Sumário:
1. Os embargantes, enquanto comproprietários de um prédio em área urbana de génese ilegal (AUGI), que foi objecto de operações físicas de parcelamento destinadas à construção, têm o dever de proceder à reconversão urbanística (juntamente com os demais comproprietários) e, decisivamente, têm de comparticipar nas despesas dessa reconversão.
2. As comparticipações deliberadas pela assembleia de comproprietários não são contrapartida de qualquer serviço que a comissão de administração tenha de prestar aos comproprietários.
3. Enquanto a deliberação da assembleia dos comproprietários não for integralmente cumprida, não pode considerar-se abusiva a actuação da comissão de administração que, pelo contrário, tem o dever de cobrar as comparticipações dos valores necessários a fazer avançar as operações de reconversão.
4. As comparticipações nos encargos da reconversão são consideradas provisões ou adiantamentos até à aprovação das contas finais da administração conjunta, pelo que a necessidade de pagamento antecede a realização das despesas.
5. Sabendo dessa realidade, o legislador estabeleceu que a acta que aprova os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo das comparticipações constitui título executivo.
6. Não sendo indispensável que conste do título executivo o exacto montante da obrigação a pagar no futuro, sendo possível ao exequente liquidá-lo posteriormente a partir de simples cálculo aritmético, tal basta para que se considere que a acta em causa nos autos seja exequível uma vez definidas as áreas do lotes e procedendo-se a um cálculo aritmético que tenha em consideração os custos de reconversão após a aprovação das últimas alterações ao projecto de loteamento, da licença para o início das obras e do respetivo licenciamento das obras.
Relator: Filipe Aveiro Marques
1.º Adjunto: Francisco Xavier
2.ª Adjunta: Sónia Kietzmann Lopes
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:
I. RELATÓRIO:
I.A.
AA e BB, embargantes que se opuseram à execução que “Administração Conjunta da Área Urbana de Génese Ilegal do Pinheiro Ramudo” havia intentado contra eles, vieram recorrer do saneador‑sentença proferido pelo Juízo de Execução de Setúbal - Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal.
Esta decisão terminou com o seguinte dispositivo:
“Decide-se assim, nos termos e pelos fundamentos expostos julgar a presente oposição à execução parcialmente procedente e, consequentemente, determina-se o prosseguimento da execução para pagamento da quantia de € 18.977,17 euros, acrescida de juros à taxa legal contados desde 01 de Abril de 2018 até integral pagamento.
Custas pelos opoentes/executados e pela exequente na proporção dos respetivos decaimentos que fixo em 83%-17% respectivamente.”
I.B.
Os ora recorrentes apresentaram alegações onde terminam com as seguintes conclusões:
“1- Face aos documentos juntos pelos apelantes e confissão da apelada, o tribunal recorrido devia ter tomado em consideração outros factos como provados, o que não aconteceu, já que não se pronunciou sobre a maior parte da factualidade por aqueles carreada, nem sobre a documentação junta que não foi, sequer, considerada na decisão final.
2- Dessa factualidade o tribunal recorrido reduzi-a a cerca de 17 factos dados como provados, mesmo quando a maior parte dos factos invocados pelos apelantes consubstanciam transcrições de documentos emitidos pela Câmara Municipal de Palmela.
3-Por conseguinte, errou o tribunal recorrido, face à prova produzida (documental e confissão da apelada) ao não ter dado como provados os seguintes factos:
1- À data a que se reporta o título executivo não existia o projeto de licenciamento aprovado e, muito menos, estavam definidas as áreas previstas para os respetivos comproprietários, por força dos documentos juntos com a p.i. sob os nºs 1 a 14, 16, 19, 22 a 24.
2- Consta da carta enviada pela apelada aos apelantes, com data de 05/05/2009, que até aí os lotes dos comproprietários ainda não estavam definidos, nomeadamente, localização, área e SPT e que a área da Augi havia sido significativamente reduzida, originando alterações ao Projeto de Loteamento, que iriam ser submetidas a aprovação da Assembleia de Comproprietários, por força do documento junto com a p.i. sob o nº19.
3- A fórmula abstrata constante do título executivo tomou em consideração a área total dos prédios de 948.237 m2, de acordo com o documento nº11 junto com a p.i. e confissão da apelada.
4-Desta área, determinou a Câmara municipal de Palmela, em novembro de 2004 e por isso posterior à data da assembleia de 27.03.2004, desanexar 49.882m2 e 110.000m2 por pertencer a outra AUGI (Bela Vista), de acordo com os documentos juntos com a p.i. sob os nºs 11,13,14,17 a 19 e confissão da apelada.
5- Para área de construção encontravam-se previstos 275,00m2, de acordo com o documento junto com a p.i. sob o nº11 e confissão da apelada.
6- Houve um aumento de 106 lotes do número de lotes a constituir e um aumento de cerca de 50 fogos do número apresentado no pedido de licenciamento da operação de loteamento, aprovado em 13 de dezembro de 2000, com base no documento junto com a p.i sob o nº11 e confissão da apelada.
7- A área indicada no pedido de licenciamento de operação de loteamento da planta síntese ou desenho urbano aprovado, condicionalmente, à data da aprovação da fórmula sofreu significativas alterações, nomeadamente, a diminuição da área loteanda e alteração ao nível dos fogos e lotes, de acordo com o documento junto com a p.i sob o nº11 e confissão da apelada.
8- Em 2006, na proposta apresentada pela embargada junto da Câmara Municipal de Palmela, a área total dos lotes a construir era de 524.930 m2 e na fórmula datada de 16.03.2018, junta com o título executivo, a área máxima de construção atribuída à totalidade do loteamento caiu para 267.169,70 m2. (Com base no documento junto com a p.1, sob o nº11)
9- Em 12.11.2004 (posterior à assembleia a que se refere a ata dada à execução) a embargada requereu aditamentos ao desenho urbano aprovado em 2000, referindo a Câmara Municipal que em tal aditamento “o desenho urbano indicado, não se encontra de acordo com a planta síntese aprovada, tendo sido efetuadas diversas alterações, nomeadamente junto a estrada nacional, onde foram anulados arruamentos e lotes.” (Com base no documento junto com a p.i. sob o nº4)
10- Resulta da ata aqui dada à execução que a área de construção a atribuir a cada lote não se mostrava definida à data da realização da assembleia. (Com base nos documentos juntos com a p.i. sob os nºs 1 a 26)
11- Da fórmula de cálculo não resulta a determinação da prestação a cargo dos embargantes, já que na mesma não se indicam os valores que compõem, nomeadamente, os elementos CL, G, GO (não se indica data prevista ou considerada pela assembleia para a aprovação das contas finais e para o início e conclusão das obras), T (não se indica o valor previsível e considerado dessas taxas) IE, STPT, STPL). (Título executivo e confissão da apelada)
12- Do título dado à execução não se infere quais os elementos constitutivos da operação aritmética, nem são fornecidos todos os elementos necessários para a determinação da quantia exequenda, fazendo apenas referência à fórmula abstrata na repartição dos custos de reconversão por lote, não indicando, concretamente, quais os valores ou períodos que a compõem, os nomes dos embargantes, a área do terreno constitutivo da obrigação e o valor que os mesmos ficaram obrigados a entregar. (Com base no título executivo e documentos juntos com a p.i. sob os nºs 1 a 26)
13- Na data da assembleia a que se reporta o título executivo não era possível concretizar a fórmula aprovada por falta de informações suficientes para calcular os seus elementos. (Título executivo e docs. juntos com a p.i. sob os nºs 1 a 26)
14- O que foi aprovado na Assembleia referida no Título executivo foi uma fórmula abstrata, não constando da respetiva Ata os valores imputados a cada comproprietário. (Título executivo e documento junto com o respetivo requerimento sob o nº5 e confissão da apelada)
15- Os valores indicados como “Apuramento de custos de reconversão”, com data de 16.03.2018, não foram sujeitos a qualquer deliberação da assembleia da AUGI, nem se conseguem extrair do citado edital, que não é título executivo, nem dele complemento, sendo manifesta a omissão dos elementos que constituem a fórmula do respetivo cálculo. (Título executivo, edital, documento junto coma execução sob o nº5 e confissão da apelada)
16- Em 27.03.04 não se encontravam aprovados os projetos de especialidade, não tinha sido concedida por parte da edilidade camarária qualquer autorização, ainda que provisória, para início de obras e a área de loteamento encontrava-se aprovada, apenas, em “desenho urbano” e, em alguns aspetos, sob condição e com inúmeros condicionalismos. (Com base nos documentos juntos com a p.i. sob os nºs 1 a 14, 16, 19, 22 a 25 e confissão da apelada)
17- O que foi aprovado em 13/12/2000 foi apenas “o desenho urbano” e não qualquer alvará. (Com base no documento junto com a p.i. sob o nº13).
18- O valor orçamentado para as obras de urbanização, em 2004, era de € 8.916.880, 49, mas a embargada enviou aos embargantes, em 2007, uma carta em que refere que o valor do custo de tais obras é de € 10.611.077, 78. (Com base nos documentos juntos com a p.i. sob os nºs 15 e 22, página 3, ponto 9, requerimentos executivo e confissão da apelada).
19- Não se encontra identificado nos autos (nem no título executivo) o orçamento no qual a embargada se baseou para calcular o valor do elemento “IE”, embora o único que se encontre apresentado junto da Câmara Municipal de Palmela seja o de 2004. (Com base no documento junto com a p.i. sob o nº22, página 3, ponto 9)
20- Em 2007, o valor atribuído aos embargantes pelo elemento “IE” foi de € 10.611.077,78, mas na tabela anexa ao título executivo tal valor corresponde a € 10.967.763, 00. (Com base no documento junto com a p.i. sob o nº15, tabela anexa ao título executivo e confissão da apelada)
21- As alterações aprovadas pela Câmara Municipal de Palmela impuseram alterações ao nível das infraestruturas, com as consequentes alterações nos custos das respetivas obras. (Com base nos documentos junto com a p.i. sob o nº 3 e confissão da apelada).
22- Nas tabelas juntas com o requerimento executivo não consta o lote dos embargantes, seja pelo número de avos, seja pelo número dos lotes. (Com base no anexo à Ata 35 (título executivo)
23-Não existe indicação no título dado à execução com a tabela anexa, no que tange ao conceito de “K”, não tendo o mesmo sido submetido a discussão e aprovação, quer dos comproprietários, quer da Câmara Municipal. (título executivo e tabela anexa)
24- Do conteúdo do título aqui dado à execução, do requerimento executivo ou dos documentos juntos aos autos pela embargada não é possível também determinar qual foi o período considerado para efeitos de concretização do elemento “G”. (Com base no título executivo em confronto com documento junto pela apelada sob o nº5, docs. juntos com a p.i. sob os nºs 22 a 25 e confissão da apelada)
25- Quanto a este elemento “G”, correspondente ao custo com a gestão do processo, não é ainda possível concretizar o mesmo, por se desconhecer quando será a aprovação das contas finais. (Com base no título executivo em confronto com documento junto pela apelada sob o nº5, docs. juntos com a p.i. sob os nºs 22 a 25 e confissão da apelada)
26- Bem como as datas consideradas para o apuramento do elemento “GO”. (Com base no título executivo em confronto com documento junto pela apelada sob o nº5, docs. juntos com a p.i. sob os nºs 22 a 25 e confissão da apelada)
27- No que respeita ao elemento “GO”, correspondente ao custo com a gestão das obras, até à propositura da execução não foram executadas quaisquer obras referentes às infraestruturas, pese embora tenha sido dada autorização provisória pela Câmara Municipal de Palmela, há mais de dez anos, ou seja, em 05.11.2008. (Com base no documento junto com a p.i. sob o nº3)
28- O valor feito corresponder ao elemento “T” constante da fórmula anexa à carta de 16.03.2018, junta com o requerimento executivo é de € 2.933,61 e na carta enviada pela embargada aos embargantes, em 2007, o valor indicado é o de € 5.523,22. (Com base no documento junto pela apelada sob o nº5 e documento junto com a p.i. sob o nº15)
29- O valor destas taxas reduziu, mas a quantia reclamada a esse título aos embargantes aumentou. (Com base nos documentos juntos com a p.i. sob os nºs 15 e 21 e confissão da apelada)
30- O valor (despesas de reconversão) reclamado aos embargantes em 2007 foi de € 21.313,92 e em 2011 de € 28.389,45. (Com base nos documentos juntos com a p.i. sob os nºs 15 e 21)
31- O valor das taxas indicado pela CMP, em 2011, era de € 4.467.970, 18. (Com base no documento junto com a p.i sob o nº3)
32- Só é possível determinar o elemento “T”, correspondente ao valor das taxas a liquidar à Câmara Municipal de Palmela pela realização das infraestruturas, “a partir do momento em que todos os projetos de especialidade exigíveis tenham merecido emissão de parecer favorável por parte das entidades externas consultadas, bem como por parte da Câmara”. (Com base nos documentos juntos com a p.i. sob os nºs 1, 7, 22 e 25)
33- Na data em que foi exigida a comparticipação aos embargantes ainda não existia qualquer taxa definida por aquela entidade camarária. (Com base no documento junto com a p.i. sob o nº5)
34- A embargada tomou conhecimento de uma simulação do valor das taxas a pagar em outubro de 2011, mas que pode corresponder a um valor desajustado, atendendo às reduções atualmente previstas no mencionado Regulamento das Taxas Municipais em vigor. (Com base nos documentos juntos com a p.i. sob os nºs 22 e 25)
35- Na carta denominada como interpelação pela embargada o valor indicado a este título é significativamente inferior ao indicado pela CMP. (Com base documento junto pela apelada sob o nº5 e documento junto com a p.i. sob o nº22)
36- O Edital junto com o requerimento executivo não corresponde à deliberação sobre o pedido de licenciamento da operação de loteamento, nem alvará de loteamento e reporta-se ao ano de 2010.
37- Os valores concretos dos itens “K”, “STPT” e “STPL” não foram submetidos a discussão e aprovação pelos comproprietários. (Confissão da apelada)
38- Desde 27 de março de 2004 até à presente, a embargada não logrou obter a deliberação da assembleia de comproprietários exigida pelo artigo 26º da Lei nº 91/95 de 2 de setembro, existindo projetos e lotes que não foram aprovados pelas autoridades competentes e trabalhos que não foram iniciados, nem mostram sinais de o ser. (Com base nos documentos juntos com a p.i. sob os nºs 1 a 26)
39- A comissão de administração mandante no requerimento executivo existe há dezasseis anos. (Ata nº2 junta com o requerimento executivo e confissão da executada)
40- Foram inúmeras reclamações dos comproprietários junto de diversas entidades oficiais, de que se destaca o ofício da Câmara Municipal de Palmela de 16.04.07, enviado ao Chefe de Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local, concretamente, no ponto 4: “Em face da delimitação estabelecida para a AUGI do Pinheiro Ramudo foi apresentado, em 28 de Outubro de 1998, pela Administração Conjunta desta AUGI (a qual se encontrava devidamente constituída e registada nos termos da Lei nº 91/95, de 2 de Setembro), um pedido de licenciamento da operação de loteamento de reconversão, tendo o seu desenho urbano sido aprovado de forma condicionada por deliberação da Câmara Municipal datada de 13 de Dezembro de 2000.” e no ponto 6:”Não houve portanto até à presente data qualquer deliberação da Câmara Municipal de Palmela no sentido de autorizar (ainda que provisoriamente) o início de obras de urbanização na AUGI do Pinheiro Ramudo”. (Com base no documento junto com a pi. Sob o nº13)
41- À data de 20.07.2004, a embargada: “ainda não procedeu à apresentação da totalidade dos projetos, nomeadamente arranjos exteriores, regularização da vala, soluções alternativas para abastecimento de água e drenagem ao loteamento (retificação aos projetos apresentados).” (Com base no documento junto com a p.i. sob o nº3)
42- A Câmara Municipal de Palmela informou que: “qualquer autorização provisória para início de obras de urbanização, deverá ajustar-se aos projetos que hajam merecido parecer favorável das entidades consultadas e carecerá de deliberação que, nos termos do artigo 26º da mesma Lei, (91/95) fixará os termos e condições, nomeadamente técnicas e financeiras, que se mostrem necessários à boa execução das mesmas…. mais se informa que a Câmara Municipal não procedeu a qualquer deliberação.” (Com base no documento junto com a p.i. sob o nº7)
43- Até novembro de 2008 não haviam sido aprovadas, sequer, provisoriamente, quaisquer obras de urbanização. (Com base nos documentos juntos sob os nºs 3, 4, 11, 12, 16, 22 e 25 e confissão da apelada.
44- Só tendo existido licenciamento das obras de urbanização em 19.07.2010, mas com inúmeros condicionalismos. (Edital junto com o requerimento executivo)
45- Em 03.11.2017, a Câmara Municipal de Palmela referiu: “refere também requerente que está a ser desenvolvido um processo de redução do número de comproprietários que, a breve prazo permitirá a realização de uma alteração à planta síntese de loteamento com vista a uma redução significativa do número de lotes, e consequentemente, dos encargos financeiros com a operação de reconversão, quer a nível de obras de urbanização quer, também, de taxas (…) Face a todo o exposto, solicita a requerente que não seja aplicada a decisão de considerar deserto o procedimento, sendo antes concedido um prazo não inferior a 6 meses para a apresentação dos elementos em falta e pagamento das taxas devidas (...) Analisada a exposição apresentada e não podendo a Câmara Municipal deixar de compreender que este tipo de processos são, inequivocamente, morosos e complexos, não poderá ainda assim aceitar-se que desde a data da supracitada notificação pelo nosso ofício nº 4639/2011, de 17/10/2011 não tenha havido qualquer contacto por parte da Comissão de Administração da AUGI no âmbito da tramitação deste processo (Vol. II – I), houveram até à presente data apenas dois momentos de contacto (ambos por iniciativa da Câmara Municipal, a assim contrariando o exposto no ponto 9º da exposição agora apresentada) (…) “Ainda quanto ao teor da exposição apresentada e, concretamente, quanto à eventual possibilidade de ser apresentada uma nova proposta de desenho urbano, importará clarificar que, a suceder tal situação, a mesma será forçosamente sujeita a novo licenciamento, facto que provocará, necessariamente, o cálculo de nova simulação de taxas para efeitos de emissão de alvará de loteamento, bem como, a apresentação de novos projetos e orçamentos das obras de urbanização. Neste contexto (de entrega de nova proposta de desenho urbano) não fará sentido a Comissão de Administração da AUGI continuar a considerar proceder ao pagamento dos valores constantes no supra referido ofício nº 4639/2011, de 17/10/2011, nem à entrega das peças escritas e desenhadas nele solicitadas (…) Conforme o teor do ofício nº 4639/2011, de 17/10/2011, a Câmara Municipal notificou a Comissão de Administração da AUGI no sentido de informar da possibilidade de emissão do alvará de loteamento, condicionada à necessidade de retificação de alguns elementos. Nessa mesma notificação foi informado o valor das taxas devidas pela operação urbanística, bem como, da disponibilidade da Câmara Municipal para aceitar o faseamento do pagamento das mesmas taxas. Até à presente data não foi declarada formalmente a caducidade da licença da operação (…) O atendimento (já atrás referido) realizado com a Comissão de Administração da AUGI em 04.03.2016 foi o último contacto havido com aquela entidade.” (Com base nos documentos juntos com a p.i sob o nºs 24 e 22)
46- A Câmara Municipal de Palmela, na qualidade de entidade licenciadora, expressamente, referiu: “Existe a possibilidade de vir a ser apresentada uma nova proposta de desenho urbano, com vista a uma redução significativa do número de lotes, e consequentemente, dos encargos financeiros com a operação de reconversão, quer a nível de obras de urbanização quer, também, de taxas, facto que sempre será de saudar pela intenção de conferir maior sustentabilidade à reconversão em causa (…) Um prazo de seis meses, a contar da data desta notificação, para que possam V. Exas. dar resposta ao teor do ofício nº 4639/2011, de 17.10.2011, ou em alternativa, apresentar uma nova proposta de desenho urbano, deixando-se os nossos serviços disponíveis para poder auxiliar nas matérias que forem da competência da Câmara Municipal (…) De facto e, concretamente, quanto à eventual possibilidade de ser apresentada uma nova proposta de desenho urbano, importará clarificar que, a suceder tal situação, a mesma será forçosamente sujeita a novo licenciamento, facto que provocará – necessariamente – o cálculo de nova simulação de taxas para efeitos de emissão de alvará de loteamento, bem como, a apresentação de novos projetos e orçamentos das obras de urbanização. Neste contexto (de entrega de nova proposta de desenho urbano) não fará sentido continuarem V. Exas. a considerar proceder ao pagamento dos valores constantes no supra referido ofício (…) Não obstante o acima exposto, não pode esta Câmara Municipal deixar de sugerir e apelar V. Exas. que possam optar, no âmbito deste processo de reconversão, por uma maior proximidade no contacto, quer com a Câmara Municipal, quer com os comproprietários”. (Com base nos documentos junto com a p.i. sob os nºs 24 e 23)
47- Pese embora a Câmara Municipal de Palmela tenha dado um prazo de seis meses, a embargada, até hoje, ainda não prestou as informações solicitadas, nem convocou qualquer assembleia ou reunião com os comproprietários, sendo que o único contato que teve com alguns deles foi a carta de interpelação igual à junta com o requerimento executivo. (Confissão da embargada)
48- De acordo com a CMP: “No âmbito desse processo de reconversão, o projeto de loteamento foi aprovado por deliberação municipal de 13.12.2000, sob determinadas condições. Já em 18.10.2006 foi aprovada uma alteração à licença de loteamento, vindo a ultrapassar assim os condicionamentos anteriormente existentes. Em 19.08.2009, foi aprovada nova alteração à licença de loteamento (no sentido de corrigir algumas desconformidades ao nível dos prédios que aderiram à operação de loteamento, e ainda para reconfiguração de alguns lotes) (…) Posteriormente, foi emitida Autorização provisória para o início dos trabalhos referentes às infraestruturas internas do loteamento, com exceção dos Espaços Exteriores, por deliberação da Câmara Municipal de Palmela de 05.11.2008 (…) Nesse contexto, veio a Comissão de Administração da AUGI do Pinheiro Ramudo (por requerimento de 16.12.2011) solicitar a emissão do respetivo Alvará de Loteamento assim como o pagamento das taxas urbanísticas inerentes em prestações mensais até à conclusão das obras de urbanização (à data, previstas para 5 anos) (…) Em resposta a tal requerimento, notificou a Câmara Municipal a requerente – pelo Ofício nº 4639/2011, de 17.10.2011 – da sua disponibilidade para aceitar o faseamento do pagamento das taxas urbanísticas aplicáveis para efeitos de emissão do Alvará de Loteamento, tendo inclusivamente informado o valor de cada uma das prestações (…)Contudo, desde essa altura não foi tomada qualquer iniciativa por parte da Comissão de Administração da AUGI para dar seguimento à tramitação do processo urbanístico supra referido.” (Com base no documento junto com a p.i. sob o nº25)
49- A Câmara Municipal de Palmela manifestou por escrito que:: “Será ainda de relevar que, no período de tempo desde a supracitada notificação de 17.10.2011, se realizaram dezenas de atendimentos com comproprietários da AUGI, bem como, com vários advogados em representação de outros tantos comproprietários, sempre manifestando preocupação com a estagnação da tramitação do processo de reconversão, e sobretudo, com a falta de comunicação da Comissão de Administração, bem como, a dificuldade de com ela conseguirem contactar (…) Nesse contexto importará também referir que não tem a Câmara Municipal conhecimento (e sendo tal facto afirmado pelos comproprietários que compareceram em atendimentos nos nossos serviços) de se terem realizado assembleias de comproprietários nos últimos anos, motivo que tem, assim, gerado dúvidas aos comproprietários sobre o ponto de situação da reconversão.” (Com base no documento junto com a p.i. sob o nº24)
50- A Câmara Municipal de Palmela, como informação vinculativa fez constar: “Não se tendo detetado no processo qualquer notificação em 2004 com informação sobre valor de taxas, podemos informar que o valor das taxas devidas pela operação urbanística, para efeitos de emissão do alvará de loteamento, deriva dos fatores aplicáveis em função do Regulamento de Taxas Municipal em vigor, à data do requerimento de tal informação. Pelo supracitado ofício nº 4639/2011, de 17.10.2011, foi a Comissão de Administração da AUGI notificada de que as taxas devidas para efeitos de emissão de alvará de loteamento seriam, naquela data, de € 4.467.970,18. Presentemente, o Regulamento e Tabela de Taxas Municipais em vigor prevê a possibilidade de algumas reduções nas taxas aplicáveis em sede de operações de loteamento de reconversão da AUGI, mas não tendo sido feita qualquer simulação recente do valor das taxas neste processo, não nos é possível concluir sobre se as mesmas seriam em valor inferior ao comunicado em 2011 (ofício nº 4639/2011) (…)Sobre a questão em apreço, caberá apenas referir que os orçamentos de obras de urbanização, apresentados anteriormente, estarão totalmente desatualizados, pelo que, a ver-se renovado o licenciamento das obras de urbanização, teriam forçosamente de ser apresentados novos orçamentos, conformes com os projetos que viessem neste momento a ser licenciados pela Câmara Municipal (…) Nunca foi solicitada qualquer alteração ao loteamento, mas antes, apenas abordada tal possibilidade no atendimento técnico realizado com a Comissão de Administração da AUGI em 04.03.2016. Desde essa reunião não houve mais contactos entre a Comissão de Administração da AUGI e a Câmara Municipal, não tendo sido entregues quaisquer elementos no processo por aquela entidade (…) A Comissão de Administração da AUGI do Pinheiro Ramudo não tem cumprido com a obrigação de prestar contas, embora esteja a tal obrigada, conforme disposto no nº 8 do artigo 16º – C da Lei das AUGI (…) A última reunião realizada entre a Câmara Municipal de Palmela e a Comissão de Administração da AUGI foi, exatamente, o já referido atendimento técnico de 04.03.2016. Desde essa data não se verificaram quaisquer contactos de iniciativa daquela entidade, e já anteriormente à mesma, apenas se verificou um contacto desde 2011 (data do ofício nº 4639/2011, de 17/10/2011), concretamente, a supracitada mensagem de correio eletrónico recebido em 18.04.2013 que informou sobre a composição da Comissão de Administração da AUGI) (…) Têm-se verificado variados atendimentos com munícipes, comproprietários desta AUGI, que para além de solicitarem informações sobre o ponto de situação do processo, têm exatamente apresentado variadas queixas sobre a grande dificuldade em contactar a Comissão de Administração da AUGI, bem como, sobre recentes notificações que têm recebido com ameaças de execuções civis e fiscais.” (Com base no documento junto com a p.i. sob o nº 22)
51- Não foi ainda prestada a caução que a lei impõe, nos termos do artigo 27º da lei das AUGI. (Com base nos documentos juntos com a p.i. sob os nºs 22 a 25)
52- Na Assembleia Geral de Comproprietários da Augi do Pinheiro Ramudo, realizada pela atual Comissão de Administração da embargada, em 03.02.2019, foi feito constar na respetiva ata que: “Explicou, ainda, que seria pedida a suspensão dos processos executivos, uma vez que sem alvará de loteamento aprovado, não é possível saber a área de cada lote, pelo que não se pode calcular legitimamente a proporção em que cada um deverá contribuir, a dívida não preenche por isso os requisitos de liquidez e exigibilidade para uma execução. Destacou a importância do Alvará de loteamento como documento de suporte que permite perceber que obras há a fazer e qual será o custo dessas obras, sendo apenas a partir destes cálculos e com base neles que os proprietários devem contribuir proporcionalmente. (…) sem Alvará não pode existir execução judicial de dívidas. Explicou ainda que um mapa com as comparticipações a pagar por lote teria de ser apresentado e aprovado em Assembleia de Comproprietários.” (Ata junta pela embargada em 16.09.2019 e em 06.06.2025, pelos embargantes)
53- E, ainda: Não é necessário suspender a deliberação de 2004… visto que o Tribunal da Relação de Évora já estipulou que sem Alvará esta não pode servir de base a execuções…” (Ata junta pela embargada em 16.09.2019 e em 06.06.2025, pelos embargantes)
54- E, também: “…continuar os pagamentos até à próxima assembleia onde a comissão eleita decidirá… nomeadamente, critérios para aprovar comparticipações e respetivo mapa. (…) urge, no entanto, primeiramente, definir um mecanismo de cálculo justo e transversal, sendo que após este se começará a demandar os comproprietários (…) só após a aprovação de um futuro Alvará se poderão demandar judicialmente os comproprietários tendo por base o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 2008 (…) o objetivo passa mesmo por terminar todos os processos executivos, tendo por base a decisão do Tribunal da Relação de Évora. (Ata junta pela embargada em 16.09.2019 e em 06.06.2025, pelos embargantes)
4-Sobre todos estes factos o tribunal recorrido não se pronunciou, no sentido de os dar como assentes, nem indicou o motivo pelo qual os considerou como não provados, violando o disposto no a artigo 205º, nº1 da C.R.P. e artigo 607º, nº4 do C.P.C., conforme entendido pela nossa jurisprudência, nomeadamente, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 20.12.2018, já que na decisão de facto não se declara quais dos factos alegados considera provados e quais considera não provados, bem assim como a respetiva fundamentação.
5-O vício resultante da não discriminação prevista no artigo 607º, nº4 do C.P.C. é a nulidade que obedece ao regime especialmente previsto no artigo 615º, nº1, alínea b) do mesmo diploma.
6-Por essa razão, é nula a decisão recorrida, por falta de especificação dos factos que o tribunal considerou como não provados, bem como por errada fundamentação quanto a parte da decisão relativa à matéria de facto provada, pelo que deve ser revogada e substituída por outra onde sejam descriminados os factos alegados e com relevo para a decisão, para além dos que se consideram provados, ou não provados, bem como a respetiva e devida fundamentação, com uma análise crítica sobre toda a prova junta aos autos, o que aqui se invoca e cuja revogação e substituição se requer, nos termos e para os efeitos do artigo 662º do C.P.C.
7-Na parte final dos embargos os apelantes requereram a junção de diversa documentação, por parte da apelada, nos termos dos artigos 417º e 419º do C.P.C., essencial para justificar o não cumprimento dos apelantes, a má-fé e o abuso de direito da apelada e, essencialmente, comprovar a incerteza e iliquidez do título executivo, por ainda não se encontrarem concretizados todos os seus elementos, sobre o qual o tribunal recorrido não se pronunciou, não deferindo ou indeferindo tal pedido de produção de prova.
8-Tais documentos faziam parte do contraditório exercido pelos apelantes quanto à execução e que o tribunal recorrido impediu de ser exercido, violando dessa forma o artigo 3º, nº3 do C.P.C., coartando o direito dos apelantes de verem a causa submetida a julgamento para produção de mais prova.
9-Não existindo na decisão impugnada qualquer referência a essa questão, tal omissão torna a sentença nula, por violação do disposto nos artigos 3º, nº3, 152º, 154º do C.P.C., o que desde já se invoca e cuja revogação de sentença se requer, no sentido de ser substituída por outra que se pronuncie sobre a junção de tal documentação, bem como a produção de prova testemunhal, tudo como preceituado no artigo 662º do C.P.C.
10-O tribunal recorrido fez um errado julgamento ao dar como provados os factos elencados nos pontos 9º e 10º da decisão, por se basear em documentos que, quanto àqueles factos, nada referem ou comprovam.
11- A omissão do exame crítico quanto à prova documental junta aos autos, levou a que o tribunal recorrido fizesse um mau julgamento quanto à factualidade invocada pelos apelantes, não se pronunciando sobre factos invocados e demonstrados pelos apelantes através de documentos, nomeadamente, os emitidos pela Câmara Municipal de Palmela, juntos com a petição de embargos, bem como o edital junto pela apelada com o requerimento executivo.
12-Pelo que o tribunal recorrido devia ter dado como provados todos os factos elencados na 3ª conclusão deste recurso, que aqui se dão integralmente por reproduzidos para os devidos efeitos legais.
13-Entende-se que tal alteração decorre do facto da sentença recorrida não se ter pronunciado sobre questões que lhe foram colocadas pelas partes, o que consubstancia uma nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos previstos nos artigos 615º, nº1, alínea d), uma vez mais por violação do dever descrito no artigo 607º, nº4, ambos do C.P.C. e que impõe a sua revogação e substituição por outra decisão que amplie a matéria de facto nos termos supra enunciados, o que se requer.
14-Mas, mesmo que assim não se entendesse, sempre haveria a decisão recorrida de ser anulada por manifesto erro de julgamento quanto a tal factualidade e substituída por outra na qual se considerasse aquela como provada e, por conseguinte, aditada, o que se requer, à cautela, nos termos do artigo 662º, nº1 do C.P.C.
15-Face a tal factualidade, cujo aditamento se requer, não podem dar-se como verificados os factos dados como provados pelo tribunal recorrido nos pontos 9º e 10º, uma vez que do título executivo e do plano de loteamento definido pela Câmara Municipal de Palmela, em 2010, ainda não é possível definir, concretamente, todos os valores que consubstanciam a fórmula em causa.
16-O tribunal recorrido não podia ter dado como provado qual o nº de lote a atribuir aos apelantes, qual a sua área e STPL e, muito menos, que foram aplicados os valores aprovados na assembleia geral de 27.03.2004.
17-Todos os elementos fixados nessa assembleia foram alterados, de forma significativa, não se encontrando no título executivo, o modo como a apelada chegou ao valor reclamado aos apelantes.
18-Não resulta, nem do título, nem de qualquer documento junto aos autos, como a apelada procedeu ao “cálculo aritmético”, nem onde se baseiam os valores introduzidos na fórmula datada de 16.03.2018, alguns dos quais, diferentes dos constantes no título executivo, como seja o elemento “IE” (custo com as obras das infraestruturas), STPT (área máxima total de construção atribuída ao loteamento no respetivo alvará) e STPL (área máxima de construção atribuída ao respetivo lote no alvará de loteamento).
19-Não consta dos autos nenhum elemento que indique como chegou a apelada ao valor das taxas municipais a pagar, uma vez que o por si indicado é, substancialmente, inferior ao que lhe foi notificado pela Câmara Municipal de Palmela, em 2011.
20-Tomando como única prova para dar como assente estes factos o documento junto pela apelada com o título “Apuramento dos custos de reconversão”, o tribunal recorrido violou, de forma grave, a análise crítica que todas as provam devem ter, para mais, quando tal documento foi veemente impugnado pelos apelantes.
21-O documento em causa NÃO CONSUBSTANCIA título executivo, sendo necessário compreender como tais valores foram ali inseridos e previamente calculados.
22-O tribunal recorrido desconsiderou documentos emanados por entidades oficiais que não foram impugnados, cujo conteúdo põe em causa o teor daquele “apuramento”, pelo que não podia dar como provados os factos por si elencados nos pontos 9º e 10º, por insuficiência de prova nesse sentido, razão pela qual se requer, nos termos do artigo 662º, nºs1 e 2, alínea c) do C.P.C. sejam os mesmos dados como não provados, por não existirem nos autos elementos suficientes e indesmentíveis para os comprovar.
23-Dos documentos juntos com os embargos, nomeadamente, sob os nºs22 a 25, constata-se que não existe ainda Alvará de Loteamento, em 2017 e constata-se uma diferença de STP entre 2004 e 2009, a qual não se encontra ainda definida.
24-O tribunal recorrido baseou-se num edital da Câmara Municipal de Palmela, datado de 2010 e referente a prédios que não constavam da área da Augi, objeto da Assembleia de Comproprietários de 2004, sendo que as alterações ali referidas, de 2006 e 2009, nunca foram submetidas a qualquer assembleia de comproprietários da Augi, como é patente na falta de junção aos autos das respetivas atas nesse sentido, assim como da confissão da apelada quanto a esse facto.
25-O tribunal recorrido errou no enquadramento jurídico que fez quanto às questões submetidas à sua apreciação, uma vez que não está em causa a obrigação que sobre os apelantes impende de pagar os custos de reconversão, mas, tão só, em saber como foram calculados esses custos e qual o fim que será dado aos respetivos valores, atendendo toda a factualidade descrita na petição de embargos.
26-O tribunal recorrido fez tábua rasa sobre toda a argumentação apresentada pelos apelantes, assim como da documentação que a sustentou.
27- O que está em causa NÃO é a fórmula que foi aprovada, mas, sim, os valores que agora estão a ser atribuídos aos elementos que a compõem, sem qualquer justificação, informação e prévia deliberação.
28-O tribunal recorrido entendeu que o processo urbanístico ficou aprovado em 19.08.2009, mas não teve em conta que os elementos que daí resultaram não constam do título executivo, datado de 2004, nomeadamente, a área loteanda a as áreas dos lotes de cada comproprietário.
29-A fundamentação jurídica descrita na sentença recorrida contraria a factualidade demonstrada nos autos, pelo que, a proceder a alteração da matéria de facto nos termos supra requeridos, não pode aquela prevalecer.
30-O tribunal recorrido não pode impor, por força da aprovação de uma fórmula abstrata, que se possam concretizar os seus elementos com valores que não encontram justificação no título executivo e nos documentos juntos aos autos e quando alguns deles até contrariam os indicados na data em que tal fórmula foi aprovada, como sejam os dos elementos “IE” e “K”.
31- O raciocínio do tribunal recorrido põe em causa o próprio conceito de título executivo quando exige a constituição ou a certificação da obrigação, não bastando que preveja a constituição desta.
32- O título é válido quando serve os requisitos formais e substanciais, exigidos legalmente, tornando-se inexistente quando lhe faltarem os requisitos essenciais, o que constitui uma nulidade insanável e que é do conhecimento oficioso.
33- O título executivo que sustenta a execução não se encontra em conformidade com a lei, máxime, por do mesmo não resultar a exigibilidade e a liquidez da obrigação, por manifesta insuficiência.
34- Da ata apresentada como título executivo resulta que a área de construção a atribuir a cada lote não se mostrava definida à data da realização da assembleia, sendo um elemento essencial para o cálculo do valor da comparticipação.
35- Da fórmula de cálculo de comparticipação aprovada não resulta a determinação da prestação a cargo dos apelantes, já que na mesma não se indicam os valores que compõem, nomeadamente, os elementos G, GO (não se indica data prevista ou considerada pela assembleia para a aprovação das contas finais e para o início e conclusão das obras) e T (não se indica o valor previsível e considerado dessas taxas).
36- O título dado à execução não fornece todos os elementos necessários para a determinação da quantia exequenda (despesas de reconversão a cargo dos executados), sendo por isso inexequível.
37- Os documentos que estão juntos com o título executivo, nomeadamente, o edital da Câmara Municipal de Palmela de 2010, não constituiu um documento complementar do título executivo.
38- O cálculo que é feito pela apelada e referido numa simples carta enviada aos apelantes (documento que não é título executivo, nem dele complemento) não encontra qualquer sustentação no título executivo, não sendo possível determinar como foram apurados os elementos integrantes da fórmula em causa.
39- Não podia o tribunal recorrido ter concluído que a apelada justificou o seu cálculo com base na fórmula do título executivo e com base no mencionado edital, porque de ambos não se consegue apurar tal quantia, por insuficiência de informação quanto aos valores e datas de determinados elementos, como supra se referiu.
40- Dos documentos juntos pela apelada não se consegue identificar qual a área total de construção do loteamento, qual a área atribuída a cada lote para esse efeito, qual a data para o início das obras de reconversão, qual o valor das taxas municipais, qual o valor previsto para tais obras, atendendo a que o valor enunciado no título executivo se encontra desatualizado, face às alterações entretanto introduzidas no projeto de loteamento.
41- O tribunal recorrido devia ter concluído que o título dado à execução não fornece todos os elementos necessários para a determinação da quantia exequenda, sendo por isso inexequível, o que, por si só, deveria ter determinado a procedência da presente oposição à execução, sendo esse o entendimento da nossa jurisprudência, nomeadamente, deste Venerando Tribunal, em questões semelhantes (e até iguais) às dos presentes autos, sobre a mesma Augi, indicando-se a título meramente indicativo os Acórdãos datados de 14.07.2020 (no âmbito da Apelação nº4521/18.0T8STB-A.E1 ) 02.05.2019 (no âmbito da Apelação nº1078/18.6 T8STB-A.E1) 24.10.2019 (no âmbito da Apelação nº3484/18.7T8STB-A.1) 22.10.2020 (no âmbito da Apelação nº969/18.9T8STB-A.E1) e 13.03.2025 (Apelação nº 6183/18.6T8STB-A.E1).
42- Entendendo-se e defendendo-se a corrente da jurisprudência supra enunciada, que vai no sentido de julgar o título dado à execução como insuficiente e, por conseguinte, declarar extinta a execução, o que aqui, uma vez mais, se realça e cuja declaração nesse sentido se requer, em substituição da sentença recorrida que deve ser revogada.
43- Está demonstrado nos autos, que o processo de reconversão da Augi do Pinheiro Ramudo encontra-se parado, que a última assembleia realizada (e concluída) foi em 2006, sendo que nem aí foram prestadas quaisquer contas por parte da apelada aos comproprietários, que ainda não foram iniciadas qualquer obras de reconversão, nem pagas as taxas devidas, sendo certo que os projetos apresentados na CMP datam de 2004 e já não tem validade, existindo a necessidade de apresentar novos projetos.
44- Para apreciação da exceção prevista no artigo 428º do C.C. e invocada pelos apelantes, o tribunal recorrido, a par dos factos que considerou como provados nos pontos 1º e 17º da sentença, deveria ter considerado como provados os factos descritos nos pontos 38º a 54º da 3ª conclusão deste recurso e atendido aos documentos ali enunciados para prova de cada um.
45- O tribunal recorrido errou ao concluir que não se encontram verificadas quaisquer obrigações incumpridas por parte da apelada que possa ser correlativa à obrigação dos apelantes contribuírem para as despesas do processo de reconversão.
46- Se o dever da apelada é, entre outros, praticar os atos necessários à tramitação do processo de reconversão em representação dos titulares dos prédios e donos das construções integrados na AUGI; Elaborar e submeter à assembleia de proprietários ou comproprietários os orçamentos para execução das obras de urbanização, o relatório da administração conjunta e as contas anuais, intercalares, relativas a cada ano civil, e as contas finais; Prestar a colaboração solicitada pela câmara municipal, designadamente entregando documentos e facultando informações e se está demonstrado que a mesma não cumpre tais deveres, há mais de 14 anos, o tribunal recorrido não podia ter concluído pela improcedência daquela exceção.
47- Os apelantes, na qualidade de comproprietários, face à inercia e negligência ou dolo (a apurar) demonstrada pela apelada, bem como à recusa em prestar contas e informações sobre o estado do processo de reconversão e trabalho por si realizado, têm legitimidade em não contribuir com qualquer quantia, enquanto não forem prestadas informações e garantias de que o processo de reconversão é viável e de que o dinheiro já entregue e a entregar pelos comproprietários será bem aplicado e o seu fim será, exclusivamente, o mencionado processo de reconversão.
48- Pelo que não andou bem o tribunal recorrido ao considerar não se encontrarem verificados os pressupostos para aplicação do disposto no artigo 428º do C.C., devendo por isso ser revogada a respetiva decisão e substituída por outra que declare procedente a exceção invocada, o que aqui se requer.
49- Por considerar a ata da assembleia em causa como título executivo, a apelada faz uso da mesma para coagir os comproprietários a pagarem as alegadas comparticipações, bem sabendo que o seu trabalho (ou falta de trabalho) é motivo de enorme falta de confiança por parte daqueles.
50- Ao invés de prestar contas e esclarecer os comproprietários sobre os motivos do atraso (ou paragem) do processo de reconversão, a apelada obriga aqueles a pagarem valores significativos completamente “às cegas”.
51- É, manifestamente, abusivo impor pagamentos aos comproprietários quando não são prestadas informações aos mesmos, quando estes não conseguem contatar a embargada, quando não lhes são prestadas contas sobre os valores já entregues, quando deixaram desatualizar orçamentos e projetos que precisam de ser, novamente, atualizados, com acréscimo de custos.
52- É, manifestamente, abusivo exigir aos comproprietários os valores que da aplicação da referida fórmula corresponderiam aos valores totais das despesas de reconversão a pagar por cada comproprietário (e não adiantamentos) quando nada está feito, nem existem quaisquer garantias que o processo de reconversão seja suscetível de ser concretizado, com base no trabalho desenvolvido, até agora, pela apelada.
53- É, manifestamente, abusivo que desde a realização da mencionada assembleia de 2004, apenas tenha sido realizada uma assembleia em 2006 e iniciada uma outra em 2009 (mas não concluída), sem se aprovarem as contas de cada exercício e eleger, anualmente, a Comissão de Fiscalização.
54- Os factos carreados pelos apelantes para os presentes autos e que deviam ter sido considerados como provados pelo tribunal recorrido, através dos documentos juntos e dos documentos cuja junção se requereu, evidenciam bem que a atuação da apelada é abusiva, porque ultrapassa os limites impostos pela boa-fé e pelo fim social e económico do direito que invoca.
55- A condução negligente ou dolosa de todo o processo de reconversão, põe em causa o verdadeiro objetivo da apelada com o presente processo.
56- A falta de assembleias gerais ou reuniões com os comproprietários para justificar toda essa atuação e o afastamento do processo ao logo de diversos anos, dando a entender àqueles que a apelada tinha desistido de concretizar o processo de reconversão, torna abusiva a interpelação de 2018 anexa ao título executivo, bem como a propositura da presente ação, nos termos do artigo 334º do C.C.
57- De acordo com este preceito é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, o que no presente caso se verifica e desde já se invoca, sem prejuízo de poder ser sempre conhecido oficiosamente.
58- Consubstanciando o abuso de direito uma exceção perentória, que deve ser declarada e, em consequência, serem os apelantes absolvidos do pedido, nos termos do artigo 576º, nº3 do C.P.C., o que desde já se invoca e se requer.
59- Pelo que andou mal o tribunal recorrido ao não declarar como verificada tal exceção.
60- A apelada há diversos anos que tem conhecimento que a ata que consubstancia título executivo não é suficiente para exigir as comparticipações, motivo pelo qual desistiu da instância em inúmeras execuções avançadas contra os comproprietários.
61- Mesmo assim, intenta a presente execução e outras junto dos comproprietários, sobre falsos pressupostos, o que, só por si, evidencia manifesta má-fé, nos termos previstos no artigo 542º, nº 1 e 2, alíneas a) b) e d) do C.P.C.
62- Isto porque, a apelada omite a verdade dos factos (como seja a não existência de Alvará de Loteamento e a falta de elementos concretos para aplicação da fórmula aqui em causa); deduz uma pretensão que sabe não ter fundamento, uma vez que à data do título executivo nenhuma quantia era exigível, por não concretizável, a não ser adiantamentos ou provisões (o que não é o caso), tendo a sua pretensão sido rejeitada em outras ações por esse motivo, pelo que não devia instaurar novos processos, nos mesmos termos; omite factos relacionados com a oposição dos comproprietários quanto à forma como conduz o processo de reconversão e o destino que deu ou dá aos valores entregues pelos comproprietários (e que justificam a sua recusa em comparticipar com mais valores até existirem garantias da concretização do processo de reconversão e da boa gestão das quantias a entregar) e, por último, faz um uso manifestamente reprovável deste processo, para obtenção coerciva de quantias dos comproprietários, sem ter de prestar trabalho, esclarecimentos e contas e sem que se saiba para que fim, uma vez que o processo de reconversão esteve parado na Câmara Municipal durante diversos anos, assim se mantendo.
63- A apelada, para eleger a nova Comissão de Administração, em 03.02.2019, declarou e reconheceu na respetiva Assembleia Geral de Comproprietários que o título dado à presente execução não é líquido e, por conseguinte, exigível e que por isso iria desistir de todas as execuções até estarem apurados todos os elementos que possam concretizar a fórmula abstrata aprovada em fevereiro de 2024.
64- O que não foi tomado em consideração pelo tribunal recorrido, para além de ter obstado, ao não se pronunciar sobre o requerimento probatório constante na petição de embargos, que se confirmasse todos os requisitos que consubstanciam a litigância de má-fé e que fosse além dos documentos juntos nesse sentido.
65- Pelo que se entende por verificada a litigância de má-fé da apelada, que deve ser declarada e a mesma condenada enquanto tal, bem como no pagamento da indemnização, prevista no artigo 543º, nº 1, alínea a) do C.P.C. e cujo valor não poderá nunca ser inferior a € 2.500,00 (mínimo) a fim de ressarcir despesas e honorários a mandatários, despesas de deslocação à Câmara Municipal de Palmela, despesas de deslocação a escritório de mandatários e a tribunal, bem como despesas na obtenção de documentos para instruir o presente processo, nos termos do artigo 542º e seguintes do C.P.C.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presente recurso proceder, por provado, declarando-se nula a decisão recorrida, nos termos do artigo 615º, nº1, alíneas b) e d) do C.P.C., por manifesta violação do artigo 205º, nº1 da C.R.P. e artigos 3º, nº3, 152º, nº1, 154º, 590º, nº2, alínea c) e 607º, nº4 do C.P.C., ou se assim não se entender ser a mesma anulada por manifesto erro de julgamento e, por conseguinte, ser revogada e substituída por outra na qual se proceda à alteração da matéria de facto, nos termos descritos neste recurso e ao abrigo do artigo 662º do C.P.C., bem como onde se declare totalmente procedentes os embargos, com a absolvição dos apelantes do pedido, sem prejuízo da verificação da exceção de não cumprimento, do abuso de direito e a condenação da apelada como litigante de má-fé, numa multa e em indemnização nunca inferior a € 2.500,00, tudo nos termos supra enunciados (alegações e conclusões) assim se fazendo a COSTUMADA JUSTIÇA!”
I.C.
A recorrida apresentou resposta onde diz que deve improceder o recurso.
I.D.
O recurso foi devidamente recebido pelo tribunal a quo.
Após os vistos, cumpre decidir.
***
II. QUESTÕES A DECIDIR:
As conclusões das alegações de recurso delimitam o respetivo objecto de acordo com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, mas não haverá lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Assim, no caso, impõe-se apreciar:
a. Nulidade da decisão recorrida;
b. Impugnação da matéria de facto;
c. Verificação dos requisitos para a exequibilidade do título executivo.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO:
III.A. Nulidades da decisão recorrida:
a) Invocam os recorrentes a nulidade da decisão recorrida por violação da alínea b), do artigo 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (conclusões 4.º e 5.º).
Mas só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, como de forma lapidar se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9/12/2021 (processo n.º 7129/18.7T8BRG.G1.S1[1]).
Não é o caso dos autos, em que a decisão recorrida elenca os factos provados que, no seu entendimento, justificam o imediato conhecimento do mérito.
Questão diferente será a suficiência dos factos considerados para a decisão, a apreciar nos termos (também invocados pelos recorrentes) do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), parte final, do Código de Processo Civil.
Improcede, por isso, esta parte do recurso.
b) Invocam os recorrentes, por outro lado, a nulidade da decisão recorrida ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil (ver conclusões 7.ª a 9.ª e 11.ª a 13.ª).
A omissão de pronúncia, prevista nessa alínea d) está relacionada com o disposto no artigo 608.º, n.º 2, do mesmo diploma, onde se exige ao juiz que resolva todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cujas decisões estejam prejudicadas pela solução dada a outras.
Mas são coisas diferentes deixar de conhecer de questão de que devia conhecer‑se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Na verdade, “importa não confundir questões colocadas pelas partes, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido. As questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio” (nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/04/2024, processo n.º 1610/19.8T8VNG.P1.S1[2]).
Não se verifica, por isso, a invocada nulidade já que o Tribunal a quo conheceu de todas as questões que estavam submetidas à sua apreciação. É, também, questão diferente desta saber-se se podia o Tribunal conhecer imediatamente do mérito.
Improcede, por isso, também esta parte do recurso.
c) Invocam os recorrentes que não foi dada oportunidade de produzirem prova sobre parte da matéria de facto alegada e que esta é essencial para justificar o não cumprimento dos apelantes, a má-fé e o abuso de direito da apelada e, essencialmente, comprovar a incerteza e iliquidez do título executivo (conclusões 7.ª a 9.º).
Por força do que se estabelece no artigo 595.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (aplicável ao caso por força do artigo 732.º, n.º 2, do mesmo diploma), pode ser imediatamente conhecido o mérito da causa no despacho saneador (ou seja, sem necessidade de julgamento) “sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória”.
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[3] defendem que: “O juiz conhece do mérito da causa no despacho saneador, total ou parcialmente, quando para tal, isto é, para dar resposta ao pedido ou à parte do pedido correspondente, não haja necessidade de mais provas do que aquelas que já estão adquiridas no processo. Tal pode acontecer por inconcludência do pedido (…), procedência ou improcedência de exceção perentória (…) e procedência ou improcedência do pedido. (…) Esse conhecimento só deve ter lugar quando o processo contenha todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito e não apenas tendo em vista a partilhada pelo juiz da causa (…)”.
Paulo Pimenta[4] defende que se justifica que “o juiz só conheça do mérito da causa no despacho saneador quando «possa emitir uma decisão segura que, em princípio, não seja afetada pela evolução posterior» do processo, designadamente, em via de recurso. Por uma questão de cautela, e para esse efeito, o juiz deverá usar um critério objetivo, isto é, tomando como referência indicadores que não se cinjam à sua própria convicção acerca da solução jurídica do problema”.
Paulo Ramos de Faria[5] defende que: “o tribunal superior pode chegar oficiosamente à conclusão de que ainda se encontram controvertidos factos necessários ao julgamento da lide – quer tenham sido erradamente dados por assentes, quer não tenham sido sequer considerados. Constatando esta deficiência, deve lançar mão das ferramentas processuais colocadas ao seu dispor para a ultrapassar. O tribunal da Relação deve anular a decisão antecipada (art. 662.º, n.º 2, al. c))”.
Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/01/2018, (processo n.º 18084/15.5T8LSB.L1.S2[6]): “Deve ser anulado, por erro de procedimento (violação da disciplina processual), o despacho saneador onde o julgador conheceu do mérito da causa, se ainda não tinha à sua disposição todos os factos que interessam à resolução das várias questões de direito suscitadas na acção, não permitindo o estado do processo esse conhecimento, sem necessidade de mais provas”.
O juízo a fazer depende, por isso, da relevância dos factos controvertidos para a apreciação do mérito da causa, o que se fará após apreciação das restantes questões a resolver.
Sempre se dirá, no entanto, que quando se antecipa o conhecimento do mérito para o despacho saneador, por não ter sido realizado julgamento, está o Tribunal dispensado de elencar os factos não provados (por não ser aplicável, nesse caso, o disposto no artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil – assim improcedendo a conclusão 6.ª dos recorrentes).
*
III.B. Fundamentação de facto:
III.B.1 Impugnação da matéria de facto:
Os recorrentes cumpriram minimamente os requisitos do artigo 640.º do Código de Processo Civil, pelo que se impõe a análise das questões suscitadas na sua impugnação da matéria de facto.
Pretendem os recorrentes que os pontos 9.º e 10.º da matéria de facto considerada assente na decisão recorrida sejam considerados como não provados (conclusões 10.ª, 14.º a 22.º).
A decisão recorrida considerou assente nesses pontos que:
“9. Em face da fórmula de cálculo aprovada e do plano de loteamento definido pela Câmara Municipal de Palmela, a exequente efetuou os cálculos relativos ao lote a atribuir aos executados, que terá o número 985, com a área de 503,00 m2, e com uma STPL de 250,60 pela aplicação da fórmula e valores aprovados na assembleia geral de 27.03.2004, considerando a licença de loteamento aprovada, a que se refere o edital nº 03/DAU-GRAGI/2010 de 30.07.2010, da Câmara Municipal de Palmela.
10. Do referido cálculo resulta que a comparticipação dos executados, com os custos de reconversão, ascende aos € 22.689,37 euros.”
Os recorrentes estão inconformados com a resposta a estes pontos, mas a verdade é que neles consta, simplesmente, que a exequente efectuou cálculos e o resultado a que chegou. E essa parte (ou seja, que a exequente efectou cálculos e que chegou a esse resultado) é admitida pelos embargantes, como se retira dos pontos 8.º e 30.º a 33.º do requerimento inicial. Daí que se tenha dado como provada a matéria na decisão recorrida.
Questão diferente é saber se a exequente o poderia fazer e se esses cálculos estão correctos ou previstos no título executivo.
No entanto, para melhor compreensão, deve ser concretizada a matéria do ponto 10 dos factos provados por forma a nele constar todos os passos para esses cálculos. Assim a nova redacção será a seguinte:
10. Do referido cálculo consta que a comparticipação dos executados com os custos de reconversão é de 22.689,37€ partindo do seguinte:
| LOTE | ÁREA | STPL | AVOSLL | (K) | P | G | GO | T | IE | CL |
| 985 | 503 | 250,6 | 770,81 | 1,75 | 1 334,65 € | 4 349,99 € | 3 783,57 € | 2 933,61 € | 10 287,55 € | 22 689,37 € |
| CL - Custo de Reconversão a imputar a cada lote; | ||||||||||
| P - Custo relativo à 1ª fase do processo = 762,66 € * K; | ||||||||||
| G - Custo relativo à gestão do processo = 11,67 € * K * 213 meses (com IVA); | ||||||||||
| GO - Custo relativo à gestão das obras = 25,14 € * K * 86 meses (com IVA); | ||||||||||
| T - Custo das Taxas = 3 127 579,13 € * STPL / STPT; | ||||||||||
| IE - Custo das infra-estruturas = 10 967 763,00 € * STPL / STPT (com IVA); | ||||||||||
| STPT - Área máxima de construção atribuida à totalidade do loteamento = 267 169,70 m2; | ||||||||||
| SPTL - Área máxima de construção atribuida ao respetivo lote; | ||||||||||
| K - Índice relativo à dimensão dos lotes, correspondentes aos avos dos lotes no loteamento. | ||||||||||
III.B.2. Factos provados:
Considera-se, por isso, a seguinte matéria de facto provada:
1. A exequente tem, entre outras, a atribuição de praticar os actos necessários à reconversão urbanística do solo e à legalização das construções integradas na AUGI de Pinheiro Ramudo.
2. A favor dos executados encontra-se registada, pela Ap. 4 de 1995/08/11, da Conservatória do Registo Predial de Palmela, a aquisição com 525/230000 avos da titularidade dos executados, um lote com a área de 503,00 m2 designado por lote 985, do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela do prédio rústico sito na freguesia de Quinta do Anjo, Palmela, descrito sob o nº ...52, e inscrito na matriz predial rústica sob o artº. ...90, secção A.
3. O referido prédio faz parte da Área Urbana de Génese Ilegal (AUGI) de Pinheiro Ramudo.
4. A assembleia geral de comproprietários da AUGI de Pinheiro Ramudo realizada em 23.03.2002 fez aprovar a comissão de administração.
5. A assembleia geral de comproprietários da AUGI de Pinheiro Ramudo, realizada em 27.03.2004, deliberou, além do mais, aprovar o orçamento provisional das obras de urbanização, elaborado com base nos custos previsíveis, no montante global de € 8.916.880,49.
6. A assembleia geral deliberou ainda sobre a seguinte proposta:
«1 - Que seja adoptada a seguinte fórmula na repartição dos custos de reconversão por lote:
CL = (P+G+GO)*K+((T+IE)/STPT)*STPL, em que:
CL = Custo da reconversão a imputar a cada lote;
P = Custo relativo à 1ª fase do processo (execução e aprovação dos projectos), no montante de € 762,66 (…), com IVA incluído;
G = Custo relativo à gestão do processo, no montante de € 11,67 (…), com IVA incluído, por cada mês, desde Julho de 2000 até à aprovação das contas finais;
GO = Custo relativo à gestão das obras, no montante de € 20,95 (…), a que acresce o IVA em vigor, por cada mês, desde o início das obras até à sua conclusão;
T = Valor das taxas a liquidar à Câmara Municipal de palmela pela realização das infra-estruturas adicionado ao de quaisquer outras obras que, legalmente, sejam devidas;
IE = Custo de todas as infra-estruturas a realizar;
STPT = Área máxima total de construção atribuída ao loteamento no respectivo alvará;
STPL = Área máxima de construção atribuída ao respectivo lote no alvará de loteamento;
K = Índice relativo à dimensão dos lotes, de acordo com a tabela em anexo.
2 - Que seja estabelecido o dia 30 de Abril do corrente ano como data limite para o pagamento dos custos adicionais, calculados de acordo com o orçamento aprovado por esta assembleia, sem qualquer encargo adicional;
3 - Que seja estabelecido um prazo máximo de 30 dias meses, a contar dessa mesma data, como prazo limite para pagamento desses custos, desde que seja apresentado e aceite por esta Comissão no prazo de um mês um plano de pagamento e que, neste caso, que o valor em dívida sujeito a um encargo equivalente a 6% (…) ao ano.»
7. Consta o seguinte da ata da assembleia geral, logo após o texto da proposta referida no ponto anterior: «Apresentada esta proposta (…), face à indefinição quanto à STPL (área de construção) a atribuir a cada lote, foi dado um prazo de 15 dias aos comproprietários que ainda o não fizeram para decidirem sobre a(s) área (s) de construção do (s) seu (s) lote (s) findo o qual se considerará a área prevista no actual projecto aprovado, atribuindo-se então o respectivo valor dos custos de reconversão por lote com base na fórmula em aprovação».
8. As aludidas propostas foram aprovadas por maioria absoluta.
9. Em face da fórmula de cálculo aprovada e do plano de loteamento definido pela Câmara Municipal de Palmela, a exequente efetuou os cálculos relativos ao lote a atribuir aos executados, que terá o número 985, com a área de 503,00 m2, e com uma STPL de 250,60 pela aplicação da fórmula e valores aprovados na assembleia geral de 27.03.2004, considerando a licença de loteamento aprovada, a que se refere o edital nº 03/DAU-GRAGI/2010 de 30.07.2010, da Câmara Municipal de Palmela.
10. Do referido cálculo consta que a comparticipação dos executados com os custos de reconversão é de 22.689,37€ partindo do seguinte:
| LOTE | ÁREA | STPL | AVOSLL | (K) | P | G | GO | T | IE | CL |
| 985 | 503 | 250,6 | 770,81 | 1,75 | 1 334,65 € | 4 349,99 € | 3 783,57 € | 2 933,61 € | 10 287,55 € | 22 689,37 € |
| CL - Custo de Reconversão a imputar a cada lote; | ||||||||||
| P - Custo relativo à 1ª fase do processo = 762,66 € * K; | ||||||||||
| G - Custo relativo à gestão do processo = 11,67 € * K * 213 meses (com IVA); | ||||||||||
| GO - Custo relativo à gestão das obras = 25,14 € * K * 86 meses (com IVA); | ||||||||||
| T - Custo das Taxas = 3 127 579,13 € * STPL / STPT; | ||||||||||
| IE - Custo das infra-estruturas = 10 967 763,00 € * STPL / STPT (com IVA); | ||||||||||
| STPT - Área máxima de construção atribuída à totalidade do loteamento = 267 169,70 m2; | ||||||||||
| SPTL - Área máxima de construção atribuída ao respetivo lote; | ||||||||||
| K - Índice relativo à dimensão dos lotes, correspondentes aos avos dos lotes no loteamento. | ||||||||||
12. Foi enviada aos executados, pela exequente, uma carta datada de 18.03.2018, na qual a primeira solicitou o pagamento da quantia remanescente, no valor de 18.977,17 euros no prazo máximo de 15 dias.
13. Os executados não efetuaram o pagamento do valor constante da carta referida em 12.
14. A deliberação aprovada na assembleia geral de comproprietários de 27.03.2004 foi publicada no dia 05.04.2004, no jornal “Correio da Manhã”.
15. Por edital de 30.07.2010, foi tornada pública a aprovação pela edilidade camarária da licença de loteamento, e respetivas alterações, referente à reconversão da AUGI da Quinta do Pinheiro Ramudo, por deliberação da Câmara tomada em reuniões de públicas de 13.12.2000, 18.10.2006 e 19.08.2009.
16. Por deliberação da Câmara Municipal de Palmela de 19.08.2009, foi aprovada a licença de loteamento e respetivas alterações, referentes à reconversão da AUGI da Quinta do Pinheiro Ramudo, contemplando as alterações previstas em quadro síntese que continha a indicação das áreas e do número de lotes.
17. Por despacho exarado pelo Sr. Vereador do Pelouro em 19.07.2010, no uso da competência subdelegada pela Sra. Presidente da Câmara (através do despacho nº.20/2009 de 23.11), foi deferido o licenciamento de obras de urbanização.
*
III.C. Fundamentação jurídica:
a) A execução a que estes embargos foram apensos teve por base, como título executivo, uma acta a que se refere o artigo 10.º, n.º 5, da Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro (tal como se admite no artigo 703.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil).
Prescreve esse artigo 10.º, n.º 5, que constitui título executivo a “fotocópia certificada da ata que contém a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão”.
A matéria dos loteamentos ilegais não é nova. E a necessidade de prevenir o “aproveitamento indiscriminado de terrenos para a construção urbana” através de criação de aglomerados habitacionais “sem sujeição a qualquer disciplina” foi erigido como preocupação logo em 1965, quando legalmente se visou colocar termo a essas “actividades especulativas” que “além de lesarem, por vezes, os compradores de boa fé, criam para as câmaras municipais sérios problemas de ordem financeira, pois mais cedo ou mais tarde elas serão chamadas a realizar importantes obras de urbanização, impostas pela necessidade de se dotarem os referidos núcleos habitacionais com os indispensáveis acessos, redes de abastecimento de água e de drenagem de esgotos, espaços livres, etc., e procederem à sua conservação, assumindo encargos que não têm qualquer compensação e que, na maior parte dos casos, não podem ser suportados pelo erário municipal sem prejuízo dos seus programas normais de actividade” (ver o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 46673, de 29 de Novembro).
Como, por razões várias, aquela legislação de 1965 e a que se foi sucedendo não foi suficiente para travar (e legalizar atempadamente) os loteamentos ilegais, veio a ser estabelecido um regime excecional para a reconversão urbanística das áreas urbanas de génese ilegal pela referida Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro (e sucessivas alterações, a última das quais pela Lei n.º 71/2021, de 4 de Novembro).
Essas áreas urbanas de génese ilegal (AUGI) são os prédios ou conjuntos de prédios contíguos que, sem a competente licença de loteamento, quando legalmente exigida, tenham sido objecto de operações físicas de parcelamento destinadas à construção até à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de dezembro, e que, nos respetivos planos territoriais, estejam classificadas como espaço urbano ou urbanizável.
Estabeleceu a Lei, inequivocamente, que:
1. a reconversão urbanística do solo e a legalização das construções integradas em AUGI constituem dever dos respetivos proprietários ou comproprietários (cf. artigo 3.º, n.º 1, da referida Lei 91/95); e, sobretudo,
2. esse dever de reconversão que incide sobre os proprietários ou comproprietários inclui:
a. o dever de conformar os prédios que integram a AUGI com o alvará de loteamento ou com o plano de pormenor de reconversão; e
b. o dever de comparticipar nas despesas de reconversão (cf. artigo 3.º, n.º 3, da referida Lei 91/95).
Assim, os embargantes, enquanto comproprietários de um prédio que foi objecto de operações físicas de parcelamento destinadas à construção (têm um lote com a área de 503m2 – ver pontos 2 e 3 dos factos provados), têm o dever de proceder à reconversão urbanística (juntamente com os demais comproprietários) e, decisivamente, têm de comparticipar nas despesas dessa reconversão. Não podem pretender manter o seu lote como está (sem legalização) nem deixar de comparticipar nas despesas de reconversão urbanística de toda a área.
b) Cabendo aos embargantes (juntamente com os demais comproprietários) o dever de reconversão urbanística, estabeleceu a lei a forma específica (bem como os prazos) para que essa operação se faça.
Em primeiro lugar, o prédio que integra a AUGI aqui em causa ficou sujeito a uma administração conjunta por todos os comproprietários. E os embargantes, enquanto comproprietários, fazem parte dessa administração (cf. artigo 8.º, n.º 1, da Lei 91/95).
O órgão principal dessa administração conjunta será a assembleia dos comproprietários (cf. artigo 8.º, n.º 2, alínea a), desse mesmo diploma) onde, naturalmente, têm assento os embargantes e ora recorrentes (cf. artigo 9.º, n.º 1, da referida Lei).
A essa assembleia cabe acompanhar o obrigatório processo de reconversão e fiscalizar os actos da comissão de administração (cf. artigo 10.º, n.º 1, da indicada Lei).
Será a assembleia que, igualmente, aprova o projecto de reconversão e, sobretudo, aprova os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações referidos na alínea c) do n.º 1 do artigo 15.º (cf. artigo 10.º, n.º 2, alínea d) e f), da Lei 91/95).
No caso, é inequívoco que a assembleia dos comproprietários (onde os embargantes têm assento) deliberou aprovar os mapas, métodos, fórmulas de cálculo e datas para entrega das comparticipações, como resulta do ponto 5 dos factos provados (facto que não foi impugnado).
Não se vislumbra que essa deliberação tenha sido judicialmente impugnada, pelo que a ela têm de se submeter os embargantes, bem como a exequente que, enquanto comissão de administração, tem o dever de dar cumprimento às deliberações da assembleia e “cobrar as comparticipações, designadamente para as despesas do seu funcionamento, para execução dos projetos, acompanhamento técnico do processo e execução das obras de urbanização” (cf. artigo 15.º, n.º 1, alíneas c) e l) da referida Lei 91/95).
As comparticipações deliberadas pela assembleia de comproprietários não são, por isso, contrapartida de qualquer serviço que a comissão de administração tenha de prestar aos comproprietários e nunca poderia estar em causa, por isso, qualquer excepção de não pagamento (cf. artigo 428.º do Código Civil).
E enquanto a deliberação da assembleia não for integralmente cumprida, não pode considerar-se abusiva a actuação da comissão de administração que, como referido, deve dar integral cumprimento àquela (designadamente cobrando as comparticipações dos valores necessários a fazer avançar as operações de reconversão).
O apuramento dos factos relativos a essas excepções (excepção de não cumprimento e abuso de direito) são, por isso, inúteis para a apreciação do mérito da acção, pelo que não está em causa qualquer necessidade de ampliar a decisão de facto nem, consequentemente, existem motivos para anular a decisão recorrida neste particular.
Improcede, por isso, esta parte do recurso (conclusões 43.ª a 48.ª e 49.ª a 59.ª).
c) Decorre do artigo 16.º-C, n.º 1, da referida Lei que as comparticipações nos encargos da reconversão são consideradas provisões ou adiantamentos até à aprovação das contas finais da administração conjunta.
É este pormenor que, aparentemente, choca com a ideia tradicional de um crédito certo, líquido e exigível, que normalmente é objecto de uma execução judicial.
No caso das AUGI, por razões práticas que bem se compreendem (que decorrem da circunstância de serem os comproprietários, não outra entidade externa, a adiantar as despesas de funcionamento da comissão, para execução dos projectos e, sobretudo, para execução das obras), existe uma necessidade de pagamento que antecede a realização das despesas. Daí decorre que os valores em causa serão, nesta fase, previsões do que se vai gastar (previsões que ficarão erradas, pelo simples efeito do decurso do tempo: que se agrava quanto maior a inflação e maiores os atrasos potenciados pelos sucessivos incumprimentos de alguns comproprietários).
Ainda assim, o legislador estabeleceu (bem sabendo desta realidade) que a acta que aprova os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo constitui título executivo.
Daí que se possa dizer que “considerar que até à aprovação da operação de loteamento ou de urbanização a administração conjunta não tem competência para aprovar quotizações seria admitir que o legislador consagrou, nesta fase, uma solução sem qualquer utilidade prática” e que, por isso, “o cumprimento do dever de reconversão urbanística e legalização das construções integradas na AUGI, no âmbito de uma reconversão de iniciativa particular, pressupõe a definição e o pagamento de comparticipações por parte dos proprietários e comproprietários” (nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/2022 (processo n.º 9028/19.6T8LRS.L1.S1[7]).
Recusar-se a possibilidade de os comproprietários fazerem, durante o processo de reconversão, despesas que tenham a ver com a reconversão, é um contra-senso. Mas a verdade é que sem a possibilidade de imposição de comparticipações não seria possível fazer as obras (cf. neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8/02/2018 (processo n.º 15101/15.2T8LRS-A.L1-2[8]).
Não se desconhecem as várias decisões que têm vindo a ser tomadas neste Tribunal da Relação de Évora a propósito desta mesma acta (a realizada em 27/03/2004 no âmbito da AUGI do Pinheiro Ramudo) e que foi, também neste processo, dada à execução.
De um lado os Acórdãos de 9/10/2008 (processo n.º 1783/08-2[9]), de 2/05/2019 (processo n.º 1078/18.6T8STB-A.E1[10]), de 24/10/2019 (processo n.º 3484/18.7T8STB-A.E1[11]), de 22/10/2020 (processo n.º 969/18.9TBSTB-A.E1[12]) e de 13/03/2025 (processo n.º 6183/18.6T8STB-A.E1[13]).
Do outro os Acórdãos de 27/06/2019 (processo n.º 4733/16.1T8STB-A.E1[14]), de 12/09/2019 (processo n.º 7755/17.1T8STB-A.E1[15]), de 16/01/2020 (processo n.º 8952/18.8T8STB-A.E1[16]), de 30/01/2020 (processo n.º 4284/17.7T8STB-A.E1[17]), de 8/10/2020 (processo n.º 1279/19.0T8STB-A.E2[18]), de 14/10/2021 (processo n.º 9132/17.5T8STB-A.E1[19]) e de 18/09/2025 (processo n.º 8414/18.3T8STB-A.E1[20]).
A divergência que se foi instalando entre considerar, ou não, que esta mesma acta reúne os requisitos para ser considerada como título executivo foi algo debelada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/01/2020 (processo n.º 1078/18.6T8STB-A.E1.S1[21]) que decidiu que “se a deliberação da assembleia de comproprietários de área urbana de génese ilegal (AUGI) aprova a fórmula de cálculo aplicável para comparticipação de cada um dos comproprietários no processo de reconversão, conforme os lotes a aprovar no licenciamento camarário, o valor da comparticipação de cada um dos interessados é determinável através da aplicação dessa mesma fórmula”.
Assim, não sendo indispensável que conste do título executivo o exacto montante da obrigação a pagar no futuro, bastando que seja possível ao exequente liquidá-lo posteriormente a partir de simples cálculo aritmético (artigo 724.º, n.º 1, alínea h), do Código de Processo Civil), tanto basta para que se considere que a acta em causa seja exequível uma vez definidas as áreas do lotes e procedendo-se a um cálculo aritmético que tenha em consideração os custos de reconversão após a aprovação das últimas alterações ao projecto de loteamento, da licença para o início das obras e do respetivo licenciamento das obras ocorrido em 19/07/2010.
Cada lote comparticipa na totalidade dos custos de execução das obras de reconversão na proporção da área de construção que lhe é atribuída em relação à área total de construção de uso privado prevista no projeto de loteamento (cf. artigo 26.º, n.º 3, do regime instituído pela Lei 91/95).
Assim, como se decidiu no último Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/01/2020 citado, em face dos documentos apresentados e do cálculo efectuado, não existem dúvidas quanto à certeza e exigibilidade da obrigação exequenda, nem se podem colocar obstáculos quanto à sua liquidez.
Improcede, por isso, a questão da insuficiência e inexequibilidade do título executivo, bem como a pretendida ampliação da matéria de facto que a este propósito vinha defendida pelos embargantes.
d) Finalmente, insistem os recorrentes na condenação da exequente como litigante de má fé.
Em face do que ficou dito (até pelas importantes divergências jurisprudenciais sobre o tema), não se pode dizer que qualquer das partes tenha deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, pelo que improcede, igualmente, esta parte do recurso.
*
As custas do presente recurso deverão ficar a cargo dos recorrentes, por terem ficado vencidos, nos termos do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
***
IV. DECISÃO:
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, em conformidade, confirma-se a decisão recorrida.
Condenam-se os embargantes/apelantes nas custas do recurso.
Notifique.
Évora, 27 de Novembro de 2025
Filipe Aveiro Marques
Francisco Xavier
Sónia Kietzmann Lopes
_________________________________________
1. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/54940067083ff01f802587a80057e6d2.↩︎
2. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cb9583125d0cc62b80258afc004cdfc9.↩︎
3. “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, págs. 659-660.↩︎
4. Processo Civil Declarativo, Coimbra, Almedina, 2014, pág 257.↩︎
5. “Relevância das (outras) soluções plausíveis da questão de direito”, Julgar Online, Outubro de 2019, págs. 40 e 47, acessível em https://julgar.pt/relevancia-das-outras-solucoes-plausiveis-da-questao-de-direito/.↩︎
6. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/9DCBC2DEB9DC6A788025821A004AA264.↩︎
7. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/744f7d6163b7aded802587ea0061bf02.↩︎
8. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/8fc075aa6b7ab49c8025827200451aa1.↩︎
9. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/cca946c28a927a2880257de100574de2 de Manuel Marques (relator), Pires Robalo e Jaime Pestana.↩︎
10. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/019dba0f9553a2dc802583f6002d9bf8, de Isabel Peixoto Imaginário (relatora), Maria Domingas Simões e Vítor Sequinho dos Santos.↩︎
11. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/2161b2837d095cf1802584ab00347cc0, Vítor Sequinho dos Santos (relator), José Manuel Barata e Conceição Ferreira↩︎
12. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/27887a0d1570c7a28025861c003c9c42 , de José António Moita (relator), Silva Rato e Mata Ribeiro (vencido).↩︎
13. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/b6821ad12835daff80258c5300334332, de Maria João Sousa e Faro (relatora), Ana Pessoa e Elisabete Valente.↩︎
14. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/5b7d6eb2548e209b80258434002f1091 de Ana Margarida Leite (relatora), Cristina Dá Mesquita e Silva Rato.↩︎
15. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/700766edf403c3a580258481002faeda de Ana Margarida Leite (relatora), Cristina Dá Mesquita e Silva Rato.↩︎
16. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/8f8f44b568afe35c802584ff0043a66a, de Tomé Ramião (relator), Francisco Xavier e Maria João Sousa e Faro.↩︎
17. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/df27a01bde2126858025850a0036138b, de José Manuel Tomé de Carvalho (relator), Mário Branco Coelho e Isabel Peixoto Imaginário (vencida).↩︎
18. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/7ad5a3c44929ae758025861c003cffe4, de Mata Ribeiro (relator), Maria da Graça Araújo e Manuel Bargado.↩︎
19. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/ad90424a5d5415538025877c003fb232, de Elisabete Valente (relatora), Ana Margarida Leite e Cristina Dá Mesquita.↩︎
20. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/d3607aaa296b0f9580258d16005723a2, de Susana Ferrão da Costa Cabral (relatora), Filipe Aveiro Marques e Manuel Bargado.↩︎
21. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/7cbf8247bb81bc1a8025862a002f132f.↩︎