Sumário elaborado pela relatora:
I- Um incidente anómalo, para os efeitos previstos no artigo 7.º, n.ºs 4 e 8, do Regulamento das Custas Processuais, é aquele que não tem cabimento na tramitação do processo, por não ter qualquer conexão com a finalidade da forma do processo.
II- A reclamação contra um relatório pericial, apresentada ao abrigo do n.º 2 do artigo 485.º do Código de Processo Civil, é um ato que se enquadra na normal tramitação do processo, independentemente de ser atendida ou indeferida.
III- O indeferimento de tal reclamação não constitui circunstância suscetível de qualificar o ato como incidente anómalo tributável.
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1
I. Relatório
1. Na presente ação especial emergente de acidente de trabalho em que figura como sinistrada AA e como entidade responsável Zurich Insurance Europe Ag. – Sucursal em Portugal, S.A. foi proferido, imediatamente antes da sentença, despacho com o seguinte teor:
«Ref.ª 52652259:
Notificada do resultado da junta médica, a companhia de seguros apresentou reclamação, solicitando esclarecimentos aos Senhores peritos, sobre questões que expressamente enumera.
Cumpre apreciar.
A reclamação contra o relatório pericial, conforme prevê o artigo 485.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, tem de assentar na sua deficiência, obscuridade ou contradição ou ainda na falta de fundamentação das suas conclusões.
Por outro lado, existirá omissão de pronúncia sempre que a junta médica não tomou posição perante matérias ou questões concretas sobre as quais se devia pronunciar.
No caso dos autos, a companhia de seguros apresentou requerimento a solicitar a sujeição da sinistrada a junta médica e formulou quesitos para o efeito, que o tribunal enquadrou pelo despacho de 03-04-2025 [Ref.ª 135959960].
Recorde-se que, no âmbito do processo, para além do exame médico-legal realizado por perito singular (pertencente ao Instituto de Medicina Legal – Gabinete Médico-Legal do Barlavento Algarvio), a sinistrada foi submetida a uma junta médica em de 30-05-2025 [Ref.ª 136673678].
Quanto a este último exame importa salientar que foi presidido por um Juiz, conforme prevê a lei, nele esteve presente a sinistrada, que foi devida e detalhadamente observada e questionada sobre as suas queixas antecedentes ao acidente, os Senhores peritos analisaram minuciosamente toda a documentação clínica que os autos comportam e concluíram sobre os aspetos relevantes em questão, que fizeram consignar no «auto».
A fundamentação do juízo pericial assentou, como é bom de ver, na análise de todos os registos clínicos, médicos, hospitalares e exames imagiológicos (anteriores e posteriores ao acidente) e na observação e exame direto da sinistrada.
A este propósito, pode concluir-se que foram cabalmente esclarecidas todas as questões ainda em dúvida, permitindo-nos remeter, em particular, para as respostas unânimes atribuídas a todos os aspetos relevantes para a apreciação da redução da capacidade funcional da sinistrada, constando da respetiva tabela o enquadramento legal das sequelas identificadas e os coeficientes arbitrados, tudo de harmonia com as instruções gerais n.º 8 e 12, constantes do Anexo I da Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro.
Acresce ainda que, salvo melhor opinião, não tem qualquer sentido apelar à conversão legal de ITP em IPP, prevista no artigo 22.º da Lei dos Acidentes de Trabalho, quando essa eventualidade foi afastada, com a fixação de ITA e de ITP’s parcelares (correspondentes à recaída e aos períodos de tratamento subsequentes) e com a IPP de 3% que foi reconhecida após a alta, que coincide com a data da cura clínica.
Efetivamente, segundo o artigo 22.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, «a incapacidade temporária converte-se em permanente decorridos 18 meses consecutivos, devendo o perito médico do tribunal reavaliar o respetivo grau de incapacidade». Por sua vez, acrescenta o n.º 2 que «verificando-se que ao sinistrado está a ser prestado o tratamento clínico necessário, o Ministério Público pode prorrogar o prazo fixado no número anterior, até ao máximo de 30 meses, a requerimento da entidade responsável e ou do sinistrado.»
Com este regime visa-se salvaguardar os direitos dos sinistrados, procurando-se evitar o protelamento excessivo na atribuição das pensões em consequência da dilatação de demoras excessivas no tratamento ou de inércia da seguradora, quer na comunicação do sinistro, quer nas informações que devem dirigir ao processo sobre o tratamento a que aqueles se encontram sujeitos.
Conforme decidiu o Acórdão da Relação de Évora de 23-04-2020, proferido no processo n.º 665/17.4T8PTM.E1 deste Juízo de Trabalho de Portimão, relatado pelo Desembargador MÁRIO COELHO, acessível em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/0f4c2ad8e95d3a96802585ae0032474c?OpenDocument, se a entidade responsável, de forma regular, informa o processo sobre os tratamentos que vem prestando ao sinistrado, e resultando desses elementos que estes se prolongam para lá do prazo de 18 meses, devem os respetivos requerimentos ser entendidos como requerendo, tacitamente, a prorrogação de tratamento, para os fins do artigo 22.º, n.º 2, da Lei dos Acidentes de Trabalho, afastando a conversão da incapacidade temporária em incapacidade permanente.
No caso dos autos, o acidente de trabalho foi participado pela entidade seguradora que, para além da assistência médica que foi assegurando à sinistrada com regularidade, remeteu ao processo informação sobre o seu estado clínico e os tratamentos realizados, atribuindo-lhe a alta em 14-07-2023.
Coincidentemente, foi esta a data reconhecida no relatório do perito médico legal que realizou o exame singular na fase conciliatória do processo, bem como pela junta médica, e não dos 18 meses sobre a ocorrência do acidente.
Deste modo, nunca se verificariam os requisitos para conversão de incapacidade temporária em permanente prevista no artigo 22.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, optando-se por tomar em consideração o coeficiente de Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 3% e a data da alta de 14-07-2023, constantes do relatório da junta médica.
Em suma, dada a informação clínica e os exames complementes de diagnóstico que constam dos autos, que naturalmente foram tidos em conta pelos Senhores peritos, e nas conclusões a que chegaram, por unanimidade, não se identifica qualquer necessidade de esclarecimentos adicionais, que a ocorrer redundariam numa mera duplicação e protelariam, ainda mais, o andamento do processo e a prolação da sentença final.
Na verdade, o que parece resultar da posição da requerente é um desacordo com algumas das conclusões a que chegaram os Senhores peritos da médicos, nomeadamente quanto aos períodos e aos coeficientes das incapacidades temporárias atribuídas.
Contudo, segundo se crê, tais discordâncias não podem ser eliminadas com um pedido de esclarecimentos aos Senhores Peritos, cuja enquadramento e finalidade têm estrita previsão legal, ou com a realização de mais uma perícia, que pelo seu objeto nem sequer tem assento legal.
Em conclusão, por fata de fundamento legal, indefere-se o requerido.
Condena-se a requerente nas custas do incidente, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC’s (artigo 7.º, n.ºs 4 e 8, conjugada com a Tabela II-A, anexa ao Regulamento das Custas Processuais).»
2. A entidade responsável interpôs recurso deste despacho, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões:
«A - Em decisão prévia à douta sentença, propriamente dita, o meritíssimo juiz a quo pronunciou-se sobre o requerimento da seguradora de 16-06-2025 – referência citius 13804740 – de pedido de esclarecimentos relativamente ao Relatório Pericial, o qual indeferiu, decidindo que o mesmo é um Incidente Processual, cujas custas, socorrendo-se do disposto no Artigo 7.º, n.ºs 4 e 8, conjugada com a Tabela II-A, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, fixou em Duas Unidades de Conta, ou seja em 204,00€, nas quais condenou a ora recorrente.
B – A Recorrente não se conforma, de todo, com essa decisão, quer quanto a considerar o requerimento em que reclamou do Relatório Pericial como um Incidente da Instância, quer quanto a fixar em 2 (duas) UC’s as custas dessa tramitação e respetiva condenação da seguradora no seu pagamento.
C – No douto despacho de que ora se recorre, o meritíssimo juiz a quo, depois de fundamentar as razões do indeferimento, nomeadamente por considerar que “A fundamentação do juízo pericial assentou, como é bom de ver, na análise de todos os registos clínicos, médicos, hospitalares e exames imagiológicos (anteriores e posteriores ao acidente) e na observação e exame direto da sinistrada.”, afirmações que do Auto de Junta Médica não constam, e de concluir que “foram cabalmente esclarecidas todas as questões ainda em dúvida”, afirma que “(…) não se identifica qualquer necessidade de esclarecimentos adicionais, que a ocorrer redundariam numa mera duplicação e protelariam, ainda mais, o andamento do processo e a prolação da sentença final.”
D – Esta é, certamente, a motivação do meritíssimo juiz a quo para qualificar a reclamação da seguradora como um Incidente Processual.
E – Não lhe assiste, porém, e com todo o respeito por opinião contrária, qualquer razão.
F – Como se decidiu no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24/04/2024, tirado no Proc. nº 669/09.0TBPVL-D.GMR1, disponível em www.dgsi.pt, “I - São procedimentos ou incidentes anómalos as ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas – n.º 8 do artigo 7.º do RCP.”
G – Ou, como se decidiu no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04/11/2009, no processo nº 2/03.5TAESP-D.P1: “1 - Ínsitos à tributação de uma determinada atividade processual, por estranha ao ‘desenvolvimento normal da lide’ estão o princípio geral da boa-fé e da lealdade processual que impende sobre todos os sujeitos processuais e o propósito de sancionar atividades e condutas processuais entorpecedoras da ação da justiça e causadoras de dispêndio inútil de meios, humanos e materiais.”
H – Ora nada disto se verifica no caso sub judicio!
I – Uma vez notificada do resultado da junta médica, a seguradora, ora recorrente, veio, ao abrigo do disposto no Artº 485º nº 2 do C.P.Civil, aplicável ex vi do disposto no Artº 1º, nº 2 a) do C.P.Trabalho, apresentar requerimento no qual pediu que os Senhores Peritos fundamentassem as respostas dadas aos quesitos c) e d) constantes do Auto de Junta Médica, justificando as razões do requerido.
J – A seguradora fê-lo no exercício do direito que lhe é conferido pelo disposto no Artº 485º do C.P.Civil.
K – O Artigo 485º do Código de Processo Civil, aplicável ao caso sub judicio por força do que dispõe a alínea a) do nº 2 do Artº 1º do C.P.Trabalho, uma vez que este diploma é omisso quanto a tal, sob a epígrafe Reclamações contra o relatório pericial, determina o seguinte:
1 – A apresentação do relatório pericial é notificada às partes.
2 – Se as partes entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações.
L – A reclamação inseriu-se, pois, no normal desenvolvimento da lide, não sendo um ato estranho ao processo. O requerimento da seguradora não foi descabido, nem lhe estava processualmente vedado.
M – O Artigo 7º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26/02, norma usada pelo meritíssimo juiz a quo, na douta decisão recorrida, determina que:
“4 - A taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares, pelos procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, pelos procedimentos anómalos e pelas execuções é determinada de acordo com a tabela ii, que faz parte integrante do presente Regulamento.
(…)
8 - Consideram-se procedimentos ou incidentes anómalos as ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas.”
N – A seguradora, ora recorrente, não fez uso de qualquer desenvolvimento processual abusivo ou entorpecedor da ação da justiça.
O – O requerimento apresentado pela seguradora em 16/06/2025 – referência citius 13004740 – não pode ser qualificado como Incidente Processual e tributado segundo os princípios que regem a condenação em custas.
P – Mas ainda que assim se não entenda, o que só por mera hipótese de raciocínio se admite, sempre o certo é que o valor fixado no douto despacho – de Duas Unidades de Conta – é totalmente exagerado e descabido.
Q - A entender-se que a tramitação em causa é tributável, não pode a mesma ser tributada a não ser com o montante de 0,25 UC’s, por se tratar de uma reclamação, mas nunca por um valor precisamente a meio-termo entre os montantes mínimo e máximo, como se de uma “atividade processual estranha ao desenvolvimento normal da lide” se tratasse.
R – A douta decisão recorrida fez, pois, uma incorreta apreciação dos elementos existentes nos autos, enfermando de erro na determinação da norma aplicável;
S – Pelo que carece de ser totalmente revogada, ou, caso assim se não entenda, ser substituída por outra que fixe a taxa de justiça devida pela reclamação do Auto de Junta Médica em 0,25 UC,
COM O QUE SE FARÁ JUSTIÇA.»
3. Não foram oferecidas contra-alegações.
4. A 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
5. Após a subida do processo à Relação, o Ministério Público emitiu parecer, a pugnar pela parcial procedência do recurso.
Não foi oferecida resposta.
6. O recurso foi mantido e, depois de elaborado o projeto de acórdão, foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, importa apreciar e decidir:
1. Se o requerimento apreciado no despacho recorrido não constitui incidente processual sujeito a tributação.
2. Se, caso improceda a primeira questão, a condenação em 2 Ucs é excessiva.
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III. Matéria de Facto
A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, para o qual remetemos, sem necessidade da sua repetição, bem como os demais elementos que constam dos autos que sejam relevantes para a apreciação da questão sub judice.
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IV. Enquadramento jurídico
Como já referimos, existem duas questões para dilucidar e resolver.
Primeiramente, há que apreciar se o tribunal a quo errou ao qualificar o requerimento apresentado pela entidade responsável como incidente processual tributável.
Em segundo lugar, caso improceda a primeira questão suscitada, há que analisar se a condenação em 2 Ucs é excessiva.
Apreciemos, pois.
1. Será o requerimento de reclamação contra o relatório pericial um incidente processual tributável?
Notificada do resultado do exame por junta médica, veio a entidade responsável, ao abrigo do artigo 485.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, reclamar do laudo pericial e pedir esclarecimentos.
O seu requerimento foi indeferido, conforme resulta do despacho recorrido.
Em sede de recurso, não é posta em crise a decisão de indeferimento, pelo que, obviamente, não nos pronunciaremos sobre a mesma.
Todavia, o tribunal a quo considerou que o expediente processual apreciado constituía um incidente anómalo sujeito a tributação, nos termos previstos pelo artigo 7.º, n.ºs 4 e 8, do Regulamento das Custas Processuais.
É precisamente este segmento da decisão recorrida que a recorrente impugna.
Vejamos.
O n.º 4 do mencionado artigo 7.º, prescreve que é devida taxa de justiça pelos incidentes e procedimentos anómalos, de acordo com a tabela II, que faz parte integrante do presente Regulamento.
Por seu turno, o n.º 8 do artigo, em complemento, dispõe:
«Consideram-se procedimentos ou incidentes anómalos as ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas.»
A reclamação contra o relatório pericial, prevista no artigo 485.º do Código de Processo Civil, não é considerada, à partida, para efeitos de tributação, como um incidente processual. Tanto assim é que a apresentação do requerimento de reclamação não está sujeito a prévio pagamento de taxa de justiça – cf. Acórdão da Relação de Lisboa de 31-01-2017 (Proc. n.º 6100/10.1TBVFX-B.L1-7)2 e e-book Guia Prático – Custas Processuais, CEJ, 5.ª edição, pág. 1123.
Constituirá então uma reclamação contra o relatório de junta médica, contendo pedidos de esclarecimentos, que se veio a revelar sem fundamento, e por isso foi indeferida, um incidente processual anómalo?
Não, na nossa opinião.
Expliquemos porquê.
O artigo 485.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, dispõe o seguinte:
«1-A apresentação do relatório pericial é notificada às partes.
2 - Se as partes entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações.
3 - Se as reclamações forem atendidas, o juiz ordena que o perito complete, esclareça ou fundamente, por escrito, o relatório apresentado.
4 - O juiz pode, mesmo na falta de reclamações, determinar oficiosamente a prestação dos esclarecimentos ou aditamentos previstos nos números anteriores.»
Extrai-se desta norma, em conjugação com o artigo 139.º do Código de Processo do Trabalho, que o resultado do exame de junta médica tem de ser notificado às partes (n.º 1).
Se as partes entenderem que existe deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as suas conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem apresentar reclamação (n.º 2).
Tal reclamação tem de ser submetida a apreciação judicial (n.º 3), abrindo a secção, para o efeito, “conclusão” ao juiz do processo.
E das duas uma: ou a reclamação é atendida ou é indeferida.
No caso dos autos, a reclamação apresentada pela entidade responsável foi indeferida.
Todavia, tal indeferimento constituía uma das decisões possíveis.
Por outras palavras, ainda que tenha sido considerada infundada a reclamação apresentada, não é essa decisão de indeferimento/improcedência que vai tornar a reclamação um incidente anómalo para efeitos de tributação.
Um incidente anómalo, para os efeitos previstos no artigo 7.º, n.ºs 4 e 8, do Regulamento das Custas Processuais, é aquele que não tem cabimento na tramitação do processo, por não ter qualquer conexão com a finalidade da forma do processo.
Ou seja, um incidente anómalo tem de ser algo estranho e descabido na dinâmica da tramitação processual.
E, no caso dos autos, a reclamação contra o relatório pericial apresentada constitui um ato que se enquadra na normal tramitação do processo, independentemente de ser atendida ou indeferida.
Citam-se, pela relevância, os seguintes acórdãos:4
Acórdão da Relação de Guimarães de 14-11-2023 (Proc. n.º 54/20.3IDVCT.G1):
«I. Incidente anómalo, capaz de justificar uma tributação autónoma, é aquele que é suscetível de consubstanciar uma ocorrência estranha ao desenvolvimento normal da lide, determinante de perturbação assinalável do normal andamento do processo, um desvio acentuado e injustificado à sua regular e adequada tramitação.
II. (…)
III. O indeferimento de um requerimento, por si só, não constitui circunstância suscetível de o catalogar como incidente anómalo, capaz de fazer desencadear a tributação decorrente do artigo 7.º, n.º 8, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela II anexa.»
Acórdão da Relação de Lisboa de 20-12-2022 (Proc. n.º 10551/18.5T8LRS-A.L1-7):
«1 -Na configuração da tramitação abstrata dos atos da sequência processual, para além da possibilidade de determinação concreta pelo juiz de uma sequência dela divergente e da exigência genérica da prática dos atos indispensáveis ao respeito pelos princípios processuais, não é admissível, à luz do princípio da economia processual, a prática de atos anómalos que não tenham utilidade para a realização da função processual, tendo apenas o efeito de complicar o processo.
2 - São incidentes anómalos os que não caibam na tramitação normal do processo.»
Acórdão da Relação do Porto de 02-03-2010 (Proc. n.º 3218/04.3TBPRD-E.P1):
«II - A anomalia do ato ou requerimento tem de referir-se, não ao fundamento em que assenta, mas à relação em que esteja com a estrutura ou tramitação do processo.
III - O ato entra no movimento regular do processo, tem o seu cabimento e o seu lugar próprio na tramitação legal? Há-de classificar-se como normal, independentemente da questão de saber se foi praticado com fim construtivo ou com propósito meramente dilatório - ou mesmo, acrescente-se, se mostra fundado ou não.
IV – Pelo contrário, se o ato não figura entre os termos e formalidades organizados pela lei ao estabelecer o andamento do processo, então ele entra na categoria de anómalo (tenha embora razão a parte que o requereu).»
Enfim, considerando todo o exposto, entendemos que o tribunal a quo errou ao condenar a recorrente pela prática de um incidente anómalo na taxa de justiça de 2 UC ao abrigo do artigo 7.º, n.ºs 4 e 8 do Regulamento das Custas Processuais.
Em conformidade, procede a primeira questão enunciada no recurso, ficando, consequentemente, prejudicado o conhecimento da segunda questão suscitada.
-
Concluindo, o recurso mostra-se procedente.
Sem custas.
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V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente e, em consequência, revoga-se parcialmente a decisão recorrida, na parte que condenou a recorrente na taxa de justiça de 2 UC, por custas do incidente.
Sem custas.
Notifique.
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Évora, 27 de novembro de 2025
Paula do Paço
Mário Branco Coelho
Luís Jardim
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1. Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.º Adjunto: Luís Jardim↩︎
2. Publicado em www,dgsi.pt.↩︎
3. Acessível em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=mBfuThSKNbM%3d&portalid=30.↩︎
4. Todos disponíveis em www.dgsi.pt.↩︎