EMPREITADA
DESISTÊNCIA DO DONO DA OBRA
ABANDONO DA OBRA
Sumário

Sumário:
I. No art. 1229.º do Cód. Civil concede-se ao dono da obra a faculdade de se desvincular “a todo o tempo” do negócio, sem carecer de fundamento ou justificação ou mesmo de qualquer pré-aviso, e que pode ser expressa ou tácita. Ademais, a desistência tem eficácia ex nunc.
II. Trata-se, pois, de uma forma específica de extinção do contrato de empreitada e configura-se como uma excepção à regra estabelecida no art.º 406º do Cód. Civil.
III. O comportamento dos donos da obra traduzido no impedimento da empreiteira/autora e seus trabalhadores de entrarem na obra e de recolherem os seus instrumentos de trabalho, acompanhado da troca da fechadura, reconduz-se à figura da “desistência do dono da obra” prevista no art.º 1229º do Cód. Civil e não ao abandono da obra por parte do empreiteiro, como pretenderam fazer crer.

Texto Integral

Processo: 470/24.1T8VRS.E1

ACÓRDÃO

I. RELATÓRIO

1. Obrasfoitinho – PJFB, Remodelações, Unipessoal, Lda. demandou AA e BB peticionando a condenação destes a pagar-lhe a quantia de €43.050,00 (quarenta e três mil e cinquenta euros), acrescida de juros de mora no montante de €4.887,65 (quatro mil oitocentos e oitenta e sete euros e sessenta e cinco cêntimos) advenientes de um contrato de empreitada entre as partes celebrado.

2. Citados, contestaram os Réus argumentando que a autora abandonou a obra sem a concluir, levando consigo o livro de obra, e que por tal motivo contrataram um terceiro para terminar os serviços de instalação eléctrica, tendo, ainda, invocado que nada se mostrava em dívida pelos réus à autora.

3. Realizada audiência final veio, subsequentemente, a ser proferida sentença que julgou a acção procedente e condenou os réus no pedido.

4. É desta sentença que os mesmos Réus recorrem, formulando na sua apelação as seguintes conclusões:


1. A sentença recorrida enferma de erro manifesto na apreciação da prova (art. 640.º CPC).


2. Foi desconsiderada indevidamente a prova documental apresentada pelos Réus, sem que fosse ordenada prova complementar (art. 411.º CPC).


3. Foram valorizadas em excesso testemunhas com interesse direto na causa, sem fundamentação crítica.


4. O contrato estipulava que a última parcela de €30.000,00 só seria exigível 90 dias após a conclusão da obra.


5. A obra não foi concluída, faltando degraus em mármore e certificações elétricas.


6. A retenção do livro de obra pela Apelada constitui incumprimento grave (art.1225.º CC).


7. A sentença aplicou incorretamente o art. 1229.º CC, qualificando como desistência o que corresponde a incumprimento definitivo da Apelada (arts. 798.º e 801.º CC).


8. A fatura reclamada não comprova serviços efetivamente prestados nem o lucro da Apelada.


9. A sentença contém contradições insanáveis (art. 615.º, n.º 1, c) CPC).


10. O Tribunal omitiu pronúncia sobre argumentos essenciais da defesa, violando o princípio do contraditório (art. 3.º CPC).


11. A fundamentação é deficiente, inclusive por aproveitamento de trabalho alheio (art. 615.º, n.º 1, b) CPC).


12. Deve a sentença ser revogada e os Réus absolvidos.


13. Subsidiariamente, deve a condenação ser reduzida, considerando a obra incompleta e custos adicionais com terceiros..


Logo, a sentença deverá ser alterada e, nestes termos e nos mais de Direito, com o sempre mui douto suprimento de V. Ex.as, deve o presente Recurso ser julgado procedente, e, em consequência, ser a decisão proferida em primeira instância revogada e substituída por outra que absolva os Réus do pagamento da quantia reclamada pela Autora.


Subsidiariamente, caso assim não se entenda, deve a condenação ser reduzida, atenta a não conclusão integral da obra e os custos que os Réus tiveram de suportar com terceiros para a sua finalização e certificação elétrica.


5. Contra-alegou a Autora defendendo a improcedência do recurso.

5. Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC) cumpre notar que apesar do vago inconformismo acerca do modo como foram valorados depoimentos testemunhais e ponderados documentos e da crítica que é feita à fundamentação de facto, o certo é que, como se vê da transcrição das conclusões, os apelantes não extraem quaisquer consequências disso, ou seja não colocam em crise a decisão da matéria de facto com observância das exigências impostas pelo artº 640º do Código de Processo Civil, maxime através da concretização dos “ concretos pontos de facto que julga incorrectamente julgados” (nº1 a) ) ; “ a decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas “( nº1 c), nem indica as passagens da gravação do depoimento da testemunha em que funda o seu recurso ( nº2 a).


Assim sendo, é evidente que o recurso não tem, nem pode ter, como objecto (também) a decisão da matéria de facto.


Pelo que o mesmo, se atém à apreciação das seguintes as questões:


6.1. Se a sentença enferma de nulidade;


6.2. Reapreciação jurídica da causa: se não é devido o montante em que os Réus foram condenados mas um inferior.

II. FUNDAMENTAÇÃO

7. É o seguinte o teor da decisão de facto inserta na sentença recorrida:


a) Factos provados:


1. Os Réus pretenderam realizar serviços de renovação de uma moradia localizada na Quinta A Lote 144 A e serviços de conclusão de obra nas moradias Lotes 144B e 144 C, todas em Vila B.


2. Para o referido em 1), no dia 06.03.2023, a ré e a sociedade comercial Building Buddy, Lda., outorgaram um escrito particular denominado de “CONTRATO DE EMPREITADA”.


3. Acordaram as mencionadas partes naquele contrato que a ré adjudicaria à sociedade comercial Building Buddy, Lda. a “renovação de habitações” sitas na Quinta A, lote 144A, 144B, 144C, ... Vila B, obrigando-se aquela sociedade a executar a obra correspondente a trabalhos de construção civil, pintura, ladrilhos, carpintaria, conforme documento n.º 1 junto com a contestação cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.


4. Acordaram as partes identificadas 2) que o preço da empreitada seria globalmente de €65,000 mil (sessenta e cinco mil) a que acresceria o I.V.A. (Imposto Sobre o Valor Acrescentado) aplicável (23%).


5. Do escrito mencionado em 2) resulta ainda, da cláusula 3ª, que a ré se comprometia “a cumprir escrupulosamente os prazos de pagamento que seriam: €8.000,00 (oito mil euros) semanais após o início da obra, mediante a entrada da fatura correspondente aos trabalhos executados.”.


6. Acordaram, ainda, as mencionadas partes que o prazo de execução seria o seguinte: “1. Início dos trabalhos: 06.03.2023; 2. Termo dos trabalhos: 8 semanas (conclusão prevista à 28.04.2023)”.


7. No dia 02.05.2023, autora e ré outorgaram escrito particular, a que denominaram “Empreitada de obras particulares”.


8. Do escrito particular mencionado em 7), resulta as seguintes cláusulas:


“OBJECTO


Pelo presente documento, o Primeiro Outorgante adjudica ao Segundo Outorgante a Empreitada de "Renovação de habitações" sitas na Quinta A, lote 144a, 144B, 144C, Vila B ..., obrigando-se este a executar a obra correspondente a trabalhos de construção civil, pintura, ladrilhos, carpintaria, eletricidade, e entrega de documentos na Câmara Municipal para legalização das habitações, a que se encontra devidamente habilitado.


VALOR


0 preço da EMPREITADA é globalmente de 125,000 Euros (cento e vinte cinco mil euros), dos quais 65,000 mil (sessenta e cinco mil) já foram pagos ao Segundo Outorgante pelo Primeiro Outorgante.


PRAZO E CONDIÇÕES DE PAGAMENTO


O Primeiro Outorgante compromete-se a cumprir escrupulosamente os prazos de pagamento do restante valor (60,000 euros) que serão: 50% (30,000 euros) no dia 2 de maio de 2023, e os restantes 50% (30,000 euros) a pagar no prazo de 90 dias após a conclusão da obra conforme acordado entre as partes.


PRAZOS DE EXECUÇÃO


O prazo contratual para a execução dos trabalhos é o seguinte:


1. Início dos trabalhos: 03/06/2023


2. Termo dos trabalhos: aproximadamente 14 semanas (conclusão prevista à 09/06/2023)


Tudo conforme com o previsto no plano de trabalhos aprovado.”


9. Pela autora foram executados os seguintes trabalhos:


(i) quando à parte elétrica, a colocação de toda a instalação elétrica no interior das moradias


(ii) Tetos falsos e paredes em pladur, com barramento e lixadas de modo a serem pintadas;


(iii) Colocação de ladrilho em pisos, designadamente nos quartos, sala, cozinha, casa de banho, garagem e terraços;


(iv) Colocação de azulejos das casas de banho e parede de cozinha;


(v) Construção de escadas e colocação de pedra mármore entre pisos e subida para terraço, com colocação de roda pé;


(vi) Quanto aos sanitários – colocação de sanitas, moveis de lavatório, banheiras e torneiras e chuveiros de duche, relativo a seis casas de banho;


(vii) Pintura das moradias no interior e exterior, e pintura dos ferros em varandas;


(viii) Limpeza geral das moradias;


(ix) Transporte e colocação de lixo no vazadouro autorizado.


10. Os réus procederam ao pagamento do valor de € 70.385,82.


11. Em data não concretamente apurada, a autora prontificou-se junto dos réus a proceder à certificação e aos ensaios da parte elétrica instalada nos lotes 144A); 144B) e 144C), através de uma entidade terceira, pelo valor de €20.000,00 acrescido de IVA.


12. Por força do sucedido em 11) verificou-se entre as partes um desentendimento.


13. A autora não concluiu os trabalhos respeitantes à colocação do revestimento em cinco degraus em alvenaria (mármore).


14. A autora não obteve em tempo o material correcto (pedra mármore) para concluir o serviço mencionado em 13) tal como pretendido pelos réus.


15. Em data não concretamente apurada e após o intervalo de espera pela chegada dos materiais em falta para conclusão dos serviços referidos em 13), os réus, em virtude do desentendimento mencionado em 12), impediram a autora e seus trabalhadores de entrar novamente na obra e de recolher os seus instrumentos de trabalho, tendo procedido à troca da fechadura.


16. Para pagamento final, a autora emitiu a favor dos réus a fatura n.º 8/2023 de 15 de junho de 2023, no valor de € 35.000,00, ao que acresce IVA, na importância de € 8.050,00, no valor total de € 43.050,00.


17. A autora interpelou os réus para procederem ao pagamento da quantia indicada em 16), o que os réus se recusaram a fazer até à presente data.


18. A autora manteve consigo o livro de obra e não procedeu à sua entrega, até que fosse liquidada a quantia referida em 16).


19. Os réus no dia 11.09.2023 deram entrada de notificação judicial avulsa, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, para que a autora procedesse à devolução do livro de obra no prazo de 10 dias.


20. Os réus solicitaram os serviços da sociedade comercial VMCT - Instalações Elétricas Unipessoal, Lda. para a prestação de serviços de eletricidade, certificações e ensaios técnicos para os lotes 144A, 144B, 144C, sitos na Quinta A, em Vila B.


*


b) Factos não provados


Não se provou que:


a) o desentendimento ocorrido entre as partes e referido em 12) se tenha devido ao facto da a autora ter pedido mais dinheiro, para além do orçamentado.


b) a autora se tenha recusado a terminar a obra e que a tenha abandonado.


c) para além dos trabalhos orçamentados e integrados no contrato de empreitada, foram executados trabalhos na primeira moradia, designadamente a colocação de instalação elétrica e a colocação de azulejos em terraço.


d) os serviços prestados pela sociedade comercial VMCT – Instalações Elétricas Unipessoal, Lda. tenham contemplado prestação de serviços de eletricidade.”.


8. Do mérito do recurso


8.1. Das invocadas nulidades da sentença


Os apelantes limitam-se a referir que a sentença contém contradições insanáveis (art. 615.º, n.º 1, c) CPC); o Tribunal omitiu pronúncia sobre argumentos essenciais da defesa, violando o princípio do contraditório (art. 3.º CPC) e que a fundamentação é deficiente, inclusive por aproveitamento de trabalho alheio (art. 615.º, n.º 1, b) CPC).


Porém, não concretizam minimamente os fundamentos concretos da sua afirmação (por exemplo, que questões – relevantes- da defesa não foram apreciadas).


Não vemos que a sentença enferme de qualquer das nulidades suscitadas pelos recorrentes.


Basta lê-la.


De que contradições padece?


Os recorrentes não o dizem.


O que é que não está devidamente fundamentado ?


Também não o explicam.


Outrossim não se detecta que tenham ficado por decidir questões suscitadas pelas partes.


Em suma: Improcede a pretensão dos recorrentes de verem declarada a nulidade da sentença.


8.2. Reapreciação jurídica da causa


Como resulta da factualidade assente, autora e réus celebraram um contrato de empreitada, o qual, nos termos do disposto no art.º 1207º do Cód. Civil, “é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.


Pedro Romano Martinez1, qualifica a relação jurídica emergente de uma empreitada como um contrato sinalagmático, oneroso e comutativo. “É um contrato sinalagmático na medida em que dele emergem obrigações recíprocas e interdependentes: a obrigação de realizar uma obra tem, como contrapartida, o dever de pagar o preço. Por outro lado, o contrato apresenta-se como oneroso, porque o esforço económico é suportado pelas duas partes e há vantagens correlativas para ambos; de entre os contratos onerosos, classifica-se como sendo comutativo (por oposição a aleatório), na medida em que as vantagens patrimoniais dele emergentes são conhecidas das partes no momento do ajuste.”.


Assim, o empreiteiro, por força do contrato que o liga ao comitente, está obrigado a realizar uma obra (art. 1207º do Cód. Civil). A execução dessa obra deve ser feita em conformidade com o convencionado e sem vícios que lhe reduzam ou excluam o valor ou aptidão para o uso ordinário ou o previsto no contrato (art. 1208º do Cód. Civil).


Aplicam-se aos contratos de empreitada não só as normas especiais previstas nos artigos 1207º e seguintes do Cód. Civil, como também as regras gerais relativas ao cumprimento e incumprimento das obrigações que com aquelas se não revelem incompatíveis.


Porém, no art. 1229.º do Cód. Civil concede-se ao dono da obra a faculdade de se desvincular “a todo o tempo” do negócio, sem carecer de fundamento ou justificação ou mesmo de qualquer pré-aviso, e que pode ser expressa ou tácita. Ademais, a desistência tem eficácia ex nunc.


Trata-se, pois, de uma forma específica de extinção do contrato de empreitada e configura-se como uma excepção à regra estabelecida no art.º 406º do Cód. Civil.


Parece-nos inequívoco que o comportamento dos Réus traduzido no impedimento da empreiteira/autora e seus trabalhadores de entrarem na obra e de recolherem os seus instrumentos de trabalho, acompanhado da troca da fechadura, se reconduz à figura da “desistência do dono da obra” prevista no art.º 1229º do Cód. Civil e não ao abandono da obra por parte do empreiteiro, como pretenderam fazer crer.


É que, como dissemos, a desistência do dono da obra pode ser manifestada de forma tácita, o que sucede quando assume comportamento incompatível com a continuação do contrato, como é o caso de impedir com carácter definitivo o acesso do empreiteiro à obra.


Em suma: O comportamento dos Réus/donos da obra não pode deixar de ser entendido como uma declaração de vontade de não querer mais a execução da obra por parte da empreiteira, reconduzível ao conceito de “desistência”.


Em contrapartida, da factualidade provada não resulta a existência de qualquer responsabilidade por parte da autora quanto à sua “saída” da obra susceptível de consubstanciar um incumprimento contratual do empreiteiro em decorrência da violação dos deveres emergentes do contrato 2, na medida em que os Réus não provaram que a empreiteira tenha abandonado a obra – i.e. deixado de executar voluntaria e definitivamente a obra - e incumprido, por culpa sua, o contrato de empreitada que celebrara com eles.


Evidentemente que perante a desistência do dono da obra, o empreiteiro terá direito a ser indemnizado; aquele incorre numa verdadeira responsabilidade por actos lícitos.


Como proceder, então, ao cálculo da indemnização a que o empreiteiro terá direito em face da desistência da empreitada por parte do dono da obra que é, como vimos, lícita?


Como decorre do art.º 1229º do Cód. Civil, tal indemnização reconduz-se, por um lado, aos gastos e ao trabalho que o empreiteiro teve com a obra até àquele momento e, por outro, ao proveito ou lucro que o mesmo poderia tirar da obra (tendo por base a obra completa e não somente à parte que foi executada).


Portanto, de acordo com esta norma, o empreiteiro deverá ser indemnizado, em caso de desistência do dono da obra, em quantia correspondente ao valor dos materiais e dos salários que suportou com a obra até então acrescida do lucro que a sua conclusão lhe traria.


O montante deste lucro obtém-se abatendo ao preço estabelecido para a obra integral o seu custo (também integral).


Como nos esclarece Pedro Romano Martinez, 3 “ [d]iferentemente, nos termos do § 649 do BGB – assim como no art.º 34º do anteprojecto referente ao contrato de empreitada – a indemnização deve ser determinada tendo em conta o preço total da empreitada , deduzido do que o empreiteiro poupou em despesas ou adquiriu mediante a aplicação da sua força de trabalho , ou deixou de má vontade de adquirir.”


E adianta : “[p]or via de regra, aplicação do critério positivo ( …) ou do critério negativo (…) conduz ao mesmo resultado.” Acrescentando que: ( …) o critério negativo , de fácil aplicação nas empreitadas em que o preço foi fixado a forfait , se torna mais difícil nas empreitadas cuja remuneração tenha sido determinada de outra forma”.4


Revertendo ao caso dos autos, apenas sabemos que o valor do preço da empreitada se fixou “ globalmente” em 125,000 Euros, que os réus pagaram o valor de € 70.385,82 e que a empreiteira/autora não concluiu os trabalhos respeitantes à colocação do revestimento em cinco degraus em alvenaria (mármore) e que não obteve em tempo o material correcto (pedra mármore) para concluir tal serviço e que autora reclama o pagamento de € 35.000,00 (acrescido de € 8.050,00 de IVA).


Analisando o contrato celebrado entre as partes, constata-se que nele é afirmado que : “ O preço da EMPREITADA é globalmente de 125,000 Euros (cento e vinte cinco mil euros), dos quais 65,000 mil (sessenta e cinco mil) já foram pagos ao Segundo Outorgante pelo Primeiro Outorgante (…)”.


Na petição inicial ( art.º 7º) , a Autora afirmou por seu turno que : “A A deu início à execução dos trabalhos da renovação das moradias e no decurso da mesma os RR pagaram-lhe o valor de € 70.385,82.” ( sublinhado nosso).


No entanto, o primeiro segmento da frase não foi transposto para a decisão da matéria de facto, já que aí apenas se consignou que: “10. Os réus procederam ao pagamento do valor de € 70.385,82.”.


Portanto, ficou por esclarecer se esses € 70.385,82 foram liquidados para além dos € 65.000,00 constantes do contrato – o que significa que os Réus teriam liquidado um total de € 135 385,82 ou se nesses € 70.385,82 já estão compreendidos os € 65.000,00 referidos no contrato , caso em que subsistiriam por liquidar, com referência ao valor global da obra, €54 614,18.


Convém além disso esclarecer se os valores referidos já compreendem o IVA, ou não, sendo certo que não é feita menção de que tenha sido emitida a competente factura.


Ora, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC, a Relação deve, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida em primeira instância, quando não constando do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre determinados pontos da matéria de facto.


No caso, isso implica a anulação parcial do julgamento – quanto à matéria inserta no ponto 10 - e, consequentemente, da sentença, sem prejuízo da prova já produzida, para realização das diligências tidas como necessárias ao cumprimento de tal desiderato, reabrindo-se a audiência, após o que se proferirá nova decisão.


Em face do decidido, fica prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas no recurso.

III. DECISÃO


Nestes termos e com tais fundamentos, acorda-se em anular parcialmente o julgamento e, consequentemente, a sentença, sem prejuízo da prova já produzida, conforme supra-referido.


Custas pela parte vencida a final.


Évora, 27 de Novembro de 2025


Maria João Sousa e Faro (relatora)


Manuel Bargado


Ana Pessoa

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1. Contrato de Empreitada, Almedina, 1994, pag.65 e segs.↩︎

2. A questão da “retenção ilícita” do livro de obra por parte da empreiteira não apresenta em termos causais qualquer relevância na determinação do abandono ao contrário do que os apelantes pretendem.↩︎

3. Da cessação do Contrato, Almedina, 2ª ed. pag. 566.↩︎

4. Idem, “Da cessação… “, pag.175.↩︎