DEBATE INSTRUTÓRIO
RENÚNCIA AO DIREITO DE ESTAR PRESENTE
DECISÃO INSTRUTÓRIA
VÍCIOS DECISÓRIOS DO ART. 410.º
N.º 2
DO CPP
INDÍCIOS SUFICIENTES
CRIME DE DIFAMAÇÃO
ADVOGADO
SUBSCRIÇÃO DE PEÇA PROCESSUAL
Sumário


I- O direito do arguido de estar presente no debate instrutório constitui um direito processual fundamental e, nessa medida, só um defensor habilitado com poderes especiais expressos para o efeito pode renunciar a este direito pessoalmente reservado ao arguido.
II- Os vícios decisórios do nº 2 do artigo 410º do CPP respeitam apenas à sentença ou acórdão, mas já não à decisão instrutória (despacho de pronúncia ou de não pronúncia).
III- A concretização do conceito de “possibilidade razoável” de condenação em ordem a aferir da suficiência de indícios traduz-se numa possibilidade mais positiva do que negativa: o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não tenha cometido ou quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.
IV- No caso de estar em causa a prática do crime de difamação alegadamente cometido por advogado através de peça processual por ele subscrita, se os factos descritos resultarem da autonomia técnica de que goza o advogado, a responsabilidade é exclusivamente do advogado e não também do seu cliente.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

1. No processo nº 100/23.9T9VPC, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Tribunal de Competência Genérica de Valpaços, em que são arguidos AA, BB, CC e DD e assistentes EE, por si e em representação da falecida FF,  e GG, todos com os demais sinais nos autos, tendo os assistentes deduzido acusação, que o Ministério Público declarou não acompanhar, os arguidos AA e DD requereram instrução, no final da qual foi proferido despacho de não pronúncia dos arguidos pela prática,  por cada um deles, de três crimes de injúria previstos e punidos pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal e três crimes de difamação previstos e punidos pelo artigo 183.º, n.º1, alíneas a) e b) do Código Penal e, em consequência, foi determinado o arquivamento dos autos.
2. Não se conformando com a mencionada decisão, dela interpuseram recurso os assistentes, formulando as seguintes conclusões (transcrição)[1]:
A) Em 13/01/2025 a Exm.ª Sr.ª Mandatária dos Arguidos BB e CC deu entrada em juízo de requerimento, assinado pela própria causídica, cujo teor se reporta à renúncia por estes Arguidos de estarem presentes do debate instrutório em 14/01/2025, o que na diligência em crise mereceu a oposição dos Recorrentes, com fundamento que tal requerimento se trata de acto pessoal e como tal, pese embora a procuração outorgada em 2021 à Mandatária dos Arguidos, deveriam ter sido os clientes e não a Sr. Advogada a assinar o requerimento.
B) Nos termos do art.º 300.º, n.º 3 do CPP, os Arguidos podem renunciar ao direito de estarem presentes no debate instrutório, porém, o requerimento que dirigem ao Tribunal para este efeito, ou é assinado pelo seu punho ou o Defensor/Mandatário que o assina tem que estar munido com poderes especiais expressos para o efeito – cfr. AC. TRP de 24/02/2010 exarado no processo n.º 17/05.9GALSB-A.P1 e acessível in www.dgsi.pt  - o que não se verifica nas procurações juntas aos autos de fls. __ com o requerimento expedido por e.mail datado de 03/12/2024.
C) Uma vez que o Tribunal a quo realizou o debate instrutório na ausência dos Arguidos BB e CC, sem que os mesmos tivessem assinado pelo seu punho o requerimento de renúncia a este direito, tão pouco tivessem outorgado procuração com poderes especiais para o efeito à Mandatária que assinou o requerimento, a diligência debate instrutório e os demais actos praticados posteriormente, nomeadamente o consequente despacho instrutório, são nulos, nulidade insanável que nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 119.º, al. c) do CPP é invocável a todo o tempo e que deve ser declarada oficiosamente em qualquer fase do processo, o que se requer os Venerandos Desembargadores se dignem declarar com todas as consequências legais.
D) Os Recorrentes deduziram acusação particular contra os Arguidos, pela prática, em comparticipação (art.º 26.º do CP) e na forma consumada, de 3 (três) crimes de difamação, p. e p. pelo art.º 180.º, n.º 1 do CP e 3 (três) crimes de injúria, p. e p. pelo art.º 181.º, n.º 1 do CP, por equiparação cfr. art.º 182.º do CP, sob a forma de “Calúnia” cfr. art.º 183.º/, 1, al. a) e al. b) do CP perpetrados na pessoa, na individualidade de cada um do aqui Recorrentes e da falecida FF, que não foi acompanhada pelo MP, todavia, sem lograr fundamentadamente especificar a razão de ciência de tanto no enquadramento fáctico jurídico normativo.
E) O teor da acusação particular encontra-se alicerçado nas expressões feitas constar por escrito na peça processual «Réplica», elaborada e deduzida nos autos de acção cível sob a forma de processo comum, no processo n.º 156/22.1T8VPC, que corre no Juízo de Competência Genérica de Valpaços, pelo Arguido Sr. Dr. DD, na qualidade de Advogado dos demais Arguidos, estes como Autores, em que no que respeita aos além Réus e aqui Recorrentes, se expressou o seguinte: 
«8. É com base neste engano (ou, dito de forma mais grotesca, com base nesta trafulhice*), que constitui a causa de pedir dos RR./Reconvintes*».
(…)
«14. Os RR./Reconvintes não podem socorrer-se deste tipo de expediente*».
(…)
«18. O que os RR./Reconvintes pretendem constitui uma impossibilidade legal.*»
 
F) O Arguido Sr. Dr. DD remeteu por via electrónica ao processo cível a «Replica», articulado dirigido à “Excelentíssima Senhora Juíza de Direito” e que notificou à Mandatária dos Réus aqui Recorrentes, que por dever de ofício, deu conhecimento da mesma aos seus constituintes e, os autos, foram movimentados pelos funcionários judiciais.
G) Declarada aberta a fase de instrução requerida pelos Arguidos, não foram requeridas a realização de quaisquer actos de instrução/diligências de prova, procedeu-se a debate e foi exarado despacho de não pronúncia dos Arguidos para julgamento, ordenando-se o arquivamento dos autos, sendo que o Tribunal a quo fundamentou de facto, grosso modo, o referido despacho ora recorrido, nos termos seguintes:
a)«compulsadas aquelas peças processuais, ao utilizar as expressões “engano” e “trafulhice”, o subscritor da réplica não se refere à pessoa dos assistentes, mas sim à alteração da área do prédio rústico e subsequente obtenção de licença de utilização.»;
b)«as expressões foram escritas numa peça processual, no exercício do mandato forense» (…) «em defesa dos interesses dos seus constituintes, pelo que se devem poder exprimir livremente» (…) «o arguido limita-se a exercer o direito ao contraditório» (…) «configura o mero exercício do direito de defesa dos seus constituintes» (…) «as expressões utilizadas estão ainda integradas no exercício do direito de crítica e de liberdade de expressão e opinião»;
c)«a utilização do vocábulo “trafulhice” configura a mera utilização de uma linguagem mais grotesca», (…) «intenção de crítica, com recurso à ironia», (…) «maior vigor linguístico»;
d)«as expressões “não podem socorrer-se deste tipo de expediente” e “o que os RR/Reconvintes pretendem constitui uma impossibilidade legal” configuram meras apreciações da conduta dos assistentes»;
e)os «demais arguidos, na medida em que são alheios à redação da peça processual apresentada pelo mandatário forense, não se pode imputar aos mesmos qualquer intenção de lesar a honra ou consideração dos assistentes».
H) A decisão recorrida enferma de contradição insanável na sua fundamentação, vício a que alude o art.º 410 n.º 2 al.ª b) do CPP, na medida em que, quanto à fundamentação transcrita nas alíneas a) e d) da conclusão “G”, contrariamente ao decidido, tais expressões são uma alusão à pessoa dos Recorrentes em si e não apenas ao procedimento de correcção de área de prédio que realizaram, uma vez que pelas regras da experiência comum e pelo natural acontecer, os sujeitos e as suas condutas são indissociáveis e, realizar o exercício exegético levado a cabo na fundamentação do despacho ora recorrido, salvo devido respeito, redunda em idiossincrasias paradoxais tais como p.e. “quem rouba não é ladrão”, “quem mata não é assassino”, “quem faz trafulhices não é trafulha”.
I) O mesmo vício se verifica na fundamentação da decisão recorrida nos segmentos transcritos na al. b) e al. c) da conclusão “G” que, na égide da defesa dos direitos dos clientes e no âmbito do exercício do direito de crítica e de liberdade de expressão e opinião ao Advogado tudo é permitido, nomeadamente, imputar aos Recorrentes que fazem “trafulhices”, usam “expedientes”, praticam “impossibilidades legais”.
J) Tendo em consideração o critério de homem médio perante a circunstância em concreto – p.e. os operadores judiciários intervenientes neste processo, mormente o Advogado autor das expressões – qual não deixaria de sem sentir ofendido na sua honra e consideração se tais expressões lhes fossem dirigidas? Ao contrário do decidido, a actuação de um Advogado num processo judicial, seja de forma escrita ou verbal, ainda que pautada pelo vigor e entusiasmo da defesa do cliente, acima de tudo tem que pautar-se pelas regras da urbanidade, da elevação e correcção, deve abster-se do ataque pessoal, alusão deprimente ou crítica desprimorosa, de fundo ou de forma. A conduta é padronizada por obediência a níveis de irrepreensibilidade, não devem ser admitidos a ironia, jocosidade, insinuações, insultos que, como nos do caso dos presentes autos, atinjam foros de maior gravidade, porque no exercício aguerrido do seu ofício, jamais deverá o Advogado olvidar, por um lado, que o grau de licenciatura e a cédula são duas licenças para por si, continuar a estudar e estar habilitado a formular conclusões jurídicas dos estudos dos assuntos, abstendo-se de desabafos desprimorosos e ofensivos. E, por outro lado, está a “actuar” nos Tribunais, que são órgãos jurisdicionais da maior solenidade, respeitabilidade, excelência e com pesada responsabilidade porque da actuação dos seus intervenientes, têm que emanar, de forma consolidada, para a sociedade civil, a preservação de valores e regras que garantam a salutar vivência em sociedade.
K) Uma vez que a conduta do Arguido Sr. Dr. DD de apor na peça processual Réplica aquelas expressões não era uma atuação nem necessária nem imprescindível para a defesa dos interesses legítimos do alegado direito de propriedade dos seus clientes na acção cível – os demais Arguidos – tão pouco, na fase dos articulados conseguia demonstrar a veracidade das imputações, uma vez que é na fase de audiência final que se produz prova, a sua actuação não encontra acolhimento nos termos do art.º 180.º, n.º 2, al. b) e art.º 181.º, n.º 2 ambos do CP.
L) E, a fundamentação da decisão recorrida transcrita supra a al. e) da conclusão “G” «demais arguidos, na medida em que são alheios à redação da peça processual apresentada pelo mandatário forense, não se pode imputar aos mesmos qualquer intenção de lesar a honra ou consideração dos assistentes» também não colhe, configura o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto (indiciariamente) provada – cfr. art.º 410.º, n.º 2, al. s) do CPP – tendo em conta que, compulsados os autos, verifica-se que, pelo menos os Arguidos BB e CC, nem sequer prestaram declarações em sede de inquérito nem na instrução e, com base nas meras declarações do Arguido seu Mandatário, o Tribunal não deveria, sem outros indícios, concluir que aqueles Arguidos são alheios à redação da peça processual, que a mesma não foi elaborada com as suas orientações, informações, juízos de valor, para se excluir quanto aos mesmos qualquer intenção de lesar a honra e consideração dos Recorrentes.
M) A fundamentação da decisão recorrida supra transcrita a conclusão “G” em rigor prende-se com o não preenchimento do elemento subjectivo dos tipos de crime imputados aos Arguidos na acusação particular e, reconhecendo, por um lado, o Tribunal a quo que a conduta do Arguido Sr. Dr. DD é pautada pelo recurso a linguagem grotesca, intenção crítica, ironia e, por outro lado, tendo o órgão jurisdicional deixado de atender à forma como foi realizada a divulgação das expressões difamatórias e injuriosas, as expressões em crise, são altamente lesivas do património moral dos Recorrentes desde logo na medida em que da mera leitura do ponto 8 da Réplica, verifica-se que são empregues a título de suspeita/insinuação e, realizadas de forma escrita e praticadas na plataforma eletrónica cítius dos Tribunais e impressas em papel no suporte físico dos autos, a sua divulgação mostra-se deveras facilitada e, além do mais, perpetua-se em arquivo eletrónico e em arquivo em papel, ficando disponível para quem o desejar consultar por longos e longos anos.
N) A acusação particular deduzida pelos Recorrentes cumpre os requisitos previstos nos art.ºs 283.º e 285.º do CPP, uma vez que os factos nela descritos são integradores dos elementos típicos, objectivo e subjectivo, de crimes contra a honra e cujo bem jurídico tem tutela constitucional no art.º 26.º, n.º 1 da CRP, bem como, nos termos do disposto no art.º 283.º, n.º 2 do CPP há no autos acervo indiciário suficiente da pratica dos factos denunciados ter sido praticada com dolo, pelo que, dos invocados critérios de: 1) indissociabilidade da pessoa dos Recorrentes relativamente às suas condutas; 2) dever acrescido que sobre o Arguido Advogado impende na elaboração de peça processual de o fazer com rigor, elevação, com um padrão de excelência por força do «palco» onde actua, o Tribunal, se tratar de órgão da maior solenidade no Estado de Direito Democrático e de se afigurar desnecessário o uso daquelas expressões para realizar a defesa cabal dos clientes; 3) meio de divulgação da peça processual e o seu arquivo em suporte electrónico e em papel durante várias décadas; deles resultar a possibilidade razoável de aos Arguidos vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança.
O) É certo que se vem entendendo, unanimemente, que nem todo o facto que envergonha e perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos art.ºs 180.° e 181.º do CP, tudo dependendo da «intensidade» da ofensa ou perigo de ofensa (uma vez que os crimes de difamação e de injúria são crimes de perigo). Porém, os factos imputados e os juízos de valor formulados são gravemente lesivos da honra e consideração dos Recorrentes. Ofendem o seu direito ao bom nome e reputação, um direito essencial que o art.º 26.º da CRP consagra e que é protegido quer pela lei penal, quer pela lei civil (art.ºs 483.º e 484.º do Código Civil – CC). 
P) E, é nítida a vontade do Arguido Sr. Dr. DD no âmbito do mandato forense que exerce para os demais Arguidos, em atingir os Recorrentes na sua honra e consideração – não que a lei exija o dolo específico nessa matéria – o que foi bem revelado no comportamento anómalo e kafkiano à salutar tramitação processual cível, o que demonstra a intenção perversa de efetivamente prejudicar e ofender directamente e junto de terceiros os Recorrentes, não obstante, o Arguido conhecer melhor, por força da profissão de Advogado que exerce, as consequências jurídicas e as implicações na vida dos Recorrentes, a verdade é que nem assim se coibiu de se expressar nos moldes em que o fez na «Réplica» sem qualquer propósito de “realizar o interesse público legítimo ou por qualquer outra justa causa” como salvaguarda no exercício de defesa dos interesses dos seus clientes quanto aos limites do seu alegado direito de propriedade na acção cível.
Q) Uma peça processual enviada para um processo judicial nos moldes elaborados pelo Arguido Sr. Dr. DD em representação dos seus clientes Autores da acção cível, os Arguidos AA, BB e CC, leva a que pelo menos o Magistrado titular do processo bem como os funcionários que o tramitam, possam indagar, ainda que sob a forma de suspeita, da idoneidade do Recorrentes Réus e da regularidade, justeza do procedimento de correção de área de prédio levado a cabo, que, contrariamente ao invocado pelo Arguido causídico não de se trata de um expediente e uma impossibilidade legal uma vez que encontra acolhimento legal em diversos diplomas legais – cfr. art.º 130.º do Código do IMI, art.º 58.º do Código do Notáriado, art.ºs 28.º, 28.º-A e 28.º C do Código de Registo Predial – o que os Arguido por força da sua formação académica nem sequer tem como ignorar.
R) As regras da Prudência, do Bom Senso, da Razoabilidade, do sentir da comunidade, das circunstâncias concretas onde se inserem os factos em causa, levam, necessariamente a concluir que os factos praticados pelo Arguido Sr. Dr. DD em representação dos seus clientes os Arguidos AA, BB e CC são gravemente lesivos da Honra e Consideração do Assistente e mais que: os Arguidos visaram enxovalhar os Recorrentes, atingi-los na sua dignidade pessoal e consideração social, tudo por forma a obter vantagem processual nos autos de acção cível.
S) A queixa crime teve que ser apresentada contra o Arguido Mandatário e contra os Arguidos clientes, em obediência ao princípio da indivisibilidade sob pena de, naquele momento, ignorando os Recorrentes se o Mandatário escreveu por si ou pelas orientações, informações, expressões transmitidas pelos clientes, olvidando-se queixarem-se os Recorrentes de algum destes quatro sujeitos, não podendo a queixa ser renovada por há muito ter decorrido o prazo a que alude o art.º 115.º, n.º 1 do CP quando o Arguido Dr. DD prestou declarações no inquérito, teria operado quanto aos demais Arguidos a extinção do direito de queixa e acusação particular contra os comparticipantes, mais sendo certo que, contrariamente ao decidido no despacho de não pronúncia, pelo facto do Arguido causídico ter assumido a autoria das expressões e eximido os demais Arguidos de tanto, uma vez que pelo menos os Arguidos BB e CC nem sequer foram ouvidos, por referência ao 283.º, n.º 2 do CPP. 
T) Pelo que devem os Arguidos serem pronunciados, em comparticipação (art.º 26.º do CP) e na forma consumada, cometeram de 3 (três) crimes de difamação, p. e p. pelo art.º 180.º, n.º 1 do CP e 3 (três) crimes de injúria, p. e p. pelo art.º 181.º, n.º 1 do CP, por equiparação cfr. art.º 182.º do CP, sob a forma de “Calúnia” cfr. art.º 183.º, n.º 1, al. a) e al. b) do CP perpetrados na pessoa, na individualidade de cada um do aqui Recorrentes e ainda da falecida FF.
U) Foram violadas, pelo menos, as disposições legais seguintes:
- art.º 283º, n.º 2 do CPP;
- art.º 308.º do CPP;
- art.º 180.º do CP; 
- art.º 181.º do CP;
- art.º 183.º do CP;  - art.º 26.º da CRP.
 
NESTES TERMOS e nos melhores de Direito que os Venerandos Desembargadores suprirão, deve a nulidade insanável invocada ser declarada com todas as suas consequências legais e, ainda, deve o Despacho de Não Pronúncia recorrido ser revogado e exarar-se decisão de pronúncia, para julgamento em processo comum e perante o Tribunal Singular, dos Arguidos: 
 
- AA, melhor id. nos autos;
- BB, melhor id. nos autos;
- CC, melhor id. nos autos, e; 
- DD, melhor id. nos autos,  pela prática, cada Arguido, em comparticipação (art.º 26.º do CP) e na forma consumada, de 3 (três) crimes de difamação, p. e p. pelo art.º 180.º, n.º 1 do CP e 3 (três) crimes de injúria, p. e p. pelo art.º 181.º, n.º 1 do CP, por equiparação cfr. art.º 182.º do CP, sob a forma de “Calúnia” cfr. art.º 183.º/, 1, al. a) e al. b) do CP perpetrados na pessoa, na individualidade de cada um do aqui Recorrentes e da falecida FF e, mais se admitir o pedido de indemnização cível por estes já deduzido contra aqueles, assim se fazendo JUSTIÇA!!!

3. O Ministério Público, na primeira instância, respondeu ao recurso interposto pelos assistentes, tendo concluído nos seguintes termos (transcrição):
1 - Os arguidos BB e CC tinham o direito se estar presentes em sede de debate instrutório – artigo 300.º, do Código de Processo Penal.
2 – Os arguidos declararam expressamente nos autos, através de declaração prestada pela Ilustre Mandatária, que renunciavam a estar presentes nessa diligência.
3 - Tiveram conhecimento da data de realização do debate instrutório, muito provavelmente, porque a mãe (arguida AA) lhes comunicou, e aqueles, exercendo um direito que lhes assiste, renunciaram ao direito de estar presentes.
4 – Os arguidos conferiram mandato à Ilustre Causídica, para os defender, mediante junção de procuração, e esta fez chegar aos autos a posição dos seus constituintes, ou seja, que renunciavam ao direito de estar presente na diligência.
5 - A este propósito veja-se o comentário ao artigo 300.º, do Código de Processo Penal  onde é referido em anotação “1. O arguido tem direito a estar pessoalmente presente no debate instrutório, sendo a impossibilidade de ele comparecer motivo de adiamento. Mas pode renunciar a esse direito (manifestando expressamente nos autos essa vontade, pessoalmente, ou por meio do seu defensor, sem necessidade de concessão de poderes especiais ) caso em que o debate não é adiado por sua falta, mesmo tratando-se da primeira marcação (n.º 3)”.
6 – Daí que, perfilhando o entendimento dos Exmos. Senhores Juízes Conselheiros, entendemos que a invocada nulidade deve ser julgada improcedente.
7 – No âmbito da acção cível que corre termos no Juízo de Competência Genérica de Valpaços, sob o n.º 156/22.1T8VPC, no dia 13/12/2022, o arguido DD, no exercício das suas funções profissionais, enquanto advogado, apresentou a peça processual “Réplica”, fazendo constar do texto de tal peça que:
- “8. É com base neste engano (ou dito de forma mais grotesca, com base nesta trafulhice), que constitui a causa de pedir dos RR/Reconvintes.”;
- “14. Os RR/Reconvintes não podem socorrer-se deste tipo de expediente.”;
- “18. O que os RR/Reconvintes pretendem constitui uma impossibilidade legal.”.
8 – As expressões consideradas injuriosas e difamatórias pelos assistentes (ofensivas e lesivas da honra) foram, e são, da única responsabilidade do arguido DD. E o texto foi por si elaborado e utilizado numa peça processual, em representação forense dos demais arguidos, como resposta à contestação/reconvenção dos aqui assistentes.
9 – Relativamente aos arguidos AA, BB e CC, porque são totalmente alheios à elaboração da peça processual apresentada pelo seu advogado, não se pode imputar aos mesmos qualquer intenção de lesar a honra ou consideração dos assistentes.
10 - E como bem sustenta a Mm.ª Juíza de Direito na douta decisão “Ora, no exercício do mandato forense, os advogados atuam em defesa dos interesses dos seus constituintes pelo que se devem poder exprimir livremente sem, naturalmente, deixar de agir com urbanidade e respeito pelos demais intervenientes processuais”.
11 - E analisadas as expressões - “14. Os RR/Reconvintes não podem socorrer-se deste tipo de expediente.” e “18. O que os RR/Reconvintes pretendem constitui uma impossibilidade legal.”, não vislumbramos qualquer teor ofensivo que lese a honra dos assistentes.
12 - E a expressão “8. É com base neste engano (ou dito de forma mais grotesca, com base nesta trafulhice), que constitui a causa de pedir dos RR/Reconvintes.”, não imputa quaisquer factos aos assistentes.
13 - Como bem salienta a Mm.ª Juíza de Direito nesta sede “ Conforme já se antecipou, do excerto transcrito, não se extrai que o arguido se refira à pessoa dos assistentes mas apenas à atuação dos mesmos, concretamente à alteração da área do prédio com vista à obtenção da licença de construção. Por outro lado, a utilização do vocábulo “trafulhice” configura a mera utilização de uma linguagem mais grotesca, conforme expresso pelo próprio arguido DD na réplica por si subscrita, o que revela a intenção de crítica, com recurso à ironia. Efetivamente, o excerto transcrito demonstra maior vigor linguístico, porém, do mesmo não se extrai qualquer afetação do núcleo essencial do direito à honra e consideração dos assistentes.”
14 - Portanto, a nosso ver, a actuação do arguido DD, configura um mero exercício do direito de defesa dos seus clientes, aliás, o próprio arguido em inquérito referiu que nem conhecia os assistentes, e que não teve qualquer intenção de ofender.
15 - Não se extrai da peça processual qualquer outro desígnio que não seja contestar os factos alegados pelos assistentes em sede de processo cível.
16 - Nessa medida, após análise critica dos elementos existentes nos autos, e tendo presente o conceito de indícios suficientes, a manterem-se em julgamento estes “indícios” /
“prova” resulta a forte convicção, ou melhor, a firme certeza, que nos conduziria a uma absolvição em julgamento.
17 – Entendemos, pois, que os arguidos não devem ser pronunciados, pelo que bem andou o Tribunal ao proferir despacho de não pronúncia.
18  - Assim, também nesta parte, deverá improceder o recurso.
 
Face ao exposto, não nos merece qualquer crítica a douta decisão recorrida, devendo, a nosso ver, se mantido o despacho de não pronúncia.
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, e salvo melhor opinião, a decisão recorrida não é passível de censura e deverá ser mantida.
 
Contudo, V.ªs Ex.ªs farão, como sempre, JUSTIÇA!!!

4. Os arguidos responderam ao recurso, tendo concluído, pedindo que seja  confirmado “por, formalmente, correcto e, substancialmente, justo, o douto despacho de não pronúncia, que, de forma insustentada, os recorrentes pretendem colocar em crise.”
5. Nesta instância, o Exmo. Senhor Procurador - Geral Adjunto emitiu parecer, tendo concluído no sentido de que o recurso não merece provimento.
6. Cumprido que foi o disposto no artigo 417º nº2 do CPP, os recorrentes responderam ao parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto, manifestando a sua discordância relativamente ao mesmo e pugnando pelos fundamentos do recurso.
7. Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1. Objeto do recurso
O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso[2] do tribunal, cfr. artigos 402º, 403º, e 412º, nº 1 do CPP.
Assim, as questões a decidir, tal como se encontram delimitadas pelas respetivas conclusões, consiste em saber se:
- Ocorre nulidade insanável do artigo 119º al. c) do CPP, pelo facto de os arguidos BB e CC não terem estado presentes no debate instrutório, os quais renunciaram ao direito de estar presentes, através do seu defensor constituído, sem poderes especiais para o ato;   
-  A decisão recorrida está inquinada dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão do artigo 410º, nº 2 als. a) e b) do CPP;
- Os factos imputados estão suficientemente indiciados relativamente a todos os arguidos; e se
- Os factos indiciados integram o elemento objetivo do tipo legal de crime de injúria /difamação. 

 2. A decisão recorrida (despacho de não pronúncia),  tem o seguinte teor (transcrição):
= Decisão Instrutória =
Declara-se encerrada a instrução.

***
I| Relatório

Nos presentes autos, finda a fase de inquérito EE, por si e em representação da falecida assistente FF e GG deduziram acusação particular contra os arguidos AA, BB, CC e DD, imputando-lhes a prática de factos que consideram consubstanciar três crimes de injúria previstos e punidos pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal e três crimes de difamação previstos e punidos pelo artigo 183.º, n.º1, alíneas a) e b) do Código Penal.
O Ministério Público não acompanhou a acusação particular deduzida.
Os arguidos AA e DD requereram a abertura de instrução.
Para tanto, a arguida AA alega ser alheia às expressões utilizadas pelo seu ilustre mandatário, inexistindo factos que lhe permitam imputar, a si e aos seus filhos, os arguidos BB e CC, os crimes em apreço, pugnando pela prolação de despacho de não pronúncia.
Já o arguido DD alega que não agiu qualquer intenção de ofender a honra dos assistentes, na medida em que atuava no exercício do mandato forense que lhe foi conferido, tendo-se limitado a qualificar a situação relatada pelos assistentes em sede de ação cível, peticionando que seja proferido despacho de não pronúncia.
Foi proferido despacho de admissão da fase de instrução.
Já depois da aberta a fase de instrução os arguidos BB e CC requereram a abertura de instrução e requereram a realização do debate instrutório na sua ausência, prescindindo do direito que lhes assiste, a estarem presentes.
Os requerimentos de abertura de instrução formulados por estes arguidos foram indeferidos por extemporaneidade.
Não tendo sido requerida a realização de quaisquer atos de instrução/diligências de prova.
O tribunal determinou a junção de certidão da contestação e réplica apresentadas no âmbito do Processo n.º 156/22.1T8VPC.
 Procedeu-se a debate instrutório com observância das formalidades legais.
***
II| Saneamento

O Tribunal é competente.
Os arguidos têm legitimidade para requerer a abertura de instrução e nada obsta a que os mesmos sejam demandados criminalmente.
Inexistem quaisquer questões prévias, nulidades ou exceções de que cumpra conhecer e que impeçam a prolação de decisão instrutória.
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III| Fundamentação jurídica e factual

Em conformidade com o disposto no artigo 286.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a instrução é uma fase processual com carácter facultativo e que visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
Se até ao encerramento de instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos ou, caso contrário, profere despacho de não pronúncia (Cf. Artigo 308.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
Quanto ao conceito de indícios suficientes importa convocar o artigo 283º, nº 2 do Código de Processo Penal, segundo o qual “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.
Do exposto resulta que haverá lugar à prolação de despacho de pronúncia quando for possível efetuar um juízo seguro acerca da verificação dos pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança.
Trata-se de um juízo diferente do juízo de certeza exigido ao juiz na condenação, no entanto, impõe-se que, face à prova existente em inquérito ou na instrução, e caso a mesma seja apreciada em audiência de julgamento, seja possível concluir por uma probabilidade razoável de condenação.
Por outras palavras, os indícios serão suficientes quando os elementos de facto trazidos ao processo pelos meios probatórios, livremente analisados e apreciados, criam a convicção de que, a manterem-se em julgamento, terão probabilidades sérias de conduzir a uma condenação do arguido pelo crime que lhe é imputado, na medida em que, logicamente relacionados e conjugados, formam um todo persuasivo da culpabilidade do arguido
Porém, não se pode descurar que a instrução não consiste num julgamento antecipado, mas antes uma fase prévia ao julgamento que se basta com a prova indiciária dos factos em investigação, pois a sua finalidade prende-se, como já referido, com a comprovação judicial da decisão do Ministério Público aquando do encerramento do inquérito.
Está em causa o princípio in dúbio pro reo, consagrado no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, que se manifesta em todas as fases processuais, como também pelo especial estigma associado à mera submissão a julgamento de um indivíduo. Deste modo, um arguido deve somente ser sujeito a julgamento quando se verifica um patamar qualificado de possibilidade de condenação.
Fixadas as diretrizes legais que devem estar na base da prolação da decisão instrutória, importa apurar se em face de todos os elementos constantes dos autos, os quais se consubstanciam na prova concretamente recolhida até ao momento, se indicia suficientemente a prática pelos arguidos dos factos que lhe são imputados na acusação particular.
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Os assistentes imputam, a cada um dos arguidos a prática de três crimes de injúria previstos e punidos pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal e três crimes de difamação previstos e punidos pelo artigo 183.º, n.º1, alíneas a) e b) do Código Penal.
Resulta indiciado que, os arguidos AA, BB, CC, representados pelo aqui arguido, DD, advogado, intentaram uma ação cível contra os assistentes.
No âmbito da tramitação do sobredito processo cível, que corre termos neste Juízo de Competência Genérica sob o n.º 156/22.1T8VPC, em 13/12/2022, o arguido DD, no exercício das suas funções profissionais, apresentou Réplica, constando daquela peça processual que “8. É com base neste engano (ou dito de forma mais grotesca, com base nesta trafulhice), que constitui a causa de pedir dos RR/Reconvintes.”; “14. Os RR/Reconvintes não podem socorrer-se deste tipo de expediente.” e “18. O que os RR/Reconvintes pretendem constitui uma impossibilidade legal.”.
Cumpre referir que, os pontos transcritos da réplica, o subscritor daquela peça processual se refere à alteração da área de um prédio efetuada pelos assistentes e à obtenção de licença de construção.
Com efeito, em sede de contestação/reconvenção apresentada no âmbito do processo n.º 156/22.1T8VPC, os aqui assistentes referem que procederam à retificação da área do prédio em discussão naqueles autos porquanto o município exige a área de 500 metros2 para emissão de licença [pontos 180 a 184 da contestação /reconvenção].
Nessa sequência foi apresentada a sobredita réplica, de cuja leitura integral se conclui que os pontos supra transcritos configuram a resposta dos autores na ação cível (aqui arguidos) aos pontos, elencados no paragrafo que antecede, da contestação apresentada pelos ora assistentes (réus na ação cível).
Entendem os assistentes que, com a utilização do vocábulo “trafulhice” o arguido DD quis formular um juízo de valor ofensivo da honra dos assistentes.
Por outro lado, entendem os assistentes que ao referir “não podem socorrer-se deste tipo de expediente.” e “pretendem constitui uma impossibilidade legal”, o arguido DD agiu com o propósito de imputar factos falsos aos Assistentes na medida em que a correção da área de um prédio não se trata de um expediente nem configura uma impossibilidade legal.
Nas declarações prestadas em fase de inquérito, os assistentes EE e GG, declaram ter conhecimento de factualidade constante da réplica por intermédio da sua ilustre mandatária.
O arguido DD foi interrogado no decurso do inquérito, tendo declarado que nunca foi sua intenção dirigir qualquer tipo de expressões aos denunciantes, nem atingir a sua honra e consideração e que o articulado junto aos autos é uma mera resposta ao articulado dos aqui assistentes.
A arguida AA, em sede de interrogatório realizado em fase de inquérito, referiu não ter qualquer conhecimento dos factos que lhe são imputados.
Os crimes imputados aos arguidos têm como bem jurídico protegido a honra e consideração social que a todos é devida, o que se coaduna com a proteção constitucional do direito ao bom nome, à reputação e à imagem (artigo 26.º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa) e, com a tutela geral da personalidade consagrada nos artigos  25.º e 70.º, do Código Civil.
Cabe ainda referir que a diferença que existe entre os crimes de injúria e difamação se prende com a forma como a honra é afetada, sendo que no crime de injúria o agente do crime se dirigir diretamente à pessoa que visa atingir e no crime de difamação se atinge a vítima através de terceiros.
Sustentam os assistentes que cada uma das expressões constantes dos pontos 8, 14 e 18 da réplica, acima transcritas, configura, simultaneamente, um crime de difamação e injúria pelo que imputam a cada um dos arguidos, a prática de três crimes de difamação e três crimes de injúria.
Para aferir do teor desonroso de uma afirmação, é necessário apreciar meticulosamente o caso concreto até porque sendo o Direito Penal um direito de ultima ratio, não deve intervir apenas porque a linguagem utilizada incomoda ou fere suscetibilidades. Pelo contrário, atento ao princípio da intervenção mínima, só haverá tutela penal quando o núcleo essencial do direito à honra for atingido.
No caso em apreço as expressões consideradas injuriosas e difamatórias pelos assistentes, foram utilizadas em sede de réplica subscrita pelo arguido DD, em representação forense dos demais arguidos, como resposta à contestação/reconvenção dos aqui assistentes.
Acontece que, compulsadas aquelas peças processuais, ao utilizar as expressões “engano” e “trafulhice”, o subscritor da réplica não se refere à pessoa dos assistentes, mas sim à alteração de área do prédio rústico e subsequente obtenção de licença de construção. Com efeito o ilustre causídico aqui arguido qualifica a situação em litígio e não as partes.
Por outro lado, não podemos olvidar que as expressões em causa foram escritas numa peça processual, no exercício do mandato forense, em resposta a factos alegados pelos aqui assistentes.
Ora, no exercício do mandato forense, os advogados atuam em defesa dos interesses dos seus constituintes pelo que se devem poder exprimir livremente sem, naturalmente, deixar de agir com urbanidade e respeito pelos demais intervenientes processuais.
A este propósito, sufragamos o entendimento expresso pelo Tribunal da Relação de Évora em aresto datado de 08/11/2022, no sentido de que “em sede de criação artística ou de debate político, há agressões típicas da honra que, não obstante, se tornam irrelevantes por força da liberdade de expressão. E por maioria de razão quando tal liberdade é exercida no âmbito do mandato forense.” (sublinhado nosso)[3].
Também Aberto dos Reis entendia que “a livre atuação do Advogado no exercício do patrocínio forense é uma exigência do Estado de Direito e reveste indiscutível interesse público. Por isso, deverá «reconhecer-se ao advogado a liberdade de dizer, por escrito ou oralmente, tudo o que for necessário à defesa da causa que lhe está confiada” e admitir-se que há circunstâncias em que se compreende e justifica um certo vigor de linguagem” (sublinhado nosso)[4].
Ora, ao referir que “8. É com base neste engano (ou dito de forma mais grotesca, com base nesta trafulhice), que constitui a causa de pedir dos RR/Reconvintes.”; “14. Os RR/Reconvintes não podem socorrer-se deste tipo de expediente.” e “18. O que os RR/Reconvintes pretendem constitui uma impossibilidade legal.”, o arguido limita-se a exercer o direito ao contraditório dos seus constituintes em face do alegado em sede de contestação/reconvenção.
Conforme já se antecipou, do excerto transcrito, não se extrai que o arguido se refira à pessoa dos assistentes mas apenas à atuação dos mesmos, concretamente à alteração da área do prédio com vista à obtenção da licença de construção.
Por outro lado, a utilização do vocábulo “trafulhice” configura a mera utilização de uma linguagem mais grotesca, conforme expresso pelo próprio arguido DD na réplica por si subscrita, o que revela a intenção de crítica, com recurso à ironia. Efetivamente, o excerto transcrito demonstra maior vigor linguístico, porém, do mesmo não se extrai qualquer afetação do núcleo essencial do direito à honra e consideração dos assistentes.
Já as expressões “não podem socorrer-se deste tipo de expediente.” e “o que os RR/Reconvintes pretendem constitui uma impossibilidade legal” configuram meras apreciações da conduta dos assistentes, não se vislumbrando que as mesmas lesem a honra dos mesmos.
Por todo o exposto, entendemos que a atuação do arguido DD, configura o mero exercício do direito de defesa dos seus constituintes, no âmbito do mandato forense que lhe foi conferido, sendo que não se extrai da réplica qualquer outra intenção que não seja contestação / impugnação dos factos alegados pelos assistentes no âmbito do processo cível. Com efeito, as expressões utilizadas estão ainda integradas no exercício do direito de crítica e de liberdade de expressão e opinião, e, como tal, não se vislumbra que o arguido tenha atuado com o intuito de ofender a honra ou consideração dos assistentes.
No que concerne aos demais arguidos, na medida em que são alheios à redação da peça processual apresentada pelo seu mandatário forense, não se pode imputar aos mesmos qualquer intenção de lesar a honra ou consideração dos assistentes.
Assim, após análise critica dos elementos existentes nos autos e fazendo um juízo de prognose é de antever que, se submetida a causa a julgamento, as probabilidades de condenação dos arguidos pelos factos narrados na acusação particular são remotas, o que obsta à sua pronúncia.
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IV| Decisão

Em face do supra exposto, não existindo nos autos indícios suficientes de que os arguidos tenham praticados os ilícitos que lhes são imputados na acusação particular, de harmonia com o disposto no artigo 308.º, n.º 1, 2.ª parte do Código de Processo Penal decide-se NÃO PRONUNCIAR os arguidos AA, BB, CC e DD pela prática, por cada um deles, de três crimes de injúria previstos e punidos pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal e três crimes de difamação previstos e punidos pelo artigo 183.º, n.º1, alíneas a) e b) do Código Penal e, em consequência, determina-se o arquivamento dos autos.
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Custas devidas pelos assistentes no montante de 2 UC’s (duas unidades de conta) - cfr. art. 515.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal.
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Notifique.

3- Apreciação do recurso

3.1-  Os recorrentes suscitam verificar-se a nulidade insanável do artigo 119º al. c) do CPP, porquanto:
“Uma vez que o Tribunal a quo realizou o debate instrutório na ausência dos Arguidos BB e CC, sem que os mesmos tivessem assinado pelo seu punho o requerimento de renúncia a este direito, tão pouco tivessem outorgado procuração com poderes especiais para o efeito à Mandatária que assinou o requerimento, a diligência debate instrutório e os demais actos praticados posteriormente, nomeadamente o consequente despacho instrutório, são nulos, nulidade insanável que nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 119.º, al. c) do CPP é invocável a todo o tempo e que deve ser declarada oficiosamente em qualquer fase do processo, o que se requer os Venerandos Desembargadores se dignem declarar com todas as consequências legais.”, cf. conclusão C.
Vejamos.
Os recorrentes claramente se equivocaram, porquanto partem do pressuposto de que era obrigatória a presença dos arguidos no debate instrutória.
Nos termos do disposto na norma que invocam, ou seja, o artigo 119º al. c) do CPP, constitui nulidade insanável “a ausência do arguido nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência”.
Ora, a verdade é que a lei não exige a comparência do arguido no debate instrutório.  De facto, nos termos do disposto no artigo 289.º, n.º 1, “a instrução é formada pelo conjunto dos atos que o juiz entenda levar a cabo e, obrigatoriamente, por um debate instrutório, no qual podem participar o Ministério Público, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado…”. Ou seja, o arguido pode, isto é, tem a faculdade ou o direito de estar presente no debate instrutório, sendo que o que é obrigatório é apenas a realização do debate instrutório.
Aliás, no caso em apreço, nem sequer a Exma. Juiz de Instrução considerou necessária a presença dos referidos arguidos no debate instrutório, cfr. artigo 293 do CPP. Repare-se que a instrução foi requerida na sequência de acusação deduzida pelos assistentes e teve lugar, somente porque os arguidos AA e DD a requereram, mas já não pelos arguidos ausentes no debate instrutório. Por esta ordem de razões, estes arguidos não tinham o dever de comparecer.
O que se passou foi que os referidos arguidos efetivamente não compareceram no debate instrutório, tendo estado presente o seu defensor constituído, o qual informou que os arguidos renunciavam ao direito de estarem presentes no debate instrutório, sem que, no entanto, dispusesse de poderes especiais expresso para, em sua representação, efetuar tal renúncia.  
Sucede que, nos termos do nº 1, alíneas a) e f), do artigo 61º, do CPP, o arguido goza dos direitos de estar presente aos atos processuais que diretamente lhe disserem respeito e de ser assistido por defensor em todos os atos processuais em que participar, sendo que o defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que ela reservar pessoalmente a este. cfr. artigo 63º, nº 1, do mesmo diploma.

Ora, entre os direitos pela lei reservados pessoalmente ao arguido, encontra-se o de estar presente no debate instrutório consagrado no nº 3, do artigo 300º do CPP.
Trata-se de um direito processual fundamental e, nessa medida, só um defensor habilitado com poderes especiais expressos para o efeito pode exercer este direito pessoalmente reservado ao arguido. Neste sentido, vide Paulo Albuquerque, Comentário do Código do Processo Penal, UCP, anotação ao artigo 63º; Figueiredo Dias e Nuno Brandão, Direito Processual Penal, Os Sujeitos Processuais, Gestlegal, pág. 288; e, na jurisprudência, vide o Ac. RP de 24.02.2010, processo 17/05.9GALSB-A.P1, disponível em www.dgsi.pt, mas contra Maia Costa, in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 4º ed. rev., pág. 985
Porém, não prevendo a lei que a renuncia ao direito do arguido de estar presente no debate instrutório efetuada por parte do seu defensor sem poderes especiais para o ato constitua uma nulidade e, estando consagrado no Código de Processo Penal o princípio da legalidade em matéria de nulidades, o ato praticado (renúncia do direito do arguido de estar presente no debate instrutório sem poderes expressos do defensor constituído) constituiu uma irregularidade, que por não ter sido arguida no próprio ato do debate instrutório encontra-se sanada, cfr. artigos 118º, nºs 1 e 2 e 123º, nº 1, ambos do CPP.
Por conseguinte, improcede este segmento do recurso.

3.2-  Os recorrentes alegam que a decisão recorrida (despacho de não pronúncia) está inquinada dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, e de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão do artigo 410º, nº 2 als. a), b) e c) do CPP.  
Vejamos se lhes assiste razão.
Os vícios do nº 2 do artigo 410º do CPP são vícios de confeção da sentença final ao nível da matéria de facto considerada como provada ou não provada apurada na sequência da realização de um julgamento com imediação, oralidade e contraditório, os quais terão de resultar do texto da decisão, por si, ou conjugadamente com as regras da experiência comum.
Os referidos vícios sendo próprios da sentença, reportando-se a factos provados e não provados, não se aplicam à decisão instrutória prevista no artigo 307º do CPP, na qual apenas se pode concluir factos suficientemente indiciados e factos não suficientemente indiciados. Neste sentido, vide v.g. Ac. STJ de 20.06.2002, processo 01P4250, e Ac. RL 03.04.2019, processo 3106/18.6T9LSB.L1-9, e a jurisprudência neste último citada, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Porque os aludidos vícios têm de resultar do texto da sentença por si ou conjugadamente com as regras da experiência comum, no recurso em que sejam invocados fica excluída a análise de quaisquer elementos externos à decisão, ainda que constem do processo.
A verdade, porém, é que a apreciação em recurso de uma decisão instrutória, com vista ao apuramento da suficiência dos indícios não pode deixar de incluir toda a prova indiciária existente no processo e não apenas a referida na decisão instrutória recorrida com vista à prolação de despacho de pronúncia ou de não pronúncia. Como bem se refere no Ac. RP de 22.04.2015, processo 9459/12.2TAVNG.P1, “…os vícios do artº 410º nº 2 do CPP têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência, sendo que na apreciação do recurso da decisão instrutória, pelo contrário impõe-se a análise de todos os elementos indiciários constantes dos autos em sede de inquérito e instrução, para se poder retirar ou não a conclusão sobre a suficiência dos mesmos.”.
Em caso de recurso de sentença ou acórdão finais, a impugnação da matéria de facto, seja por via da invocação dos vícios do nº 2 do artigo 410º do CPP, seja através da impugnação ampla  cujas regas de invocação se encontram previstas no artigo 412º, nºs 3 e 4 do CPP, ao Tribunal da Relação, que conhece de facto e de direito, em conformidade com o disposto no artigo 428º do CPP, enquanto tribunal de recurso, pede-se que se pronuncie sobre os concretos pontos especificamente indicados pelo recorrente relativos ao mérito da decisão sobre matéria de facto proferida pelo tribunal de primeira instância, que sobre ela decidiu.
Por forma diversa, na decisão instrutória (de pronúncia ou de não pronúncia), o tribunal de primeira instância é chamado a pronunciar-se sobre a suficiência ou insuficiência dos indícios por forma a sujeitar ou não o arguido a julgamento, nos termos do disposto no artigo 308º do CPP. E, em caso de recurso, o Tribunal da Relação reavalia a suficiência ou insuficiência desses indícios, reexaminando amplamente todas as provas constantes dos autos. Contudo, como bem se salienta no Ac. RP de 19.10.2022, processo 16113/17.7T9PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt, ”..não compete ao Tribunal da Relação apreciar os factos apurados e substituir-se ao tribunal de 1ª Instância na prolação de despacho de pronúncia ou não pronúncia mas apenas, por força do recurso, com a base indiciária recolhida, corroborada ou não por outros elementos de prova, decidir se, no seu conjunto, são suficientes ou insuficientes para a prolação de um despacho de pronúncia ou não pronúncia a levar a efeito sempre em primeira instância.”
Mas, se ainda assim subsistissem dúvidas de que os aludidos vícios decisórios respeitam apenas à sentença ou acórdão, elas seriam dissipadas em face da consequência que a lei retira da sua verificação no caso de não ser possível decidir da causa, que é o reenvio do processo para novo julgamento, em conformidade com o disposto nos artigos 426º e 426º A do CPP, o que pressupõe que os vícios tenham resultado de um julgamento anterior e não de diligências realizadas nas fases preliminares do processo (inquérito e instrução).
Acresce que, como diz Vinício Ribeiro[5], referindo-se à questão aqui em apreço, “As provas recolhidas nesta fase (inquérito ou instrução) não constituem pressuposto da decisão de mérito, mas de mera decisão processual quanto à prossecução do processo, até á fase de julgamento”.
Por conseguinte, no caso vertente é descabida a invocação dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, de erro notório na apreciação da prova e de contradição insanável, não estando também o recorrente obrigado a cumprir os ónus da vulgarmente designada impugnação ampla da matéria de facto, previsto no artigo 412º, nº 3 e 4 do CPP, uma vez que a decisão recorrida não constitui uma sentença ou acórdão, mas um despacho de não pronúncia, com fundamento, nomeadamente, em que os indícios foram erradamente apreciados.
De forma que, e porque a questão vem colocada pelos recorrentes, iremos sindicar a decisão recorrida no que concerne à indiciação dos factos, seguindo o entendimento que acabamos de expor.

3.3- No sentido de fundamentar a indiciação / imputação dos factos relativamente a todos os arguidos, concluíram os recorrentes no sentido de que:  

“S) A queixa crime teve que ser apresentada contra o Arguido Mandatário e contra os Arguidos clientes, em obediência ao princípio da indivisibilidade sob pena de, naquele momento, ignorando os Recorrentes se o Mandatário escreveu por si ou pelas orientações, informações, expressões transmitidas pelos clientes, olvidando-se queixarem-se os Recorrentes de algum destes quatro sujeitos, não podendo a queixa ser renovada por há muito ter decorrido o prazo a que alude o art.º 115.º, n.º 1 do CP quando o Arguido Dr. DD prestou declarações no inquérito, teria operado quanto aos demais Arguidos a extinção do direito de queixa e acusação particular contra os comparticipantes, mais sendo certo que, contrariamente ao decidido no despacho de não pronúncia, pelo facto do Arguido causídico ter assumido a autoria das expressões e eximido os demais Arguidos de tanto, uma vez que pelo menos os Arguidos BB e CC nem sequer foram ouvidos, por referência ao 283.º, n.º 2 do CPP. 
T) Pelo que devem os Arguidos serem pronunciados, em comparticipação (art.º 26.º do CP) e na forma consumada, cometeram de 3 (três) crimes de difamação, p. e p. pelo art.º 180.º, n.º 1 do CP e 3 (três) crimes de injúria, p. e p. pelo art.º 181.º, n.º 1 do CP, por equiparação cfr. art.º 182.º do CP, sob a forma de “Calúnia” cfr. art.º 183.º, n.º 1, al. a) e al. b) do CP perpetrados na pessoa, na individualidade de cada um do aqui Recorrentes e ainda da falecida FF.”
Segundo estabelece o nº 1 do artigo 308º do C.P.P., “Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”.
O artigo 283º, nº 2 do C.P.P. - aplicável à instrução, por força do nº 2 do artigo 308º mesmo código – diz que “Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.
Em face dos dizeres da lei, o conceito legal de “indícios suficientes” deverá ser extraído, segundo os princípios porque se rege o processo penal, dos dizeres da lei “possibilidade razoável” de condenação em julgamento.
Assim, tratando-se, segundo a própria letra da lei, de uma “possibilidade razoável”, isso quer dizer que, nas fases de inquérito e de instrução, não se exige o mesmo grau de certeza na apreciação da prova ou dos indícios que é exigível, em julgamento, para fundamentar uma condenação.
Com efeito, como se refere no Ac. STJ de 09.04.2015, processo 5/13.1TRGMR.S1, acessível em wwwdgsi.pt “A suficiência de indícios, em sede de inquérito e de instrução, tem de ser vista em função da natureza preparatória e instrumental dessas fases do processo relativamente à fase de julgamento. Uma coisa é haver indícios suficientes para levar o arguido a julgamento, outra é eles serem suficientes para condenar o arguido”.
Todavia, “possibilidade razoável” não quer significar que basta uma mera possibilidade, ainda que mínima, de futura condenação em julgamento.
O Prof. Figueiredo Dias[6], ainda no âmbito do código de processo penal anterior ao vigente, defendida que «… os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição.»     
A doutrina[7] e a jurisprudência[8] têm vindo a concretizar o conceito de  “possibilidade razoável” como uma possibilidade mais positiva que negativa: o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não tenha cometido ou quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.
Assim, como se refere no Ac RP de 07.7.2010[9], “É sabido que existem algumas diferenças de entendimento sobre o juízo de indiciação suficiente. Há quem se baste com a bitola da probabilidade predominante - os indícios são suficientes quando a possibilidade de futura condenação for mais provável (mais de 50% de possibilidades) do que a possibilidade de absolvição, tese que, de forma explícita ou implícita, colhe o apoio de grande parte da jurisprudência. Por outro lado, uma orientação mais exigente (porventura mais compatível com o princípio da presunção de inocência e outros princípios do processo penal) afirma o critério da possibilidade particularmente qualificada, em que os diversos elementos de prova, relacionados e conjugados, fazem nascer uma convicção de alta probabilidade de que o arguido, em julgamento, será condenado”.
Acresce que, como bem se salienta no Ac. STJ de 28.06.2006, processo 06P2315, acessível em www.dgsi.pt «A simples sujeição de alguém a julgamento, mesmo que a decisão final se salde pela absolvição, não é um ato neutro, quer do ponto de vista das suas consequências morais, quer jurídicas. Submeter alguém a julgamento é sempre um incómodo, se não mesmo um vexame».
Por conseguinte, em sede de pronúncia, pese embora não seja necessário que o juiz tenha a certeza da prática do crime, deverá convencer-se, em face do conjunto da prova produzida, sem obviamente olvidar a de sinal contrário, sobre uma possibilidade forte e, por isso, razoável de culpabilidade.
O princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127º do C.P.Penal tem inteira aplicação em julgamento, mas também no âmbito do inquérito e na instrução, impondo-se ao ministério público e ao juiz de instrução, sendo um princípio geral de processo penal com incidência no decurso de todo o processo[10].
A livre convicção, como tem sido repetidamente afirmado pela doutrina[11] e pela jurisprudência[12], significa que o julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório.
A livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso, e valoradas segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência.
A apreciação da prova terá, pois, de ser sempre objetivável, motivável e, por conseguinte, suscetível de controlo.
Outrossim, importa dizer que o princípio “in dubio pro reo”, tem aplicação em todas as fazes do processo,[13] e cuja justificação reside na ideia de que é preferível absolver um culpado a condenar um inocente[14]. Esse estado de dúvida[15]deverá necessariamente favorecer o arguido.
No caso vertente, encontra-se em discussão a possibilidade de haver comparticipação ente o arguido DD, que subscreveu, enquanto advogado e mandatário, uma peça processual na qual foram descritos factos e referidas expressões alegadamente ofensivas da honra dos assistentes, e os seus clientes, ou seja, os respetivos mandantes também aqui arguidos.

Ora, relativamente a esta precisa questão, pelo menos desde o acórdão da Relação de Coimbra de 01.03.1989, in CJ, Ano XIV, tomo 2, pág. 76, a jurisprudência tem vindo a assinalar que três hipóteses são possíveis de ocorrer, as quais são as seguintes:
1ª- Uma em que o advogado transfere para a peça processual aquilo que o cliente lhe disse depois de o advertir expressamente das consequências que daí podem ocorrer;
2ª· Outra em que o autor do escrito é apenas o advogado, sem qualquer interferência do cliente, que, inclusive, é surpreendido por aquilo que é difundido;
3ª· Finalmente, aquela em que o cliente relata factos que sabe não serem verdadeiros para que o advogado os verta para o articulado, no convencimento de que correspondem à verdade. 

  Na primeira hipótese em princípio é de admitir a ocorrência de comparticipação entre o advogado e o cliente, sendo a responsabilidade exclusiva deste último de afastar quando na peça processual sejam relatados factos ou formulados juízos de valor objetivamente ofensivos da honra de outrem. Isto porque o advogado é um profissional do foro, encontrando-se vinculado pelo seu estatuto profissional, que lhe impõe um conjunto de deveres, designadamente o dever de urbanidade, que naturalmente deverá cumprir quando subscreve peças processuais, cfr. artigo 95º do EOA, aprovado pela Lei nº 145/2015, de 9 de setembro.
Na segunda hipótese, a responsabilidade obviamente é exclusiva do advogado, enquanto autor material dos factos, aos quais o cliente é completamente alheio.
Na terceira e última hipótese, a responsabilidade é exclusiva do cliente, porquanto o advogado age no convencimento de que os factos que lhe são relatados pelo cliente são verdadeiros. E, nessa medida, não atua com a intenção, nem sequer configura a possibilidade, de praticar o crime, faltando-se o dolo do tipo, sendo apenas o cliente o autor mediato do crime de difamação, em conformidade com o disposto no artigo 26º do Código Penal, segundo o qual “É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”.
No domínio penal a doutrina distingue a autoria medita, a autoria imediata, a instigação e a cumplicidade.
Como ensina Paulo Pinto de Albuquerque[16] “A autoria imediata consiste na execução do facto pelo próprio agente (“quem executar o facto, por si mesmo”), verificando-se nele os elementos típicos objetivos e subjetivos.
(…)
A autoria mediata consiste na execução do facto por intermédio de um homem-da-frente (“quem executar o facto…por intermédio de outrem”), verificando-se no homem-de-trás os elementos típicos objetivos e subjetivos do crime. O homem-da-frente é instrumentalizado pelo homem- de-trás ou, dito de outro modo, o homem-de trás tem o domínio da vontade do homem-da-frente. A punição do homem-de-trás não depende do início da execução do facto pelo homem-da-frente, ao contrário do instigador.
(…)
A coautoria consiste na execução conjunta do facto por uma ou mais pessoas(“quem executar o facto…por acordo ou juntamente com outro ou outros”), com base num acordo dos agentes sobre a divisão de tarefas com vista à realização do facto (teoria do domínio do faco funcional, de Claus Roxin e Figueiredo Dias).
O acordo pode ser expresso ou tácito, desde que haja uma “consciência da colaboração”, na expressão de Eduardo Correia…
(…)
A instigação consiste na determinação de outra pessoa à prática de um facto ilícito típico concreto quando esta pessoa não tivesse anteriormente dolo desse facto típico (“quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”). O instigador tem um dolo duplo, reportado, por um lado, à determinação do instigado e, por outro lado, ao facto concreto (consumado ou tentado) cometido pelo instigado, devendo verificar-se no instigador todos os elementos típicos subjetivos….”.
Se, em abstrato, é possível configurar as três referidas hipóteses, importa que, em face de cada caso concreto, se averigue qual delas se verifica. Acresce que não é legalmente possível presumir uma situação de comparticipação entre o advogado e o cliente sempre que os factos em causa sejam vertidos em peça processual subscrita por aquele. Ou seja, é necessário que se comprove / indicie uma situação de comparticipação.
Neste sentido, vide, v.g., Ac. RE de 07.03.2017, 488/14.2PBELV.E1, acessível em www.dgi.pt, a propósito de um caso que pese embora não seja coincidente com o presente, mas em que está em causa o crime de difamação cometido através de peça processual subscrita por advogado, quando refere que “Sendo louvável, a sistematização exposta pode causar vícios de raciocínio se nos bastarmos com ela, como aliás já realçado em posteriores arestos”.
Como bem se refere no sumário do Ac. RP de 24.01.2024, processo 2169/20.9T9VFR.P1, acessível em www.dgsi.pt, “Se dos autos não decorre que o crime de injúria foi praticado em comparticipação entre a mandante e o seu advogado, ao ter sido deduzida queixa apenas contra a primeira, não se verifica a falta da condição de procedibilidade consignada no n.º 3 do artigo 115.º do CP.”. E no sumário do Ac. RP de 09.02.2005, processo 0346713, disponível em www.dgsi.pt “Se a expressão eventualmente ofensiva da honra ou consideração do visado consta de articulado apresentado em processo civil e subscrito por advogado, para que se possa imputar a autoria dessa expressão à parte, é necessário que haja acordo prévio entre ela e o advogado sobre o uso da mesma expressão.”
Ainda no mesmo sentido vide, vg. o Ac. RC de 22.05.2013, processo 365/10.6T3OBR.C1, acessível em www.dgsi.pt, num caso em que a queixa foi apresentada apenas contra o mandante em cujo sumário se pode ler: III - Nestes termos, para que haja comparticipação num crime de difamação, cometido através de peça processual, é necessário que exista um acordo prévio, mesmo tácito, entre mandatário e mandante, para afirmação ou propalação de factos inverídicos.”
In casu, a verificar-se uma situação de comparticipação, os autores mediatos seriam os arguidos que subscreveram a procuração forense a favor do arguido DD, enquanto advogado, sendo este, sem dúvidas, o autor material dos factos, uma vez que subscreveu a peça processual ora em causa. 
De forma que a questão concreta que se coloca é a de saber os arguidos mandantes agiram com culpa, por forma a poder afirmar-se que ocorre uma situação de comparticipação criminosa quanto aos imputados crimes de difamação / injúria entre o advogado que subscreveu a peça processual, no caso uma réplica, e os seus clientes.  
A situação em discussão é a seguinte:
Os arguidos AA, BB, CC, representados pelo aqui arguido, DD, advogado, intentaram uma ação cível contra os assistentes.
No âmbito da tramitação do sobredito processo cível, que corre termos no Juízo de Competência Genérica de Valpaços, sob o n.º 156/22.1T8VPC, em 13/12/2022, o arguido DD, no exercício das suas funções profissionais, apresentou Réplica, constando daquela peça processual que:
 “8. É com base neste engano (ou dito de forma mais grotesca, com base nesta trafulhice), que constitui a causa de pedir dos RR/Reconvintes.”;
 “14. Os RR/Reconvintes não podem socorrer-se deste tipo de expediente.”; e
 “18. O que os RR/Reconvintes pretendem constitui uma impossibilidade legal.”.
Nos pontos transcritos da réplica, o subscritor desta peça processual refere-se à alteração da área de um prédio efetuada pelos assistentes e à obtenção de licença de construção. Na verdade, em sede de contestação/reconvenção apresentada no âmbito do processo n.º 156/22.1T8VPC, os aqui assistentes referem que procederam à retificação da área do prédio em discussão naqueles autos porquanto o município exige a área de 500 metros2 para emissão de licença [pontos 180 a 184 da contestação /reconvenção.
No caso em apreço, o arguido DD, advogado que subscreveu a peça processual na qual os factos ou juízos de valor alegadamente ofensivos da honra dos assistentes foram vertidos, alega que os seus clientes desconhecem por completo o que ele escreveu na dita peça, remetendo para as declarações por ele prestadas em inquérito.
Por seu lado, a arguida HH, tendo prestado declarações em inquérito, disse desconhecer os factos. E os demais arguidos não prestaram quaisquer declarações.      
Os recorrentes /assistente justificaram o facto de terem apresentado queixa e deduzido acusação contra todos os quatro arguidos com fundamento no princípio da indivisibilidade da queixa e da acusação, em conformidade com o disposto 115 e 117º do CP, por forma a acautelar a extinção do procedimento criminal, “ignorando os Recorrentes se o Mandatário escreveu por si ou pelas orientações, informações, expressões transmitidas pelos clientes” (sic).
Como bem se refere no Ac. RP de 09.02.2005, processo 0346713, acima citado, “Em princípio, o advogado atua em representação do cliente, no exercício do mandato conferido, sendo um profissional dotado de liberdade e autonomia técnicas e assumindo, portanto, a autoria de tudo quanto escreve nos articulados processuais por ele subscritos.”
A verdade é que, considerando os termos em que se encontra redigida a peça processual relativamente aos pontos alegadamente ofensivos da honra dos assistente, as normas decorrentes do Estatuto da Ordem dos Advogados[17], as regras da experiência, bem assim os elementos disponíveis nos autos, indicia-se que os factos, supostamente ofensivos da honra dos assistentes, são exclusivamente da iniciativa e da lavra do advogado que subscreveu a peça processual, ou seja, do arguido DD.
Com efeito, quando um cidadão procura um advogado e pede-lhe que o patrocine numa ação – no caso instaurar uma ação e defender nela os seus interesses -, descreve o caso que pretende ver resolvido, expondo-lhe os factos e nada mais, sendo este o ponto de partida e a base de trabalho do advogado. A partir daí, o advogado tem completa liberdade e autonomia técnica, designadamente para redigir as peças processuais e os respetivos termos, pelas quais é naturalmente responsável.         
No caso vertente está em causa o conteúdo de uma réplica, ou seja, uma resposta a factos novos trazidos ao respetivo processo por parte dos réus na contestação /reconvenção que formularam.  Está em causa um discurso argumentativo, uma apreciação pessoal efetuada pelo arguido, enquanto advogado, visando a defesa da posição dos clientes na ação, baseado em factos levados ao processo na contestação pela parte contrária, ou seja, pelos réus, aqui assistentes, sendo um tipo de discurso um pouco inflamado em defesa dos clientes. Ou seja, um discurso técnico, é certo de valor jurídico discutível, mas que é próprio, e se encontra mesmo enraizado na prática judiciária de, pelo menos, um setor da advocacia no nosso país.
Nesta medida, indicia-se que os referidos dizeres da réplica aqui em discussão não têm por base a transmissão de factos e instruções por parte do cliente ao advogado que redigiu e subscreveu a peça processual, não se vislumbrando mesmo que relativamente a eles tenha existido qualquer interferência dos mandantes.
Por isso, o texto da réplica, na parte aqui em discussão, resulta da autonomia técnica de que goza o advogado, sendo, pois, exclusivamente da sua responsabilidade. Efetivamente, o arguido, enquanto advogado que elaborou e subscreveu a peça processual em causa, a ser atribuída relevância penal aos factos, é o autor imediato dos crimes de difamação, e não também os mandantes.
Para haver coautoria tem de existir um acordo, que pode ser expresso ou tácito, uma distribuição de tarefas para levar a cabo o crime; que o coautor tome parte na execução “de modo direto”, com isso se querendo aludir a uma intervenção essencial em termos de causalidade adequada ou tenha o domínio funcional do facto sempre que, tendo em conta certo estádio de execução, a intervenção do coautor for indispensável à execução do crime, sob pena de sem ela o plano de conjunto falhar.     
No caso, nenhuma prova foi carreada para os autos no sentido de demonstrar a verificação de uma situação de comparticipação, sendo que a única prova existente nos autos é de sentido contrário, tendo em conta as declarações prestadas pelos arguidos DD e HH. Os próprios recorrentes dizem ignorar tal situação. Nesta medida, não se vislumbra que os arguidos HH, CC e BB tenham instrumentalizado o arguido a escrever o excerto aqui em causa da réplica; que o instigaram a tal, ou seja que o determinaram a praticar os alegados crime de difamação, cfr. artigo 26º do CP parte final, uma vez que determinar outra pessoa à prática de um crime significa criar nela a decisão de o cometer.
De facto, no caso em apreço, nada há nos autos que indicie que os referidos arguidos deram indicações ao arguido, advogado que os patrocinou no mencionado processo judicial, para optar pela argumentação vertida na réplica.
A sobredita réplica, na parte que aqui está em discussão, repete-se, é fruto exclusivo do trabalho intelectual, de natureza técnica do arguido DD, enquanto advogado que a redigiu e assinou.
Nesta conformidade, somos levados a concluir no sentido de que os factos imputados pelos assistentes aos arguidos apenas se mostram suficientemente indiciados relativamente ao arguido DD, mas já não quanto aos arguidos HH, CC e BB, os quais, por isso, nunca poderiam ser pronunciados pelos crimes de difamação que lhes foram imputados pelos assistentes.

3.4-  No que concerne à questão da relevância penal dos factos descritos na peça processual aqui em causa – uma réplica - conforme dispõe o artigo 425º, nº 5 do CPP, “os acórdãos absolutórios enunciados no artigo 400º, nº 1, al. d), que confirmem decisão de 1ª instância sem qualquer declaração de voto podem limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada”.
A razão de ser desta norma tem que ver com a simplificação que cada vez mais se pede às decisões judiciais. Por força dela, “tribunal de recurso, depois do necessário relatório, limita-se a negar provimento ao recurso, sem outra fundamentação que não seja a remissão para os fundamentos da decisão recorrida”, cfr. Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pág. 1476.
Ora, conforme jurisprudência pacífica, o despacho de não pronúncia contém uma decisão «absolutória» para os efeitos do artigo 400º, nº 1, al. d), do CPP «decisão absolutória» é, para os efeitos desta norma, toda a decisão que não atribua responsabilidade criminal ao arguido por facto praticado e indigitado como delituoso, ou que lhe retire a imputação feita. Ou seja, devem considerar-se acórdãos absolutórios todos os que não sejam condenatórios e, por consequência, incluir em tal termo, «os acórdãos de arquivamento», cfr. Ac. do STJ de 20.06.2002, CJ STJ, ano X, tomo II, pág. 230 e ainda, entre outros, Ac. do STJ de 29.11.2000, CJ Tomo III, pág 224; Ac. STJ de 11.10.2001, CJ, Ano IX, tomo III, pág. 196 e segs; e Ac. RG de 08.03.2021, processo 138/16.2T9VRL.G2, disponível em www.dgsi.pt
Daí que seja aqui aplicável ao caso em apreço a norma acima transcrita do artigo 425º, nº 5 do CPP. É o que se faz no presente acórdão, pois que, no final do inquérito, o Ministério Público não acompanhou a acusação deduzida pelos assistentes. E, uma vez realizada instrução a requerimento dos arguidos DD e HH, foi proferida decisão instrutória de não pronúncia, na qual foi explicado porque os factos imputados aos arguidos não têm dignidade penal.
Ora, quanto à questão agora em apreciação, tendo presente os fundamentos do presente recurso, os assistentes nada de novo trazem à discussão. A decisão recorrida é esclarecedora, respondendo, por forma cabal, a todas as questões suscitadas pelos recorrentes, sem que nos mereça quaisquer reparos. A solução para o caso em apreço já foi encontrada pelo tribunal de primeira instância, não carecendo que esta Relação de Guimarães produza nova argumentação, pois que, de novo, verdadeiramente nada há para dizer ou acrescentar. Tudo o que pudesse ser dito mais não seria do que mera repetição, ainda que necessariamente por outras palavras, do que anteriormente foi referido, constituindo, por isso, tarefa fastidiosa e inútil que nos dispensamos de fazer. 
Como bem se refere num acórdão muitas vezes citado em casos como o presente “o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere suscetibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse, a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função”, cfr. Ac RP de 12.06.2002, recurso nº 332/02, disponível em www.dgsi.pt
Assim, e porque o direito penal tutela valores fundamentais da vida em sociedade e deverá promover a pacificação social, sendo um direito de ultima ratio, fazendo aqui apelo ao princípio da proporcionalidade e à concordância prática entre, por um lado, o direito ao bom nome e à reputação, e o direito à liberdade de expressão e ao direito de critica objetiva por outro, consideramos que as palavras vertidas na peça processual aqui em causa não têm suficiente dignidade penal para o efeito de integrar o tipo legal de crime de difamação / injúria.
Por conseguinte, apesar do esforço argumentativo dos recorrentes, a decisão recorrida não padece de qualquer erro de avaliação e de interpretação /aplicação de quaisquer normas, pelo que o recurso não pode lograr procedência.

III- DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o presente recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo dos assistentes, com taxa de justiça de 4 Ucs - artigo 515º, nº 1, al. b) e nº 2 do C.P.P. e artigo 8º, nº 9 do R.C.P. e tabela III anexa a este último diploma legal.
Texto integralmente elaborado pelo seu relator e revisto pelos seus signatários – artigo 94º, nº 2 do CPP, encontrando-se assinado eletronicamente na 1ª página.
Notifique.
Guimarães, 28 de outubro de 2025

Armando Azevedo (Relator)
Pedro Freitas Pinto (1º Adjunto)
Luísa Alvoeiro (2ª Adjunta)


[1] Nas transcrições das peças processuais irá reproduzir-se a ortografia segundo o texto original.
[2] De entre as questões de conhecimento oficioso do tribunal estão os vícios da sentença do nº 2 do artigo 410º do C.P.P., cfr.  Ac. do STJ nº 7/95, de 19.10, in DR, I-A, de 28.12.1995; as nulidades da sentença do artigo 379º, nº 1 e nº 2 do CPP; as irregularidades no caso no nº 2 do artigo 123º do CPP; e as nulidades insanáveis do artigo 119º do C.P.P..
[3] Processo n.º 26/19.0T9STC.E2; Relator: António Condesso, disponível em https://www.dgsi.pt/.
[4] RLJ, ano 59, págs. 49, 50 e 51, citada no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 10/01/2023 (Processo n.º 1027/19.4T9VFX.L1-5; Relatora: Mafalda Sequinho dos Santos), disponível em https://www.dgsi.pt/.
[5] In Código de Processo Penal – Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 1239.
[6] Direito Processual Penal, 1ª Ed. 1974, Reimpressão, Coimbra Editora, 2004, pág. 133.
[7] Vide Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Universidade católica Editora, 2015, volume 3, pág. 171. E sobre esta questão Jorge Noronha e Silveira, “O conceito de indícios suficientes no Processo Penal Português”, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, organizadas pela FDL e pelo C.D. de Lisboa da Ordem dos Advogados, em 2004, Almedina, págs. 155 e segs..
[8] Vide, entre outros, para além do supra o citado Ac. STJ de 09.04.2015, processo 5/13.1TRGMR.S1; o Ac STJ de28.06.2006, processo 06P2315; o Ac. STJ de 21.05.2003, processo 03P1493; o Ac. STJ de 21.05.2008, processo 07P3230; e o Ac RC de 28.06.2017, processo 1772/15.3T9LRA.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[9] Ac. de que foi relator Jorge Gonçalves, processo 102/08.5PUPRT.P1, acessível em www.dgsi.pt
[10] Neste sentido, vide Maria João Antunes, Direito Processual Penal, Almedina, 2016, pág. 168.
[11] Vide, vg, Maria João Antunes, ob. e loc. citados.
[12] Vide, vg Ac RC de 01.10.2008, processo 3/07.4GAVGS.C2, acessível em www.dgi.pt
[13] Sobre a aplicação deste princípio em todas as fases do processo, vide, entre outros, Ac. RL de 16.11.2010, processo 3555/09.TDLSB.L1-5, e Ac RC de 09.03.2016, processo436/14.0GBFND.C1  acessíveis em www.dgsi.pt. E ainda o acórdão do TC n.º 439/02, no qual se entendeu que “a interpretação normativa dos artigos citados – 286.º, n.º 1, 298.º e 308.º, n.º 1, do Código de Processo Penal – que exclui o princípio in dubio pro reo da valoração da prova que subjaz à decisão de pronúncia reduz desproporcionada e injustificadamente as garantias de defesa, nomeadamente a presunção de inocência do arguido, previstas no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição”
[14] Este princípio restringe-se ao domínio da apreciação da prova, constituindo um limite ao princípio da livre apreciação da prova, havendo quem, como F. Dias, in Jornadas de Direito Processual Penal, Almedina 1989, págs. 27 e 28, o identifique com o princípio da inocência do arguido, o qual tem consagração constitucional, cfr. artigo 32º, nº 2 da C.R.P..
[15] A dúvida que leva o tribunal a decidir “pro reo” tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária. Por outras palavras ainda uma dúvida que impeça a convicção do tribunal, cfr. Cristina Líbano Monteiro, Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra Editora, 1997, pág. 51.    
[16] In Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 122 e seguintes.
[17] Assim, vide, designadamente, os artigos 85º, 97º, nº 2 e 100º, nº 1 al, b) do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 145/2015, de 09 de setembro.