de inconstitucionalidade por parte do Tribunal constitucional, nomeadamente, nos termos que constam do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, de 19/04/2022, invocado pelo recorrente para fundamentar a nulidade das provas obtidas nos autos, designadamente no que diz respeito aos IPs (Internet Protocol Adress);
IV- Assim, a prova obtida ao abrigo da Lei n.º 109/2009 não padece de qualquer nulidade, não tendo sido valorada prova proibida pela primeira instância.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

A) Relatório:

1) No Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de Braga – Juiz ..., nos autos de Processo Comum, com intervenção do Tribunal colectivo, com o n.º 1197/17.6T9BCL, após a realização da audiência de julgamento, foi proferido acórdão, datado de 15/01/2025, onde se decidiu condenar o arguido AA:
- Na pena parcelar de 10 (dez) meses de prisão pela prática de um crime de usurpação de funções, previsto e punido pelo artigo 358.º, al. b), do Código Penal, por referência aos artigos 7.º, n.º 1, al. a) e 47.º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 144/2006, de 31/07;
- Na pena parcelar de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses, pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. a), por referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal;
- Na pena parcelar de 2 (dois) anos de prisão pela prática de um crime de de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 255.º, al. a) e 256.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal;
- Na pena única de 5 (cinco) anos de prisão efectiva, pela prática, em cúmulo jurídico;
- No pagamento do valor de €38.868,90 (trinta e oito mil oitocentos e sessenta e oito euros e noventa cêntimos) ao Estado, declarando-se a perda de vantagens a favor do Estado;
Ø No pagamento pagar à demandante EMP01..., S.A., a quantia de €38.868,90 (trinta e oito mil oitocentos e sessenta e oito euros e noventa cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% e até efetivo e integral pagamento, contabilizados desde a data da sua notificação para contestar.

*
2) Inconformado com esta decisão, da mesma interpôs o arguido o presente recurso, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

A. Não se conformando e discordando do douto Acórdão “a quo” que condenou o Recorrente (…);
B. Vem ao abrigo do artigo 412.º, n.º 3 a) do Código de Processo Penal o presente Recurso interposto, impugnando o Recorrente também a decisão proferida sobre a matéria de facto, sendo que os factos que considera incorrectamente julgados se reportam aos pontos 16, 18, 30 dos factos provados no douto Acórdão “a quo”.
C. Os pontos 16, 18 e 30 apresentam a seguinte redacção: 
16 – Mantendo o firme propósito previamente formulado, a 04 de maio de 2017, às 10h31, através do endereço de e-mail ..........@....., o arguido enviou para o endereço de correio eletrónico da EMP01..., S.A., um documento com o título “Recibo de Prémio”, n.º ...27, referente a maio de 2017, no valor de € 6.600,98 (seis mil e seiscentos euros e noventa e oito cêntimos), com vista ao seu pagamento.
18 - A 05 de junho de 2017, às 08h30, através do endereço de e-mail ..........@....., o arguido enviou para o endereço de correio eletrónico da EMP01..., S.A., um documento com a designação “Recibo de Prémio”, n.º ...11, referente a junho de 2017, no valor de € 6.600,98 (seis mil e seiscentos euros e noventa e oito cêntimos), cm vista ao seu pagamento.
30 - Assim, arrogando para si o atributo de ser mediador de seguros e através da documentação que apresentou, o arguido enganou BB, administradora da EMP01..., S.A., levando-a a acreditar que estava a tratar com um mediador de seguros, transferindo-lhe aquela quantia total de € 38.868,90, crente de que seria entregue, pelo arguido, à seguradora, o que não ocorreu.”
D. No entender do ora Recorrente estão incorrectamente julgados uma vez que aqueles factos considerados provados com os números 16 e 18 tomam como ponto de partida a existência e envio de duas mensagens de correio electrónico, datadas de 4 de Maio de 2017 pelas 10h31 e 5 de Junho de 2017, pelas 8h30, respectivamente, nas quais o Recorrente através do endereço de e-mail ..........@....., terá enviado para o endereço de correio eletrónico da EMP01..., S.A., Recorrida nos autos, um documento com o título “Recibo de Prémio”, n.º ...27, referente a maio de 2017, no valor de € 6.600,98 (seis mil, seiscentos euros e noventa e oito cêntimos), com vista ao seu pagamento e outro do mesmo endereço de e-mail ..........@....., enviado para o endereço de correio eletrónico da Recorrida, um documento com a designação “Recibo de Prémio”, n.º ...11, referente a junho de 2017, no valor de € 6.600,98 (seis mil, seiscentos euros e noventa e oito cêntimos), com vista ao seu pagamento, igualmente
E. No entanto, estes e-mails, constantes de fls. 26, 27, 30 e 31 reportam-se a metadados cuja recolha foi ordenada por Despacho da Exma. Senhora Procuradora titular do inquérito, em 30 de Outubro de 2017, constante de fls.40 frente e verso, no qual ordenava que se oficiasse ao Gmail, solicitando que este informasse qual o número de IP’s utilizados nos dias identificados a fls. 29 a 33 dos autos, pelo utilizador do endereço electrónico aí identificado, bem como foi solicitado que aquela empresa informasse qual o número de IP utilizado para criação e os utilizados nos últimos acessos ao mesmo endereço, para além de que se solicitou informação respeitante ao endereço identificado a fls.8 dos autos.   
F. No último parágrafo, aquele Despacho acrescenta ainda que se oficiasse, em impresso próprio, às operadoras móveis solicitando que informem qual o nome e morada do utilizador do telefone e do telemóvel identificado a fls.8, caso se trate de número pré-pago não identificado que informem se foram realizados carregamentos através do sistema multibanco e, neste caso, quais as referências dos mesmos. Esses ofícios em impresso próprio constam de fls.49 a 59 dos autos
G. A Google Incorporated Legal Investigations Support, propriedade da Google LLC, respondeu em 8 de Novembro de 2017, a partir do e-mail com endereço ..........@....., bem como respondeu através de um novo e-mail, datado de 22 de Novembro de 2017, pelas 19h51, em que informa que o e-mail com o endereço ..........@....., tem como subscritor associado AA, foi criado no dia 9 de Março de 2016, a partir do IP: ...28, às 13:28:49 – UTC, mais tendo sido utilizado o número de telemóvel ...96, localizado em ..., como número para o envio dos códigos de activação daquele e-mail.
H. Sucede é que de entre a prova indicada no Douto Acórdão recorrido, designadamente reportada ao e-mail mencionado nos factos 16 e 18 dados como provados, consta um segmento referente a informações recolhidas pela análise dos metadados (atribuídos ao Recorrente);
I. São metadados, os dados dos dados recolhidos da utilização de um IP e fornecido pelas operadoras de comunicações ao abrigo da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho (no seguimento da transposição da Directiva comunitária n.º 2006/24/CE a qual foi declarada inválida por decisão judicial do Tribunal de Justiça da União Europeia em 08/04/2014 não tendo, o Estado Português, efectuado qualquer alteração legislativa com vista à adaptação para o ordenamento jurídico de tal decisão);
J. Pelo Acórdão n.º 268/2022, do Tribunal Constitucional, foi declarada:
- a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35º e do n.º 1 do artigo 26º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18º, todos da Constituição da República Portuguesa. 
- a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de norma constante do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja susceptível de comprometer as investigações nem a vida ou a integridade física de terceiros, por violação do n.º1 do artigo 35.º e do n.º1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa. 
K. O Tribunal Constitucional considerou igualmente que guardar os dados de tráfego e localização de pessoas restringe de modo desproporcionado os direitos à reserva da intimidade e da vida privada, designadamente, por poder atingir sujeitos relativamente aos quais não existe qualquer sujeito de prática de crimes. Por outro lado, o artigo 9º da Lei 32/2008 foi declarado inconstitucional pois não previa que o visado fosse informado de que os seus dados tinham sido consultados por terceiros (mesmo investigadores criminais)
L. Consequentemente, a partir do momento em que tal informação não protege o visado nem terceiros, o acórdão supra do TC refere que estes ficam privados de exercerem um controlo real e efetivo sobre a licitude de tal acesso o que, sem dúvida, viola o DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO INFORMATIVA, e que é traduzido no direito individual de cada pessoa poder exercer controlo sobre os seus dados pessoais, pelo que desta forma a conservação dos dados fornecidos pelas operadoras de comunicações e acesso e seu uso para a apreciação de prova, nestes autos, é INCONSTITUCIONAL
M. Por conseguinte é nula toda a prova obtida com recurso aos METADADOS recolhidos e guardados pelas operadoras telefónicas para prova da alegada utilização, pelo arguido, de equipamentos telefónicos e respectivas geo-localizações celulares, bem como IP’s obtidos por aquelas operadoras de comunicações que permitam identificar caixas de endereços electrónicos, para além de trocas de e-mails constantes e guardadas nos endereços electrónicos criados e disponibilizados aos clientes por aqueles operadores de comunicações, como é o caso da Google LLC
N. A propósito da produção de prova em audiência vide Extrato do Ac. STJ de 14-072010 onde se expressa que as proibições de prova dão lugar a provas nulas - artigo 38.º, n.º 2, da CRP e que a lei portuguesa proíbe as provas fundadas na violação da integridade física e moral do agente e as provas que violem ilicitamente a privacidade;
O. Maia Gonçalves, em Meios de Prova, Jornadas de Direito Processual Penal, 1989, pág. 195, a propósito dos n.ºs 1 e 3 do artigo 126.º do C.P.P, referia tratar-se em seu entender de dois graus de desvalor de provas obtidas contra as cominações legais, sendo maior o desvalor ético-jurídico das provas obtidas mediante os processos referidos no n.º 1 e tal diferente grau de desvalor tem reflexo nas nulidades cominadas; «enquanto as provas obtidas pelos processos referidos no n.º1 estão fulminados com uma nulidade absoluta, insanável e de conhecimento oficioso, que embora como tal não esteja consagrada no art.º119.º e está neste art.º126.º, através da expressão imperativa não podendo ser utilizadas, já as provas obtidas mediante o processo descrito no n.º3 são dependentes de arguição, e portanto sanáveis, pois que não são apontadas como insanáveis no art.119.º ou em qualquer outra disposição da lei. Em relação a estas últimas provas, obtidas mediante os processos aludidos no n.º 3, a lei atendeu de algum modo à vontade do titular do interesse ofendido e ao princípio «volenti non fit injuris»
P. Como expende Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, Dezembro 2007, pág. 326, anotação 3: «A nulidade das provas proibidas obedece a um regime distinto da nulidade insanável e da nulidade sanável. Trata-se de um regime complexo, que distingue dois tipos de proibições de provas consoante as provas atinjam a integridade física e moral da pessoa humana ou a privacidade da pessoa humana». E no ponto 4 quanto ao regime da nulidade da prova proibida diz que há que distinguir: “a nulidade da prova proibida que atinge o direito à integridade física e moral previsto no artigo 126.º, n.ºs 1 e 2 do CPP, é insanável; a nulidade da prova proibida que atinge os direitos à privacidade previstos no artigo 126.º, n.º3 é sanável pelo consentimento do titular do direito. A legitimidade para o consentimento depende da titularidade do direito em relação ao qual se verificou a intromissão ilegal. O consentimento pode ser dado ex ante ou ex post facto. Se o titular do direito pode consentir na intromissão na esfera jurídica do seu direito, ele também pode renunciar expressamente à arguição da nulidade ou aceitar expressamente os efeitos do acto, tudo com a consequência da sanação da nulidade da prova proibida. O artigo 126.º, nºs 1 e 2, prevê nulidades absolutas de prova e o n.º 3 prevê nulidades relativas de prova, desde que exista o consentimento, por exemplo.”
Q. Simas Santos e Leal Henriques, in Código de Processo Penal Anotado, 3.ª edição, 2008, volume I, pág. 832, distinguem entre os métodos proibidos de prova, os absolutos (proibidos mesmo com consentimento), abrangendo as provas obtidas mediante tortura, coacção e ofensa à integridade física ou moral, e os relativos (proibidos apenas sem consentimento), abrangendo as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência e nas telecomunicações.  Os n.ºs 1 e 2 enunciam os métodos de prova que o legislador considera proibidos em termos absolutos, pois que atentam contra direitos indisponíveis para o seu próprio titular e em relação aos quais é irrelevante o consentimento. Os métodos proibidos de carácter relativo por sua vez, abrangem os casos em que se utilizam processos de recolha de prova sem o consentimento dos respetivos titulares, já não existe uma proibição absoluta mas meramente relativa, dado que, estando apenas em causa direitos disponíveis, é sempre possível utilizar os meios de prova aí referidos se houver consentimento válido para tal ou a situação esteja prevista na lei;
R. Os métodos absolutamente proibidos de prova, por se referirem a bens absolutamente indisponíveis, determinam que a prova seja fulminada de nulidade insanável, a qual está consagrada na expressão imperativa «não podendo ser utilizadas», usada no art.º126.º, n.º 1, do CPP.  São igualmente nulas (também, por isso, 'não podendo ser utilizadas') quando forem 'obtidas sem o consentimento do respetivo titular'. Mas se assim é quanto às provas diretamente obtidas por 'métodos proibidos' (que 'são nulas, não podendo ser utilizadas'), já - 'perante interesses individuais que não contendam diretamente com a garantia da dignidade da pessoa' - 'poderá eventualmente vir a reconhecer-se a admissibilidade de provas consequenciais à violação da proibição de métodos de prova'
S. Ora, será justamente no âmbito dos efeitos à distância dos 'métodos proibidos de prova' que se poderá dar consistência prática a essa distinção entre os métodos previstos no n.º1 do art.º126.º e os previstos no n.º3, pois que, enquanto os meios radicalmente proibidos de obtenção de provas inutilizará as provas por eles directa e indiretamente obtidas, já deverá ser mais limitado - em função dos interesses conflituantes - o efeito à distância da 'inutilização' das provas imediatamente obtidas através dos demais meios proibidos de obtenção de provas (ofensivos não do 'valor absoluto da dignidade do homem', mas de 'interesses individuais não diretamente contendentes com a garantia da dignidade da pessoa', como a 'intromissão sem consentimento do respetivo titular' na 'vida privada', 'no domicílio', na 'correspondência' ou nas 'telecomunicações')
T. Sobretudo quando, como nestes autos, a nulidade do meio utilizado (a apreensão e guarda de correspondência de correio electrónico) radique não nos seus 'requisitos e condições de admissibilidade' mas nos 'requisitos formais' das correspondentes 'operações', pois que, sendo esta modalidade, ainda que igualmente proibida (art.ºs 126 n.º1 e 3 e 189.º), menos agressiva do conteúdo essencial da garantia constitucional da inviolabilidade das telecomunicações (art.º34 n.º4 da Constituição), a otimização e a concordância prática dos interesses em conflito poderá reclamar a limitação - se submetida aos princípios da necessidade e da proporcionalidade - dos 'interesses individuais, ainda que emanações de direitos fundamentais, que não contendam diretamente com a garantia da dignidade da pessoa;
U. Em suma, deverá ser nula toda a prova produzida nos autos resultante da recolha e conservação de dados de dados móveis e metadados fornecidos pelas operadoras de comunicações, nos termos do disposto no Acórdão n.º268/2022 do Tribunal Constitucional conjugado com os artigos 125.º, à contrário; 126.º, n.ºs 2 e 3 todos do Código de Processo Penal a qual se invoca para todos os devidos e legais efeitos;
V. A vinculação e os efeitos das decisões do Tribunal Constitucional enquanto órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa são os estabelecidos pela Constituição. Dispõe o n.º1, do art.º 282.º, da CRP, que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado, a regra é a da retroactividade ex tunc;
W. Despacho da Exma. Senhora Procuradora-Adjunta que determinou a conservação daqueles dados de correio electrónico, foi emitido em 2017, contudo, a declaração de inconstitucionalidade de uma norma legal determina a produção de efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional e determina igualmente a repristinação das normas que ele possa ter revogado, daqui que aquele Despacho emitido em 2017, com a redacção daquelas normas em vigor, ao determinar a conservação e o acesso àqueles metadados, estando em vigor uma norma inconstitucional ao abrigo da qual foi emitido e foram recolhidos aqueles metadados, torna toda a prova assim obtida nula;
X. Nestes termos, requer-se aos Venerandos Desembargadores que seja decretada a nulidade expressamente invocada e sejam declaradas nulas as provas constantes de fls. 26, 27, 30, 31, 49 a 59 e 69 a 72 dos autos, que serviram de base aos factos provados n.ºs 16 e 18 do Douto Acórdão “a quo”;
Y. Devendo, em consequência, não ser dados como provados os factos 16 e 18, o que determinará que o crime de falsificação prefigurado pela prova destes factos, já que assenta nos documentos que titulam os recibos considerados falsos, enviados e anexos àqueles e-mails, a base sustentatória da prática do crime de falsificação de documento, dado que só com recurso àqueles se obteve o acesso aos aludidos documentos;
Z. Se os e-mails onde foram remetidos e acedidos através do despacho da Exma. Senhora Procuradora são considerados prova nula, os documentos que os mesmos integram ficam contaminados e feridos de nulidade, pelo que, sendo aqueles recibos, alegadamente falsos, o objecto da prática do crime de falsificação, temos que o mesmo já não poderá verificar-se, devendo o Recorrente ser absolvido da prática do mesmo, o que se requer e invoca;
AA.O mesmo se diga relativamente ao facto provado número 30, uma vez que, através da emissão daqueles recibos falsos, constantes dos e-mails, em que, se teria arrogado mediador de seguros, algo que o Recorrente sempre negou, dado que, se conseguisse emitir recibos em nome da EMP02..., tal só sucederia se fosse detentor de uma mediação de seguros, se estivesse legalmente habilitado para;
BB.Ora, se aqueles documentos alegadamente falsos, que demonstrariam que o Recorrente teria elaborado os mesmos e se arrogasse mediador de seguros, não podem ser considerados prova válida e admissível, uma vez que integram e-mails que estão feridos de nulidade, em razão da inconstitucionalidade acima, cai pela base a prática do crime de usurpação de funções, até porque, apesar de as testemunhas CC e DD afirmarem que o Recorrente se apresentou perante eles como mediador de seguros, nenhum documento constante dos autos demonstra a prática material de qualquer crime de usurpação de funções, atendendo até que, o cartão de visita que o  Recorrente deixou à disposição da legal representante da assistente, apenas o identifica como Investigador de Acidentes/Sinistros e não como mediador de seguros;
CC. Portanto, em momento algum o Recorrente se arrogou mediador de seguros, elaborou documentos nesse sentido e nem sequer utilizava documentos de identificação que o fizessem passar por mediador de seguros e, logo, usurpador de funções; não ficando preenchido o tipo do crime de usurpação de funções não fica suportada a prática de qualquer crime de usurpação de funções, daqui se requerendo aos Venerandos Desembargadores que considerem como não provado o facto 30, sendo o mesmo considerado não provado, deixa de ser possível demonstrar a prática de um crime de usurpação de funções;
DD. As provas invocadas pelo tribunal a quo para dar como provados os factos dos pontos 16, 18 e 30 impõem decisão diversa da recorrida porque, ainda que conjugadamente apreciadas, são manifestamente insuficientes para se poder concluir que tenha sido o recorrente o autor dos mesmos, quando o mesmo afirmou taxativamente que nunca se arrogou como mediador de seguros;
EE.A dúvida sobre a autoria dos factos é objectiva, fundada e insanável, ora tendo a decisão recorrida dado como provado ter sido o arguido o autor dos factos, violou o princípio “in dubio pro reo”, violação essa que se traduz num dos vícios enunciados no artigo 410º, n.º 2 do Código de Processo Penal, que são de conhecimento oficioso, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. o Ac. do STJ de 19.10.1995, DR, Iª-S-A, de 28.12.1995), o que nem é o caso, dado que por força da nulidade da prova com base nos metadados, entroncamos numa notória insuficiência da matéria provada para a decisão, já que não se podendo ligar o nexo de imputação objectiva dos factos dados como provados ao arguido a restante matéria de facto dada como provada não poderia permitir a condenação como determina a alínea a) do n.º2 do artigo 410º do Código de Processo Penal (cfr. o Ac. do STJ de 17.12.1997, BMJ, nº 472, p. 497), o que se requer aos Venerandos Desembargadores, no que à prática dos crimes de falsificação e usurpação de funções se reporta;
FF. A decisão recorrida deve ser alterada de modo a excluir dos factos provados a autoria/intervenção do arguido na prática dos alegados crimes de usurpação de funções e falsificação, não se tratando de caso de reenvio do processo para novo julgamento, por ser possível decidir a causa, nos termos do artigo 426º, n.º 1 do CPP, pelo que ao abrigo do disposto no artigo 410.ºnº2 al. a) do CPP requer-se verificado o erro notório na apreciação da prova, procedendo-se à modificação da matéria de facto de acordo com o disposto no artigo 431.º al. a) do CPP, devendose considerar não provados os factos acima enumerados, com a consequente absolvição dos crimes de usurpação de funções e falsificação de documento;
GG. O recorrente foi condenado, em concurso efectivo, por um crime de burla qualificada e por um crime de falsificação de documento, salvo melhor opinião, a falsificação dos documentos foi unicamente realizada, em unidade de resolução criminosa, como meio para tentar burlar a assistente;
HH. Nessa medida, e porque a nosso ver a provocação astuciosa de erro ou engano, exigida pela figura da burla, compreende a prática de falsificação de documentos, defendemos que entre aqueles crimes intercede uma relação de concurso aparente, na modalidade de consunção, razão pela qual o recorrente apenas podia ser punido pela burla qualificada;
II. São muitos os autores que defendem o mesmo: PEDRO CAEIRO, LUÍS DUARTE D’ALMEIDA, CATARINA AMARAL DA COSTA, JORGE GODINHO (destaque para uma sugestiva proclamação deste, colhida no acórdão da Relação de Lisboa de 29 de Junho de 2010: “recusa do critério do bem jurídico como a pretensa ‘prova dos nove’ da arte de bem contar crimes”), HELENA MONIZ: “Se a falsificação de documentos é realizada como meio para atingir um crime de burla o agente apenas deverá ser punido pela prática de um crime de burla.” [Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, anotação ao artigo 256.º, p. 690.], FIGUEIREDO DIAS: “A questão mais vivamente discutida neste enquadramento tem sido a da relação entre uma falsificação de escrito utilizada unicamente como meio de burlar alguém; questão que, desde há muito, divide irremediavelmente a doutrina e a jurisprudência portuguesas. Não temos qualquer dúvida em convir, por via de princípio e só por ela – tudo dependendo, em última palavra, da configuração no caso concretos dos ilícitos singulares concorrentes face ao sentido social do ilícito global – na EMP03... do concurso aparente. Nesse sentido falam duas considerações fundamentais: a de o acto de falsificação ser levado a cabo unicamente no contexto situacional da realização do crime-fim e de nele esgotar a sua danosidade social; e a de a falsificação constituir já uma parte do ilícito da burla, pelo que a autonomização do conteúdo de ilícito daquele significaria uma dupla valoração do mesmo substrato de facto.” [Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2.ª edição, Agosto de 2007, p. 1019, § 22];
JJ. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE também defende que: “Há concurso aparente (consunção) entre o crime de falsificação de documento e o crime de burla ou qualquer outro crime que tenha sido preparado, facilitado, executado ou encoberto por intermédio de documento falso, tendo o legislador propositadamente afastado a jurisprudência dos acórdãos de fixação de jurisprudência do STJ de 19.2.1992 e n.º 8/2000 (...). Com efeito, o legislador deixou claro, na revisão do CP de 2007, que a acção típica de falsificação pode ser querida exclusivamente com a intenção de preparar, facilitar, executar ou encobrir um crime, sendo este elemento subjectivo típico parte constitutiva do próprio ilícito subjectivo e não um factor de agravação (como sucede no crime de homicídio).” [Comentário do Código Penal, Universidade Católica, 2008, anotação ao artigo 256.º, p. 675], bem como sustentam Á PEREIRA/ALEXANDRE LAFAYETTE: “Isto [doutrina de HELENA MONIZ, acima transcrita], fundamentalmente, está certo. O STJ, todavia, tem continuado a optar, por orientação que já vem dos tempos do Código de 1886, pela teoria do ‘concurso real’, com invocado apoio no pensamento de Eduardo Correia e na ‘letra’ do n.º 1 do artigo 30.º, como pode verificar-se, em síntese, através dos acórdãos de uniformização de jurisprudência de 19 de Fevereiro de 1992 e de 4 de Maio de 2000 (este com lúcido e brilhante voto de vencido do Conselheiro Sá Nogueira, que obteve a adesão de quatro Colegas).” [Código Penal Anotado e Comentado, Quid Juris, 2008, anotação ao artigo 256.º, p. 664.] 
KK.Apesar da corrente doutrinal a favor do concurso aparente entre os crimes em causa estar cada vez mais fortalecida, o certo é que o Supremo Tribunal de Justiça fixou já, por três vezes, jurisprudência em sentido contrário, tendo o Tribunal Constitucional certificado a conformidade constitucional dessa interpretação que segue a tese do concurso efectivo, contudo, deve-se recusar a interpretação seguida nessas decisões de fixação de jurisprudência, pois é inconstitucional a norma que aí se extraiu das disposições conjugadas dos artigos 30.º, n.º 1, 217.°, n.º 1, e 256.º, n.º 1, do Código Penal, norma segundo a qual a conduta do agente que falsifica um documento com a intenção de executar um crime de burla e o usa para enganar ou induzir em erro o burlado integra, em concurso efectivo, um crime de falsificação de documento e um crime de burla;
LL. Na verdade, tal norma viola o princípio “non bis in idem” material ínsito no n.º5 do artigo 29.º da Constituição, uma vez que redunda numa dupla punição do agente pelo mesmo substrato de facto, no âmbito do mesmo processo e por um só acto de julgamento;
MM. Decorrendo dos pontos 9, 10, 16, 18, 20, 26 e 31 dos factos provados que a falsificação dos 3 (três) recibos em causa foi apenas um meio para praticar o crime de burla qualificada, deve-se recusar, ao abrigo do artigo 204.º da Constituição, a norma resultante das decisões de fixação de jurisprudência acima citadas, condenando-se o recorrente apenas por esse crime (em concurso aparente com o crime de falsificação de documento);
NN. Assim se revogando nessa parte o douto Acórdão recorrido, no qual, com erro de interpretação das normas dos artigos 30.º, n.º 1, 217.º, n.º 1, e 256.º, n.º 1, do Código Penal, se decidiu por um concurso efectivo de crimes, em violação do artigo 29.º, n.º 5, da Constituição;
OO. Salvo melhor avaliação, as penas parcelares e a pena única aplicadas ao recorrente são excessivas e desproporcionadas;
PP.Por um lado, porque o tribunal “a quo” conferiu um peso demasiadamente agravativo à circunstância de o Recorrente ter antecedentes criminais, olvidando que vários desses crimes anteriores foram punidos com penas de multa, que um dos Processos em que havia sido condenado em pena suspensa, no caso, o 545/13.2TAPNF, do J... da Central Criminal de Penafiel, transitou em julgado em 03/11/2017, por um crime de abuso de confiança, na forma continuada, p. e p. pelo art.º 205.º, nºs 1 e 4, al. b), do Código Penal, praticado em 07/07/2011, na pena de 2 anos e 7 meses de prisão, suspensa por igual período, foi perdoada em 03/10/2023, ao abrigo da Lei da Amnistia 38-A/2023, de 2 de Agosto; que os factos praticados nos presentes autos ocorreram antes do trânsito em julgado deste Processo acima referido (545/13.2TAPNF), mesmo o Processo ao abrigo do qual tem uma condenação em pena de prisão de 4 anos, suspensa por igual período e sujeita a regime de prova foi cumprida e extinta no caso, como se demonstra pelos autos do Processo  683/12.9JAPRT, do J... da Central Criminal do Porto) e que apenas este crime agora referido se reporta a crimes contra o património;
QQ. Por outro lado, porque o tribunal a quo não valorou devida e suficientemente a circunstância de o recorrente se encontrar inserido a nível familiar, possui uma estrutura familiar coesa, quer no agregado constituído pela mulher e filhos, quer por parte dos elementos do seu grupo de origem, que recorre à ajuda dos pais e da irmã quando tem algumas dificuldades (ponto 49 factos provados, como decorre do ponto 48 dos factos provados), e que depõe a seu favor, demonstrando que tem uma personalidade ainda recuperável e inserida. [Assim, o acórdão do TRP de 28/05/2008, www.dgsi.pt, proc. 0812167.];
RR. Além disso, deve-se referenciar que desde a prática destes factos ora sob apreciação (2017), nunca mais o aqui arguido esteve envolvido em factos que tivessem qualquer conexão com a actividade criminosa, seja por este tipo de crimes, seja por outros quaisquer, para além de que é hoje uma pessoa com uma vida absolutamente recatada, de preocupação exclusiva com sua família e enveredou nos últimos 4 anos pela carreira de treinador de futebol, onde treina camadas jovens da Associação Desportiva e Recreativa da ..., no ...;
SS.Sem prescindir do pedido principal de absolvição efectuado na Conclusão “FF”, não podemos deixar de sustentar que a medida da pena encontrada pelo tribunal “a quo” para o crime de falsificação de documento é absolutamente desproporcionada e exagerada na medida em que a pena determinada pelo tribunal “a quo” para o crime de falsificação não reflecte devidamente a circunstância de não ser admissível a prova constante dos e-mails acima colocados em crise, o que determina que não se possa provar qualquer crime de falsificação de documento, devendo gerar a absolvição do arguido relativamente a este;
TT. O mesmo se diga relativamente ao crime de usurpação de funções e seguindo exactamente a mesma linha de raciocínio invocadas nas Conclusões anterior e “FF” do presente, deverá verificar-se a absolvição da prática do crime de usurpação de funções.
*
3) Notificado do requerimento de interposição de recurso o Ministério Púbico respondeu pugnando pela sua improcedência e confirmação do acórdão recorrido, concluindo que:

1. Metadados são dados referentes ao tráfego das comunicações electrónicas e de localização, bem como os dados conexos necessários para identificar o assinante e/ou utilizador, permitindo determinar todos os dados atinentes àquela forma de comunicabilidade, com excepção do seu teor ou conteúdo, onde se incluem as informações de localização, de identificação de fonte e destino, data, hora, duração da comunicação, tipo de comunicação e o equipamento utilizado. 
2. Os serviços de telecomunicações compreendem, fundamentalmente, os dados de base, os dados de tráfego e os dados de conteúdo.
3. Os dados de base são os dados respeitantes à conexão à rede, ou seja, são os dados através dos quais o utilizador da rede de telecomunicações tem acesso à ligação.
4. Os dados de tráfego correspondem aos dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação e os dados gerados pela utilização da rede.
5. Por último, os dados de conteúdo são os dados alusivos ao conteúdo da comunicação ou da mensagem.
6. Os dados de localização, inseridos no âmbito dos dados de tráfego, são os dados tratados numa rede de comunicações electrónicas que indicam a posição geográfica do equipamento terminal de um assistente ou de qualquer utilizador de um serviço de comunicações electrónicas acessíveis ao público. 
7. O Acórdão do Tribunal Constitucional  268/2022 de 19 de Abril de 2022, declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral do artigo 4º, em conjugação com o artigo 6º, e do artigo 9º da Lei dos Metadados, pois a conservação generalizada e indiferenciada dos “dados de tráfego” e de todos os dados de localização de quaisquer assinantes e utilizadores registados em relação a todos os meios de comunicação eletrónica revelavam a qualquer momento aspetos da vida privada e familiar de todos os cidadãos, independentemente de serem suspeitos, constituindo uma agressão aos seus direitos fundamentais.
8. No âmbito da declaração de inconstitucionalidade estão os dados de comunicação armazenados por operadora.  
9. Não é esse o caso dos autos. No caso em apreço, os ficheiros (recibos de prémio) encontravam-se anexos às comunicações guardadas no endereço de correio electrónico da representante legal da sociedade ofendida e foram por esta fornecidos para efeitos de investigação.
10. Tais dados estão, por isso, fora do âmbito da declaração de inconstitucionalidade em causa, pois que a sua utilização pelo processo não resulta de consulta de dados de comunicação armazenados por operadora.
11. A prova daí obtida é, por isso, válida.
12. Os factos constantes dos pontos 16 e 18 encontram-se, assim, correctamente julgados e alicerçados em elementos de prova válidos.
13. Encontram-se preenchidos os elementos objectivos e o elemento subjectivo relativos ao crime de usurpação de funções, previsto e punível pelo artigo 358º, alínea b), do Código Penal, por referência aos artigos 7º, n.º 1, alínea a) e 47º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 144/2006, de 31 de Julho.
14. A questão do concurso entre o crime de falsificação de documento e burla tem merecido tratamento jurisprudencial pacífico e uniforme.
15. No assento n.º 8/2000, o Supremo Tribunal de Justiça determinou que «No caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 256º, n.º 1, alínea a), e do artigo 217º, n.º 1, respectivamente, do Código Penal, revisto pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes».
16. No acórdão de fixação de jurisprudência n.º 10/2013, veio o Supremo Tribunal de Justiça reiterar que «A alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007 no tipo legal do crime de falsificação previsto no artigo 256º do Código Penal, estabelecendo um elemento subjectivo especial, não afecta a jurisprudência fixada nos acórdãos de fixação de jurisprudência de 19 de Fevereiro de 1992 e 8/2000 de 4 de Maio de 2000 e, nomeadamente, a interpretação neles constante de que, no caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 256º, n.º 1, alínea a), e do artigo 217º, nº 1, do mesmo Código, se verifica um concurso real ou efectivo de crimes».
17. Na verdade, os bens jurídicos protegidos pelas respectivas incriminações são diferentes e não se confundem. No crime de burla o interesse protegido é o património e no de falsificação de documento é a sua fé pública ou privada.
18. Esta Jurisprudência mantém-se plenamente válida, não havendo lugar a consumpção do crime de falsificação de documento pelo crime de burla.
19. Não decorre da decisão a quo qualquer violação do princípio in dubio pro reo, porquanto da factualidade dada como provada e da fundamentação de facto aí explanada não se alcança que se haja instalado na convicção do julgador qualquer dúvida quanto à forma como os factos ocorreram.
20. Segundo o artigo 71º, n.º 1, do Código Penal, a determinação da pena far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
21. A culpa reflecte a vertente pessoal do crime, assegurando que a pena não irá violar a dignidade da pessoa do arguido.
22. As exigências de prevenção na determinação da pena reflectem-se em dois domínios:
- no domínio da sociedade, visando restabelecer nela a confiança na norma violada e a sua vigência (prevenção geral positiva);
- no domínio pessoal do agente, tentando a sua reintegração e o respeito pelas normas jurídicas (prevenção especial positiva).
23. Os vectores da medida da pena previstos no artigo 40º do Código Penal são concretizados pelos factores de determinação da medida concreta da pena que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
24. Alguns desses factores são elencados no artigo 71º, n.º 2, do Código Penal, a título exemplificativo.
25. Sendo assim, na determinação da medida concreta da pena valorar-se-ão o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade dolosa do agente, as suas condições pessoais, a sua conduta anterior e posterior ao facto, as exigências de prevenção e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, tendo em conta as exigências de futuros crimes.
26. Considerando os critérios estabelecidos, não merece qualquer reparo a medida das penas parcelares e da pena única aplicada ao arguido, ora recorrente, atendendo ao grau de culpa por si revelado, à intensidade do dolo e grau de ilicitude, bem como às exigências de prevenção geral e especial que ao caso se fazem sentir.
27. No caso dos autos não pode deixar de se concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão não realizam, como não realizaram até à presente data, de forma adequada as finalidades da punição.
28. Não é possível efectuar um juízo de prognose favorável, atendendo aos antecedentes criminais do arguido e à natureza do seu comportamento, reveladora de uma total indiferença face às regras da convivência em sociedade, assim como às caraterísticas da sua personalidade. A negação da maioria dos factos demonstra uma ausência total de autorresponsabilização e de consciência do desvalor da sua conduta. 
29. Acresce que a opção pela suspensão da execução da pena de prisão já foi tomada em condenação anterior por crimes de natureza idêntica, não tendo surtido efeito, pois o arguido voltou a praticar os mesmos crimes (burla qualificada e falsificação de documento) na pendência precisamente dessa suspensão (e no mesmo ano do trânsito em julgado dessa condenação!).
30. De notar ainda que o arguido não revelou arrependimento, negando os factos e, decorridos mais de 7 anos, não devolveu qualquer quantia à assistente. 
31. A falta de enquadramento profissional do arguido e as dificuldades económicas daí decorrentes para o respetivo agregado familiar constituem, por outro lado, poderosos criminógenos a fazerem aumentar as necessidades de prevenção especial colocadas pelo caso vertente.
32. Existe, por isso, risco elevado de, em liberdade, voltar a cometer os mesmos delitos, não se destacando elementos que permitam formular um juízo favorável quanto às virtualidades que a pena suspensa na sua execução poderia ter. 
33. Bem andou, por isso, o Tribunal a quo ao não suspender a execução da pena de prisão aplicada.
34. A decisão recorrida não violou quaisquer normativos legais, designadamente os invocados pelo recorrente. 
35. A decisão recorrida não merece qualquer censura, nomeadamente na parte ora sindicada pelo recorrente.    
*
4) O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416.º do Código de Processo Penal, o Ex.mo Senhor Procurador – Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.
*
5) Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido não apresentou resposta.
*
6) Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
*
Cumpre apreciar e decidir.
*
B) Fundamentação:

1. Âmbito do recurso e questões a decidir:

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, face ao disposto no artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que estabelece que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”; são, pois, apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (identificação de vícios da decisão recorrida, previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, pela simples leitura do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2, e 410.º, nº 3, do mesmo diploma legal)[1].
Acresce que da conjugação das normas constantes dos artigos 368.º e 369.º, por remissão do artigo 424.º, n.º 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objeto do recurso pela ordem seguinte:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pelos vícios enumerados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a que se segue impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art.º 412.º, do mesmo diploma;
Por último, as questões relativas à matéria de Direito.

No caso dos autos face às conclusões da motivação apresentadas pelo arguido, as questões a decidir são as seguintes:

1.ª : Saber se foi valorada prova proibida na definição da matéria de facto;
2.ª : Saber se existe concurso aparente entre os crimes de burla e falsificação de documentos;
3.ª : Saber se foi excessiva a medida concreta da pena;
4.ª : Saber se a pena de prisão devia ter sido suspensa na sua execução.
*
2. A Decisão recorrida:
Naquilo em que o mesmo releva para o conhecimento do objeto do recurso, é o seguinte o teor do Acórdão recorrido (matéria de facto e respetiva motivação):

Factos provados:
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1) O arguido AA esteve registado no Instituto de Seguros de Portugal (atualmente, ASF – Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões), como mediador de seguros, no ramo “Não Vida”, entre 08 de fevereiro de 2006 e 11 de setembro de 2014 e no ramo “Vida”, entre 24 de outubro de 2006 e 11 de setembro de 2014.
2) Desde então, o arguido não está, nem esteve, registado como mediador de seguros, seja no anteriormente designado “Instituto de Seguros de Portugal”, seja na atual “ASF – Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões”.
3) A assistente, por seu turno, é uma sociedade comercial anónima, sob a designação EMP01..., S.A., constituída a 22 de dezembro de 2009, com o número de pessoa coletiva ...91, com sede na Rua ..., ..., ..., que se dedicava e dedica à construção e reparação de edifícios, obras de engenharia civil, construção de estradas, pontes e túneis e venda de bens imóveis.
4) No final do ano de 2016, o arguido tomou conhecimento de que a sociedade comercial ofendida EMP01..., S.A., necessitava de um seguro “Não Vida”, para acidentes de trabalho por conta de outrem.
5) Por isso, não obstante não exercer a profissão de mediador de seguros, por não estar inscrito na ASF, logo o arguido engendrou um plano através do qual se apresentaria à legal representante da sociedade comercial “EMP01..., S.A.”, como mediador de seguros, levando-a a crer que aquele mediava a subscrição de apólices de seguro não vida para acidentes de trabalho por conta de outrem, tendo em vista locupletar-se das quantias em dinheiro que lhe seriam entregues pela ofendida destinadas ao pagamento, à seguradora, do prémio mensal da apólice.
6) Em execução de tal plano, usando da experiência que tinha arrecadado na área da mediação de seguros, o arguido deslocou-se às instalações da sociedade comercial EMP01..., S.A., em ..., ..., em dezembro de 2016, onde conversou com a administradora da EMP01..., S.A., BB, na qualidade de mediador de seguros com poderes para intermediar a contratualização de apólice de seguros com seguradoras, designadamente, a “EMP02...”.
7) Para credibilizar a sua atuação, o arguido entregou a BB um cartão de apresentação com a menção “AA - Investigador” e os endereços de e-mail “..........@.....” e “..........@.....”, este último por ele manuscrito.
8) Durante a reunião, o arguido, estabelecendo uma relação de confiança, logrou convencer BB a subscrever um contrato de seguro de acidentes de trabalho por conta de outrem com a “EMP02...”.
9) Depois dessa reunião, o arguido remeteu a BB as condições particulares do contrato de seguro (apólice) n.º ...66, que teria o seu início a 05 de janeiro de 2017 e fim a 04 de janeiro de 2018, do ramo “acidentes de trabalho – conta de outrem”, da “EMP02...”.
10) O arguido enviou, igualmente, documentos intitulados “Recibos de Prémio”, com os números ...10, no valor de € 12.464,98 (doze mil, quatrocentos e sessenta e quatro euros e noventa e oito cêntimos); 17.01.02411, no valor de € 6.600,98 (seis mil e seiscentos euros e noventa e oito cêntimos) e 17.11.19120, no valor de € 6.600,98 (seis mil e seiscentos euros e noventa e oito cêntimos).
11) Convencendo BB de que o contrato de seguro subscrito se encontrava em vigor, pelo que, deveria pagar os respetivos prémios mensais.
12) Indicando o arguido a BB, para o efeito, o IBAN  ...60.
13) Em consequência, a 16 de janeiro de 2017, sem nunca duvidar que o arguido não fosse mediador de seguros como se arrogava, a sociedade comercial “EMP01..., S.A.”, por intermédio de BB, ordenou a transferência bancária da quantia de € 12.464,98 (doze mil, quatrocentos e sessenta e quatro euros e noventa e oito cêntimos) da conta com o IBAN  ...63, de que a ofendida era titular, para a conta com o IBAN  ...60, destinada a pagar os prémios de seguro de janeiro e fevereiro de 2017.
14) De igual forma, a 14 de março de 2017, a sociedade comercial “EMP01..., S.A.”, por intermédio de BB, ordenou a transferência bancária da quantia de € 6.600,98 (seis mil e seiscentos euros e noventa e oito cêntimos) da conta com o IBAN  ...80, de que a ofendida era titular, para a conta com o IBAN  ...60, destinada a pagar o prémio do seguro referente a março de 2017.
15) E, ainda, a 21 de abril de 2017, a sociedade comercial “EMP01..., S.A.”, por intermédio de BB, ordenou a transferência bancária da quantia de € 6.600,98 (seis mil e seiscentos euros e noventa e oito cêntimos) da identificada conta com o IBAN  ...63, para a conta com o IBAN  ...60, destinada a pagar o prémio de seguro referente a abril de 2017.
16) Mantendo o firme propósito previamente formulado, a 04 de maio de 2017, às 10h31, através do endereço de e-mail ..........@....., o arguido enviou para o endereço de correio eletrónico da EMP01..., S.A., um documento com o título “Recibo de Prémio”, n.º ...27, referente a maio de 2017, no valor de € 6.600,98 (seis mil e seiscentos euros e noventa e oito cêntimos), com vista ao seu pagamento.
17) A 16 de maio de 2017, a sociedade comercial “EMP01..., S.A.”, por intermédio de BB, ordenou a transferência bancária da quantia de € 6.600,98 (seis mil e seiscentos euros e noventa e oito cêntimos), da conta com o IBAN  ...63, para a conta com o IBAN  ...60, destinada a pagar o prémio de seguro de maio de 2017.
18) A 05 de junho de 2017, às 08h30, através do endereço de e-mail ..........@....., o arguido enviou para o endereço de correio eletrónico da EMP01..., S.A., um documento com a designação “Recibo de Prémio”, n.º ...11, referente a junho de 2017, no valor de € 6.600,98 (seis mil e seiscentos euros e noventa e oito cêntimos), cm vista ao seu pagamento.
19) A 19 de junho de 2017, a sociedade comercial “EMP01..., S.A.”, por intermédio de BB, ordenou a transferência bancária da quantia de € 6.600,98 (seis mil e seiscentos euros e noventa e oito cêntimos), da conta com o IBAN  ...63, para a conta com o IBAN  ...60, destinado a pagar o prémio de seguro de junho de 2017.
20) Através do mesmo método, enviando mensagem de correio eletrónico para a EMP01..., S.A., em data não concretamente apurada, o arguido enviou ainda o documento com o nome “recibo do prémio de seguro”, n.º ...99, no valor de € 6.600,98 (seis mil e seiscentos euros e noventa e oito cêntimos), referente ao mês de julho de 2017, com vista ao seu pagamento.
21) Tal valor não chegou a ser transferido pela EMP01..., S.A. para o arguido.
22) Isto porque, no final de junho de 2017, na sequência de um acidente de trabalho que envolveu um trabalhador da EMP01..., S.A., houve necessidade de acionar a apólice n.º ...66, vindo a constatar-se que se encontrava anulada, desde o seu início, a 05 de janeiro de 2017, por falta de pagamento.
23) O arguido apoderou-se do valor total de € 38.868,90 (trinta e oito mil oitocentos e sessenta e oito euros e noventa cêntimos), que lhe tinha sido entregue pela sociedade comercial EMP01..., S.A., crente de que seria para pagamento da apólice de seguro contratualizada, embora o arguido nunca tivesse tido a intenção de entregar tal valor à “EMP02...”, como nunca o entregou, o que motivou a anulação da apólice.
24) O arguido não restituiu tal valor por ele recebido e nunca mais contactou a EMP01..., S.A.
25) A conta bancária com o IBAN  ...60 é titulada por EE e por FF, irmã e pai, respetivamente, do arguido, apesar de que era o arguido quem a movimentava.
26) A acrescer, os “Recibos de Prémio” n.ºs ...27, ...11, ...99, todos no valor de € 6.600,98 (seis mil e seiscentos euros e noventa e oito cêntimos), não foram emitidos pela “EMP02...”, mas sim, lavrados pelo próprio arguido ou por alguém a seu mando, para terem a aparência de ser emitidos pela dita seguradora, dada a sua semelhança com os recibos de prémio n.ºs ...10, ...11 e ...20, assim credibilizando a sua atuação e determinando a ofendida a continuar a realizar o pagamento dos valores neles inscritos, como ocorreu.
27) O arguido atuou bem sabendo que não era mediador de seguros, porquanto não se encontrava registado na Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões como tal e que, por isso, não podia exercer a profissão de mediador de seguros, nem praticar atos próprios de tal profissão, como intermediar a contratualização de seguros, por não possuir título que o habilitasse a fazê-lo, o que no entanto quis fazer e fez, intitulando-se e atuando como tal.
28) O arguido sabia que, ao atuar de tal forma, criava em BB, administradora da EMP01..., S.A., a convicção de que era mediador de seguros, levando-a a confiar nele e a celebrar com ele contrato de seguro e a proceder à entrega de quantias monetárias para pagamento da apólice, que o arguido fez suas, com o propósito de obter para si um enriquecimento a que bem sabia não ter direito, o que quis fazer e fez.
29) Nunca foi, nem poderia ser, porquanto não tinha credenciais para o efeito, intenção do arguido mediar a contratação de apólice de seguro entre a ofendida e seguradora, mas apenas de apoderar-se do dinheiro que lhe foi entregue pela sociedade comercial “EMP01..., S.A.”, para pagamento dos prémios de seguro, no valor global de € 38.868,90 (trinta e oito mil oitocentos e sessenta e oito euros e noventa cêntimos).
30) Assim, arrogando para si o atributo de ser mediador de seguros e através da documentação que apresentou, o arguido enganou BB, administradora da EMP01..., S.A., levando-a a acreditar que estava a tratar com um mediador de seguros, transferindo-lhe aquela quantia total de € 38.868,90, crente de que seria entregue, pelo arguido, à seguradora, o que não ocorreu.
31) Depois, também com recurso a documentação que forjou (pelo próprio punho ou por alguém a seu mando), o arguido determinou que a sociedade comercial “EMP01..., S.A.” lhe fosse entregando sucessivamente quantias em dinheiro para aqueles efeitos acordados e agiu da forma descrita com intenção de obter para si enriquecimento ilegítimo, como obteve, bem sabendo que causava, como causou, à identificada sociedade comercial um prejuízo patrimonial, de valor pelo menos equivalente à quantia total entregue, cifrada em €38.868,90, o que não ignorava, conseguindo assim um provento económico.
32) Além disso, sabia o arguido que, ao elaborar ou mandar elaborar os documentos vindos de descrever, designadamente, os Recibos de Prémio” n.ºs ...27, ...11, ...99 e ao apresentar tais documentos à ofendida como se de documentos emitidos pela seguradora se tratassem, colocava em crise a fé pública inerente aos documentos, visando dessa forma obter uma vantagem a que não tinha direito, o que conseguiu, criando a convicção a quem os lesse que a apólice de seguro se encontrava em vigor, pelo que eram devidas as quantias ali mencionadas, o que conseguiu.
33) Agiu sempre o arguido de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram, como são, proibidas e punidas por lei como crime.
34) AA vive no agregado constituído pela mulher e dois descendentes, com 9 e 14 anos de idade.
35) Residem todos numa moradia, inscrita em ambiente rural, que no passado foi pertença do arguido e que, entretanto, passou para a titularidade da sua irmã, EE, mantendo aquele o uso da habitação.
36) O arguido tem o 12º ano de escolaridade, habilitando-se de seguida com o curso de gestor de clientes na seguradora “EMP04...,” após o qual passou a trabalhar como mediador/gestor de clientes para aquela seguradora e, gradualmente, para outras.
37) A economia do agregado assentou no exercício por ambos os elementos do casal da atividade de mediação de seguros do arguido.
38) O vínculo do arguido com a companhia “EMP04...”, assim como com outras companhias, cessou por resolução com justa causa, perdendo o arguido, gradualmente, os clientes, dada a perda de confiança no mesmo.
39) O arguido confrontou-se com um processo judicial com aquela seguradora, a que se seguiram outros e, dado que os seus rendimentos eram exclusivamente provenientes daquela atividade, entrou em 2015 em processo de insolvência pessoal, insolvência esta declarada no processo 850/16.6 T8AMT, da Instância Central do Tribunal de Amarante- Juízo de comércio J....
40) Desde então, ambos os elementos do casal viram-se forçados a recorrer ao apoio dos subsistemas da segurança social, integrando o rendimento social de inserção e, juntamente com o abono dos descendentes e uma agricultura de sobrevivência, com criação de animais, a que se dedicaram, foram garantindo a sobrevivência do agregado.
41) O arguido foi contando com o apoio dos pais e da irmã, médica de profissão, com uma situação económica estável.
42) Gradualmente, o arguido tentou converter-se em termos profissionais, passando para a área da peritagem de acidentes, criando a empresa GIA Gabinete de Investigação, Lda.; contudo, não conseguiu a rentabilização da mesma, pelo que suspendeu a atividade.
43) A mulher empregou-se numa fase inicial mas, no momento, encontram-se ambos inativos.
44) No âmbito das suas dívidas, o arguido encontra-se a cumprir, mensalmente, um acordo para pagamento faseado às finanças e ao I.S.S., sendo a dívida no valor global de 9.611,47€ às finanças e de 5.398€ à segurança social, liquidando, respetivamente, 130 e 107 € mensais.
45) A tais despesas fixas mensais acrescem 120€ de eletricidade e 30€ de água de consumo doméstico.
46) O montante global das suas dívidas, englobando outros credores que não os mencionados em 44), ascende a €30.000,00.
47) Como rendimento atual, o arguido conta apenas com o abono de família dos descendentes, correspondente a 200€ mensais e com o que retira da agricultura e da venda de alguns animais.
48) Recorre, sempre que precisa, à ajuda dos pais e irmã.
49) AA apresenta uma estrutura familiar coesa, quer no agregado constituído pela mulher e filhos, quer por parte dos elementos do seu grupo de origem.
50) A imagem do arguido, enquanto profissional na área dos seguros, encontra-se descredibilizada.
51) O arguido foi condenado:
- por sentença transitada em julgado em 07/07/2008, por um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03/01, praticado em 23/11/2006, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de €5, perfazendo o total de €300,00 (processo n.º 115/07.4PTPRT, do ... juízo criminal do ...);
- por sentença transitada em julgado em 08/06/2011, por um crime de Processo condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03/01, praticado em 25/03/2010, na pena de 45 dias de multa, à taxa diária de €6, perfazendo o total de €270,00 (processo n.º 138/10.6GTLRA, do ... juízo criminal de Leiria);
- por acórdão transitado em julgado em 03/05/2013, por um crime de falsificação ou contrafação de documento, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, als. b) e c), do Código Penal, praticado em 2010, na pena de 220 dias de multa, à taxa diária de €6, perfazendo o total de €1.320,00 (processo n.º 714/10.7TAPNF, do ... juízo de ...);
- por acórdão transitado em julgado em 17/06/2016, por um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. a), com referência ao art.º 202.º, al. b), do C.P. e um crime de falsificação ou contrafação de documento, p. e p. pelo art.º 256.º, nºs 1, als. a), b), d) e e), e 3, com referência ao artigo 255.º, al. a), todos do Código Penal, ambos os crimes praticados em 19/10/2010, nas penas, respetivamente, de 3 anos e 6 meses de prisão e 1 ano e 6 meses de prisão e na pena única de quatro anos de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova, extinta em 17/06/2020 (processo n.º 683/12.9JAPRT, do J... da Central Criminal do Porto);
- por acórdão transitado em julgado em 03/11/2017, por um crime de abuso de confiança, na forma continuada, p. e p. pelo art.º 205.º, nºs 1 e 4, al. b), do Código Penal, praticado em 07/07/2011, na pena de 2 anos e 7 meses de prisão, suspensa por igual período, extinta em 03/10/2023 (processo n.º 545/13.2TAPNF, do J... da Central Criminal de Penafiel);
- por sentença transitada em julgado em 18/10/2018, por um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º, n.º 1, al. b), do C.P., praticado em 16/03/2016, na pena de 115 dias de multa, à taxa diária de €6, perfazendo o total de €690,00 (processo n.º 1042/17.2T9PNF, do Juízo Local Criminal de Penafiel).

 Factos não provados:
Da discussão da causa, não resultaram provados os seguintes factos:
A) O arguido enviou à assistente o recibo de prémio com o número ...66, no valor de € 12.464,98 (doze mil, quatrocentos e sessenta e quatro euros e noventa e oito cêntimos).
B) O arguido apoderou-se do valor total de € 38.869,90 (trinta e oito mil oitocentos e sessenta e nove euros e noventa cêntimos).
C) O comportamento do arguido supra descrito causou à demandante vergonha, humilhação e desconsideração social e empresarial junto, entre o mais, do Ministério Público, Tribunal e A.C.T., por os seus trabalhadores não terem seguro de acidentes de trabalho válido e eficaz.
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O tribunal não se pronuncia sobre a demais matéria alegada na acusação e no P.I.C., porquanto a mesma reveste natureza conclusiva, de direito ou irrelevante para a decisão da causa.
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Motivação:
Todos os elementos probatórios constantes dos autos foram analisados de uma forma crítica e com recurso a juízos de experiência comum, tendo sido todos articulados e concatenados entre si.
Quanto aos factos dados como provados, o arguido admitiu o teor dos factos 1) a 4), 6), apenas na parte a que se alude que se deslocou às instalações da assistente, 7), com exceção da primeira parte, 10), com exceção da designação dos documentos como recibos, 13), com exceção da conexão com uma intenção fraudulenta da sua parte, 14), 15), 17) a 19), 22), com exceção da primeira parte e 25). Admitiu, ainda, como possível, o facto 9), com exceção da primeira parte e o facto 20).
No mais, não admitiu os factos; porém, o Tribunal ficou convencido de que se tratou, apenas, de uma tentativa de se furtar à assunção dos mesmos, apresentando um discurso vago e ilógico, não confirmado, salienta-se, por qualquer outro meio probatório (antes infirmado por esses mesmos meios probatórios), entrando em contradição com o que as testemunhas disseram, não se vislumbrando nem tendo sido apresentado qualquer motivo para aquelas prestarem declarações falsas em Tribunal, de modo a prejudicarem o arguido, o que lhes acarretaria eventual responsabilidade criminal.
Assim, a parte inicial do facto 5) foi dada como provada atento o teor do documento de fls. 67.
O facto 6), com exceção da primeira parte, resultou das declarações consonantes, coerentes, assertivas e sérias de BB, legal representante da EMP01..., S.A., e de DD, funcionário da assistente que apresentou o arguido a BB e que realizou com esta diligências de averiguação quanto à existência ou não de seguro válido subsequentes ao sinistro do trabalhador que motivou essa averiguação. BB foi, igualmente, essencial, para o Tribunal alicerçar a sua convicção quanto ao teor dos factos 8), 9) - sendo que confirmou que o arguido enviou toda a documentação do seguro por email, tendo a assistente na sua posse o doc. de fls. 13 e ss, onde constam as condições particulares do contrato -  e factos 11), 12) e 13), na parte não admitida pelo arguido.
A circunstância de BB ter declarado que, depois de descobrirem que a apólice não estava válida, não mais conseguiram contactar o arguido, o qual, segundo a primeira, deixou de atender chamadas, é um comportamento totalmente compatível com a intenção concretizada do arguido se apoderar do dinheiro e não o devolver, pois, de outro modo, não teria impedido ulteriores contactos.
Já o facto 10), na parte não admitida pelo arguido, resultou da análise dos documentos de fls. 17 e ss dos autos e da nomenclatura aí utilizada.
Para prova do facto 16), com exceção da primeira parte, o Tribunal alicerçou-se no teor do documento de fls. 26, em conjugação com as declarações de BB. O arguido começou por não confirmar o teor do facto; porém, no final das declarações, referiu que todos os emails enviados do remetente “gia”, como é o caso, eram enviados por si, o que acaba por equivaler à assunção da factualidade em apreciação.
No que concerne ao facto 20), o arguido admitiu-o como possível e, pese embora o email em causa não conste dos autos, foi confirmado por BB que os “Recibos” eram enviados todos por email; e o “Recibo” em causa estava na posse da assistente, porque foi apresentado com a queixa – cfr. fls. 32 – pelo que se infere, de acordo com as regras do normal acontecer,  que o arguido utilizava sempre o mesmo método de envio dos “Recibos” a pagar, como admitiu, até, quanto aos emails juntos aos autos, daí  concluir-se que também este recibo foi enviado pelo mesmo método dos antecedentes.
O facto 21) resulta do teor do ofício de fls. 323.
A parte inicial do facto 22) decorre das regras do normal acontecer porque é natural que, descobrindo a legal representante da assistente que a apólice não se encontrava em vigor, cessasse os pagamentos futuros.
A parte inicial e a parte final do facto 23) e o facto 24) encontram-se alicerçados nas declarações de BB, conjugadas com o teor do doc. de fls. 64, não se mostrando crível, à luz das regras da experiência comum, a versão apresentada pelo arguido, quando declarou que levantou o dinheiro enviado pela assistente e o entregou em numerário à corretora EMP03..., na pessoa de GG (funcionário da corretora à data dos factos), para que tais montantes depois fossem entregues à Seguradora, sem pedir, no entanto, documentos que comprovassem as entregas, quer pelos elevados montantes em causa, não sendo lógico o seu levantamento e entrega em numerário, quer por não se vislumbrar como uma Sociedade Corretora poderá receber pagamentos de prémios a entregar a uma Seguradora em numerário, sem emitir qualquer documento que comprove as entregas, dado que exerce a atividade de forma profissional, além de que a própria Seguradora comunicou ao processo não ter recebido qualquer valor no âmbito desta apólice – cfr. fls. 64.
As declarações das testemunhas supra aludidas, conjugadas com a prova documental vertida nos autos principais a fls. 12 a 38, 62, 64 a 67, 98, 108, 143, 275 a 309, 323 a 332 e 672, bem como com as regras da experiência comum, permitem concluir pela prova do facto 5), quanto à criação de um plano fraudulento, 6), 7) e 16) - os três factos na parte inicial - 23), quanto à intenção com que agiu o arguido, descredibilizando-se totalmente as declarações prestadas por este, quer pelo já supra explanado, quer pelos pontos que se passam a anotar:
- mencionou a intervenção de GG na intermediação entre a assistente e a Seguradora, referindo ter posto GG e BB em contacto, mas ouvidas estas duas testemunhas, tendo GG deposto igualmente de forma calma, encadeada e lógica, assim como DD, nenhuma confirmou tal situação, expondo, aliás, GG, que com o arguido terá tido uma sociedade desde finais de 2017 até 2020, optando por deixar de colaborar com o mesmo por discordar da forma como trabalhava, designadamente, recebendo dinheiro de clientes em contas pessoais, desrespeitando os procedimentos a seguir no setor (o que vinca um modus operandi do arguido consubstanciado na indicação a clientes de contas pessoais para efetuar transferências no âmbito das apólices contratadas, descredibilizando o seu discurso quanto à circunstância de, nesta situação, pensar ter sido DD a indicar o IBAN da  irmã  e do pai a BB e não o próprio);
- por outro lado, DD não confirmou a versão do arguido quando declarou que não foi quem deu a BB o IBAN da irmã/do pai para serem feitos os pagamentos dos prémios e que só vislumbra que tenha sido DD, não se afigurando essa possibilidade consonante com o comportamento do arguido pois, além do já descrito por GG, ao não ter sido o arguido quem indicara o IBAN, assim que recebesse a primeira transferência poderia ter alertado para o facto de não deverem as transferências continuar a ser efetuadas para uma conta pertença da irmã/ do pai (tanto mais que referiu que o procuraram e que só interveio para ajudar e que, com os primeiros documentos para pagar o prémio, a Seguradora envia uma entidade/referência para pagamento). Já se afigura totalmente consentâneo com as regras do normal acontecer, isso sim, que o arguido utilizasse uma conta familiar para receber dinheiro do qual pretendia apoderar-se e não entregar, desde o início, para pagamento da apólice contratada e, por isso, teria tido a necessidade de fornecer o seu IBAN a BB;
- o arguido assumiu que ficou com o dinheiro da última transferência realizada pela assistente, o que descredibiliza o seu próprio discurso, ao negar intenção de ficar com o dinheiro dos pagamentos dos prémios;
- nada há, além do exposto pelo arguido, que permita relacionar GG com a autoria do esquema fraudulento descrito na acusação. Realça-se que DD também declarou que, mesmo nos seus seguros particulares que tinham tido a intervenção do arguido (ramo automóvel), nunca teve conhecimento que este trabalhasse com outra empresa, atuando sempre sozinho.
Por todo o exposto, o Tribunal ficou plenamente convencido de que as declarações do arguido corresponderam, apenas, a uma tentativa de fugir à assunção dos factos que implicam responsabilidade criminal, não merecendo aquelas qualquer credibilidade na parte em que nega factos que vieram a ser considerados provados nos termos supra expostos.
No que concerne ao facto 26), as regras da experiência levam, igualmente, a concluir ter sido o arguido ou alguém a seu mando - único a quem a aparência de realidade dos “Recibos” aproveitava, com a transferência de dinheiro que nunca veio a ser devolvido - quem terá forjado os documentos, tendo em consideração a informação prestada pela EMP02... a fls. 143 e o facto do próprio arguido ter admitido, ainda que por reencaminhamento, o seu envio à assistente.
Também os factos vertidos em 27) a 33) resultam das regras da experiência comum, inferindo-se que, agindo como agiu, o arguido revelou ter intenção direta de praticar os factos, como efetivamente o fez, com uma vasta experiência no ramo dos seguros que lhe permitiu, com facilidade, dar aparência de realidade aos documentos que enviou à assistente, tendo conhecimento da ilicitude das suas condutas. Como se refere no Ac. da R.P. de 23/02/93, B.M.J. 324/620, “dado que o dolo pertence à vida interior de cada um, é portanto de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão. Só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge com maior representação o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou das regras da experiência”. No mesmo sentido vide Ac. da R.P. 0140379, 03/10/2001, Ac. R.G. 1559/05.1, de 14/12/2005, ambos em www.jurisprudencia.vlex.pt.
Os factos 34) a 50) resultaram do relatório social enviado em 22/10/2024.
No que concerne às condenações criminais, serviu de meio de prova o certificado de registo criminal de 25/09/2024 e a cópia junta aos autos do acórdão de fls 503 e ss.
Relativamente aos factos não provados, o facto A) foi dado como não provado face ao teor do facto provado 10), vislumbrando-se ter-se tratado de mero lapso de escrita na acusação (confusão com o número da apólice). Já o facto B) foi dado como não provado face ao teor do facto provado 23), tratando-se de um erro de cálculo, com o diferencial de apenas €1.
No que concerne ao facto C), inexistiu prova que o corroborasse.
Prestou, ainda, declarações, de forma serena, encadeada e coerente, HH, que exercia a atividade de mediação imobiliária através de sociedade que, por lapso, foi indicada pela EMP02... como sendo a que interveio na mediação referente à apólice da assistente (explicitando que tal se terá devido a mero lapso na inserção do último número do código de identificação de outra sociedade com código muito semelhante, o que concluiu após diligências realizadas junto da EMP02...). A testemunha veio, ainda, relatar alguns usos na prática da mediação imobiliária.
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3. Apreciação do recurso

Primeira questão: da alegada nulidade da prova:

Alega o recorrente que os factos considerados provados com os números 16 e 18, “tomam como ponto de partida a existência e envio de duas mensagens de correio electrónico, datadas de 4 de Maio de 2017 pelas 10h31 e 5 de Junho de 2017, pelas 8h30, respectivamente, nas quais o Recorrente através do endereço de e-mail ..........@.....terá enviado para o endereço de correio eletrónico da EMP01..., S.A.”, emails que se reportam a metadados, “dados dos dados recolhidos da utilização de um IP e fornecido pelas operadoras de comunicações ao abrigo da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho (no seguimento da transposição da Directiva comunitária n.º 2006/24/CE a qual foi declarada inválida por decisão judicial do Tribunal de Justiça da União Europeia em 08/04/2014”. Acrescenta o recorrente que “o Tribunal Constitucional considerou igualmente que guardar os dados de tráfego e localização de pessoas restringe de modo desproporcionado os direitos à reserva da intimidade e da vida privada, designadamente, por poder atingir sujeitos relativamente aos quais não existe qualquer sujeito de prática de crimes”, citando o Acórdão n.º 268/2022, do Tribunal Constitucional. Ainda segundo o recorrente, “é nula toda a prova obtida com recurso aos METADADOS recolhidos e guardados pelas operadoras telefónicas para prova da alegada utilização, pelo arguido, de equipamentos telefónicos e respectivas geo-localizações celulares, bem como IP’s obtidos por aquelas operadoras de comunicações que permitam identificar caixas de endereços electrónicos, para além de trocas de e-mails constantes e guardadas nos endereços electrónicos criados e disponibilizados aos clientes por aqueles operadores de comunicações, como é o caso da Google LLC”.
Vejamos.
Antes de mais há que distinguir as proibições de prova, das regras de produção da prova sendo que como ensina Manuel da Costa Andrade (“in As proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, reimpressão 2006), o que define a proibição de prova, “é a descrição de um limite à descoberta da verdade” (…), diferentemente, as regras de produção de prova são “ordenações do processo que devem possibilitar e assegurar a realização da prova (…), visam apenas disciplinar o procedimento exterior da realização da prova na diversidade dos seus meios e métodos, não determinando a sua violação a reafirmação contrafáctica através da proibição da valoração”.
As regras de produção da prova configuram, na caracterização de Figueiredo Dias citado ainda por Manuel da Costa Andrade, «meras prescrições ordenativas de produção de prova, cuja violação não poderia acarretar a proibição de valorar como prova (…), mas unicamente a eventual responsabilidade (disciplinar, interna) do seu autor. Umas vezes preordenadas à maximização da verdade material (como forma de assegurar a solvabilidade técnico-científica do meio de prova em causa), as regras de produção de prova também podem ser ditadas para obviar ao sacrifício desnecessário e desproporcionado de determinados bens jurídicos”.
De tudo resulta que como conclui o Professor Manuel da Costa Andrade (obra supra citada), “as proibições de prova em processo penal, como métodos proibidos de prova, “hão-de igual e seguramente valorar-se os demais atentados que realizam a mesma danosidade social de afronta à dignidade humana, à liberdade de decisão ou de vontade ou à integridade física ou moral das pessoas”. Os métodos proibidos de prova dizem respeito aos “atentados mais drásticos à dignidade humana, mais capazes de comprometer a identidade e a representação do processo penal como processo de um Estado de Direito e, por via disso, abalar os fundamentos daquela Rechtskultur sobre que assenta a moderna consciência democrática”.

No caso dos autos, invoca o recorrente o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, de 19/04/2022, publicado no Diário da República n.º 108/2022, Série I, de 2022-06-03, o qual decidiu declarar «a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18º, todos da Constituição da República Portuguesa» e da «norma constante do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja susceptível de comprometer as investigações nem a vida ou a integridade física de terceiros, por violação do n.º1 do artigo 35.º e do n.º1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa».
O Diploma em causa – Lei n.º 32/2008 de 17 de Julho - regula «a conservação e a transmissão dos dados de tráfego e de localização relativos a pessoas singulares e a pessoas coletivas, bem como dos dados conexos necessários para identificar o assinante ou o utilizador registado, para fins de investigação, deteção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações, e que altera a Diretiva n.º 2002/58/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de junho, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no sector das comunicações eletrónicas».
Como se define no artigo 2.º, n.º 1, g) daquela Lei, os crimes graves em causa são os crimes de «terrorismo, criminalidade violenta, criminalidade altamente organizada, sequestro, rapto e tomada de reféns, crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal, contra a segurança do Estado, falsificação de moeda ou de títulos equiparados a moeda, contrafação de cartões ou outros dispositivos de pagamento, uso de cartões ou outros dispositivos de pagamento contrafeitos, aquisição de cartões ou outros dispositivos de pagamento contrafeitos, atos preparatórios da contrafação e crimes abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima”.
Ora, no caso dos autos, estava em causa a investigação pela prática dos crimes de burla agravada, abuso de confiança e falsificação e documento, pelo que o Ministério Público na fase de inquérito, no despacho de 28/11/2017, determinou que as operadoras móveis preservem pelo período mínimo de 3 meses (…) a identificação dos titulares dos contratos de Internet  e determinou ainda a notificação das mesmas operadoras, “para indicarem o nome e morada dos titulares dos contratos de internet associados ao IP……”, ao abrigo da lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro e não ao abrigo da Lei 32/2008. Na verdade, não estando em causa “crimes graves”, não tinha de ser invocado este ultimo diploma, cujas normas (as acima indicadas), o Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais.
Por outras palavras podemos afirmar que no caso dos autos, investigando-se crimes que não integram o catálogo de “crimes graves” para efeitos da Lei n.º 32/2008, de 17/07, não poderia aceder-se aos dados conservados pelas operadoras nos termos do artigo 4.º desse diploma, mesmo se a norma não tivesse sido declarada inconstitucional[2].
Como entendeu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 31/01/2024 (Processo n.º 170/11.2TAOLH-E.S1, consultado em www.dgsi.pt), “a obtenção, no processo penal, de dados em posse de fornecedores de serviços de comunicações é regulada por outras disposições legais: pelos artigos 187.º a 189.º e 269.º, n.º 1, al. e), do CPP e pela Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime), que transpõe para a ordem jurídica interna a Decisão-Quadro n.º 2005/222/JAI, de 24 de fevereiro, relativa a ataques contra sistemas de informação, e adapta o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa (Budapeste, 2001), ratificada por Portugal”.
A Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, alterada pela lei n.º 79/2021, de 24 de Novembro, aprovou a Lei do Cibercrime, transpondo para a ordem jurídica interna a Decisão Quadro n.º 2005/222/JAI, do Conselho, de 24 de Fevereiro, relativa a ataques contra sistemas de informação, e adaptando o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa. Nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1 da Lei n.º 109/2009, as disposições processuais previstas nesse diploma, aplicam-se a processos relativos a crimes «cometidos por meio de um sistema informático – alínea b); ou a em relação aos quais seja necessário proceder à recolha de prova em suporte eletrónico» - alínea c).
Entre as disposições processuais em causa, encontra-se prevista a “Preservação expedita de dados”, podendo a autoridade judiciária competente, «obter dados informáticos específicos armazenados num sistema informático, incluindo dados de tráfego, em relação aos quais haja receio de que possam perder-se, alterar-se ou deixar de estar disponíveis”, ordenando «a quem tenha disponibilidade ou controlo desses dados, designadamente a fornecedor de serviço, que preserve os dados em causa» - cf. o artigo 12.º. Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 14.º, n.º 4, a Autoridade Judiciária, pode ordenar aos fornecedores de Serviço, que comuniquem ao processo dados relativos aos seus clientes ou assinantes que permitam determinar «a identidade, a morada postal ou geográfica e o número de telefone do assinante, e qualquer outro número de acesso, os dados respeitantes à facturação e ao pagamento, disponíveis com base num contrato ou acordo de serviços» – cf. a alínea b) do artigo 14.º.
Ora este diploma não foi alvo de qualquer juízo de inconstitucionalidade por parte do Tribunal constitucional, nomeadamente, nos termos que constam do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, de 19/04/2022, invocado pelo recorrente para fundamentar a nulidade das provas obtidas nos autos, designadamente no que diz respeito aos IPs (Internet Protocol Adress) em causa. Como decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra no Acórdão de 27/09/2023 (processo n.º 13/20.6PEVIS.C1, consultado em www.dgsi.pt), “no acórdão n.º 268/2022, de 19 de Abril, o Tribunal Constitucional não fiscalizou, nem censurou outras normas, para além das dos artigos 4.º, 6.º e 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, nem outros diplomas legais, não tendo, por isso, a declaração de inconstitucionalidade dele emanada a virtualidade de abranger toda e qualquer prova obtida por meios digitais”; por isso, “são válidas as provas obtidas a partir de dados guardados pelas operadoras respeitando os limites impostos legalmente pelas leis que se mantêm em vigor e que continuam a prever a possibilidade de obtenção, guarda e transmissão de tais dados”.
Assim, não restam dúvidas que os elementos de prova avaliados na primeira instância e que serviram para formar a sua convicção, observaram o formalismo legal, constituindo provas válidas e, por isso legais, assentando a tese recursiva em pressupostos errados, uma vez que neste caso concreto, como se disse, a prova não foi recolhida por aplicação da Lei n.º 32/2008, de 17.07, designadamente, dos artigos que foram declarados inconstitucionais pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022.
Por outras palavras, o Tribunal recorrido ao definir a matéria de facto, alicerçou a sua convicção em meios de prova que não se mostram abrangidos pela inconstitucionalidade declarada pelo citado acórdão 268/2022 do Tribunal Constitucional.
Duas últimas notas para referir o seguinte.
O recorrente poe em causa duas mensagens de correio eletrónico datadas de 4 de Maio de 2017 pelas 10h31 e 5 de Junho de 2017, pelas 8h30, respectivamente, mas a prova dos factos respetivos – artigos 16) e 18) nem sequer precisavam de qualquer acção no sentido de se obter metadados quer a partir da gestora do email (Gmail), quer da operadora com vista à identificação do IP utilizado nas comunicações em causa. Para tanto bastavam outros meios de prova juntos aos autos, designadamente os que foram juntos pela ofendida na queixa que deu origem aos autos[3].
Na verdade, os emails em causa foram remetidos para email da ofendida que a partir do momento em que os recebeu informaticamente, deles passou a dispor, como acontece com qualquer documento recebido por qualquer outra via, podendo fazer deles o que muito bem entendesse, arquivando-os, eliminando-os ou imprimindo-os para posterior utilização, nomeadamente, no âmbito de um Processo crime. São documentos que foram entregues diretamente à ofendida e que por isso, não havia qualquer necessidade de os pedir a quem quer que fosse.
Quanto à identificação do respetivo IP, também a prova junta aos autos é suficiente para se perceber que o remetente das mensagens eletrónicas em causa é o arguido que admitiu no final das suas declarações, “que todos os emails enviados do remetente “gia”, como é o caso, eram enviados por si, o que acaba por equivaler à assunção da factualidade em apreciação”, como bem concluiu o Tribunal recorrido. Acresce que o arguido admitiu na audiência de julgamento, não só que se deslocou às instalações da sociedade ofendida, como entregou nessa altura, um cartão de apresentação com a menção “AA – Investigador” e os endereços de email, “... e ...”, este último por ele manuscrito – cf. o ponto 7) da matéria de facto provada. Ou seja, é o próprio arguido que se identifica com o remetente de onde depois são enviados os emails aqui em causa.
Queremos dizer com isto, que mesmo sem recorrer a quaisquer outras provas, designadamente obtidas com o recurso ao diploma legal acima referenciado, se podia concluir pela correcta definição da matéria de facto quanto aos pontos 16), 18) e 30), ao contrário do que é defendido pelo recorrente. Ou seja, mesmo que o raciocínio do recorrente estivesse correcto, e não está, sempre se poderia concluir que os factos em causa estavam provados sem recurso a qualquer eventual “prova proibida”. 
O recorrente não tem, assim, razão quando alega que “as provas invocadas pelo tribunal a quo para dar como provados os factos dos pontos 16, 18 e 30 impõem decisão diversa da recorrida porque, ainda que conjugadamente apreciadas, são manifestamente insuficientes para se poder concluir que tenha sido o recorrente o autor dos mesmos, quando o mesmo afirmou taxativamente que nunca se arrogou como mediador de seguros”. O facto de o arguido afirmar que nunca se arrogou da qualidade de mediador de seguros, choca de frente com toda a prova produzida em audiência de julgamento, sendo que não é pelo facto de negar a prática dos factos que se imponha, quase automaticamente, uma absolvição do arguido.       
Acresce que como é sabido, um mediador de seguro é um intermediário, é alguém que estabelece uma ponte entre um cliente, no caso, a ofendida, e uma seguradora. Ora, foi justamente uma intermediação o que o arguido fez, deslocando-se à ofendida EMP01..., S.A. (facto não negado), porque sabia que esta necessitava de um seguro para acidentes de trabalho (facto também reconhecido pelo arguido). Ao deslocar-se às instalações da ofendida, não podia deixar de ser para “mediar” a contratualização de um contrato de seguro. A circunstância de não constar do seu cartão de apresentação, a palavra mediador e de constar menção de que era um investigador, não impede que se possa considerar como provado o facto 30): a ofendida não precisava de um “investigador” porque o que tinha necessidade era de um contrato de seguro e para tanto o que precisava, como arguido bem sabia, era das funções de um mediador e não de um investigador. Acresce que constar de um cartão a menção de investigador, atividade que não exercia, poderia ser entendida como uma tentativa de emprestar maior credibilidade à sua narrativa. Não podia, assim, deixar de o arguido ser condenado, como foi, pela prática de um crime de usurpação de funções.
Em suma, conclui-se nesta parte pela inexistência de quaisquer razões para considerar que as provas valoradas pelo tribunal recorrido para sustentar a condenação do arguido, tenham sido influenciadas por prova proibida, improcedendo o recurso nesta parte.
Uma segunda nota para referir que não se encontra na decisão recorrida, qualquer vício de conhecimento oficioso, designadamente o erro notório na apreciação da prova[4] previsto no artigo 410.º, n.º 2, c) do Código de Processo Penal, nem qualquer outro.
A matéria de facto fica inalterada face à inexistência de qualquer nulidade, não havendo motivo para concluir, como faz o recorrente, que o mesmo deve ser absolvido dos crimes de usurpação de funções e falsificação de documento.

Da alegada violação do princípio in dubio pro reo:
O princípio do in dubio pro reo é um corolário do princípio da presunção de inocência consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, no artigo 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, obrigando a que, instalando-se e permanecendo a dúvida acerca de factos referentes ao objeto do processo (existência dos factos, forma de cometimento e responsabilidade pela sua prática), essa dúvida deve ser sempre resolvida em benefício do arguido relativamente ao ponto ou pontos duvidosos, podendo mesmo conduzir à absolvição (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Noções de Processo Penal, Rei dos Livros, p. 50 e 51). Como escreve Fernando Gama Lobo (in Código de Processo Penal anotado, Fevereiro de 2015, Almedina), “tem na apreciação da prova o seu campo de aplicação natural e lógico, a qual é da competência do Juiz”. Acrescenta o mesmo autor que “o princípio serve para resolver dúvidas que surjam numa situação probatória incerta (…) mas a dúvida tem de ser do juiz; não dos restantes intervenientes processuais, como por vezes parece pretender-se”. Também a propósito escreve Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, I vol., p. 213) que “um non liquet na questão da prova – não permitindo ao juiz – que omita decisão … - tem que ser sempre valorado a favor do arguido”, sendo que “com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo”.
Assim, o princípio em causa incute uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido. “A dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de um ónus de prova a seu cargo, baseado na prévia admissão da sua responsabilidade, ou seja, o princípio contrário ao da presunção de inocência” (cf. com o Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol.III, pág.84). É de reconhecer a violação deste princípio quando da decisão recorrida resultar que, tendo o tribunal a quo chegado a uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos decidiu em desfavor do arguido; isto é, se a prova produzida, depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, tiver conduzido à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível. Como refere Cristina Líbano Monteiro, “In Dubio Pro Reo”, Coimbra, 1997”, o princípio em causa parte da dúvida, “supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador”.
No caso dos autos, ao contrário do recorrente, o Tribunal recorrido depois de ouvir a prova na audiência de julgamento, não ficou numa situação de dúvida sobre a realidade dos factos, pelo que não tinha de lançar mão do princípio do in dúbio pro reo. Note-se que como refere ROXIN,o princípio não se mostra atingido quando, segundo a opinião do condenado, o juiz deveria ter tido dúvidas, mas sim quando condenou apesar da existência real de uma dúvida” (in “Derecho Procesal Penal”, Editores del Puerto, Buenos Aires, pág. 111)”.
Improcede assim, também nesta parte, o recurso do arguido.
Segunda questão: saber se existe concurso aparente entre os crimes de burla e falsificação de documento – eficácia dos acórdãos de fixação de jurisprudência sobre a matéria.
Entende o recorrente que “decorrendo dos pontos 9, 10, 16, 18, 20, 26 e 31 dos factos provados que a falsificação dos 3 (três) recibos em causa foi apenas um meio para praticar o crime de burla qualificada, deve-se recusar, ao abrigo do artigo 204.º da Constituição, a norma resultante das decisões de fixação de jurisprudência acima citadas, condenando-se o recorrente apenas por esse crime (em concurso aparente com o crime de falsificação de documento)”.
A propósito foi escrito na decisão recorrida, o seguinte (transcrição parcial):
Os crimes de usurpação, burla qualificada e falsificação de documento, praticados pelo arguido, estão numa relação de concurso efetivo.
Nos termos do disposto no artigo 30.º n.º 1 do C.P., “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.
No caso concreto, a conduta do agente preencheu três diferentes tipos legais, que protegem bens jurídicos distintos. Estar-se-á, portanto, perante uma situação de concurso real.
Em particular, no que concerne ao concurso entre crimes de burla/falsificação, dir-se-á que os crimes de burla visam proteger o património do lesado, enquanto que o bem jurídico tutelado pelo crime de falsificação de documento é o da fé pública dos documentos necessária à normalização das relações sociais, podendo concluir-se, portanto, que os bens jurídicos protegidos pelos aludidos crimes são distintos.
Neste sentido, e com vista a uniformizar a jurisprudência existente até então, que se dividia entre a existência de concurso real ou efetivo entre os crimes de falsificação e burla e a consunção do crime de falsificação de documento no crime de burla, o Assento n.º 8/2000, de 04/05, veio determinar que “No caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 256º, nº 1, alínea a), e do artigo 217º, nº 1, respectivamente, do Código Penal, revisto pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes”.
Vejamos.
De acordo com o disposto no artigo 30.º, n.º 1 º, do Código Penal, «o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente».
Como é sabido, o concurso efectivo de crimes pode abranger várias acções ou omissões distintas (concurso real) ou uma única acção ou omissão que lesa bens jurídicos eminentemente pessoais de vários ofendidos (concurso ideal), podendo o concurso efectivo envolver tanto a aplicação de uma única norma incriminadora (concurso homogéneo), como a aplicação de várias normas incriminadoras (concurso heterogéneo). Como ensinam os Conselheiros Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques (in Código Penal Anotado, Vol. I, 4ª Edição, Rei dos Livros, 2014), “no concurso legal, aparente, ou impuro, a conduta do agente apenas formalmente preenche vários tipos de crime, mas, por via de interpretação, conclui-se que o conteúdo dessa conduta é exclusiva e totalmente abrangido ou absorvido por um só dos tipos violados, pelo que os outros tipos devem recuar, não sendo aplicados”.
No caso dos crimes de burla e falsificação e como bem salienta o Ministério Público na resposta ao recurso na primeira instância, “a questão do concurso (…) tem merecido tratamento jurisprudencial pacífico e uniforme”. Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça no então denominado, “Assento n.º ...00 de 23/05/2000, veio fixar a jurisprudência obrigatória no sentido de considerar a existência de concurso de crimes quando a conduta do agente, «...preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 256.º, n.º 1, a) e do artigo 217.º, n.º 1, respectivamente, do Código Penal revisto pelo Decreto-lei n.º 48/95 de 15 de Março». Para tanto entendeu-se que «continuam a ser diferentes os bens jurídicos tutelados pelos artigos 217.º, n.º 1 e 256.º, n.º 1 do Código Penal de 1995»: no primeiro (no crime de burla), está em causa o património e no segundo, (no crime de falsificação) “a verdade intrínseca do documento enquanto tal”.
Posteriormente, no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 10/2013, veio o Supremo Tribunal de Justiça reiterar que «a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007 no tipo legal do crime de falsificação previsto no artigo 256º do Código Penal, estabelecendo um elemento subjectivo especial, não afecta a jurisprudência fixada nos acórdãos de fixação de jurisprudência de 19 de Fevereiro de 1992 e 8/2000 de 4 de Maio de 2000 e, nomeadamente, a interpretação neles constante de que, no caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 256º, n.º 1, alínea a), e do artigo 217º, nº 1, do mesmo Código, se verifica um concurso real ou efectivo de crimes»
Estipula o artigo 445.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, que o acórdão de fixação de jurisprudência, «não constituiu jurisprudência obrigatória para os Tribunais Judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão». Como refere Fernando Gama Lobo (in Código de Processo Penal anotado, Fevereiro de 2015, Almedina), em anotação ao artigo 445.º, “a decisão do S.T.J. não constitui jurisprudência obrigatória, (ao contrário do que acontecia com os anteriores assentos", rebatidos pelo Ac. do T.C.de 28,05.96 in DR I série de 18.07.97) até porque a jurisprudência, não é, na ordem jurídica românica, em rigor, fonte de Direito, mas apresenta uma componente vinculativa acentuada para as instâncias, cabendo-lhes acatar tal entendimento, na inexistência de argumentação em contrário, que de forma inovatória, possibilite um juízo de prognose positivo para uma futura modificação jurisprudencial no sentido desse entendimento. Sublinhe-se que esta argumentação em contrário, deve ter uma componente inovatória, não valendo esgrimir debatidos e vencidos argumentos”. No mesmo sentido escreve Vinício A. P. Ribeiro (in Código de Processo Penal, notas e comentários - Quid Juris, 3.ª edição), em anotação ao mesmo artigo que “os tribunais devem, em princípio, acatar a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça”, o que apenas não acontecerá “quando houver algum argumento, ou argumentos novos, e de valor não tomados em consideração no acórdão uniformizador e que sejam suscetíveis de alterar os termos da discussão jurídica; quando for evidente que a evolução doutrinária e ou jurisprudencial alterou, de modo significativo, o peso da argumentação usada no acórdão, susceptível de conduzir a um diferente resultado; quando se verificarem alterações na composição do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça donde ressalte, clara e inequivocamente, qua a maioria dos juízes das secções criminais deixou de defender a posição fixada”.
Como se se salientou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2004 (processo n.º 04P711, citado por Vinício A. P. Ribeiro na obra citada), “a lei indica, com suficiente clareza, que os acórdãos para fixação de jurisprudência, têm um peso próprio, que lhes é dado pelo facto de provirem do Plenário das secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça. Há, pois, que lhes conceder o benefício, para já não dizer a presunção, de que foram lavrados após ponderação exaustiva, face à legislação, à doutrina e à jurisprudência existentes sobre o assunto”.
 Ora, a Jurisprudência acima referenciada mantém-se plenamente válida, não havendo lugar a consumpção do crime de falsificação de documento, pelo crime de burla como concluiu com acerto o Ministério Público, não havendo fundamento, nem foi invocado, para divergir da mesma. Com efeito, o recorrente não invoca nenhum novo argumento, “e de valor não tomado em consideração no acórdão uniformizador” e que seja suscetível de alterar os termos da discussão jurídica.
A circunstância invocada pelo recorrente na conclusão “MM”- a falsificação dos 3 (três) recibos em causa foi apenas um meio para praticar o crime de burla qualificada  -não constituiu um argumento novo porque já no “Assento n.º ...00 de 23/05/2000 se escrevia que “nem no Código Penal de 1982 nem no de 1995 existe qualquer disposição que ressalve o concurso da burla com a falsificação (enquanto meio de realização daquela) do regime geral estatuído no artigo 30.º”, devendo continuar a concluir-se que “a conduta do agente que falsifica um documento e o usa, astuciosamente, para enganar ou induzir em erro o burlado integra (suposta, naturalmente, a verificação de todos os elementos essenciais de cada um dos tipos), efectivamente, em concurso real, um crime de falsificação de documento e um crime de burla”. Foi este o caso dos autos pelo que inexiste qualquer argumento novo que justifique qualquer recusa “da norma resultante das decisões de fixação de jurisprudência acima citadas tando a tese recursiva”, como pedia o recorrente.
Acresce que não vislumbramos como se possa concluir pela existência de qualquer violação do artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa, sendo certo que o recorrente também não consegue demonstrar o alegado “erro de interpretação” que invoca nas conclusões do recurso. De referir que como entendeu o Tribunal da Relação de Évora no Acórdão de 12/09/2023 (processo n.º 8/22.5GECUB.E2 e consultado em www.dgsi.pt), “invocando-se quadro de inconstitucionalidade necessário se torna, pensa-se, que se siga uma precisa delimitação e enunciação da questão e uma fundamentação, minimamente concludente, com um suporte suficientemente argumentativo que inclua a indicação das razões justificativas do juízo de inconstitucionalidade que vem defender, não bastando a mera e pura alocução de genéricas afirmações”.
No caso dos autos, o recorrente não apresentou uma argumentação consistente e factual sobre a existência da inconstitucionalidade que supostamente encontra na decisão recorrida, não permitindo a este Tribunal avaliar a bondade da sua avaliação.
De tudo resulta, que o Tribunal da primeira instância decidiu acertadamente quanto à existência do concurso efetivo entre os crimes em presença pelo que se impõem a improcedência do recurso, também nesta parte.
Terceira questão: saber se foi excessiva a medida concreta da pena.
Alega o recorrente que as penas parcelares e a pena única que lhe foram aplicadas, são excessivas e desproporcionadas.
Por um lado, porque teria sido dado “um peso demasiadamente agravativo à circunstância de o Recorrente ter antecedentes criminais”, e por outro, porque o Tribunal a quo não valorou, “devida e suficientemente a circunstância de o recorrente se encontrar inserido a nível familiar, possui uma estrutura familiar coesa, quer no agregado constituído pela mulher e filhos, quer por parte dos elementos do seu grupo de origem, que recorre à ajuda dos pais e da irmã quando tem algumas dificuldades (ponto 49 factos provados, como decorre do ponto 48 dos factos provados), e que depõe a seu favor, demonstrando que tem uma personalidade ainda recuperável e inserida”.
Invocou ainda em defesa da sua tese argumentativa, a inexistência de quaisquer outros factos ilícitos desde a prática dos factos aqui em causa.

A propósito foi escrito na decisão recorrida, o seguinte:
“Do crime de usurpação de funções:
A conduta do agente é punida com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.
Do crime de burla qualificada:
A conduta do agente é punida com pena de prisão de dois a oito anos.
Do crime de falsificação de documento:
A pena prevista no art.º 256.º, n.º 1, als. a), do C.P., conjugado com o preceituado nos arts. 41.º, n.º1 e 47.º, n.º 1, ambos do C.P., é a pena de prisão de 1 mês a 3 anos ou pena de multa de 10 a 360 dias.
(…)
No caso “sub judice”, a aplicação de uma pena não detentiva não satisfará as necessidades de prevenção e reprovação dos factos praticados pois o arguido, anteriormente à prática dos factos em apreciação, já tinha sido condenado pela prática de dois crimes de falsificação de documento e um crime de burla qualificada, idênticos, portanto, a dois dos crimes ora em apreciação, além de apresentar dois outros antecedentes por crimes diversos, tendo condenações em penas de multa e uma em pena de prisão, suspensa na sua execução, na pendência da qual praticou os factos em apreciação. Apresenta, ainda, no seu C.R.C., pese embora tais condenações não possam ser vistas como antecedentes criminais, porque posteriores à prática dos factos em apreciação, duas outras condenações criminais, uma delas por um crime atentatório do património. Tudo ponderado, conclui-se ter o arguido uma conduta oposta ao dever ser jurídico, não interiorizando o desvalor das suas condutas anteriores e não mostrando vontade de passar a atuar de forma conforme às regras de convivência em sociedade, tanto mais que, na pendência de uma pena suspensa, cometeu três crimes, violando três diferentes bens jurídicos.
Nesta sede e ainda que se entenda que a pena privativa de liberdade será a última ratio da política criminal e os arts. 70.º e 40.º do C.P. imponham que entre a aplicação de uma pena privativa da liberdade e de uma pena não detentiva, se dê preferência à segunda, desde que ela realize “de forma adequada e suficiente as finalidades da prevenção” e prossiga a proteção dos bens jurídicos violados e a reintegração do agente na sociedade, conclui-se que, in casu, atendendo ao número de crimes em causa nos autos (3), às concretas formas que os mesmos assumiram e à personalidade desconforme aos valores da convivência em sociedade que decorre das várias condenações sofridas pelo arguido, revelando dificuldade de se autodeterminar de acordo com as regras vigentes na sociedade e uma grande indiferença às potenciais consequências da sua atuação, quer para as vítimas dos crimes, quer para si próprio, a imposição de uma simples pena de multa por cada um dos crimes cometidos e que aqui se encontram em apreciação, seria incompreensível para a generalidade da comunidade jurídica e perturbaria a confiança do público no direito, para além de representar para o arguido uma censura ética muito suave, destituída de suficiente poder persuasor para se alcançar o proposto e desejável objetivo de prevenção especial (recuperação e ressocialização do mesmo).
Desta forma, quanto à natureza da pena a aplicar ao arguido, entende-se que, no caso concreto, é de aplicar uma pena de prisão por cada um dos crimes cometidos, dado que só uma pena detentiva poderá alcançar as finalidades da punição. Acresce a circunstância do arguido negar a prática dos factos, o que demonstra total falta de autorresponsabilização.
Para a determinação da medida concreta da pena seguir-se-á o critério fornecido pela lei penal no artigo 71.º, n.º 1: “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.”
Significa isto que, até ao máximo consentido pela culpa, é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos que vai determinar a medida da pena. A necessidade de tutela dos bens jurídicos permite estabelecer uma espécie de “moldura de prevenção”, cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do “quantum” de pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias.
Dentro daquela “moldura de prevenção” atuam as finalidades de prevenção especial com o objetivo de se encontrar o “quantum” exato da pena.
O tribunal deve tomar em conta todas as circunstâncias previstas no art.º 71.º, n.º2 do C.P., a não ser que elas já façam parte da descrição do tipo ou de alguma das circunstâncias modificativas. Dir-se-á que a natureza e o grau de ilicitude do facto impõem maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor alarme social, e que as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento, interessam, sobretudo, aos níveis de prevenção especial a ter em conta.
No caso “sub júdice”:
-o grau de ilicitude plasmado nos factos praticados considera-se médio alto, quanto à usurpação de funções, tendo o arguido agido no quadro de um outro ilícito penal (burla); elevado quanto à burla qualificada, atento o concreto valor em causa €38.868,90 – sendo a aparência de veracidade reforçada com a atuação a coberto do exercício profissional na área dos seguros e com a falsificação de documentos, exponenciando-se o grau de artifício utilizado e reforçando a confiança da vítima; decorreram mais de 7 anos sem reparação do prejuízo; a atuação do arguido incidiu na área de um seguro de responsabilidade civil legal obrigatório – acidentes de trabalho; por fim, quanto à falsificação, o grau de ilicitude considera-se médio alto, estando em causa três documentos e atendendo à natureza desses mesmos documentos, forjados relativamente a um contrato de responsabilidade civil legal obrigatório, sendo que os documentos em causa foram utilizados no âmbito de um outro ilícito penal (burla);
- após ser descoberta a atuação do arguido, este passou a estar incontactável;
- as consequências da sua atuação são graves, porquanto levou a que os trabalhadores da empresa ficassem desprotegidos, no âmbito de acidentes de trabalho que viessem a ocorrer, como efetivamente sucedeu, em junho/2017;
- os motivos que estiveram na determinação do crime assentam na incapacidade de respeitar os bens jurídicos protegidos, inexistindo fins ou motivos suscetíveis de temperar o juízo neste particular, tanto mais que se trata de prossecução criminosa que revela total indiferença comunitária;
-o arguido atuou com dolo direto (art.º 14.º, n.º 1 do C.P.);
-foi condenado pela prática dos crimes descritos no facto 51);
- tem as condições pessoais descritas em 34) a 50);
- as exigências de prevenção geral são médias quanto ao crime de usurpação de funções e elevadas quanto aos demais. Os crimes de burla e falsificação têm vindo a proliferar na nossa sociedade, com artifícios casa vez mais engenhosos e, por isso mesmo, convincentes, existindo fortes razões para tais práticas serem combatidas tendo em vista, além do mais, a estabilização das expectativas comunitárias na validade das normas violadas. Com a falsificação de documentos coloca-se, ainda, em causa, a validade de documentos civis, gerando desconfiança nas transações. Assim, as decisões dos tribunais, a propósito de tais casos, não devem deixar que subsista a menor hesitação sobre a proibição de tais condutas, reafirmando a validade das normas violadas e pacificando a comunidade a quem elas se dirigem;
- quanto à prevenção especial, revela-se alta, uma vez que o arguido, embora tendo sofrido anteriormente condenações por dois crimes de falsificação de documento e um crime de burla qualificada, idênticos, portanto, a dois dos crimes ora em apreciação, além de apresentar dois outros antecedentes por crimes diversos, tendo condenações em penas de multa e uma em pena de prisão, suspensa na sua execução, voltou a praticar três ilícitos penais, na pendência precisamente de uma pena suspensa por crimes de falsificação/burla qualificada (e no mesmo ano do trânsito em julgado dessa condenação!). Apresenta, ainda, duas outras condenações criminais posteriores, uma delas por um crime atentatório do património. Por outro lado, negou a prática dos factos que implicam censura penal, tudo denotando que não se coíbe de continuar a praticar atos reprováveis, satisfazendo os seus impulsos, de forma desconforme aos valores da convivência em sociedade e com grande indiferença às potenciais consequências da sua atuação, quer para as vítimas dos crimes, quer para si próprio, sem qualquer autorresponsabilização e indício de remorso e aumentando/reforçando as necessidades de educação para o Direito.
Dir-se-á, por fim, que a falta de enquadramento profissional do arguido e as dificuldades económicas daí decorrentes para o respetivo agregado familiar constituem, por outro lado, poderosos criminógenos a fazerem aumentar as necessidades de prevenção especial colocadas pelo caso vertente.
De todo o exposto, ponderados todos os fatores, as exigências de prevenção geral positiva e as exigências de prevenção especial, julga-se adequado aplicar ao arguido:
- pelo crime de usurpação de funções, uma pena de 10 meses de prisão;
- pelo crime de burla qualificada, uma pena de 4 anos e 3 meses de prisão;
- pelo crime de falsificação de documento, uma pena de 2 anos de prisão.
*
Do cúmulo jurídico:
Torna-se agora necessário fixar a moldura penal do concurso, para ser aplicada uma pena única ao arguido, uma vez que o mesmo praticou quatro crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer um deles (artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal).
Nesta fase o tribunal tem que encontrar a moldura penal do concurso, sendo que “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar os 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”. (artigo 77.º, n.º2, do Código Penal).
Assim, o limite máximo da pena é de 7 anos e 1 mês de prisão e o limite mínimo de 4 anos e 3 meses.
Estabelecida a moldura penal do concurso, cumpre agora determinar a medida da pena dentro destes limites, sendo que “na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente” (artigo 77.º, n.º2, do Código Penal).
O cúmulo deve ser o resultado da ponderação dos factos, em geral, e da personalidade do agente. Trata-se de um elemento específico relativamente aos que, em geral (art.º 71.º, do Código Penal), são tidos em conta para a determinação da medida da pena.  No ac. STJ de 06/05/2004, in CJSTJ, T2, pág. 191 diz-se: “Não se deve confundir a fundamentação que deve presidir à escolha e medida de cada uma das penas singularmente consideradas com aquela outra que a lei exige para a fixação, em cúmulo jurídico, da pena unitária, já que, nesta, o que releva e interessa considerar é , sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz, nomeadamente, uma personalidade propensa ao crime ou é, antes, a expressão de uma pluriocasionalidade, que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido”.
Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso. Citando o ac. STJ de 3/7/03, proc. 03P2153, in www.dgsi.pt: «tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique», ao mesmo tempo que «na avaliação da personalidade (unitária) do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira» criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade - só na primeira hipótese é de atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta)». Pode dizer-se que o que marca decisivamente a pena unitária é a circunstância dos factos serem considerados apenas como referentes ou significantes da personalidade que se quer punir, sem possuírem - cada um deles – um relevo autónomo e quantificado dentro da pena do concurso.
Na consideração da personalidade (que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos), devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projeta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente, ou seja, na determinação concreta da pena correspondente ao concurso, há um afloramento da culpa na formação da personalidade, critério afastado, segundo o art.º 71.º, em termos gerais.
Os factos são ponderados segundo as circunstâncias da época em que se verificaram; mas a avaliação da personalidade do arguido terá de abarcar todo o período decorrido desde o primeiro crime até à data do último julgamento.
A pena única do cúmulo jurídico é uma realidade substancialmente diferente das penas parcelares que o compõem. A unidade própria do concurso efetivo de infrações apresenta-se como uma unidade de relação. Poderá falar-se, assim, de um ilícito-típico próprio do concurso verdadeiro de infrações e de uma culpa própria desse concurso também. O ilícito que se torna global, com os contornos fixados pela moldura do concurso, para que a ele se possa referir a censura subjetiva a dirigir ao agente. A culpa que se liberta também dos anteriores juízos parciais e é autonomamente avaliada.
Verifica-se que os factos ora em apreciação estão interligados, formando a tal ilicitude global já atrás mencionada, uma vez que foram praticados na mesma altura, dentro do mesmo contexto situacional, estando a assistente envolvida em todos, assumindo o conjunto dos mesmos uma gravidade média alta. O valor de que o arguido se apropriou cifra-se em €38.868,90.
Caberá agora apreciar se se devem os mesmos a uma personalidade desviante ou apenas a uma pluriocasionalidade.
Entende o tribunal que tais factos devem-se, efetivamente, a uma personalidade desviante e não apenas, a uma pluriocasionalidade, dadas as condenações sofridas pelo arguido, ainda que algumas posteriores, denotando uma propensão para a prática do crime, totalmente indiferente às consequências dos seus atos para terceiros. Tal personalidade manifesta-se, aliás, pela circunstância de, em julgamento, negar a assunção da factualidade provada que permite concluir pelos ilícitos em apreciação, revelando falta de interiorização do desvalor da sua conduta, o que exacerba as necessidades de prevenção especial.
Em consequência, considerando conjuntamente os factos, o Tribunal estabelece a pena única de cinco anos de prisão.
*
Vejamos.
Para o crime de usurpação de funções encontra-se prevista uma moldura penal abstracta de pena de prisão até dois anos ou pena de multa até 240 dias – artigo 358.º do Código Penal. Para o crime de burla qualificada encontra-se prevista uma moldura penal abstracta de pena de prisão de dois a oito anos de prisão – artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, a) todos do Código Penal. Finalmente, para o crime de falsificação de documento encontra-se prevista uma moldura penal abstracta de pena de prisão de 1 mês a 3 anos ou pena de multa de 10 a 360 dias - artigos 256.º, n.º 1, a), do Código Penal.
O código Penal contém uma disposição preliminar dentro do Título III, que se ocupa das consequências jurídicas do facto, nos termos da qual a aplicação de uma pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” – cf.  o artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal. Nos termos do disposto no n.º 2 do mesmo artigo, «em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa». Por sua vez, estabelece o artigo 70.º do Código Penal que «se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».

Para a determinação da medida concreta da pena há que fazer apelo aos critérios definidos pelo artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, nos termos dos quais, tal medida será encontrada dentro da moldura penal abstratamente aplicável, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente. Deve o Tribunal na determinação concreta da pena o Tribunal atender a «todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena».
Antes de mais há que dizer que como escreve Figueiredo Dias (in Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 196-197, §255) e como se tem vindo a pronunciar de forma uniforme o Supremo Tribunal de Justiça[5] (v.g. os Acórdãos 09/11/2000, in Sumários STJ de 29/1/2004, processo n.º 03P1874, e de 27/5/2009, processo n.º 09P0484, ambos disponíveis em www.dgsi.pt), a intervenção do Tribunal de recurso pode incidir na questão do limite ou da moldura da culpa assim como na actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não na determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo se tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. Neste sentido se pronunciou Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (processo n.º 201/10.3GAMCD.P1), entendendo que “acerca da questão da cognoscibilidade, controlabilidade da determinação da pena, no âmbito do recurso, há que dizer que a intervenção do tribunal nesta sede, de concretização da medida da pena e do controle da proporcionalidade no respeitante à sua fixação concreta, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada. Vem-se entendendo que se pode sindicar a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação dos factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro de prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”.
Para evitar reproduzir a adequada fundamentação de Direito vertida na decisão recorrida, acrescentaremos apenas que como escreve Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código Penal - Universidade católica, 5.ª edição actualizada, Lisboa 2022), em anotação ao artigo 70.º, “a escolha da medida das penas é determinada apenas por considerações de natureza preventiva, uma vez que as finalidades da punição são exclusivamente preventivas”, devendo o Tribunal “optar pela pena alternativa ou de substituição mais conforme com as necessidades de prevenção especial de socialização, salvo se as necessidades de prevenção geral (rectius, a defesa da ordem jurídica), impuserem a aplicação da pena de prisão”.  
O recorrente começa por argumentar que na primeira instância, foi dado “um peso demasiadamente agravativo à circunstância de o Recorrente ter antecedentes criminais”.
Os factos aqui em causa ocorreram entre finais do ano de 2016 e os princípios do ano de 2017 pelo que se passaram quase 9 anos. O recorrente tem no seu registo criminal, duas condenações pela prática do crime de condução sem habilitação legal, praticados em 2006 e 2010, sentenças de 07/07/2008 e 08/06/2011. Tem ainda:
a) uma condenação numa pena de multa pela prática no ano de 2010 de um crime de falsificação ou contrafação de documento (sentença transitada em julgado em 03/05/2013);
b) uma condenação numa pena única de quatro anos de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova (penas parcelares de 3 anos e 6 meses de prisão e 1 ano e 6 meses de prisão), pela prática dos crimes de burla qualificada falsificação ou contrafação de documento, acórdão transitado em julgado em 17/06/2016 (pena extinta em 17/06/2020);
c) uma condenação na pena de 2 anos e 7 meses de prisão, suspensa por igual período pela prática em 07/07/2011 de um crime de abuso de confiança, na forma continuada - acórdão transitado em julgado em 03/11/2017 (extinta em 03/10/2023);
d) uma condenação na pena de 115 dias de multa, à taxa diária de €6, perfazendo o total de €690,00, pela prática em 16/03/2016 de um crime de desobediência.
Daqui resulta que o arguido praticou os factos aqui em causa, depois de ter sido condenado em penas de multa pela prática de dois crimes de diferente natureza, de um crime de falsificação e depois de ter sido condenado numa pena de prisão suspensa na sua execução, pela prática dos crimes de burla qualificada falsificação ou contrafação de documento. Aliás, neste último caso, conclui-se que a prática dos crimes aqui em causa ocorreu apenas cerca de 6 meses após o trânsito em julgado da condenação na pena de prisão suspensa na sua execução.
Depois dos factos, há a registar ainda duas condenações em penas de prisão e multa, mas referentes a factos de 2011 e março de 2016.
Ora perante este quadro, não podemos deixar de concordar com as penas concretas fixadas na primeira instância. Na verdade, as exigências de prevenção especial são altas porque o arguido sofreu anteriormente condenações, além do mais, pela prática de crimes “idênticos”, a “dois dos crimes ora em apreciação”, sendo que como salientou o Tribunal recorrido, “voltou a praticar três ilícitos penais, na pendência precisamente de uma pena suspensa por crimes de falsificação/burla qualificada (e no mesmo ano do trânsito em julgado dessa condenação!)”. Como bem se escreveu na decisão recorrida, as anteriores condenações denotam que o arguido, “não se coíbe de continuar a praticar atos reprováveis, satisfazendo os seus impulsos, de forma desconforme aos valores da convivência em sociedade e com grande indiferença às potenciais consequências da sua atuação, quer para as vítimas dos crimes, quer para si próprio, sem qualquer autorresponsabilização e indício de remorso e aumentando/reforçando as necessidades de educação para o Direito”.
Acresce que para além dos antecedentes criminais que o recorrente não valoriza, há ainda a ponderar que, apesar do tempo entretanto decorrido, o mesmo não devolveu qualquer quantia à ofendida, nem consta que tivesse de algum modo procurado pelo menos atenuar o prejuízo causado.
Por outro lado, na motivação do recurso não é valorizado o elevado grau de ilicitude dos factos atento o concreto valor em causa €38.868,90, e as “graves” consequências da sua atuação, como bem salientou a primeira instância, porquanto “levou a que os trabalhadores da empresa ficassem desprotegidos, no âmbito de acidentes de trabalho que viessem a ocorrer, como efetivamente sucedeu, em junho/2017”.
O Tribunal recorrido ponderou ainda com acerto, “os motivos que estiveram na determinação do crime assentam na incapacidade de respeitar os bens jurídicos protegidos, inexistindo fins ou motivos suscetíveis de temperar o juízo neste particular, tanto mais que se trata de prossecução criminosa que revela total indiferença comunitária”.
Finalmente, o recorrente também ignorou as exigências de prevenção geral que são elevadas no que diz respeito aos crimes de burla e falsificação, tendo em conta que “têm vindo a proliferar na nossa sociedade, com artifícios casa vez mais engenhosos e, por isso mesmo, convincentes, existindo fortes razões para tais práticas serem combatidas”.
Perante este quadro assim traçado e ao qual aderimos, entendemos que as penas concretas fixadas abaixo das médias das respetivas molduras penais (com exceção do crime de falsificação em que a pena fixada se situa exatamente no meio da moldura aplicável), se mostram adequadamente determinadas, nenhum reparo nos merecendo a decisão recorrida.
O mesmo se diga da pena única fixada de 5 (cinco) anos, muito próximo do limite mínimo, que quando muito peca por defeito e nunca por excesso. Como bem se salientou na decisão recorrida, o arguido revelou uma “personalidade desviante (…), denotando uma propensão para a prática do crime, totalmente indiferente às consequências dos seus atos para terceiros”.
Uma nota para referir que inserção familiar e social do recorrente, foram devidamente ponderadas na decisão recorrida, sendo certo que tais circunstâncias não evitaram a prática dos crimes em causa porque as mesmas já se registavam na altura da prática dos factos e não tiveram qualquer efeito no comportamento do arguido, não o conduzindo para o afastar do seu percurso delituoso e para levar uma vida conforme ao Direito.
Improcede, pois, o recurso, também neste segmento recursivo.

Quarta questão: Suspensão da execução da pena de prisão:
Nos termos do artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal, «o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente; às condições da sua vida, à sua conduta anterior ou posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». Como escreve o Prof. Figueiredo Dias (in  Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, páginas 508 e seguintes), “a pena de suspensão de execução da prisão constitui entre nós a mais importante das penas de substituição (...), por ser de todas a que possui mais largo âmbito, podendo ser aplicada em substituição de uma qualquer pena de prisão de medida não superior a 3 anos (leia-se, agora, face à versão actual do Código Penal, 5 anos), isto é, uma pena de prisão só curta, mas de média duração. E a mais importante, por outro lado, por ser de longe aquela que os tribunais portugueses aplicam com maior frequência (...)”: ela tem como finalidade político-criminal, o (...) “afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer correcção, melhora ou – ainda menos – metanoia das concepções daquele sobre a vida e o mundo” (...) sendo que (...) “decisivo é aqui o conteúdo mínimo da ideia de socialização, traduzida na prevenção da reincidência (...)”. No entanto, a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão não constitui uma (...) “mera faculdade em sentido técnico-jurídico, antes de um poder estritamente vinculado e portanto, nesta acepção de um poder-dever”. (...) Tudo depende, pois, (...)“da verificação in casu da totalidade dos pressupostos formais e materiais de que a lei faz depender a aplicação do instituto” (...), sendo que é (...)“pressuposto material da aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente (...), sendo que, (...) na formulação do aludido prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto (...)”. A este respeito convém ter presente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça  de 24/11/1993 (BMJ 467.º/438) onde se lê que “factor essencial à filosofia do instituto da suspensão da pena é a capacidade da medida para apontar ao próprio arguido o rumo certo no domínio da valoração do seu comportamento de acordo com as exigências do direito penal, impondo-se-lhe como factor pedagógico de contenção e auto responsabilização pelo comportamento posterior”, e, por isso “ para a sua concessão é necessária a capacidade do arguido de sentir essa ameaça da pena, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer a vontade de delinquir”. Este “juízo não [assenta] necessariamente (...) numa certeza, (...) bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização (em liberdade) do arguido[6]. No mesmo sentido, se pronunciou também Figueiredo Dias (obra acima citada) quando escreve que “o que aqui está em causa não é qualquer certeza, mas a esperança fundada de que a socialização possa ser lograda”.
Assim, atendendo à necessidade de ressocialização e à prevenção especial - finalidades da pena a que hoje se reconhece a primazia -, há que vislumbrar nas condições pessoais do arguido se o cumprimento de uma pena efectiva o irá trazer à sociedade e às regras da mesma, ou se antes esta se basta com a suspensão da pena, ou seja se uma reprovação pública inerente à pena suspensa e o castigo que ela envolve, aplicada num processo-crime e em audiência, satisfazem o sentimento jurídico da comunidade e, consequentemente, as exigências de prevenção geral de defesa da ordem jurídica.
Na formulação do juízo de prognose o Tribunal deverá correr um risco prudente pois que esta é apenas uma previsão, uma conjectura e não uma certeza. Por isso, se tem dúvidas sérias sobre a capacidade do agente para interiorizar a oportunidade de ressocialização que a suspensão é, a prognose deve ser negativa (Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, I Vol., 2ª Ed., 444).
Resulta do disposto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal que o pressuposto material (o pressuposto formal é a aplicação de pena de prisão não superior a 5 anos) da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão é a formulação pelo Tribunal de um juízo de prognose favorável ao agente, no sentido de que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão – acompanhadas ou não da imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova – realizarão de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
O juízo de prognose a realizar pelo Tribunal, elemento fundamental do funcionamento do instituto, parte da análise das circunstâncias do caso concreto – das condições de vida e conduta anterior e posterior do agente, conjugadas e relacionadas com a sua revelada personalidade –, operação da qual resultará como provável, ou não, que o agente sentirá a condenação como uma solene advertência, ficando a sua eventual reincidência prevenida com a simples ameaça da prisão (com ou sem imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova), para concluir ou não, pela viabilidade da sua socialização em liberdade.

No caso dos autos, o Tribunal recorrido fundamentou a não suspensão da execução da pena de prisão, nos seguintes termos (transcrição):
Estando verificado o requisito formal da suspensão da execução da pena (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos), há que indagar se ocorre o respetivo pressuposto material, isto é, se se pode concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, designadamente se bastarão para afastar o arguido da criminalidade, pois é esta a finalidade precípua do instituto da suspensão.
As finalidades que estão na base da suspensão da execução da pena de prisão consistem, no essencial, na reintegração plena do agente na sociedade através de um comportamento responsável e sem praticar crimes. Subjacente à suspensão da execução da pena de prisão está sempre um juízo de prognose favorável, traduzido numa expectativa fundada, mas assente num compromisso responsável com o condenado, de que a mera censura do facto e a ameaça da prisão sejam bastantes para que não sejam cometidos novos crimes.
Decorre do art.° 50.°, n.° 1, do Cód. Penal que a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos é suspensa se o Tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição em sentido próprio, uma vez que que o seu cumprimento é feito em liberdade e pressupõe a prévia determinação da pena de prisão, em lugar da qual é aplicada e executada.
Tem como pressuposto formal da sua aplicação que a medida da pena imposta ao agente não seja superior a cinco anos de prisão e como pressuposto material a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento daquele, em que o Tribunal conclua que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as respetivas circunstâncias, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 50.°, n.° 1 do Código Penal).
O juízo de prognose favorável reporta-se ao momento em que a decisão é tomada e pressupõe a valoração conjunta de todos os elementos que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, no sentido de que irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando o eventual cometimento de novos crimes prevenido com a ameaça da prisão, daí se extraindo, ou não, que a sua socialização em liberdade é viável.
A aplicação desta pena de substituição só pode e deve ter lugar quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, como decorre do mencionado art.° 50.° do Código Penal.
Circunscrevendo-se estas, de acordo com o art.° 40.° do Código Penal, à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, é em função de considerações de natureza exclusivamente preventivas – prevenção geral e especial – que o julgador tem de se orientar na opção ora em causa.
Na situação objeto dos autos, entende-se não dever substituir-se a pena de prisão aplicada por suspensão da sua execução, por a mesma não satisfazer de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, visto não ser possível efetuar um juízo de prognose favorável, atendendo aos antecedentes criminais do arguido e à natureza do seu comportamento, reveladora de uma total indiferença face às regras da convivência em sociedade, assim como às caraterísticas da sua personalidade. A negação da maioria dos factos demonstra uma ausência total de autorresponsabilização e de consciência do desvalor da sua conduta.  Acresce o facto de tal pena já ter sido aplicada, por crimes de natureza idêntica, não tendo surtido efeito, pois o arguido voltou a praticar os mesmos crimes (burla qualificada e falsificação de documento) na pendência precisamente dessa suspensão (e no mesmo ano do trânsito em julgado dessa condenação!) comportamentos ora em apreciação.
Cumpre, pois, aqui considerar, que o arguido não revelou arrependimento, negando os factos e, decorridos mais de 7 anos, não devolveu qualquer quantia à assistente. A falta de enquadramento profissional do arguido e as dificuldades económicas daí decorrentes para o respetivo agregado familiar constituem, por outro lado, poderosos criminógenos a fazerem aumentar as necessidades de prevenção especial colocadas pelo caso vertente.
 Desta forma, face ao comportamento do arguido, às características da sua personalidade e à sua postura em audiência, resulta que o arguido não se tem empenhado em interiorizar as regras de convivência em sociedade, não adaptando o seu comportamento às mesmas, tanto mais que voltou a praticar precisamente os mesmos crimes por que já tinha sido condenado há cerca de meio ano na pendência da pena suspensa que lhe foi aplicada naquela condenação.
Não pode o Tribunal efetuar qualquer juízo de prognose favorável quanto ao mesmo, bem pelo contrário, dado que as circunstâncias elencadas enfatizam que tal pena substitutiva não satisfará as necessidades da punição, não sendo eficaz, pois já não coibiu o arguido de praticar crimes idênticos, mostrando este não ser permeável a tal advertência.
Possui uma personalidade que não se deixa influenciar positivamente por aquele tipo de pena (suspensa na sua execução), uma vez que voltou a delinquir. Ou seja, não logrou a pena anteriormente aplicada incutir-lhe sentimento de responsabilização pelas condutas que decide assumir nem efetiva interiorização do desvalor das mesmas, apresentando falta de capacidade de reflexão quanto aos bens jurídicos colocados em causa nas suas condutas delituosas.
Existe risco elevado de, em liberdade, voltar o arguido a cometer os mesmos delitos, não se destacando elementos que permitam formular um juízo favorável quanto às virtualidades que a pena suspensa na sua execução poderia ter.
Tem, ainda, de se ter em conta as necessidades de prevenção geral face aos bens jurídicos em causa e cuja validade das normas que os protegem tem de ser reafirmada. São, assim, fortíssimas as necessidades de prevenção geral que exigem a aplicação de penas severas de modo a combater este modus operandi fraudulento que tem vindo a proliferar na sociedade, como forma de obtenção de rendimentos habituais, com o auxílio dos meios informáticos, sob pena da comunidade perder toda a confiança nas transações civis.
Em situação e sentido semelhantes, decidiu o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, no pr. n.º 1691/17.9T9BRG.G1, por acórdão datado de 20/02/2024, referente a decisão elaborada no JLC de Braga, J... (onde foram cometidos crimes de burla e falsificação de documento após o arguido ter sido já condenado em pena de prisão suspensa na sua execução pela prática dos mesmos crimes):
“É assim evidente que o arguido tem uma personalidade mal formada, com manifesta propensão para a prática de ilícitos típicos, com maior enfoque nas condutas burlonas e na falsificação de documentos, como evidente é também a indiferença com que o arguido encara a preservação dos bens que as normas violadas tutelam e a ameaça das respectivas sanções.
Como é ainda evidente que o arguido não compreendeu o sentido pedagógico e as verdadeiras oportunidades de ressocialização que constituíram as penas que lhe foram aplicadas antes de ter praticado os factos em apreço.
Sendo certo também, que não se vislumbra, antes pelo contrário, uma significativa interiorização do desvalor da conduta e assunção de culpa por parte do arguido, que nem sequer compareceu na audiência de discussão e julgamento, estando ausente em parte incerta.
O recorrente revela assim, uma personalidade mal formada, com propensão para a prática de comportamentos desviantes objetivados na prática de crimes contra o património e falsificação de documentos, sendo evidente a indiferença com que o arguido encara a preservação dos bens que as normas violadas tutelam e a ameaça das respectivas sanções.
Na verdade, o que os autos demonstram é que não compreendeu o sentido pedagógico e as verdadeiras oportunidades de ressocialização que constituíram quer a pena de multa, quer a pena de prisão suspensa na respetiva execução que lhe foram anteriormente aplicadas. Essas condenações não o levaram a repensar a sua vida e a adotar um comportamento consentâneo com a vida em sociedade e o respeito pelas regras legais e património alheio.
Num caso como o dos autos, em que o arguido já foi punido pela prática do mesmo tipo de crime, burla e falsificação, inclusive em pena de prisão suspensa na sua execução, a substituição da pena de prisão pela suspensão da respetiva execução não realizaria o fim visado pelo seu decretamento – a prevenção geral e especial –, pois o recorrente não perceciona a pena não privativa da liberdade como uma verdadeira sanção penal, não constituindo esta suficiente aviso e incentivo para evitar a prática de novos factos típicos, assim como não restabeleceria a confiança comunitária na validade da norma violada e na eficácia do sistema jurídico-penal por já ter sido aplicada e a sua ineficácia preventiva, para o arguido, se mostrar comprovada pela prática de novos crimes.
Conclui-se, pois, que a suspensão da execução da pena se mostra inadequada ao caso concreto pelo que inviabilizada fica a formulação de um juízo de prognose favorável, no sentido de que o sancionamento do arguido com uma pena de prisão suspensa na respetiva execução, bastaria para o afastar da prática de novos crimes e, portanto, realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição pelo que validamos o juízo feito pela 1ª instância”.
Atendendo a todo o acima exposto, conclui-se que só uma pena de prisão efetiva cumprirá as necessidades de prevenção, quer geral, quer especial, pelo que não se suspenderá a pena aplicada”.
O arguido foi condenado numa pena única de cinco anos pelo que se verifica em concreto o pressuposto formal de que depende a suspensão da pena de prisão – artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal.
Quanto ao pressuposto material.
No caso dos autos, olhando para os antecedentes criminais do arguido e principalmente para a condenação pela prática de crimes da mesma natureza, não é possível fazer um juízo de prognose como defende o recorrente.
Na verdade, o arguido praticou os factos aqui em causa, escassos meses depois de ter sido condenado numa pena de prisão suspensa na sua execução, o que evidencia de forma clara a sua indiferença perante o Direito e a Justiça. Aliás, o arguido praticou os factos em causa nestes autos, durante o período da suspensão da execução de uma pena de prisão, frustrando de forma clara, juízo de prognose que o Tribunal havia feito.
Como bem se escreve na decisão recorrida, o arguido revelou com a sua conduta, uma personalidade que “não se deixa influenciar positivamente por aquele tipo de pena (suspensa na sua execução), uma vez que voltou a delinquir”, uma personalidade “mal formada, com manifesta propensão para a prática de ilícitos típicos, com maior enfoque nas condutas burlonas e na falsificação de documentos”, sendo “evidente” a “indiferença com que o arguido encara a preservação dos bens que as normas violadas tutelam e a ameaça das respectivas sanções”.
Como também se concluiu na decisão recorrida, conclusão que subscrevemos, “o arguido não compreendeu o sentido pedagógico e as verdadeiras oportunidades de ressocialização que constituíram as penas que lhe foram aplicadas antes de ter praticado os factos em apreço”.
A tudo acresce o facto de não encontrarmos quaisquer motivos que nos levem a concluir em sentido contrário, quaisquer circunstâncias que nos permitam fazer um juízo de prognose favorável e que nos levem a concluir que é agora uma pessoa diferente que não se revê naquela que praticou os factos.
 Resulta, assim, que é manifesta a falta de razão do recorrente, mostrando-se inteiramente justificada a não suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado.
Em suma, face ao acima exposto conclui-se que não merece censura a decisão da primeira instância, devendo, por conseguinte, ser negado provimento ao recurso.    
*
C) Decisão:

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, decidem manter o acórdão recorrido.
*
Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 UCs a taxa de justiça devida – artigos 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a ele anexa.
*
Notifique.
*
Guimarães, 28 de Outubro de 2025 (o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos seus signatários – artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
*
Carlos da Cunha Coutinho (relator);
Júlio Pinto (1.º Adjunto);
Pedro Pinto (2.º Adjunto).


[1] O que é pacífico, tanto a nível da doutrina como da jurisprudência (cf. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113; bem como o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 7/95, de 19/10/1995 e ainda, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11/7/2019 (consultado em www.dgsi.pt); de 25/06/1998, in BMJ 478, pág. 242; de 03/02/1999, in BMJ 484, pág. 271; de 28/04/1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág. 193
[2] Como se entendeu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/10/2022 (processo n.º 538/22.9JALRA.C1, consultado em www.dgsi.pt), “os procedimentos processuais para a aquisição de meios de obtenção de prova digital são definidos consoante o tipo de crimes que se investigam e o tipo de dados que se pretenda obter”.
[3] Na verdade, como entendeu este Tribunal da Relação de Guimarães no Acórdão de 23/01/2024, embora a propósito de mensagens informáticas de diferente natureza, “a prova da titularidade da conta do Facebook e o conteúdo na mesma divulgado não obedece a qualquer principio de prova legal de natureza digital, a obter através da pesquisa de dados informáticos e sua apreensão, mas apenas submetido ao principio da livre apreciação da prova”.
No mesmo sentido de pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 08/05/2024, entendendo que “não é necessária a realização de prova pericial para comprovar a autoria de publicações em página da rede social Facebook”. Como se acrescenta neste último aresto, “não se nos afigura que seja necessária, no caso em apreço, a realização de uma prova pericial para comprovar que as reproduções impressas (“prints”) juntas aos autos correspondem a publicações da conta da rede social Facebook atribuída ao arguido, que esta não foi “pirateada” ou o perfil deste imitado, ou que essas reproduções sejam fruto de alguma falsificação e manipulação e que, portanto, sejam da autoria do arguido (e não de outra pessoa) essas publicações”. No mesmo sentido já se tinha pronunciado o Tribunal da Relação do Porto no Acórdão de 13/09/2017 (processo n.º 498/15.2GBPNF, consultado em www.dgsi.pt), entendendo que “a prova da titularidade da conta do Facebook e o conteúdo na mesma divulgado não obedece a qualquer principio de prova legal de natureza digital, a obter através da pesquisa de dados informáticos e sua apreensão, mas apenas submetido ao principio da livre apreciação da prova”.
[4] Há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e à lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade – cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04/02/2015 (processo n.º 42/13.6GCMBR.C1).
[5] Jurisprudência aplicável ao tribunal da Relação como se entendeu nos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 31-10-2019, processo n.º 989/17.0PZLSB.L1-9, do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2/10/2013, processo n.º 180/11.0GAVLP.P1 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 13/5/2019, processo n.º 348/18.7GAVLP.G1, todos disponíveis in www.dgsi.pt).
[6] (Neste sentido se pronunciou também o mesmo Supremo Tribunal, no Acórdão de 4/06/1997 (in BMJ 468.º/79 e seguintes)