Sumário elaborado pela relatora:
I- O artigo 286.º do Código do Trabalho, na redação introduzida pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março, define o conteúdo mínimo obrigatório da informação que o empregador deve prestar ao trabalhador abrangido pela transmissão da unidade económica.
II- Visando tal informação dar a conhecer os aspetos essenciais da transmissão, a mesma deve conter: a data da transmissão, os motivos da mesma, as consequências jurídicas, económicas e sociais para o trabalhador e as medidas projetadas em relação ao mesmo, bem como o conteúdo do contrato celebrado entre o transmitente e o adquirente (quando este exista).
III- Considera-se válida a comunicação escrita da empregadora transmitente que satisfaz as exigências do artigo 286.º do Código do Trabalho e permite à trabalhadora formular um juízo de prognose sobre o seu futuro profissional, nomeadamente para efeitos do exercício do direito de oposição.
IV- Se o contrato de trabalho foi transmitido e não cessou, não são devidos quaisquer créditos pela formação não ministrada com fundamento no artigo 134.º do Código do Trabalho.
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1
I. Relatório
1. Na presente ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, que AA intentou contra Eurest (Portugal) – Sociedade Europeia de Restaurantes, Lda., foi proferida sentença, contendo o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julga-se a presente totalmente improcedente, por não provada e, em consequência:
a) não se declara a nulidade da comunicação de transmissão de estabelecimento remetida a AA pela EUREST PORTUGAL – SOCIEDADE EUROPEIA DE RESTAURANTES, LDA. a 21/05/2019.
b) não se reconhece a existência de justa causa de resolução do contrato de trabalho celebrado entre AA e EUREST PORTUGAL – SOCIEDADE EUROPEIA DE RESTAURANTES, LDA. em 22/03/2012;
absolvendo-se a EUREST PORTUGAL – SOCIEDADE EUROPEIA DE RESTAURANTES, LDA. do demais peticionado por AA.
Custas pela A., fixando–se à ação o valor de €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).
*
Registe e notifique.»
2. A Autora interpôs recurso da sentença, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões:
«1. A carta datada de 20.5.2019 junta como doc. nº 3 com o petitório inicial, comunica à Recorrente a mudança de concessionário, dizendo apenas que:
"Vimos por este meio informar V. Exa., que a partir do próximo dia 3110512019, a Eurest deixará de prestar os seus serviços no refeitório da unidade "Volkswagen Autoeuropa VendVend", onde se encontra a trabalhar, passando a concessão do mesmo para a Cafecop Ida.
Mais informamos, que de acordo com a legislação em vigor e o CCT aplicável ao sector, o seu contrato de trabalho transitará para a nova concessionária, mantendo todo os direitos e deveres nomeadamente no que concerne à antiguidade
(...). ".
2. Recorrente não alcançou nem podia alcançar se tinha ou não fundamento para o exercício do direito de oposição do trabalhador, não lhe tendo sido dada pela Recorrida a informação obrigatória de acordo com o consagrado nos art.ºs 286,º e 286.º- A ambos do Código do Trabalho, nada consta da comunicação da Recorrida que permitisse à Recorrente exercer o seu direito à oposição, nomeadamente informação quanto à alegada passagem de “concessão” às medidas projetadas pelo eventual transmissário em relação aos trabalhadores abrangidos pela transmissão ou outras.
3. A única informação que lhe foi prestada foi a identidade do eventual transmissário, e sendo tal informação incompleta – não cumprindo os requisitos do art.º 171º do CSC - , não permitindo à Recorrente avaliar se existia ou não um risco de prejuízo sério, não estando minimamente em condições de avaliar, pelo que não pode exercer o seu direito de oposição e mesmo após ter interpelado a Recorrida para tal , esta nada fez para informar a Recorrente.
4. Com efeito, a mandatária da Recorrente de imediato enviou email à Recorrida, com os seguintes dizeres:
“Exmos. Senhores,
Foi a minha constituinte “notificada” de que a partir de dia 31.5. p.f. o seu contrato de trabalho passaria para uma entidade, apenas identificada como “Cafecop, Lda”, sem aduzir qualquer outro esclarecimento ou a completa identificação, nos termos do artº 171º do CSC.
Assim, não se encontram cumpridos os requisitos do artº 54º do CCT , bem como dos artºs 285º e sgs do CT, não tendo sido prestadas as necessárias informações nos termos do nº 1 do artº 286º
1 O transmitente e o adquirente devem informar os representantes dos respetivos trabalhadores ou, caso não existam, os próprios trabalhadores, sobre a data e motivos da transmissão, suas consequências jurídicas, económicas e sociais para os trabalhadores e medidas projetadas em relação a estes, bem como sobre o conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente, sem prejuízo do disposto nos artigos 412.º e 413.º, com as necessárias adaptações se a informação for prestada aos trabalhadores
Assim, a notificação em crise é nula , não sendo apta à produção de qualquer efeito jurídico.
Aguardo o contacto de V. Exas. a fim de resolver a questão em causa que envolve os direitos da minha constituinte que assim se encontram violados, logrando encontrar uma resolução por acordo.
Com os melhores cumprimentos.”.
5. A mandatária da Recorrente voltou a insistir pelo cumprimento das informações que se impunham face à pretendida “transferência ope legis” defendida pela Recorrida e que a douta sentença sob censura aderiu e mal, como se alcança:
“Exma. Senhora Dra.,
Discordo do carácter “ope legis” da transferência da titularidade dos contratos de trabalho, que refere no seu email, a que aqui respondo, o contrato de trabalho da minha constituinte não se transmite juridicamente de forma cega e automática para entidades terceiras - que se desconhece nem foram fornecidos elementos que permitam identificar a entidade, podendo até, por mera hipótese, ser uma entidade que ponha em causa as regras concorrenciais - por força e em virtude do termo do contrato de exploração com a Autoeuropa, desconhecendo-se se ocorre uma genuína e verdadeira transmissão do estabelecimento, sendo um facto que carece de ser provado, até para que a minha constituinte possa de forma esclarecida saber o que sucede à sua situação jurídico laboral e a final quem é a entidade terceira, apenas identificada com a denominação social.
Constituindo o artigo 285.º do Código do Trabalho e a cláusula que invoca do CCT disposições imperativas, estabelecidas no benefício dos trabalhadores, pelo que não são as mesmas suscetíveis de serem derrogadas por contratos entre o cedente e o cessionário do estabelecimento ou serviço onde a trabalhadora exerce funções, dependendo da existência de uma transmissão de um estabelecimento, da efetiva transmissão seus bens móveis, equipamentos, mas também dos bens incorpórios, a sucessão da atividade sem interrupção, a manutenção da identidade da atividade desenvolvida após a transferência, o que a referida comunicação, cuja nulidade foi invocada e se suscita, nada diz.
Pretende a Eurest que de forma cega a minha constituinte aceite o que se desconhece em violação das garantias do trabalhador previstas no CT e na CRP. (…)”
6. E a recorrida nada disse, só após a Recorrente que viu o seu estado de saúde deteriorar-se sendo forçada a manter a baixa, tendo enviado no dia 6.6.2019 e já depois de esta ter insistido na resposta da Recorrida em 4.06.2019, através da sua mandatária, o respetivo documento da Baixa para a Recorrida, e só perante a baixa da Recorrente a Recorrida quebrou o silêncio voltando a defender o indefensável, ie, a transmissão ope legis.
7. O que obrigou a Recorrente a resolver o seu contrato de trabalho com invocação de justa causa :
“Exma. Gerência
Serve a presente para comunicar a V. Exas. a resolução do contrato de trabalho que me vincula a essa empresa, com invocação de justa causa, nos termos do nº 1 e nº 2 alíneas a), b),d),e) e f) e nºs 3 e 5 do artº 394º do Código do Trabalho pelos seguintes motivos:
10. Tendo recebido a “notificação” de que a partir de dia 31.5. p.f. o meu contrato de trabalho passaria para uma entidade, apenas identificada como “Cafecop, Lda”, sem aduzir qualquer outro esclarecimento ou a completa identificação de tal empresa.
11. Ora, o contrato de trabalho que me vincula a V. Exas. não se transmite juridicamente de forma cega e automática para entidades terceiras que se desconhece nem foram fornecidos elementos que permitam identificar a entidade.
12. Constituindo o artigo 285.º do Código do Trabalho e a cláusula 51ª do CCT disposições imperativas, estabelecidas no benefício dos trabalhadores, pelo que não são as mesmas suscetíveis de serem derrogadas por contratos entre o cedente e o cessionário do estabelecimento ou serviço onde a trabalhadora exerce funções, dependendo da existência de uma transmissão de um estabelecimento, da efetiva transmissão seus bens móveis, equipamentos, mas também dos bens incorpórios, a sucessão da atividade sem interrupção, a manutenção da identidade da atividade desenvolvida após a transferência, o que a referida comunicação, cuja nulidade foi invocada em tempo, estando em causa direitos do trabalhador protegidos Constitucionalmente.
13. Não se aceita, conforme foi dito, em tempo, que de forma cega se “aceite” uma alegada cessão/transmissão do contrato de trabalho, o que se desconhece em violação das garantias do trabalhador previstas no CT e na CRP.
14. Consubstanciando o v/ comportamento violação culposa das m/garantias legais e convencionais e ainda falta culposa de pagamento pontual da retribuição, violando o artº129º nº 1 d) do C.T.;
15. Com efeito, até hoje encontramse em divida os seguintes montantes:
(…)
16. De salientar que com estes comportamentos de V. Exas. provocaram e provocam angústia e ansiedade à signatária, incorrendo V. Exas de forma continuada em violação culposa das garantias legais e convencionais que me assistem, provocando danos na saúde da signatária o que constitui crime de ofensa à integridade física.
17. Mais, nunca deram à signatária a formação profissional obrigatória nos termos do CT.
18. E, a signatária foi discriminada e tratada de forma desigual, tendo em consideração o seu salário mensal substancialmente inferior face ao que V. Exas. pagam a trabalhadoras com a mesma categoria profissional e funções.
Assim, a resolução do contrato atrás identificado operará os seus efeitos nos termos do nº 1 do artº 394º do C.T., cessando imediatamente o vínculo contratual.
Face ao exposto, agradeço o envio do modelo para atribuição de prestações de subsídio de desemprego no prazo de 5 (cinco) dias úteis, certificado de trabalho, para a minha residência, bem como me informem qual o dia em que me poderei deslocar à V. sede a fim de procederem ao pagamento dos montantes devidos pela saída e a indemnização prevista no artº 396º do C.T.”
8. Padece a sentença sob recurso de ERRO DE JULGAMENTO, porquanto, existindo contradição entre os factos considerados como provados e a douta decisão sobre a matéria da nulidade que a douta sentença em crise não valorou corretamente.
9. Sendo que in casu, existe erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) e na aplicação do direito (error juris), sendo que a douta decisão sob censura não corresponde à realidade ontológica e normativa, quando deveria ser dado como provado que a comunicação da Recorrida datada de 20-5-2019 é nula e reconhecendo a justa causa invocada pela Recorrente para a resolução do seu contrato de trabalho , ao decidir como decidiu o douto Tribunal a quo violou diretamente os art.s 53.º e 59.º (direito de segurança no emprego e direito ao trabalho da Lei Fundamental (CRP).
10. Ora, não se alcança qual o iter cognoscitivo e valorativo da douta sentença que lhe permitisse concluir que “Não pondo em causa a perda da concessão do serviço de fornecimento de comida e bebida através de máquinas de venda automática, nem a "transmissão de estabelecimento", que lhe foi comunicada por escrito em 21/05/2019, a A. funda a sua pretensão na nulidade da notificação por não se encontrarem cumpridos os requisitos da Cláusula 51.ª do CCT, bem como dos arts. 285.º e seguintes do Código do Trabalho, designadamente prestadas as informações necessárias nos termos do n.º 1 do art. 286.º do mesmo código”.
11. Na verdade, esta fundamentação da douta sentença entra em contradição direta com os factos dados como provados , a saber nos pontos que se se transcrevem:
“14. Com data de 20/05/2019 a R. remeteu por correio registado com AR uma carta com o seguinte teor:
"Vimos por este meio informar V. Exa., que a partir do próximo dia 3110512019, a Eurest deixará de prestar os seus serviços no refeitório da unidade "Volkswagen Autoeuropa VendVend", onde se encontra a trabalhar, passando a concessão do mesmo para a Cafecop Ida.
Mais informamos, que de acordo com a legislação em vigor e o CCT aplicável ao sector, o seu contrato de trabalho transitará para a nova concessionária, mantendo todo os direitos e deveres nomeadamente no que concerne à antiguidade (...). "
16. A A. recebeu a referida missiva em 21/05/2019.”
12. Não se retira da comunicação enviada à Recorrente que a Recorrida a informava da “ a perda da concessão do serviço de fornecimento de comida e bebida através de máquinas de venda automática, nem a "transmissão de estabelecimento (…).”.
13. Nem do email subsequente da mandatária da Recorrente se pode inferir que esta tinha conhecimento da “a perda da concessão do serviço de fornecimento de comida e bebida através de máquinas de venda automática, nem a "transmissão de estabelecimento(…)”.
14. A Mma Juiz a quo “adere” ao alegado na douta contestação e dá como adquirido que em momento anterior, ie, aquando da comunicação à Recorrente de 21.5.2019, não se sabendo como, que o alegado pela Recorrida quanto à perda da concessão e à transmissão do estabelecimento seria do conhecimento da Recorrente e esta não exerceu o seu direito de oposição porque não o quis fazer, numa clara e evidente supressão das garantias da Recorrente como trabalhadora.
15. Para logo a seguir dar como provada a transmissão do estabelecimento após recorrer a infindáveis transcrições, quando deveria ter concluído com base nos factos que foram dados como provados que à Recorrente não foi dada qualquer informação que lhe permitisse exercer o seu direito de oposição.
16. Pelo que se “o Tribunal firmou a sua convicção no teor dos documentos juntos aos autos” não podia concluir e fundamentar como o fez, tratando-se de uma contradição insanável.
17. Mais, a douta sentença esquece que a lei consagra uma obrigação de informação da Recorrida à Recorrente quando sabe da transferência, recaindo sobre a Recorrida o dever de informar os trabalhadores abrangidos pela transmissão, onde se incluía a Recorrente “sobre a data e motivos da transmissão, suas consequências jurídicas, económicas e sociais, para os trabalhadores e medidas projetadas em relação a estes (…)” (números 1 e 2 do artigo 286.º), e quanto a isto apenas se provou a comunicação recebida pela Recorrente em 21.5.2019.
18.Mais, a douta sentença em crise conclui e mal “(…)ambas as partes aceitaram a aplicação à relação de trabalho em apreço do CCT (….)” ,
“(…)Nada tendo sido alegado pela trabalhadora quanto à sua filiação sindical, ficou provado que, apesar de ter deixado de exercer funções como empregada de refeitório em 01/05/2017, para assumir funções na área de vending, com a categoria de repositora, a A. nunca pôs em causa a aplicação pela empregadora do CCT entre a AHRESP (…)”.
19.Ora, a questão da filiação sindical ou da aceitação ou não por parte da Recorrente do identificado CCT, não constituía matéria da prova, sendo que quanto a tal matéria não foi objeto de debate nos autos e como tal a Mma Juiz do Tribunal a quo, não podia concluir e muito menos decidir sobre facto que não foi alegado.
20.Resulta meridianamente claro que o Mmo juiz do Tribunal a quo está adstrita ao dever de atuação vinculada, não cabendo ao juiz supor ou conceber factos que poderão ter relevo. A livre apreciação da prova pelo julgador não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos quer por acordo ou confissão das partes .
21.A douta sentença , pese embora a sua prolixidade na citação de jurisprudência e de doutrina, não permite perceber/apreender o iter cognoscitivo e valorativo que conduziu e mal, à conclusão de que “(…)Tendo sido prestadas, por escrito as informações exigidas por Lei (…)”
22.Na verdade, o vertido da douta decisão em causa, nega à Recorrente o exercício do seu direito de oposição, pelo que adere a douta sentença sob censura, à transmissão cega do contrato de trabalho de trabalho , como defende a Recorrida – transmissão ope legis - em que os direitos da Recorrente são totalmente suprimidos em violação direta das normas consagradas nos art.º s 286 e 286 ambos do Código do trabalho e ainda os art.s 53.º e 59.º (direito de segurança no emprego e direito ao trabalho ) da Lei Fundamental (CRP).
23.À Recorrente não foram prestadas pela Recorrida as necessárias informações para que esta pudesse exercer o seu direito de oposição e, surpreendentemente, a douta sentença sob censura conclui o oposto, depois de elaborar vastamente sobre a transmissão do estabelecimento suportando as suas elucubrações nos documentos juntos com a contestação e prova testemunhal, que não eram do conhecimento da Recorrente ….Elucidativo!!!
24.Constando do segmento dispositivo que “No caso vertente, tendo a A. recebido a missiva dando conta da transmissão do seu contrato para a nova concessionária em 21/05/2019, terçafeira, a mesma dispunha de cinco dias úteis para, juntamente com os seus colegas designar uma comissão representativa, findos os quais tinha mais cinco dias úteis para se opor à transmissão do seu contrato para a Cafécop, Lda., prazo que findou a 04/06/2019, terçafeira.
Sopesando os factos provados, sem que a A. tenha posto em causa que tenha havido transmissão de estabelecimento, mas apenas a nulidade da comunicação efetuada pela R., que, como já referimos, preenche os requisitos legais,
“(…)verifica-se que a A. não deduziu oposição à transmissão da posição da R. no seu contrato de trabalho invocando qualquer dos fundamentos legais e dentro do prazo de que dispunha para o efeito”.
25.Ora, a douta sentença refere vastamente as razões de facto e de direito que subjazem à transmissão de estabelecimento, para concluir e mal que se consideram preenchidos os “requisitos legais” da Comunicação cuja nulidade foi invocada ab initio , legalizando a transmissão às cegas do contrato de trabalho da Recorrente e a supressão do direito de oposição do trabalhador e dos Direitos Fundamentais previstos nos art.s 53.º e 59.º (direito de segurança no emprego e direito ao trabalho ) da Lei Fundamental (CRP).
26.Adere a douta sentença e mal ao mercadejar dos contratos de trabalho a que o trabalhador tem de aderir de forma cega, como defende a douta sentença em crise, ao não declarar a nulidade de que enferma a comunicação como se impunha.
27.Nulidade por falta de fundamentação - Com efeito, a douta decisão sob recurso não procedeu como é exigido à análise critica e comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações essencialmente determinantes da opção feita e cuja enunciação, limitando-se a considerar a prova documental trazida aos autos pela Recorrida, nada dizendo sobre os documentos que constam dos pontos 18, 20, 21 22 dos factos dados como provados e que consubstancia prova documental trazida pela Recorrente aos autos:
18“No dia 29/05/2019 a Ilustre Mandatária da A. remeteu à R. um email com o seguinte teor:
"Exmos. Senhores,
Foi a minha constituinte "notificada" de que a partir de dia 31.5. p f o seu contrato de trabalho passaria para uma entidade, apenas identificada como "Cafecop, Lda", sem aduzir qualquer outro esclarecimento ou a completa identificação, nos termos do artº 171º do CSC. Assim, não se encontram cumpridos os requisitos do artº 54º do CCT , bem como dos artºs 285º e sgs do CT, não tendo sido prestadas as necessárias informações nos termos do nº 1 do artº 286º"
1 - O transmitente e o adquirente devem informar os representantes dos respetivos trabalhadores ou, caso não existam, os próprios trabalhadores, sobre a data e motivos da transmissão, suas consequências jurídicas, económicas e sociais para os trabalhadores e medidas projetadas em relação a estes, bem como sobre o conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente, sem prejuízo do disposto nos artigos 412.º e 413. com as necessárias adaptações se a informação for prestada aos trabalhadores. ".
Assim, a notificação em crise é nula , não sendo apta à produção de qualquer efeito jurídico. Aguardo o contacto de V. Exas. afim de resolver a questão em causa que envolve os direitos da minha constituinte que assim se encontram violados, logrando encontrar uma resolução por acordo. (...). "
20. No dia 31/05/2019 a Ilustre Mandatária da A. remeteu à Diretora de Recursos Humanos da R. um email com o seguinte teor:
"Exma. Senhora Dra.,
Discordo do carácter "ope legis" da transferência da titularidade dos contratos de trabalho, que refere no seu email, a que aqui respondo, o contrato de trabalho da minha constituinte não se transmite juridicamente de forma cega e automática para entidades terceiras - que se desconhece nem foram fornecidos elementos que permitam identificar a entidade , podendo até, por mera hipótese, ser uma entidade que ponha em causa as regras concorrenciais - por força e em virtude do termo do contrato de exploração com a Autoeuropa, desconhecendose se ocorre uma genuína e verdadeira transmissão do estabelecimento, sendo um facto que carece de ser provado, até para que a minha constituinte possa de forma esclarecida saber o que sucede à sua situação jurídico laboral e a final quem é a entidade terceira, identificada com a denominação social.
Constituindo o artigo 285.º do Código do Trabalho e a cláusula que invoca do CCT disposições imperativas, estabelecidas no beneficio dos trabalhadores, pelo que não são as mesmas suscetíveis de serem derrogadas por contratos entre o cedente e o cessionário do estabelecimento ou serviço onde a trabalhadora exerce funções, dependendo da existência de uma transmissão de um estabelecimento, da efetiva transmissão seus bens móveis , equipamentos, mas também dos bens incorpórios, a sucessão da atividade sem interrupção, a manutenção da identidade da atividade desenvolvida após a transferência, o que a referida comunicação, cuja nulidade foi invocada e se suscita , nada diz.
Pretende a Eurest que de forma cega a minha constituinte aceite o que se desconhece em violação das garantias do trabalhador previstas no CT e na CRP.
Mantémse o propósito de agendar reunião com a Exma. Senhora Dra. A fim de lograr por termo por acordo a esta questão.
Com os melhores cumprimentos (...) "
28.Sendo jurisprudência assente do Tribunal Constitucional, “a fundamentação das decisões judiciais, em geral, e particularmente em relação à matéria de facto, é assim uma expressão do princípio do Estado de Direito democrático, na sua vertente de controlo público da justiça ... A decisão da matéria de facto nunca pode surgir, assim, como um resultado justificado apenas subjetivamente, como se tratasse de uma simples afirmação de um poder judicativo pessoal, mas tem, ao invés, de estar suportada em razões objetivadas e objetivamente controláveis quanto à razoabilidade dos critérios de aferição da realidade dada como assente ou julgada como não assente, mormente quando esses critérios não estão predefinidos legalmente, como acontece nas provas de valor legal, mas assentam antes em modos racionais de conhecimento da realidade, como as máximas de experiência comum, do saber científico, psicológico, técnico, etc. (…). Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 Fev. 2003, recurso 1850/02.
29.É necessário que o julgador proceda ao exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer, o que não aconteceu na douta sentença em crise. Tal significa, na verdade, que a fundamentação da sentença em termos de matéria de facto não se basta com a discriminação dos factos julgados provados, sendo necessário por força do referido preceito legal fazer o exame crítico das provas de que cumpre conhecer na sentença, sendo que a decisão sobre a matéria de facto está inclusa na própria sentença.
30.Não tendo efetuado o exame crítico de tais provas, existe insuficiente fundamentação da sentença.
31.Sendo que as partes têm de ter idênticas possibilidades de obter a justiça que lhes seja devida e a um processo equitativo. Estes Princípios possuem dignidades Constitucional, derivando do Princípio do Estado de Direito Democrático e constituem emanações diretas do Princípio da igualdade – artº 13ºda CRP.
32.Pelo que se argui a nulidade da sentença por falta de fundamentação – Nulidade por falta de fundamentação – artº 615º b) do CPC.
33.A douta sentença ainda conclui e mal:
“No caso vertente, embora a R. apenas tenha provado a prestação de 36 horas de formação, ministrada em 18/04/2017, considerando que, o contrato de trabalho da A. se transmitiu para a Cafécop, Lda., com todos os direitos e deveres que subsistiam na esfera jurídica da R., não há lugar ao pagamento por esta de qualquer quantia a título de formação não ministrada”.
34.Ora, pelos fundamentos atrás expendidos têm estes aplicação mutatis mutandis quanto a este segmento decisório sofrendo a douta decisão em causa dos vícios e nulidades que já enunciadas, devendo ser julgado procedente por provado o pagamento das horas de formação profissional devidas e não pagas à Recorrente.
35.E com o reconhecimento da justa causa invocada para resolução do contrato de trabalho da Recorrente, deve a Recorrida pagar o montante devido pela cessação do contrato de trabalho e ainda a indemnização prevista no artº 396º do C.T
Nestes termos e nos mais de direito, sempre com o mui douto suprimento de V.Exas., deverá ser julgada procedente a presente apelação, por procedente as nulidades e vícios invocados - errou quer na interpretação quer na aplicação da lei, tendo a douta sentença em crise feito uma incorreta aplicação do direito - de que enferma a douta sentença sob recurso e o erro de julgamento, com as legais consequências.» 2
3. Contra-alegou a Ré, propugnando pela improcedência, quer da arguida nulidade da sentença, quer do recurso.
4. A 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
5. Tendo o processo subido à Relação, o Ministério Público emitiu parecer favorável à procedência do recurso.
Não foi oferecida resposta.
6. O recurso foi mantido e, depois de elaborado o projeto de acórdão, foram colhidos os vistos legais.
Cumpre, em conferência, apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões a dilucidar e resolver são as seguintes:
1. Nulidade da sentença.
2. Nulidade da comunicação sobre a transmissão do contrato de trabalho.
3. Verificação da justa causa de resolução do contrato de trabalho invocada.
4. Direito à indemnização pela resolução contratual.
5. Direito ao crédito respeitante à formação não ministrada.
*
III. Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. Por escrito datado de 22/03/2012, denominado “contrato de trabalho por tempo indeterminado” a Eurest admitiu a A. ao seu serviço para prestar as funções de empregada de refeitório na unidade ATEC.
2. Por contrato celebrado com a Volkswagen Autoeuropa, Lda. em 18/08/2012 a R. passou a assegurar os serviços de “Catering & Vending”, pelo período de três anos.
3. Tal serviço incluía a confeção e fornecimento de refeições nos dois refeitórios existentes na Autoeuropa e a disponibilização de máquinas de venda automática de snacks e bebidas em áreas definidas pelo cliente.
4. As máquinas deveriam ser abastecidas ao longo dos turnos a tempo dos intervalos dos trabalhadores da Autoeuropa, de acordo com um horário previamente definido.
5. O referido acordo foi objeto de aditamento em 24/06/2015 e 05/08/2016.
6. A partir de 01/05/2017 a A. foi reclassificada como repositora de 2.ª passando a exercer funções na área de vending da Volkswagen Autoeuropa, Lda..
7. Em Novembro de 2018 a Volkswagen Autoeuropa, Lda. deu início ao procedimento para a contratação de um prestador para o serviço de vending.
8. Foi estabelecido no ponto 2.8.3 da Especificação da Prestação de Serviço de Vending “O Quadro de Pessoal afeto ao Serviço deve considerar a lista de sub-rogação (anexo IV) e ser descrito na proposta”.
9. O serviço de vending foi adjudicado à Cafecop, Lda. com efeitos a partir de 01/06/2019.
10. Em 24/04/2019, a R. remeteu à Cafécop, Lda. um email com o seguinte teor:
“Boa tarde,
De acordo com a legislação em vigor, junto enviamos o quadro de pessoal do Vending Eurest/Cafecop - Transmissão de colaboradores Autoeuropa, que irá transitar para a vossa empresa.
Ao dispor para eventuais esclarecimentos.
Sem outro assunto de momento”
11. Em anexo ao referido email seguiu um documento com o seguinte teor:
12. Os trabalhadores identificados no Anexo continuaram a trabalhar no sector de vending da Autoeuropa.
13. A R. aplicava aos seus trabalhadores do CCT entre a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) e o Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo – SITESE para o sector das cantinas, refeitórios e fábricas de refeições, com revisão global publicada no BTE n.º 15 de 22/04/2017.
14. Com data de 20/05/2019 a R. remeteu por correio registado com AR uma carta com o seguinte teor:
“Vimos por este meio informar V. Exa., que a partir do próximo dia 31/05/2019, a Eurest deixará de prestar os seus serviços no refeitório da unidade “Volkswagen Autoeuropa-Vend-Vend”, onde se encontra a trabalhar, passando a concessão do mesmo para a Cafecop lda.
Mais informamos, que de acordo com a legislação em vigor e o CCT aplicável ao sector, o seu contrato de trabalho transitará para a nova concessionária, mantendo todo os direitos e deveres nomeadamente no que concerne à antiguidade (…).”
15. A A. recebeu a referida missiva em 21/05/2019.
16. Em 27/05/2019, a R. remeteu à Cafécop, Lda. um email com o seguinte teor:
“Bom dia Dra. BB,
De acordo com a legislação em vigor, junto enviamos o quadro de pessoal do Vending Autoeuropa, que irá transitar para a vossa empresa a partir de 01/06/2019.
Tal como solicitado enviamos ainda as cópias dos contrato em vigor, cópia dos últimos recibos, números de telefones (no quadro anexo), não poderemos enviar as cópias dos cartões de cidadão em virtude da proteção de dados.
Ao dispor para eventuais esclarecimentos.
Sem outro assunto de momento”
17. Em anexo ao referido email seguiu o documento referido em 11 e os contratos de trabalho dos colaboradores CC, DD, EE e FF.
18. No dia 29/05/2019 a Ilustre Mandatária da A. remeteu à R. um email com o seguinte teor:
“Exmos. Senhores,
Foi a minha constituinte “notificada” de que a partir de dia 31.5. p.f. o seu contrato de trabalho passaria para uma entidade, apenas identificada como “Cafecop, Lda”, sem aduzir qualquer outro esclarecimento ou a completa identificação, nos termos do artº 171º do CSC.
Assim, não se encontram cumpridos os requisitos do artº 54º do CCT , bem como dos artºs 285º e sgs do CT, não tendo sido prestadas as necessárias informações nos termos do nº 1 do artº 286º”
1 - O transmitente e o adquirente devem informar os representantes dos respetivos trabalhadores ou, caso não existam, os próprios trabalhadores, sobre a data e motivos da transmissão, suas consequências jurídicas, económicas e sociais para os trabalhadores e medidas projetadas em relação a estes, bem como sobre o conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente, sem prejuízo do disposto nos artigos 412.º e 413.º, com as necessárias adaptações se a informação for prestada aos trabalhadores.”.
Assim, a notificação em crise é nula , não sendo apta à produção de qualquer efeito jurídico.
Aguardo o contacto de V. Exas. a fim de resolver a questão em causa que envolve os direitos da minha constituinte que assim se encontram violados, logrando encontrar uma resolução por acordo. (…).”
19. No dia 31/05/2019 a Diretora de Recurso Humanos da R. remeteu à Ilustre Mandatária da A. um email com o seguinte teor:
“Exma. Senhora Dra.,
Relativamente aos e-mails abaixo que mereceram a nossa melhor atenção, cumpre-nos referir que não podemos aceitar as afirmações ali vertidas.
Com efeito, a situação em causa está abrangida não só pelo Código do Trabalho, mas também, e principalmente, pelo Contrato Coletivo de Trabalho aplicável ao sector, no caso o CCT negociado entre a AHRESP e o SITESE, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 15, 22/4/2017.
Ora, nos termos do disposto no n.º 4 da respetiva cláusula 51.ª, “[o]concessionário cessante deverá notificar, quando possível, os trabalhadores ao seu serviço da cessação do respetivo contrato celebrado com a concedente”, nada mais se estabelecendo nesta matéria.
Neste contexto, a comunicação da Eurest não só é perfeitamente válida, como cumpre com todos os requisitos legais aplicáveis.
Na verdade, as obrigações de informação que recaem sobre a Eurest dizem respeito aos elementos que terá de fornecer ao novo concessionário, nos termos do n.º 5 da mesma cláusula.
De facto, como tem sido entendimento comum, inclusivamente da AHRESP e da própria ACT, as normas do Código do Trabalho referidas por V. Exa. não são aplicáveis no presente caso, uma vez que está em causa uma transferência indireta em que inexiste qualquer relação contratual entre anterior e novo empregador, tratando-se de uma mera sucessão de concessões.
Assim, porque nos termos do n.º 1 da cláusula 51.ª do CCT aplicável, o contrato de trabalho da S/ Constituinte se transferiu, ope legis, para o novo concessionário, deverá a mesma, à semelhança de todos os respetivos colegas, cumprir as suas obrigações legais perante a sua entidade empregadora.
Sem mais de momento, apresentamos os nossos melhores cumprimentos (…)”
20. No dia 31/05/2019 a Ilustre Mandatária da A. remeteu à Diretora de Recursos Humanos da R. um email com o seguinte teor:
“Exma. Senhora Dra.,
Discordo do carácter “ope legis” da transferência da titularidade dos contratos de trabalho, que refere no seu email, a que aqui respondo, o contrato de trabalho da minha constituinte não se transmite juridicamente de forma cega e automática para entidades terceiras - que se desconhece nem foram fornecidos elementos que permitam identificar a entidade , podendo até, por mera hipótese, ser uma entidade que ponha em causa as regras concorrenciais - por força e em virtude do termo do contrato de exploração com a Autoeuropa, desconhecendo-se se ocorre uma genuína e verdadeira transmissão do estabelecimento, sendo um facto que carece de ser provado, até para que a minha constituinte possa de forma esclarecida saber o que sucede à sua situação jurídico laboral e a final quem é a entidade terceira, apenas identificada com a denominação social.
Constituindo o artigo 285.º do Código do Trabalho e a cláusula que invoca do CCT disposições imperativas, estabelecidas no benefício dos trabalhadores, pelo que não são as mesmas suscetíveis de serem derrogadas por contratos entre o cedente e o cessionário do estabelecimento ou serviço onde a trabalhadora exerce funções, dependendo da existência de uma transmissão de um estabelecimento, da efetiva transmissão seus bens móveis, equipamentos, mas também dos bens incorpórios, a sucessão da atividade sem interrupção, a manutenção da identidade da atividade desenvolvida após a transferência, o que a referida comunicação, cuja nulidade foi invocada e se suscita , nada diz.
Pretende a Eurest que de forma cega a minha constituinte aceite o que se desconhece em violação das garantias do trabalhador previstas no CT e na CRP.
Mantém-se o propósito de agendar reunião com a Exma. Senhora Dra. a fim de lograr por termo por acordo a esta questão.
Com os melhores cumprimentos (…)”
21. No dia 04/06/2019 a Ilustre Mandatária da A. remeteu à Diretora de Recursos Humanos da R. um email com o seguinte teor:
“Exma. Senhora Dra.,
Continuo a aguardar resposta ao meu email infra.
A minha constituinte continua a manter o seu vínculo laboral à Eurest uma vez que a notificação em crise, pelos motivos e razões aduzidos, não é apta à produção dos efeitos jurídicos pretendidos por V,. Exas.
Renovo a minha disponibilidade para reunir a fim de se dilucidar esta questão.
Com os melhores cumprimentos, (…)”
22. No dia 06/06/2019 a Ilustre Mandatária da A. remeteu à Diretora de Recursos Humanos da R. um email com o seguinte teor:
“Exma. Sra. Dra.,
A minha constituinte mantém o seu vínculo laboral à Eurest, pelo que a baixa da SS foi encaminhada para essa empresa.
Como já foi explanado à saciedade a minha constituinte não aceita a transmissão/cessão do seu contrato de trabalho da forma “cega” como pretendido por V. Exas.
Com os melhores cumprimentos, (…)”
23. No dia 11/06/2019 a Diretora de Recurso Humanos da R. remeteu à Ilustre Mandatária da A. um email com o seguinte teor:
“Exma. Senhora Dra.,
Conforme já repetidamente referido, nos termos dos CCT’s aplicáveis ao sector, a transmissão da posição jurídica de empregador no contrato de trabalho da S/ Constituinte operou licitamente, tal como ocorreu com todos os restantes trabalhadores afetos à concessão.
Face ao exposto, a Eurest não pode aceitar os documentos de baixa da referida trabalhadora, os quais deverão ser encaminhados para a atual entidade empregadora.
Sem mais de momento, apresentamos os nossos melhores cumprimentos, (…)”
24. Com data de 12/06/2019 a A. remeteu à R. carta registada com AR com o seguinte teor:
25. A referida missiva foi recebida pela R. em 14/06/2019.
26. Com data de 25/06/2019 a Diretora de Recursos Humanos da R. remeteu à A. carta registada com AR com o seguinte teor:
27. A R. não emitiu à A. o modelo RP 5004.
28. Com data de 02/08/2019 a Diretora de Recursos Humanos da R. remeteu à A. carta registada com AR com o seguinte teor:
“Fazemos referência à S/ comunicação por nós rececionada a 30 de Julho p. p., que mereceu a nossa melhor atenção.
Conforme já lhe havia referido na nossa missiva de 25 e Junho p p., a Eurest não aceita os motivos invocados por Exa. para a revogação do contrato de trabalho com alegada justa causa.
Desde logo, entende a Eurest que o S/ contrato de trabalho se encontra válido e em vigor perante outra entidade empregadora, o que impossibilita a emissão de qualquer modelo para a atribuição de subsídio de desemprego.
Na mesma senda, tão pouco existe qualquer indemnização ou créditos em falta, já que o contrato de trabalho de V. Exa. se transmitiu, legalmente, para uma nova entidade empregadora, conforme já repetidamente referido.
Quanto ao certificado de trabelho, segue em anexo à presente comunicação.
Sem mais de momento, apresentamos os nossos melhores cumprimentos,”
29. A A. prestava funções por turnos e folgas rotativas, no âmbito de uma escala mensal definida pela R.
30. A A. não trabalhou nos Sábados correspondentes aos dias 24 e 31 de Março, 12 de Maio, 21 de Julho, 17 e 24 de Novembro de 2018 e 23 de Fevereiro de 2019.
31. A A. não trabalhou nos Domingos correspondentes aos dias 26 de Agosto, 18 e 25 de Novembro de 2018, 13 de Janeiro e 24 de Fevereiro de 2019.
32. A A. não trabalhou nos feriados correspondentes aos dias 13 de Fevereiro, 30 de Março, 1 de Maio, 10 de Junho, 5 de Outubro, 1 e 8 de Dezembro de 2018, 5 de Março, 19 e 25 de Abril e 1 de Maio de 2019.
33. Em Outubro de 2018 a A. não informou GG de que tinha folgas para compensar.
34. Em 18/04/2017 a R. ministrou à A. 36 horas de formação.
35. Em maio de 2019 a A. auferia a retribuição base mensal de € 635.
*
IV. Nulidade da sentença
Argui-se, no recurso, a nulidade da sentença, com fundamento em duas causas:
a) Falta de fundamentação no que respeita ao exame crítico das provas;
b) Contradição entre os factos provados e a decisão.
Vejamos.
Prescreve a alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, aplicável por força da remissão prevista no artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Em relação à falta de fundamentação que constitui causa de nulidade da sentença, ensina-nos o Professor Alberto dos Reis3: «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade (…)».
O mesmo entendimento tem sido defendido por doutrina mais recente.
Escreve Lebre de Freitas4 que «há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação».
Por sua vez, Teixeira de Sousa5 afirma que «esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (…)».
No mesmo sentido, refere Rodrigues Bastos6 que «a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afeta o valor legal da sentença».
Também a jurisprudência, desde há muito, pacificamente, tem considerado que a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a fundamentação se mostra deficiente, errada ou incompleta.7
Perfilhando este tribunal tal entendimento, desde já se adianta que a sentença recorrida não padece desta causa de nulidade.
Com efeito, o tribunal de 1.ª instância observou o dever de fundamentação que se lhe impunha no âmbito do processo.
Da sentença constam os factos provados e a fundamentação de direito.
Consta, igualmente, a motivação da convicção, no âmbito da qual foi realizada a análise crítica da prova, que tinha de ser inclusa na sentença, conforme prescreve o n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável.
Destarte, não se verifica a alegada falta de fundamentação, improcedendo, assim, a primeira causa de nulidade invocada.
Quanto à alegada contradição entre os factos provados e a decisão, também não se verifica, como passaremos a explicar.
Estatui a alínea c) do n.º 1 do aludido artigo 615.º que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Ora, no caso em apreço, os factos provados estão em absoluta concordância com a decisão.
Nomeadamente, nos pontos 14, 15 (citados pela recorrente) e 18 (respeitante ao email subsequente enviado pela mandatária da recorrente) não resulta, de facto, posto em causa a perda, pela recorrida, da concessão do serviço de fornecimento de comida e bebida através de máquinas de venda automática, nem a “transmissão de estabelecimento”, comunicada, por escrito, em 21-05-2019, como decidiu o tribunal a quo.
Verifica-se, pois, coerência entre os factos e a decisão.
Claudica, como tal, a segunda causa de nulidade invocada pela recorrente.
Em conclusão, improcede a arguida nulidade da sentença.
*
V. Da alegada nulidade da comunicação sobre a transmissão do contrato de trabalho
Invoca a recorrente que a comunicação que lhe foi feita da transmissão do seu contrato de trabalho, datada de 20-05-2019, é nula, porque não preenche os requisitos legais, em virtude de não lhe ter sido prestada informação necessária para o exercício do direito de oposição à transmissão.
Analisemos a questão.
Em 21-05-2019, a recorrente recebeu uma carta registada com a.r, datada do dia anterior, remetida pela recorrida, com o seguinte teor:
“Vimos por este meio informar V. Exa., que a partir do próximo dia 31/05/2019, a Eurest deixará de prestar os seus serviços no refeitório da unidade “Volkswagen Autoeuropa-Vend-Vend”, onde se encontra a trabalhar, passando a concessão do mesmo para a Cafecop lda.
Mais informamos, que de acordo com a legislação em vigor e o CCT aplicável ao sector, o seu contrato de trabalho transitará para a nova concessionária, mantendo todo os direitos e deveres nomeadamente no que concerne à antiguidade (…).”
Sobre o dever de informação da transmissão de estabelecimento/unidade económica, pelo empregador transmitente, dispunha, à data, o artigo 286.º do Código do Trabalho:8
1 - O transmitente e o adquirente devem informar os representantes dos respetivos trabalhadores ou, caso não existam, os próprios trabalhadores, sobre a data e motivos da transmissão, suas consequências jurídicas, económicas e sociais para os trabalhadores e medidas projetadas em relação a estes, bem como sobre o conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente, sem prejuízo do disposto nos artigos 412.º e 413.º, com as necessárias adaptações se a informação for prestada aos trabalhadores.
2 - O transmitente deve, ainda, se o mesmo não resultar do disposto no número anterior, prestar aos trabalhadores abrangidos pela transmissão a informação referida no número anterior, sem prejuízo do disposto nos artigos 412.º e 413.º, com as necessárias adaptações.
3 - A informação referida nos números anteriores deve ser prestada por escrito, antes da transmissão, em tempo útil, pelo menos 10 dias úteis antes da consulta referida no número seguinte.
4 - O transmitente e o adquirente devem consultar os representantes dos respetivos trabalhadores, antes da transmissão, com vista à obtenção de um acordo sobre as medidas que pretendam aplicar aos trabalhadores na sequência da transmissão, sem prejuízo das disposições legais e convencionais aplicáveis a tais medidas.
5 - A pedido de qualquer das partes, o serviço competente do ministério responsável pela área laboral participa na negociação a que se refere o número anterior, com vista a promover a regularidade da sua instrução substantiva e procedimental, a conciliação dos interesses das partes, bem como o respeito dos direitos dos trabalhadores, sendo aplicável o disposto no artigo 362.º.
6 - Na falta de representantes dos trabalhadores abrangidos pela transmissão, estes podem designar, de entre eles, no prazo de cinco dias úteis a contar da receção da informação referida nos n.os 1 ou 2, uma comissão representativa com o máximo de três ou cinco membros consoante a transmissão abranja até cinco ou mais trabalhadores.
7 - Para efeitos dos números anteriores, consideram-se representantes dos trabalhadores as comissões de trabalhadores, as associações sindicais, as comissões intersindicais, as comissões sindicais, os delegados sindicais existentes nas respetivas empresas ou a comissão representativa, pela indicada ordem de precedência.
8 - O transmitente deve informar imediatamente os trabalhadores abrangidos pela transmissão do conteúdo do acordo ou do termo da consulta a que se refere o n.º 4, caso não tenha havido intervenção da comissão representativa.
9 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.os 1, 2, 3, 4 ou 8.
Extrai-se desta norma que o empregador transmitente tem a obrigação de informar os trabalhadores abrangidos pela transmissão da sua futura ocorrência.
É a própria lei que define o conteúdo mínimo obrigatório dessa informação.
Visando tal informação dar a conhecer os aspetos essenciais da transmissão, dita o artigo citado que a mesma deve conter: a data da transmissão, os motivos da mesma, as consequências jurídicas, económicas e sociais para os trabalhadores e as medidas projetadas em relação aos mesmos, bem como o conteúdo do contrato celebrado entre o transmitente e o adquirente (quando este, obviamente, exista9).
No caso que nos ocupa não foi celebrado qualquer contrato entre a recorrida e a adquirente “Cafecop, lda”, pelo que não existia a última obrigação mencionada.
E analisando a comunicação escrita remetida à recorrente verifica-se que esta informava que, a partir de 31-05-2019, a recorrida deixaria de prestar os serviços que vinha prestando no refeitório da unidade “Volkswagen Autoeuropa-Vend-Vend” onde aquela trabalhava, uma vez que a concessão passaria para a “Cafecop, lda”. Nessa sequência, indicava-se ainda que o contrato de trabalho da recorrente seria transferido para a nova concessionária, mantendo-se todos os direitos e deveres, nomeadamente no que concerne à antiguidade.
Para qualquer declaratário normal colocado na posição da recorrente era possível inferir, no nosso entender, que o contrato de trabalho seria transmitido, em 01-06-2019, para a nova concessionária da unidade económica em causa, devido à transmissão dessa unidade para esta – cf. artigo 236.º do Código Civil.
Dito de outro modo, mesmo que a missiva enviada não seja um modelo perfeito, a informação transmitida possibilitava o conhecimento da data e motivos da transmissão, bem como das consequências jurídicas, económicas e sociais dessa transmissão para a trabalhadora (a transmissão do seu contrato de trabalho).
Quanto às medidas projetadas para a trabalhadora, as mesmas resumiam-se à manutenção do contrato de trabalho, com respeito pelos direitos, deveres e antiguidade da trabalhadora
Atentemos que estamos perante um caso de transmissão de unidade económica em que não existiu qualquer relação contratual entre a transmitente e a adquirente, pelo que, se compreende que pouco mais aquela poderia informar sobre as medidas projetadas em relação aos trabalhadores abrangidos pela transmissão.
Cita-se, pela relevância, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-03-2024 (Proc. 889/21.0T8EVR.E1.S1):10
«Em casos como o presente, em que não há qualquer vínculo contratual nem qualquer colaboração entre o eventual transmitente e o eventual transmissário – casos designados por alguma doutrina alemã como transmissão “hostil” – o transmitente não estará, frequentemente, em condições de proporcionar informação relevante sobre, por exemplo, as medidas projetadas em relação aos trabalhadores abrangidos pela transmissão.
Limitar-se-á, como sucedeu, a identificar o eventual transmissário e a informar o trabalhador de que o seu contrato continuará com o novo empregador.»
Ademais, se, na prática, não se verificaria qualquer alteração na posição da trabalhadora, nada mais haveria a informar.
Quanto a este aspeto, cita-se o Acórdão da Relação de Guimarães de 07-05-2020 (Proc. n.º 5670/18.0T8BRG-A.G1):11
«A informação ao(s) trabalhador quanto às consequências jurídicas, económicas e sociais para os trabalhadores e medidas projetadas em relação a estes, nos termos do nº 2 do artigo 286º do CT, não se perspetivando qualquer alteração relevante ao nível da estrutura e gestão do estabelecimento nem se projetando qualquer medida, basta-se com a indicação de que manterão as condições laborais em vigor, antiguidade, categoria profissional, montantes e condições remuneratórias e eventuais outros benefícios.
Importa referir, por último, que também entendemos que a indicação da denominação da adquirente satisfaz a identificação da mesma, não havendo qualquer obrigatoriedade de indicar outros elementos informativos, nomeadamente o número fiscal e a morada da sede.12
A recorrente argumenta que a informação sobre a identidade da adquirente está incompleta por não cumprir os requisitos do artigo 171.º do Código das Sociedades Comerciais. Todavia, este artigo não é aplicável, nem diretamente, nem por remissão do artigo 286.º do Código do Trabalho.
Enfim, face a todo o exposto, afigura-se-nos que a empregadora respeitou o conteúdo da informação exigido por lei.
Quanto ao cumprimento do formalismo exigido para a comunicação e a tempestividade da mesma, constitui matéria que não foi posta em causa em sede de recurso.
Alega, porém, a recorrente que a carta que lhe foi enviada não permitia alcançar se tinha ou não fundamento para exercer o direito de oposição do trabalhador.
Salvo o devido respeito, entendemos que não lhe assiste razão.
O direito de oposição do trabalhador encontra-se previsto no artigo 286.º-A do Código do Trabalho, na redação dada pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março.
Prescreve esta norma:
1 - O trabalhador pode exercer o direito de oposição à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho em caso de transmissão, cessão ou reversão de empresa ou estabelecimento, ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, nos termos dos n.os 1 ou 2 do artigo 285.º, quando aquela possa causar-lhe prejuízo sério, nomeadamente por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente ou, ainda, se a política de organização do trabalho deste não lhe merecer confiança.
2 - A oposição do trabalhador prevista no número anterior obsta à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, nos termos dos n.os 1 ou 2 do artigo 285.º, mantendo-se o vínculo ao transmitente.
3 - O trabalhador que exerça o direito de oposição deve informar o respetivo empregador, por escrito, no prazo de cinco dias úteis após o termo do prazo para a designação da comissão representativa, se esta não tiver sido constituída, ou após o acordo ou o termo da consulta a que se refere o n.º 4 do artigo 286.º, mencionando a sua identificação, a atividade contratada e o fundamento da oposição, de acordo com o n.º 1.
4 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto no n.º 2.
O direito de oposição do trabalhador pode ter, pois, dois fundamentos distintos:
- pode fundar-se no prejuízo sério para o trabalhador, nomeadamente por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente (embora não seja de exigir um prejuízo sério efetivo, mas um mero juízo de prognose sobre um prejuízo sério no futuro);
- ou, basear-se na falta de confiança do trabalhador quanto à política de organização do trabalho do adquirente.
Ora, atendendo à totalidade da informação prestada, a recorrente tinha condições para formular um juízo de prognose sobre o seu futuro profissional.
Repare-se que não lhe era exigido que alegasse um prejuízo sério efetivo, mas apenas que apresentasse as razões ou os indícios que apontassem para a possível ocorrência desse prejuízo. Do mesmo modo, a desconfiança na organização do trabalho do futuro empregador poderia resultar de informações de que dispunha ou, precisamente, do desconhecimento dessa mesma organização.
Com interesse cita-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 25-09-2024 (Proc. n.º 1424/21.5T8SNT.L1-4):13
«I – No art. 286.º-A do Código do Trabalho prevêem-se dois fundamentos distintos para o exercício do direito de oposição à transmissão pelo trabalhador:
- se tal transmissão puder causar-lhe prejuízo sério, por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente ou por qualquer outra razão de gravidade equivalente;
- se a política de organização do trabalho do adquirente não lhe merecer confiança.
II – Tendo em conta que o direito de oposição do trabalhador, em conformidade com os termos do procedimento legalmente previsto, deve ser exercido antes da verificação da transmissão, ao mesmo não é exigível que alegue um prejuízo sério efetivo mas apenas indícios dum prejuízo sério previsível.
III – E, no que respeita à desconfiança na política de organização do trabalho do adquirente, tanto pode resultar de efetivo conhecimento como de desconhecimento desculpável, designadamente por falta de informação suficiente durante o procedimento, mormente quando a transmissária não tem qualquer intervenção colaborante e dialogante, ou, inclusive, faz saber que não aceita a transmissão.»
Acresce referir que, como escreve Júlio Gomes14, «a informação a que o trabalhador abrangido pela transmissão da unidade económica tem direito – e que lhe deve ser fornecida diretamente pelo seu próprio empregador, o transmitente – não abrange, de acordo com a letra da lei, elementos sobre a política de organização de trabalho do transmissário, mas apenas sobre as medidas (que podem ser, obviamente, medidas de gestão de recursos humanos) por este planeadas.»
Em suma, entendemos que a comunicação escrita de 20-05-2019, remetida pela recorrida à recorrente, cumpre o dever de informação exigido no artigo 286.º e não inviabilizou, de forma alguma, o exercício do direito de oposição consagrado no artigo 286.º-A, ambos do Código do Trabalho.
Assim sendo, à luz deste compêndio legal tal comunicação é válida.
Consequentemente, improcede, nesta parte, o recurso.
*
VI. Da alegada verificação da invocada justa causa de resolução do contrato de trabalho
Conforme resultou apurado, com data de 12-06-2019, a recorrente remeteu à recorrida uma carta registada com aviso de receção, por via da qual, resolveu o contrato de trabalho com fundamento em justa causa.
Do teor da carta, que se mostra transcrita no ponto 24 dos factos assentes, extraem-se, em síntese, os seguintes fundamentos de resolução:
- nulidade da comunicação de 20-05-2019, por falta de esclarecimentos sobre a transmissão ocorrida e por insuficiente identificação da empresa
- falta culposa do pagamento pontual da retribuição, por estarem em dívida pagamentos relativos a feriados, sábados e domingos;
- discriminação e desigualdade salarial, por estar a ser pago salário mensal inferior ao que é pago a outras trabalhadoras com a mesma categoria profissional e funções;
- incumprimento do dever de ministrar a formação profissional obrigatória;
- danos na saúde da trabalhadora, por ter sofrido angústia e ansiedade provocadas pelas condutas violadoras da recorrida.
Pugna a recorrente para que, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, se reconheça a verificação da justa causa invocada.
Analisemos.
De harmonia com o artigo 394.º do Código do Trabalho, o trabalhador pode fazer cessar o contrato de trabalho, devido à existência de justa causa.
A cessação do contrato prevista no artigo pressupõe, evidentemente, que existe contrato de trabalho.
Acontece que no caso que nos ocupa a carta de resolução remetida pela recorrente à recorrida com vista à resolução contratual data de 12-06-2019 (ponto 24 dos factos assentes), e ainda que um dos fundamentos da resolução fosse a invocada nulidade da comunicação datada de 20-05-2019, por não conter suficientes esclarecimentos sobre a transmissão ocorrida e identificar deficientemente a adquirente, já vimos que tal nulidade não se verifica.
A trabalhadora também não exerceu o seu direito de oposição, não obstante possuísse condições para o ter feito.
Logo, o contrato de trabalho da recorrente foi transmitido para a “Cafecop, lda” em 01-06-2019.
Por conseguinte, à data da carta de resolução já não existia qualquer contrato de trabalho entre as partes processuais.
E, como é óbvio, não se pode fazer cessar um contrato que não está em vigor.
Deste modo, em face do decidido quanto à questão 2 suscitada no recurso, mostra-se prejudicado o conhecimento das questões enunciadas nos pontos 3 e 4 do objeto do recurso.
*
VII. Sobre o direito ao crédito respeitante à formação não ministrada
Não se conforma a recorrente com a decisão proferida quanto ao peticionado crédito por alegada formação não ministrada.
Para melhor compreensão transcrevemos o decidido:
«Peticiona ainda a A., ao abrigo do disposto nos arts. 130.º a 134 do Código do Trabalho, o pagamento de horas de formação referentes a todo o período de duração do contrato, alegando para tanto que não teve formação profissional.
Dispunha o art. 131.º, n.º 2, do Código do Trabalho, na versão anterior à que foi introduzida pela Lei n.º 93/2019, de 4 de Setembro, que o trabalhador tinha direito, em cada ano, a um número mínimo de trinta e cinco horas de formação contínua que, não sendo asseguradas pelo empregador até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento, se transformam em crédito de horas em igual número para formação por iniciativa do trabalhador e que, caso não seja utilizado cessa passados três anos sobre a sua constituição (cfr. art. 132.º, n.º 1 e 132.º do Código do Trabalho).
Dos preceitos em análise resulta que o crédito de horas de que o trabalhador pode ser ressarcido à data da cessação do contrato não pode ultrapassar três anos, ou seja um total de 105 horas.
No caso vertente, embora a R. apenas tenha provado a prestação de 36 horas de formação, ministrada em 18/04/2017, considerando que, o contrato de trabalho da A. se transmitiu para a Cafécop, Lda., com todos os direitos e deveres que subsistiam na esfera jurídica da R., não há lugar ao pagamento por esta de qualquer quantia a título de formação não ministrada.»
Vejamos.
Na petição inicial foi pedida a condenação da ora recorrida a pagar o montante de 35 horas de formação profissional anuais até à data da resolução do contrato de trabalho.
Ora, o artigo 131.º do Código do Trabalho, na versão anterior à que foi introduzida pela Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro, consagrava o direito do trabalhador contratado por tempo indeterminado a 35 horas de formação anuais.
Com arrimo nos factos provados, apenas foram ministradas à recorrente, em 18-04-2017, 36 horas de formação (ponto 34).
Atente-se que as horas de formação que não sejam asseguradas até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento, transformam-se em crédito de horas em igual número para formação por iniciativa do trabalhador (artigo 132.º, n.º 1, do Código do Trabalho), sendo que não sendo utilizado cessa passados três anos sobre a sua constituição (n.º 6 do artigo 132.º).
No caso concreto, como bem se decidiu na sentença recorrida, só poderiam relevar 105 horas de formação (35 horas x 3 anos).
Sucede que o contrato de trabalho não cessou, como vimos, por força da carta de resolução enviada pela trabalhadora, pelo que não tem aplicação ao caso concreto o disposto no artigo 134.º do Código do Trabalho.
O que ocorreu, por força do estipulado no n.º 3 do artigo 285.º do mesmo compêndio legal, na redação introduzida pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março, é que, em 01-06-2019, o crédito de horas que a recorrente detinha foi transmitido para a “Cafecop, lda”.
E, sendo assim, a decisão recorrida não merece reparo.
Por conseguinte, improcede, também nesta parte, o recurso.
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Concluindo, o recurso improcede na totalidade.
As custas do recurso serão suportadas pela apelante, nos termos previstos pelo artigo 527.º do Código de Processo Civil.
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VIII. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a suportar pela apelante.
Notifique.
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Évora, 27 de novembro de 2025
Paula do Paço
Mário Branco Coelho
Emília Ramos Costa
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1. Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Emília Ramos Costa↩︎
2. Ainda que as conclusões do recurso sejam extensas e repetitivas, revelando um deficiente cumprimento do ónus de conclusão sintética imposto pelo n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral, afigura-se-nos possível inferir as questões suscitadas, manifestamente compreendidas pela recorrida, como se deduz do teor das contra-alegações.
Assim sendo, optámos por não proceder ao convite para o aperfeiçoamento das conclusões, previsto no n.º 3 do artigo 639.º, para evitar delongas processuais.↩︎
3. Em Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pág.140.↩︎
4. Em Código de Processo Civil, pág.297.↩︎
5. Em Estudos sobre Processo Civil, pág. 221.↩︎
6. Em Notas ao Código de Processo Civil, III, pág. 194.↩︎
7. Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-04-1975, BMJ 246.º, pág. 131; o Acórdão da Relação de Lisboa, de 10-03-1980, BMJ 300º, pág. 438; o Acórdão da Relação do Porto de 08-07-1982, BMJ 319.º, pág. 343; o Acórdão da Relação de Coimbra de 06-11-2012, P. 983/11.5TBPBL.C1 e o Acórdão da Relação de Évora de 20-12-2012, P. 5313/11.3YYLSB-A.E1, ambos acessíveis em www. dgsi.pt.↩︎
8. A redação que se cita é a que resulta da das alterações introduzidas pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março.↩︎
9. É consabido que, segundo a jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal de Justiça, a transmissão de unidade económica não carece de qualquer contrato entre o transmitente e o transmissário.↩︎
10. Consultável em www.dgsi.pt.↩︎
11. Idem.↩︎
12. Acrescentamos que no mundo atual, em que a informação geral sobre empresas está à distância de um clique no teclado do computador, não haveria qualquer dificuldade para a trabalhadora de aceder, se assim pretendesse, a mais informação sobre a adquirente. Nós próprios colocámos a denominação fornecida no “Google Chrome” e, imediatamente, deparámos com várias possibilidades de acesso a informações sobre a empresa.↩︎
13. Disponível em www.dgsi.pt.↩︎
14. Em Algumas reflexões críticas sobre a Lei n.º 14/2018, de 19 de março, no Prontuário do Direito do Trabalho 2018-I, pág. 78.↩︎