ESTAFETA
ARECT
PRESUNÇAO DE LABORALIDADE
Sumário

Sumário elaborado pela relatora:
I. O artigo 12.º-A do Código do Trabalho estabelece uma presunção de laboralidade. A verificação de, pelo menos, duas das características discriminadas nas alíneas a) a e), do n.º 1 deste preceito legal é condição suficiente para operar o funcionamento da presunção. Trata-se de uma presunção juris tantum (artigo 350.º do Código Civil), cabendo à parte contrária demonstrar que, não obstante a verificação das circunstâncias apuradas, existem factos e contraindícios indicadores de autonomia, que sejam quantitativa e qualitativamente significativos para permitirem a descaracterização.
II. É de qualificar como contrato de trabalho a relação contratual entre a UBER EATS Portugal, Unipessoal, Lda. e o estafeta quando se mostrem verificados cinco índices da presunção de laboralidade (alíneas a), b), c), e) e f) do aludido artigo 12.º-A) e a plataforma digital não logrou provar factos que pela quantidade e impressividade imponham concluir que se está perante outro tipo de relação jurídica, como lhe competia.

Texto Integral

P. 3933/23.2T8FAR.E2

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1


I. Relatório


1. O Ministério Público intentou ações especiais de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra UBER EATS PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDª, pedindo que seja reconhecida a existência de contrato de trabalho entre AA e BB (apenso A) e a demandada.


2. Em 24-03-2025, foi prolatada sentença que julgou as ações totalmente improcedentes, e, em consequência, absolveu a Ré do pedido.


3. O Ministério Público interpôs recurso da sentença, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões:


«1 - A Uber Eats, através da internet, e de uma aplicação informática, recebe os pedidos dos utilizadores inscritos e organiza a forma de satisfazer esses pedidos, encaminhando-os para estabelecimentos comerciais aderentes e atribuindo o trabalho de entrega dos produtos pedidos a estafetas que se encontram registados na aplicação , organizando e controlando (ou podendo fazê-lo) esse trabalho de recolha , transporte entrega e do valor acordado com o parceiro comerciante, assim sendo uma plataforma digital nos termos do artigo supra referido.


2 - Os estafetas, como é o caso do BB, prestam para a RÉ “Uber Eats a sua atividade, acima descrita, sob as suas ordens, direção e fiscalização pois: - a RÉ paga semanalmente através de transferência bancária, diretamente ao estafeta e estabelece limites máximos e mínimos para aquele. E isto mesmo com os “multiplicadores”, porque em última análise, é sempre a RÉ que determina também o limite máximo da retribuição determinando ela os limites e as condições dos tão propalados multiplicadores, o que integra a presunção da alínea a) do nº 1 do artigo 12º -A do Código do Trabalho (que não foi ilidida pela RÉ do modo que devia ter sido, como adiante veremos).


3 - Embora a presunção da existência do Contrato de Trabalho assente na verificação de determinados indícios expressamente previstos na Lei, possa ser ilidida pelo empregador mediante prova em contrário, essa prova tem de ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida na empresa e não em meras hipóteses ou informações genéricas.


Para ilidir a presunção não basta, pois, a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido (Contrato de Trabalho) devendo ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida na empresa cabendo à empresa o ónus da prova dos concretos e reais factos ( contraprova muito cabal) que consubstanciam esta ilisão (neste sentido Cfr. Ac. do TRP de 26-6-2013 –-processo 2562/21.0T8VNG).


4- É a Ré que determina as regras específicas quanto à prestação da atividade por parte do estafeta, pois:


5 -Os termos e condições de utilização da plataforma foram e estão pré definidos pela RÉ;


6-A plataforma digital controla e supervisiona qualidade da atividade prestada nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica;


7- e a atuação do estafeta é controlada (ou pode ser) em tempo real através de GPS, ou seja, a localização exata do prestador de atividade é conhecida (ou pode ser a todo o momento facilmente conhecida) pela Plataforma RÉ através do sistema de geolocalização. O que integra as presunções estabelecida nas alíneas b) e c) do artigo 12º - A do Código do trabalho, também não devidamente ilididas pela Ré.


8 - Como caraterística fundamental do vínculo laboral, a subordinação jurídica implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de subordinação do trabalhador cuja conduta pessoal na execução do contrato está necessariamente dependente de ordens regras ou orientações ditadas pelo empregador dentro do contrato e as normas que o regem, não se exigindo, contudo que elas sejam efetivamente dadas, bastando apenas que o possam ser, estando o trabalhador sujeito a recebê-las e a contrariá-las.


9 - A Plataforma Digital exerce poderes laborais sobre o prestador da atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através da conta:


Apesar de sentença recorrida não reconhecer a existência de qualquer poder sancionatório da parte da Ré beneficiária da atividade, basta ler os termos do Contrato entre as partes celebrado para se concluir, pelo menos, que nada obsta à faculdade de a RÉ exercer um poder sancionatório em caso de eventual incumprimento das obrigações (ou do que a Ré entender que traduza esse incumprimento) do estafeta no seio da organização em que está inserido liderada pela RÉ, pelo que conceder a esta a possibilidade de retirar o acesso do estafeta à aplicação é conceder-lhe o poder de impedir o estafeta de receber novas propostas de entrega e consequentemente, deixar de exercer aquela atividade profissional. Ou seja, também a presunção prevista na alínea e) do artigo 12º-A do Código do Trabalho se mantém incólume por não ilidida.


10- Os equipamentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação.


A Ré é uma sociedade que, entre outras atividades, gere uma aplicação informática on line de prestação de serviços de entregas, para o efeito detém um software ( App Uber Eats) que funciona como um espaço onde comerciantes e clientes se encontram, para assim venderem e comprarem os seus produtos.


Assim, é inquestionável que a RÉ administra e organiza os serviços de recolha e entrega de mercadorias solicitadas pelos clientes, recorrendo aos estafetas, que preenchem os requisitos por si determinados para cumprir tal desiderato.


Para tal a Ré, através da sua aplicação presta toda a informação necessária ao estafeta para cumprir a sua prestação, comunicando-lhe a identificação dos destinatários bem como o local de entrega e recolha dos produtos.


Acresce que a aplicação dispõe de um sistema de navegação ( GPS) que permite, não só distribuir o serviço das entregas pelos estafetas mais próximos, como acompanha ( ou pode acompanhar) o trajeto do estafeta desde a aceitação à entrega e permite aos clientes consultarem os tempos de espera e entrega das encomendas.


Deste modo, resulta que a aplicação é “realmente” o instrumento de trabalho mais importante desta atividade, sem a qual esta intermediação entre comerciantes, clientes e estafetas não seria possível. Assim a aplicação é a infraestrutura indispensável ao desenvolvimento deste modelo de negócio sendo gerida exclusivamente pela RÉ.


De referir ainda que os clientes que submetem os pedidos à aplicação, não são clientes dos estafetas, na medida em que nenhum relacionamento contratual é estabelecido entre o estafeta e o comerciante/vendedor e o cliente/adquirente.


A infraestrutura essencial da atividade aqui em causa é a aplicação informática gerida pela Ré, sendo a propriedade do veículo, do telemóvel e da mochila térmica acessórias.


A aplicação informática é um instrumento de trabalho e é o único essencial, pois sem aplicação informática não existe sequer relação entre o “estafeta” e o a plataforma digital e é o instrumento através do qual a plataforma organiza toda a atividade, incluindo a atividade do “estafeta”.


11 - Nesse sentido, conforme explanado, foi entendido no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do processo nº 4306/23.2T8VX datado de 5-12-2024 e disponível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido também foi entendido em vários arestos do Tribunal da Relação de Guimarães, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt , veja-se o Acórdão datado de 31-10-24, proferido no processo nº 2781/23.4T8VRL.G1 ou o Acórdão datado de 31-10-24 proferido no processo nº 2783/23.0T8VRL.G1.


12 - A sentença recorrida nesta matéria define os instrumentos de trabalho, considera que a APP da Uber Eats é um verdadeiro instrumento ou meio de produção.


13- Mas a Mma Juiz “ a quo” na sentença recorrida conclui que a plataforma digital Ré não é proprietária da aplicação informática.


14- Sucede que na factualidade não provada na sentença recorrida a Mma Juiz entendeu que resultou não provado com interesse para a decisão e mérito da causa que a Ré explora a APP através de um contrato de locação (cfr. Ponto A da factualidade não provada. Perante este facto dado como não provado a Mma juiz “ a quo” só poderia ter tirado a conclusão estar perante uma dúvida sobre a natureza jurídica da detenção da Aplicação informática pela Ré e considerar a presunção da alínea f) do nº 1 do artigo 12º-A do Código do Trabalho, como não ilidida.


15 - Embora a presunção da existência do Contrato de Trabalho assente na verificação de determinados indícios expressamente previstos na Lei, possa ser ilidida pelo empregador mediante prova em contrário, essa prova tem de ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida na empresa e não em meras hipóteses ou informações genéricas.


16- Para ilidir a presunção não basta, pois, a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido (Contrato de Trabalho) devendo ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida na empresa cabendo à empresa o ónus da prova dos concretos e reais factos ( contraprova muito cabal) que consubstanciam esta ilisão (neste sentido Cfr. Ac. do TRP de 26-6-2013 –-processo 2562/21.0T8VNG).


17 - Ou seja, quem quer ser reconhecido como trabalhador - cabe alegar e fazer a prova, pelo menos de dois, dos pressupostos de base de atuação da presunção, previstos; e provados tais pressupostos, há que presumir a existência de um contrato de trabalho, com a consequente inversão do ónus da Prova.


18 - MAS por via dessa inversão, caberá então ao empregador (neste caso à Ré plataforma digital) ilidir a presunção, através da prova do contrário (artigo 350º nº 2 do Código Civil) sendo que para isso não basta a (mera) contraprova destinada a tornar duvidoso o facto (já) presumido. Não chega. Tem de existir uma contra prova forte que não cause dúvidas. (neste sentido cfr. Ac. do TR do Porto de 14-2-2022- processo nº 416/20.GT8VLG). Assim, também a presunção prevista na alínea f) do artigo 12º-A do Código do Trabalho se mantém incólume por não ilidida.


19 – Assim, preenchidos os factos índices da presunção enumerados nas alíneas a),b),c) e f) do artigo 12º -A do Código do Trabalho, podemos concluir que, no caso, operou, a presunção de laboralidade plasmada naquele artigo por estarem verificados cinco dos fatores indiciários nele enunciados e que presumem a existência de um Contrato de Trabalho, sendo estes factos mais do que suficientes e bastantes, ao contrário do propugnado pelo tribunal “a quo”, para que se possa concluir pela existência de subordinação jurídica.


20 – Perante esta evidência cumpre aquilatar se a Ré ilidiu a presunção de laboralidade.


21 – Tal não acontece, no nosso ponto de vista, porque indícios como o horário de trabalho, a exclusividade e a assiduidade não se adequam a analisar o trabalho prestado no âmbito de uma Plataforma Digital.


22- Sintetizando, a Ré não se limita a ser um mero intermediário na prestação de serviços entre comerciantes e estafetas.


23- A Ré tem como fim a prestação de um serviço de recolhas e entregas, sendo a Ré que fixa o preço e as condições do pagamento do serviço, assim como as condições essenciais para a prestação do referido serviço.


24 – Os estafetas não dispõem de uma organização empresarial própria e autónoma, prestando a sua atividade enxertada na organização de trabalho da Ré, submetidos a à sua direção e organização, como demonstra o modo como a Ré estabelece os preços dos serviços de entrega.


25 – O estafeta não negoceia preços ou condições do serviço com os proprietários dos estabelecimentos onde efetua a recolha dos produtos, nem recebe a retribuição dos clientes finais.


26 – A prestação de trabalho do estafeta está sujeita a uma organização do trabalho que determinada pela Ré, que estabeleceu meios de controle do processo produtivo em tempo real que operam sobre a atividade e não apenas sobre o resultado final, mediante a gestão algorítmica do serviço e a possibilidade de conhecer constantemente a geolocalização dos estafetas, o que evidencia a ocorrência do requisito da dependência e subordinação jurídica própria da relação laboral.


27 - Assim entendemos, com o devido respeito, que a decisão recorrida viola normas e princípios jurídicos que regem a matéria em análise, designadamente artigo 11º e 12º-A do Código do Trabalho.


PELO EXPOSTO, deve a douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo” ser revogada e substituída por outra, ou por Douto Acórdão que declare a existência de um Contrato de Trabalho entre BB e a Ré “Uber Eats Portugal Unipessoal, Lda”, reportado a Outubro de 2023.»


4. Contra-alegou a Ré, concluído:


«1) Percorrendo os factos provados, não se vislumbra que alguma das características previstas nas várias alíneas do artigo 12.º-A esteja verificada, tal como se conclui da análise da factualidade dada como provada.


2) Acresce que qualquer presunção que eventualmente se verificasse resultaria ilidida com base, pelo menos, nos seguintes factos provados: DD), U), X), MM), KK), Y), AA) e BB), O) e P), PP), AAA), UU), W), OO), TT), BBB) e CCC), QQ), LL), WW), XX), J) e LLL).


3) Com particular relevância, não se vislumbra, salvo o devido respeito, como pode ser reconhecida a existência de um contrato de trabalho com um prestador de atividade que, por sua exclusiva vontade, deixou de prestar qualquer atividade e que apenas utilizou a plataforma da Recorrente para prestar atividade durante um curto período que não chega a um mês completo (Factos Provados J) e LLL)).


4) A curtíssima duração da prestação de atividade – duração essa decidida única e exclusivamente pelo prestador de atividade – indica que a relação estabelecida foi meramente ocasional e não estável, o que destrói qualquer tese que defenda a existência de um contrato de trabalho (que, para a discussão em apreço, supõe alguma continuidade ou, pelo menos, um vínculo mais consistente).


5) O que permite concluir que a relação entre o prestador de atividade e a Recorrida, não preenche um dos elementos essenciais do contrato de trabalho, uma vez que a atividade prestada não se pode qualificar, quanto ao cumprimento, como uma atividade laboral, por lhe faltar o compromisso na prestação.


6) Compulsados os presentes autos, não se pode deixar de concluir que na plataforma Uber Eats, os prestadores de atividade são livres para exercer a sua atividade quando querem e pelo tempo que quiserem, onde quiserem e como quiserem, sendo que o modelo de relação contratual estabelecida entre os prestadores de atividade e a Recorrida parte sempre deste pressuposto de absoluta autonomia dos prestadores da atividade na gestão do seu tempo e da forma como se organizam.


7) É possível que os clientes aderentes não consigam realizar pedidos por inexistirem estafetas com a sessão iniciada ou que, após pedido, o mesmo não seja entregue por nenhum estafeta aceitar realizar a entrega (Factos Provados WW) e XX)), o que significa que a Recorrida não organiza a atividade dos prestadores de atividade e que a prestação é esporádica e residual.


8) Em face da factualidade provada, imperioso se torna concluir que o prestador de atividade desempenha a sua atividade de um modo e com características que são fundamentalmente inconsistentes com qualquer relação laboral de acordo com a legislação em vigor.


9) Caso assim não se entenda, deve ser determinado o fim do contrato eventualmente reconhecido em conformidade com o facto provado LLL)


Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis, deve o recurso apresentado pelo Autor/Recorrente ser julgado totalmente improcedente.»


5. Colhidos os vistos legais, cumpre, em conferência, apreciar e decidir.


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II. Objeto do Recurso


É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).


Em função destas premissas, importa analisar e decidir se o tribunal a quo errou ao não qualificar a relação jurídica estabelecida entre a Ré e o estafeta BB como contrato de trabalho.


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III. Matéria de Facto


A 1.ª instância julgou provados os seguintes factos:


A) A Uber Eats Portugal Unipessoal, Lda., com atividade (CAE): Outras atividades relacionadas com as tecnologias da informação e informática (62090), presta serviços à distância através de meios eletrónicos, nomeadamente através do sítio da internet www.ubereats.com ou da aplicação informática “App Uber Eats”, a pedido de utilizadores;


B) A Uber Eats Portugal Unipessoal, Lda., tem como objeto social: Prestação de serviços de geração de potenciais clientes a pedido, gestão de pagamentos; Atividades relacionadas com a organização e gestão de sites, aplicações on-line e plataformas digitais, processamento de pagamentos e outros serviços relacionados com restauração; Consultoria, conceção e produção de publicidade e marketing; Aquisição de serviços de entrega a parceiros de entrega e venda de serviços de entrega a clientes finais, tendo como gerentes CC, contribuinte nº...., residente em ... e DD, contribuinte nº...., residente em ... Em ...;


C) Em serviço de inspeção realizado pela ACT, no passado dia 11.10.2023, no local sito no Fórum Algarve, E.N.125, Km103, em Faro, foi identificado o prestador da atividade, AA, com o NIF ..., com o título de residência nº.... , de nacionalidade indiana, com residência na Rua 1, que se encontrava a aguardar a receção de uma proposta de serviço de entrega de comida através da App Uber Eats;


D) O prestador de atividade presta, habitualmente, 6 horas de trabalho diário, das 16:00 horas às 22:00 horas, podendo escolher o horário de trabalho e os dias de descanso semanal;


E) O prestador de atividade AA consta registado na aplicação “Uber Eats” com o correio eletrónico ..., desde abril 2023, à qual acede a partir do seu telemóvel;


F) Em serviço de inspeção realizado pela ACT, no passado dia 11.10.2023, no local sito no Fórum Algarve, E.N.125, Km103, em Faro, foi identificado o prestador da atividade, BB, com o NIF ... e passaporte nº. ..., de nacionalidade brasileira, com residência na Rua 2, que se encontrava a aguardar a receção de uma proposta de serviço de entrega de comida através da App Uber Eats;


G) O prestador de atividade BB consta registado na aplicação “Uber Eats” com o correio eletrónico ..., desde 4/10/2023, à qual acede a partir do seu telemóvel;


H) AA iniciou a prestação da atividade em abril de 2023;


I) Apresenta registo ativo como trabalhador independente, no sistema de informação da Segurança Social, com data de início em 16/08/2023;


J) BB iniciou a prestação da atividade em 4/10/2023;


K) Apresenta registo ativo como trabalhador independente, no sistema de informação da Segurança Social, com data de início em 4/09/2023;


L) Para poderem receber os pedidos de recolha/entrega os estafetas têm que manter a geolocalização (GPS) do respetivo telemóvel ligada, assim como têm que a manter ligada até à entrega;


M) Os clientes e a R. têm acesso, em tempo real, à localização do estafeta podendo acompanhar a encomenda a partir do momento em que aquele a recolhe;


N) Sem o registo e login na App Uber Eats os estafetas não acedem aos pedidos dos clientes realizados através da mesma;


O) Aquando do registo na APP todos os estafetas, escolheram a área geográfica (cidade ou área geográfica) onde pretendiam realizar a atividade;


P) Os estafetas podem mudar a área geográfica de ação após comunicação à R.;


Q) A recolha e entrega das refeições pelos estafetas é precedida de acesso à APP Uber Eats para o que nela efetuam Login;


R) Após, na mesma aplicação, recebem informação de pedidos de recolha/entrega de refeições solicitados na área geográfica escolhida, com indicação do local de recolha (estabelecimento aderente da plataforma) e do local de entrega (morada do cliente final também aderente da plataforma);


S) A R. utiliza um algoritmo designado por “Algoritmo de Matching” cujo propósito e objetivo “é a otimização do Marketplace da Uber Eats”;


T) Para o efeito disponibiliza aos estafetas a viagem aos que estiverem em melhores condições de localização e distâncias, maximizando com isso o número de viagens que podem realizar e minimizando o tempo que o cliente tem que esperar pela entrega do seu pedido;


U) Os estafetas podem recusar, aceitar ou ignorar os pedidos apresentados;


V) Após aceitação do pedido de recolha/entrega a App que tem um sistema integrado de navegação apresenta sugestão de rota/percurso que considera mais eficiente entre o ponto de recolha e o ponto de entrega;


W) O estafeta decide se realiza a rota sugerida podendo realizar outra e utilizar outro sistema de navegação GPS;


X) Já depois de aceitarem o pedido de recolha/entrega os estafetas podem cancelar a aceitação;


Y) Em troca da entrega realizada a R. paga uma quantia monetária designada de taxa de entrega cujo valor é o resultado da taxa oferecida no momento da receção da proposta de serviços de entrega apresentada na aplicação “Uber Eats” por esta, considerando a taxa mínima por quilómetro, vezes os quilómetros entre o ponto de levantamento e o ponto de entrega constantes na proposta de serviços de entrega conhecidos e ainda incentivos que a cada viagem possam ser aplicáveis em dado momento e/ou local onde o serviço de entrega é prestado;


Z) O número de quilómetros é determinado pela R. usando serviços de localização;


AA) O estafeta pode determinar a sua taxa mínima por quilometro (dentro dos limites mínimos e máximos indicados pela App), indicando na App o limite mínimo de taxa por quilómetro abaixo do qual não deseja receber propostas de serviços de entrega, passando a receber apenas propostas iguais ou superiores a tal valor;


BB) A taxa mínima escolhida poder ser alterada sempre que o estafeta quiser e as vezes que quiser;


CC) A R. designa os intermediários por “Parceiros de Frota”;


DD) Os estafetas podem decidir o modelo que preferem e podem alterá-lo sempre que quiserem;


EE) Quando optam por ser se registar como parceiros de entregas do Parceiro de Frota a R. paga aos Parceiros de frota a taxa de entrega relativa às entregas realizadas pelo estafeta;


FF) Aquando do registo na App a R. possibilita que os estafetas se registem como “Parceiros de entregas independentes” – realizando a atividade na plataforma diretamente – ou como “Parceiros de entregas do Parceiro de Frota” – desenvolvendo a atividade através de um intermediário;


GG) Subsequentemente o parceiro de frota paga quantia não concretamente apurada ao estafeta;


HH) Sem aviso prévio, em caso de obrigação legal ou regulamentar que obrigue a R. a terminar a utilização da App ou dos serviços em prazo inferior a 30 dias, se o estafeta tiver infringido o contrato, mediante denúncia de que o estafeta agiu de forma não segura ou violou o contrato ou legislação conexa com a prestação de serviços de entrega ou teve comportamento fraudulento, a R. pode resolver o contrato impedindo o uso da App pelo estafeta com a respetiva desativação;


II) A R. contratou seguro, sem custos para os estafetas, que abrange o tempo em que os mesmos aceitam um pedido de entrega de uma refeição na aplicação “Uber Eats” até concluir esse pedido, e durante 15 minutos após ter sido concluído;


JJ) A R. quando efetuava os pagamentos aos estafetas fazia-o semanalmente;


KK) Os estafetas ligam-se à App quando querem, nas horas que querem e durante o tempo que querem;


LL) Podem não se ligar à plataforma durante meses, sem qualquer consequência;


MM) Os estafetas podem, mediante indicação na App, bloquear comerciantes ou consumidores finais;


NN) Fazendo-o, passarão a não receber propostas de serviço de recolha/entrega nos/aos mesmos;


OO) Os estafetas podem substituir-se na sua atividade por outro com uma conta ativa na App;


PP) A R. não dá indicações aos estafetas acerca do local onde devem estar para receberem os pedidos de recolha/entrega;


QQ) Para realização da atividade os estafetas usam mochila térmica, telemóvel e meio de transporte que lhes pertence;


RR) Ao aderirem à app os estafetas comprometeram-se a prestar o serviço de entrega cumprindo as regras relativas a higiene e segurança alimentar pelo que, por determinação da R., fazem-no usando a mochila térmica;


SS) A mochila térmica usada pode ter a marca de plataforma concorrente.


TT) Os estafetas podem usar a roupa e o veículo que entenderem;


UU) Os estafetas podem realizar atividade para terceiros, incluindo plataformas concorrente;


VV) Após a realização da entrega a App permite que os utilizadores avaliem a conduta do estafeta designadamente se é o mesmo indicado na app e se teve comportamentos violentos;


WW) Pode acontecer que os clientes aderentes não conseguem realizar pedidos por inexistirem estafetas com a sessão iniciada;


XX) Outras vezes, após pedido, o mesmo não é entregue por nenhum estafeta aceitar realizar a entrega;


YY) A R. tem um programa que denomina “Uber Pro” ao qual os estafetas são livre de aderir e que consiste num programa de acumulação de pontos em consequência das entregas realizadas, os quais permitem, consoante o número de entregas realizadas, que os estafetas aderentes tenham acesso a ofertas/benefícios de parceiros da Uber como descontos em seguros, combustível, vestuário e acessórios;


ZZ) A R. não é dona da app;


AAA) A R. não solicita aos estafetas, como condição da atividade, a adesão a normas de conduta;


BBB) Para se registarem na plataforma os estafetas não estão sujeitos a processo de recrutamento com análise de currículo vitae, entrevistas ou seleção;


CCC) Para tal a R. também não escrutina a experiência, qualificações académicas, características pessoais ou técnicas dos estafetas;


DDD) Para efeito de registo na plataforma a R. exige documento de identificação/certificado de residência se for cidadão não pertencente a pais da União europeia, carta de condução se conduzir moto e seguro de condução, certificado de registo criminal;


EEE) AA prestou a sua atividade na Plataforma tanto de forma independente, como através de um Parceiro de Frota, sendo que, em Abril de 2023, prestava atividade através do Parceiro de Frota EE, Unipessoal, Lda., pessoa coletiva com o número identificativo ...;


FFF) Entre abril de 2023 até Outubro de 2023, a Uber Eats não pagou qualquer montante a AA;


GGG) Entre 21 de setembro de 2023 e 05 de outubro de 2023, o Prestador de Atividade não utilizou uma única vez a Plataforma para prestar a sua atividade (14 dias seguidos);


HHH) Esteve ausente no período entre 13 de maio de 2023 e 10 de junho de 2023 (48 dias seguidos);


III) Não se liga à Plataforma desde dezembro de 2023, pelo que não presta serviços à plataforma desde esta data;


JJJ) E a sua conta continua ativa;


KKK) O pagamento pelo trabalho realizado pelo prestador AA é efetuado pela Uber Eats com uma periodicidade semanal, através de transferência bancária;


LLL) BB não presta serviços através da plataforma desde outubro de 2023, nem se liga à mesma desde a mesma data;


MMM) E a sua conta continua ativa;


NNN) O pagamento pelo trabalho realizado pelo prestador BB é efetuado pela Uber Eats com uma periodicidade semanal, através de transferência bancária;


OOO) A requerida não efetua os competentes descontos para a Segurança Social relativos aos estafetas em causa;


PPP) Nem os incluí na cobertura de apólice de seguro de acidentes de trabalho;


-


E julgou não provada a seguinte factualidade:


A) A R. explora a app através de um contrato de locação;


B) As quantias recebidas da R. sejam a única fonte de rendimento dos estafetas;


C) Os estafetas podem decidir quando são pagos pela R.;


D) Os estafetas podem visualizar outras ofertas na App de entregas disponíveis na sua área, pagas abaixo da sua taxa mínima por quilometro e selecioná-la para entrega, sem necessidade de alterarem a taxa mínima.


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IV. Enquadramento jurídico


Infere-se das alegações e conclusões do recurso que o Ministério Público apenas recorre parcialmente da sentença prolatada pela 1.ª instância, pois aceitou a decisão proferida quanto ao estafeta AA, mas quer ver reapreciada a decisão proferida quanto ao estafeta BB.


O recurso de apelação circunscreve-se, pois, a este último estafeta, tendo o recorrente alegado que se mostram preenchidas as alíneas a), b), c), e) e f) do n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho e que a Ré, ora recorrida, não conseguiu ilidir a presunção de laboralidade prevista no artigo.


Ora, na decisão recorrida, em relação ao estafeta BB, foi considerado que os factos apurados preenchiam as alíneas a), b) e c) do n.º 1 do referido artigo 12.º-A, situação que, como vimos, merece o acordo do recorrente, pelo que não constitui objeto do recurso de apelação.


Por conseguinte, iremos apreciar, apenas, a matéria em relação à qual existe desacordo com o decidido, ou seja, iremos apreciar se também estão preenchidas as alíneas e) e f) do artigo 12.º-A do Código do Trabalho e se a Ré conseguiu, ou não, ilidir a presunção prevista neste preceito legal.


Vejamos.


Dispõe o artigo 12.º-A do Código do Trabalho:


«1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas das seguintes características:


a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela;


b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade;


c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica;


d) A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma;


e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta;


f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação.


2 - Para efeitos do número anterior, entende-se por plataforma digital a pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços à distância, através de meios eletrónicos, nomeadamente sítio da Internet ou aplicação informática, a pedido de utilizadores e que envolvam, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado por indivíduos a troco de pagamento, independentemente de esse trabalho ser prestado em linha ou numa localização determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprios.


3 - O disposto no n.º 1 aplica-se independentemente da denominação que as partes tenham atribuído ao respetivo vínculo jurídico.


4 - A presunção prevista no n.º 1 pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata.


5 - A plataforma digital pode, igualmente, invocar que a atividade é prestada perante pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores.


6 - No caso previsto no número anterior, ou caso o prestador de atividade alegue que é trabalhador subordinado do intermediário da plataforma digital, aplica-se igualmente, com as necessárias adaptações, a presunção a que se refere o n.º 1, bem como o disposto no n.º 3, cabendo ao tribunal determinar quem é a entidade empregadora.


7 - A plataforma digital não pode estabelecer termos e condições de acesso à prestação de atividade, incluindo na gestão algorítmica, mais desfavoráveis ou de natureza discriminatória para os prestadores de atividade que estabeleçam uma relação direta com a plataforma, comparativamente com as regras e condições definidas para as pessoas singulares ou coletivas que atuem como intermediários da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores.


8 - A plataforma digital e a pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores, bem como os respetivos gerentes, administradores ou diretores, assim como as sociedades que com estas se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, são solidariamente responsáveis pelos créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, celebrado entre o trabalhador e a pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital, pelos encargos sociais correspondentes e pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral relativos aos últimos três anos.


9 - Nos casos em que se considere a existência de contrato de trabalho, aplicam-se as normas previstas no presente Código que sejam compatíveis com a natureza da atividade desempenhada, nomeadamente o disposto em matéria de acidentes de trabalho, cessação do contrato, proibição do despedimento sem justa causa, remuneração mínima, férias, limites do período normal de trabalho, igualdade e não discriminação.


10 - Constitui contraordenação muito grave imputável ao empregador, seja ele a plataforma digital ou pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores que nela opere, a contratação da prestação de atividade, de forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.


11 - Em caso de reincidência, são ainda aplicadas ao empregador as seguintes sanções acessórias:


a) Privação do direito a apoio, subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, designadamente de natureza fiscal ou contributiva ou proveniente de fundos europeus, por período até dois anos;


b) Privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos, por um período até dois anos.


12 - A presunção prevista no n.º 1 aplica-se às atividades de plataformas digitais, designadamente as que estão reguladas por legislação específica relativa a transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica.».


Ora, atento o n.º 1 do artigo, presume-se a existência de um contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador da atividade e a plataforma digital, se verifiquem algumas (isto é, pelo menos duas) das características indicadas nas suas diversas alíneas.


Na sentença recorrida já se declararam preenchidas as alíneas a), b) e c).


Apreciemos, então, se também se mostram preenchidas as alíneas e) e f), conforme defende o recorrente.


A alínea e) do n.º 1 do artigo 12.º-A prevê a seguinte característica de laboralidade:


A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta.


Na sentença recorrida não se considerou verificado este indício de laboralidade com apoio na seguinte fundamentação:


«Quanto à alínea e), apurou-se que existe a possibilidade da R. resolver o contrato, impedindo o uso da App pelo estafeta com a respetiva desativação, em caso de obrigação legal ou regulamentar que obrigue a terminar a utilização da App ou dos serviços em prazo inferior a 30 dias, se o estafeta tiver infringido o contrato, mediante denúncia de que o estafeta agiu de forma não segura ou violou o contrato ou legislação conexa com a prestação de serviços de entrega ou teve comportamento fraudulento.


Entendemos que tal não constitui exercício de poder disciplinar, na medida em que se trata de uma medida automática e não de censura corretiva, esta última própria dos procedimentos disciplinares.


Por isso, não está verificado tal indício.»


Apreciemos.


A redação da alínea e) não é muito clara e suscita dúvidas de interpretação, sobretudo porque se fala genericamente em “poderes laborais” e, depois, menciona-se especificamente “o poder disciplinar”, integrando-se como uma expressão do exercício deste poder a situação em que a plataforma digital exclui de futuras atividades o prestador de atividade, através de desativação da conta.


Ora, ainda que sejam vários os poderes característicos do empregador - poder de direção, regulamentar e disciplinar -, afigura-se-nos que devemos interpretar esta alínea no sentido restritivo de estar apenas em apreciação o poder disciplinar, adaptado à realidade da plataforma digital.


Afinal, sobre o poder de direção já versa a alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º-A e, de certa forma, o poder regulamentar também aí surge aflorado pela referência à existência de regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador de serviço ou à prestação da atividade.


Foquemo-nos, por conseguinte, no poder disciplinar.


Como é sabido, este poder caracteriza-se como um poder punitivo do empregador, que visa atuar sobre condutas do trabalhador consideradas censuráveis no contexto da relação laboral estabelecida, e só pode ser exercido durante a pendência do contrato.


Ora, em relação à situação contratual que se analisa, resultou demonstrado que se o estafeta infringir o contrato ou legislação conexa com a prestação de serviços de entrega, ou tiver tido um comportamento fraudulento, a Ré pode resolver o contrato impedindo o uso da App pelo estafeta com a respetiva desativação - ponto HH).


Ou seja, existem determinados comportamentos do estafeta que se consideram censuráveis no contexto da relação estabelecida, e que permitem que a Ré desative a conta do estafeta, excluindo-o.


Tal faculdade consubstancia a existência de um poder punitivo.


Assim o entendeu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-05-2025 (Proc. n.º 29923/23.7T8LSB.L1.S1)2, num caso semelhante ao dos autos, ainda que deduzido contra uma plataforma concorrente da ora Ré, no qual se escreveu:


«Independentemente da margem de liberdade reconhecida ao estafeta no exercício da sua atividade, é indiscutível que esta é desenvolvida num quadro de regras específicas definidas pela empresa (…), a qual – nos termos que tem por adequados e consentâneos com a prossecução do seu modelo de negócio – também controla e supervisiona a atuação da contraparte (…), tal como tem a possibilidade de exercer o poder disciplinar, mediante a suspensão ou desativação da respetiva conta (cfr. ponto 5.4.2. dos “Termos e Condições de Utilização da Plataforma GLOVO para Estafetas”, citado pela decisão recorrida e transcrito em supra nº 17).


Tudo a sugerir, pois, que, nesta medida, o estafeta em causa igualmente se encontrava sujeito à autoridade da R., cabendo aqui recordar que a subordinação pode ser meramente potencial, não sendo necessário que se traduza em atos de autoridade e direção efetiva, como aprofundadamente se referenciou em supra nº 11.


Argumenta o TRL que a possibilidade de a R. resolver o contrato e desativar a conta não permite concluir pela existência de um poder disciplinar, em virtude de o poder de resolução, em caso de violação de cláusula contratuais, ser “permitido” a qualquer contratante. É certo que em qualquer contrato as partes gozam do direito à respetiva resolução. Mas, no âmbito do contrato de trabalho, a resolução contratual em que se traduz o despedimento por justa causa, corporiza e pressupõe, precisamente, o exercício do poder disciplinar.»


Idêntico entendimento foi manifestado nos acórdãos de 17-09-2025 (Proc. n.º 1914/23.5T8TMR.E2.S1), 03-10-2025 (Proc. n.º 29352/23.2T8LSB.L1.S1), 15-10-2025 (Proc. n.º 28891/23.0T8LSB.L1.S1) e 29-10-2025 (Processos n.º 30383/23.8T8LSB.L1.S1 e n.º 1984/23.6T8CTB.C1.S1).3


Embora nesta Secção Social de Évora já tenham existido diferentes posições sobre esta matéria, afigura-se-nos, atualmente, que tendo em consideração a jurisprudência assumida pelo Supremo Tribunal de Justiça, bem como os fundamentais valores da segurança e certeza do Direito, a questão deve ser decidida nos mesmos termos.


E, assim sendo, perante a factualidade provada, considera-se preenchida a alínea e) do n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho.


Avancemos para a apreciação da alínea f) do artigo, que dita o seguinte:


Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação.


Sobre este índice de laboralidade escreveu-se na sentença recorrida:


«Por último, quanto à alínea f) do artigo 12º-A, nº. 1 do Código de Trabalho, importa referir que o que se provou foi que a atividade é desenvolvida através do uso de telemóvel, veículo e mochila térmica, todos propriedade do estafeta, pelo que não se verifica este indício.»


Analisemos.


Com relevância sobre esta circunstância, apurou-se que, para o exercício da atividade, o estafeta utilizava telemóvel, mochila térmica e meio de transporte próprios. No telemóvel tinha instalado a aplicação informática “Uber Eats”, explorada pela plataforma digital, através da qual se conectava e desconectava, recebia as informações necessárias sobre os pedidos de entrega/distribuição e com a qual interagia.


Ora, no já identificado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-05-2025, sumariou-se, com importância, o seguinte:


«(...) também assume especial relevo a circunstância de pertencerem e serem geridas/exploradas pela R. a plataforma digital e aplicações a ela associadas (App), as quais – enquanto intermediário tecnológico no processo de transmissão dos dados relativos aos pedidos formulados pelo utilizador-cliente – são os instrumentos de trabalho essenciais do estafeta.»


Mais se mencionou, na fundamentação do aresto, que toda a atividade do estafeta «está condicionada pela efetiva ligação/conexão a estas ferramentas digitais».


Tudo indica que esta douta decisão parece pretender pôr fim, e traçar um rumo, sobre a divergência jurisprudencial – verificada nas 1.ª e 2.ª instâncias – a respeito de a App ser, ou não, um instrumento de trabalho essencial do estafeta.


Este entendimento, aliás, tem sido reiteradamente afirmado em posteriores acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça em casos semelhantes.


À vista disso, segue-se, atualmente, o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça.


Como tal, há que concluir que no caso concreto, atenta a factualidade provada referente à utilização da App, se mostra preenchido o índice de laboralidade previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 12.º A.


Resumindo, com arrimo nos factos provados pela 1.ª instância, mostram-se preenchidos os índices de laboralidade previstos nas alíneas a), b), c), e) e f) do artigo 12.º-A do Código do Trabalho.


Demonstrada, pois, a base da presunção de contrato de trabalho prevista no mencionado artigo, importa analisar se a Ré/recorrida, ilidiu, ou não, a presunção.


É inegável que a presunção de contrato de trabalho consagrada no artigo 12.º-A é uma presunção legal, que admite prova em contrário para a ilidir.


Esta possibilidade, aliás, mostra-se expressamente prevista no n.º 4 do artigo, que estipula:


«A presunção prevista no n.º 1 pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata.»


Conforme se infere do douto acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça que vem sendo referido, a presunção pode ser afastada se a plataforma digital provar a existência de «”factos positivos excludentes da subordinação”, ou seja, da existência de trabalho autónomo ou da falta de qualquer elemento essencial do contrato de trabalho [elementos que, reafirma-se, à luz do art. 11º, do CT, são: i) obrigação de prestar uma atividade a outrem; ii) retribuição: e iii) subordinação jurídica].»


No caso que nos ocupa, como já dissemos, resultaram provados 5 dos indícios constantes do n.º 1 do artigo 12.º-A.


Alguns desses indícios referem-se a características fundamentais da relação laboral, como sejam a existência dos poderes de direção [alínea b)], de supervisão e controle [alínea c)] e disciplinar [alínea e)].


Vejamos, então, que factos resultaram apurados suscetíveis de contrariar a indiciada subordinação jurídica.


Neste âmbito, provou-se que o estafeta:


- desenvolve a atividade em área geográfica por si escolhida, podendo alterá-la sempre que quiser, mediante prévia comunicação à Ré – pontos O) e P);


- pode recusar, aceitar ou ignorar os pedidos apresentados na App, bem assim, já depois de aceitar, cancelar a aceitação – pontos U) e X);


- pode escolher o percurso que melhor lhe convier entre os locais de recolha e entrega do pedido e pode utilizar um sistema de GPS diferente do da App – ponto W);


- decide o local onde quer estar para receber os pedidos de recolha/entrega – ponto PP);


- é livre de se ligar à App quando quer, nas horas que quer e durante o tempo que desejar, podendo, inclusive, não se ligar durante meses, sem qualquer consequência. BB não presta serviços nem se liga à App desde outubro de 2023, mas mantém a conta ativa – pontos KK), LL), LLL) e MMM);


- pode bloquear comerciantes e/ou clientes com quem não deseje contactar, deixando de receber propostas de entrega desses clientes e/ou comerciantes – pontos MM) e NN);


. usa a roupa e o veículo que entender e a mochila térmica que utiliza pode ter a marca de plataforma concorrente – pontos SS) e TT);


- pode fazer-se substituir por outro estafeta com conta ativa na App – ponto OO);


- pode realizar atividade para terceiros, inclusive plataforma concorrente – ponto UU);


- não esteve sujeito a qualquer processo de recrutamento típico (com análise de CV, entrevistas ou qualquer tipo de seleção) – ponto BBB);


- tem registo ativo como trabalhador independente, no sistema de informação da Segurança Social, desde 04-09-2023, e a Ré não efetua quaisquer descontos para a Segurança Social relativamente ao estafeta – pontos K) e OOO).


- pode decidir o modelo de registo na App que prefere, isto é, pode inscrever-se como “Parceiro de entregas independente” ou como “Parceiro de entregas do Parceiro de Frota” – pontos DD) e FF).


No conjunto desta factualidade, existem alguns aspetos que, aparentemente, revelam a existência de autonomia na prestação da atividade. Referimo-nos à possibilidade de o estafeta escolher a área em que exerce a função, à faculdade de ativar ou desativar a aplicação conforme a sua conveniência, à liberdade de decidir os serviços que quer realizar, bem como ao facto de não estar sujeito a qualquer tempo de disponibilidade.


Todavia, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-05-2025, que temos vindo a seguir pelas razões já explicadas, entendeu-se que tais aspetos, no âmbito de uma abordagem holística da relação contratual e tendo em consideração os fortes indícios de subordinação demonstrados - também no caso julgado neste acórdão estavam preenchidas as alíneas a), b), c) e) e f) do n.º 1 do artigo 12.º-A -, não assumem relevo decisivo para afastar que a relação estabelecida entre as partes não reveste natureza laboral.


Entendemos que a mesma interpretação se aplica à liberdade de escolha, tanto no que respeita à indumentária para o exercício da atividade, como aos meios necessários para a prestação do serviço, nomeadamente o veículo, o telemóvel e a mochila térmica (salvo no que concerne às dimensões desta última, que são determinadas pela Ré), assim como ao tipo de registo na aplicação (direto ou através de intermediário), ou à escolha do percurso entre os locais de recolha e entrega e escolha do local de conexão.


Relativamente à possibilidade de os estafetas poderem trabalhar para terceiros, incluindo plataformas concorrentes, e de se poderem fazer substituir por outro estafeta inscrito na plataforma, no acórdão de Supremo Tribunal de Justiça de 17-09-2025 (Proc. n.º 1914/23.5T8TMR.E2.S1), prolatado num processo semelhante, também deduzido contra a ora Ré, foi decidido que a referida possibilidade sem concretização real não assume qualquer relevância.


Escreveu-se no aresto:


«Quanto aos pontos 744, 755e 816 da matéria de facto, não se vê que assumam relevância, desde logo pois não se provou que o estafeta, apesar de o poder fazer, tivesse efetivamente a sua própria clientela ou que utilizasse plataformas concorrentes da ré, tal como não se provou que alguma vez se tenha feito substituir por alguém.


Com efeito, quanto ao modus operandi (abstratamente) alegado pelas plataformas que se revele mais típico de trabalho autónomo, impõe-se certificar se isso realmente acontece na prática (…).».


No caso dos autos, a Ré não logrou provar que o estafeta efetivamente trabalhava para terceiros, incluindo plataformas digitais concorrentes da Ré, ou que se fez substituir, pelo que a potencialidade de tais situações perde relevância com vista à demonstração da existência de trabalho autónomo.


Quanto ao regime fiscal em vigor, entendemos que, só por si, este é um aspeto não muito significativo, por ser habitual em situações em que não se pretende assumir a existência de uma relação laboral, munindo-se a relação de aspetos formais que não correspondem às reais circunstâncias em que a mesma se desenvolve.7


A inexistência de um processo de recrutamento/seleção, com avaliação de CV, numa abordagem holística da relação contratual, não constitui, também, um elemento significativo, tanto mais que o estafeta, para se inscrever na plataforma, tem de preencher determinados requisitos – cf. ponto DDD) dos factos provados.


Enfim, considerando todo o exposto, entendemos que a Ré não logrou provar factos que pela quantidade e impressividade imponham concluir que o trabalho do estafeta era prestado com efetiva autonomia.


Por conseguinte, não se considera ilidida a presunção de laboralidade.


Destarte, há que concluir pela existência de contrato de trabalho entre a Ré e o estafeta BB, com início em 04-10-2023.


-


Concluindo, o recurso deve proceder, sendo as custas do recurso a suportar pela recorrida, nos termos previstos pelo artigo 527.º do Código de Processo Civil.


*


V. Decisão


Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, e julga-se a ação procedente, condenando-se UBER EATS Portugal, Unipessoal, Lda. a reconhecer que celebrou um contrato de trabalho com BB, com início em 04-10-2023.


Custas do recurso a suportar pela recorrida.


Notifique.


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Évora, 27 de novembro de 2025


Paula do Paço


Emília Ramos Costa


Filipe Aveiro Marques (vota vencido)


Declaração de voto de vencido:


Votei no sentido da confirmação da sentença recorrida pelas seguintes razões:


A) Continuo a não encontrar argumentos suficientes para considerar que a aplicação informática, depois de instalada no telemóvel do estafeta, possa ser considerada um instrumento ou equipamento para os efeitos de funcionamento da presunção. Não parece que seja um elemento físico, como será o telemóvel e, sobretudo, sem esta aplicação (que é apenas um meio de comunicação avançado) o estafeta poderá continuar a prestar a mesma actividade, designadamente para outras plataformas (ao contrário do que acontece com os verdadeiros equipamentos – mochila e veículo – sem os quais não é possível prestar qualquer actividade). Consequentemente, entendo não estar preenchida a alínea f), do n.º 1, do artigo 12.º-A, do Código do Trabalho.


B) Apesar do preenchimento de algumas das características, sopesando toda a factualidade provada nos autos entendo que, no caso, se mostra ilidida a presunção de laboralidade.


No sentido de se afastar a existência de trabalho subordinado existem importantes factores:


- a remuneração (pontos Y) a BB) dos factos provados) não atende à disponibilidade do estafeta que aguarda pela distribuição do serviço, mas apenas pelo resultado (recolha e entrega das encomendas), o que é típico de uma simples prestação de serviços;


- a ausência de exclusividade, com especial enfoque na possibilidade de o estafeta prestar o mesmo serviço para as empresas que directamente concorrem no mercado com a ré (ponto UU) dos factos provados);


- a possibilidade de total liberdade para o estafeta desenvolver a actividade em horário e local por si definidos e, mesmo, da total liberdade de escolher dias em que pretende prestar, ou não, a actividade (pontos D), KK), LL) e, especialmente, LLL) dos factos provados), que normalmente não se encontra numa relação subordinada e que permite concluir que é o estafeta que organiza o seu tempo e é ele que, com total liberdade, gere a sua ligação à ré consoante a sua total conveniência pessoal;


- a possibilidade de o estafeta poder designar outras pessoas para sua substituição no exercício da actividade (ponto OO) dos factos provados), bem demonstrativa de que o que interessa à ré não é a actividade em si mesma, elemento inerente a um contrato de trabalho que é celebrado intuitu personae, mas antes o resultado da sua actividade, característica do contrato de prestação de serviço;


- a possibilidade de o estafeta poder bloquear comerciantes e/ou clientes com quem não deseje contactar, deixando de receber propostas de entrega desses clientes e/ou comerciantes, sem necessidade de justificar a sua opção (ponto MM) dos factos provados), o que afasta qualquer ideia de subordinação aos interesses da ré;


- sobretudo e decisivamente, ficou provada a possibilidade de o estafeta recusar qualquer serviço proposto e sem qualquer consequência (pontos U), X) e XX) dos factos provados) o que é, naturalmente, prova de um facto muito relevante que aponta para a inexistência de qualquer subordinação: não se vislumbra que relação laboral pode resistir baseada na possibilidade de o prestador da actividade se poder recusar a prestá‑la e, ainda assim, esperar remuneração (sem olvidar, naturalmente, o regime do artigo 273.º do Código do Trabalho e não se podendo falar, no caso, de trabalho intermitente previsto nos artigos 157.º e 158.º do Código do Trabalho por lhe faltar o mais relevante requisito formal); no limite, o entendimento que obteve vencimento pode levar ao reconhecimento de um contrato de trabalho a quem não faça um minuto de trabalho efectivo, bastando estar “disponível” com o telemóvel ligado à aplicação (sendo, no caso, os factos provados LLL) e MMM) um reforço importante para não se reconhecer um contrato de trabalho como se o mesmo vigorasse até à presente data).


Entendo, por isso e apesar do brilhantismo dos argumentos que fizeram vencimento, que no caso dos autos a independência do estafeta é real.


Évora, 27 de Novembro de 2025


Filipe Aveiro Marques

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1. Relatora: Paula do Paço; 1.ª Adjunta: Emília Ramos Costa; 2.º Adjunto: Filipe Aveiro Marques↩︎

2. Consultável em www.dgsi.pt.↩︎

3. Todos publicados em www.dgsi.pt.↩︎

4. O ponto 74 tem a seguinte redação: «Os estafetas podem ter a sua própria clientela e atendê-la com liberdade e sem necessidade de comunicar isso à Ré.»↩︎

5. O ponto 75 tem a seguinte redação: «Também podem utilizar outras plataformas concorrentes, incluindo ao mesmo tempo que estão a prestar a sua atividade na Plataforma.»↩︎

6. O ponto 81 tem a seguinte redação: «Os estafetas podem substituir-se por outro estafeta inscrito na app no exercício da sua atividade.»↩︎

7. Cf. acórdãos desta Secção Social de 22-05-2025 (Proc. n.º 1223/24.2T8TMR.E1), de 13-02-2025 (Proc. n.º 219/24.9T8SNS.E1) e de 12-01-2023 (Proc. n.º 2560/21.3T8FAR.E1), todos acessíveis em www.dgsi.pt.↩︎