ARRENDAMENTO
FORMA ESCRITA
RENDA
MORA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário

Sumário:
I. A inobservância da forma escrita nos contratos de arrendamento para habitação, corresponde a uma formalidade ad probationem e, portanto, a sua não observação não gera a nulidade do contrato.
II. Tendo os réus confessado o não pagamento das rendas por período superior a 3 meses e não tendo feito cessar a mora, assiste ao senhorio o direito de resolver o contrato de arrendamento e ser ressarcido pelo valor das rendas em dívida.
III. Verificam-se os pressupostos da litigância de má-fé quando os réus negam na contestação factos essenciais para a decisão da causa, sendo os mesmos pessoais por neles terem participado, e, posteriormente, em sede de julgamento vêm a confessá-los.

Texto Integral

Processo n.º 213/24.0T8TNV.E1 (Apelação)

Tribunal recorrido: TJ Comarca Santarém, Juízo Local Cível de Torres Novas

Apelantes: AA e BB

Apelados: CC

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO

1. CC intentou contra AA, e mulher, BB, e contra DD, ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, pedindo:

i. a condenação dos réus a reconhecerem que a autora é a dona da fração autónoma «AO», do prédio urbano inscrito na matriz predial da União das Freguesias de Torres Novas (Santa Maria, Salvador e Santiago), concelho de Torres Novas, sob o artigo ...55.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas com o n.º ...29/19920507-AO;

ii. que seja declarada a resolução do contrato de arrendamento sobre a mesma fração;

iii. a condenação dos réus no pagamento da quantia de €1.200,00 a título de rendas vencidas e não pagas, acrescidas de uma indemnização de €240,00 e das rendas que se vencerem até à entrega do imóvel arrendado, acrescidas da indemnização correspondente a 20%, do seu valor;

iv. a condenação dos réus na entrega do locado, livre de pessoas e coisas.

2. Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que, por contrato de 01-05-2019, deu de arrendamento aos réus a fração identificada na petição inicial, destinada à habitação do 1.º réu e 2.ª ré (que intervieram no convénio na qualidade de inquilinos, tendo a 3.ª ré intervindo na qualidade de fiadora) pelo valor de renda mensal de €400,00.


Mais alegou que os réus não pagaram as rendas correspondentes aos meses de novembro e dezembro de 2023 e de janeiro de 2024, e que apenas pagaram €400,00 em 09-02-2024.


Também alegou que enviou cartas registadas com aviso de receção aos réus declarando a resolução do contrato de arrendamento por mora superior a três meses no pagamento de rendas, as quais não foram levantadas, não tendo ocorrido entrega do imóvel até à data.

3. Contestaram os réus arguindo a ineptidão da petição inicial (por, na sua perspetiva, o pedido de declaração da resolução do contrato ser incompatível com a alegação de que o contrato foi resolvido por comunicação extrajudicial aos réus).


Negaram ter assinado qualquer contrato de arrendamento. Invocaram subsidiariamente (e para a eventualidade de se provar que o 1.º réu e 2.ª ré contrataram o arrendamento da fração de forma não escrita) a nulidade desse contrato por não ter sido reduzido a escrito.


Mais invocaram, na eventualidade de se considerar o contrato válido, a ausência de mora dos locatários por a senhoria não se ter deslocado ao domicílio dos mesmos para cobrar a renda; que a comunicação da resolução não era válida por não ter sido efetuada por notificação judicial avulsa e que optando a autora pelo despejo, não lhe assiste o direito à indemnização peticionada.


Concluíram negando a outorga de qualquer fiança pela 3.ª ré, pedindo a condenação da autora em multa e indemnização não inferior a €500,00€ à 3.ª ré por litigância de má-fé.

4. A autora pronunciou-se, por escrito e a convite do tribunal, acerca das exceções invocadas na contestação e do pedido de condenação como litigante de má-fé.

5. No despacho saneador foi julgada improcedente a exceção de nulidade por ineptidão da petição inicial invocada pelos réus.

6. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que jugou a causa parcialmente procedente, nos seguintes termos:

«a) declarar resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre a A. e os 1.º e 2.ª RR. e relativo à fração «AO», ao primeiro andar direito do prédio urbano situado na Travessa..., descrito sob a descrição predial n.º ...29/19920507, da Conservatória do Registo Predial de Torres Novas;

b) condenar os 1.º e 2.ª RR. a restituírem à A. a fração identificada em a), livre de pessoas e bens;

c) condenar os 1.º e 2.ª RR. a pagarem à A.:

c.1) a quantia de 1.200,00€ (mil e duzentos euros), relativa a rendas vencidas desde dezembro de 2023 e até à propositura da presente ação (em 01-03-2024) e não pagas;

c.2) as rendas vencidas após a propositura da ação e não pagas e as que se vencerem até ao trânsito em julgado da presente decisão ou até à entrega efetiva do locado, se esta ocorrer antes daquele, à razão mensal de 400,00 € (quatrocentos euros);

c.3) a indemnização mensal de 400,00 € (quatrocentos euros), por cada mês em que os 1.º e 2.ª RR. não procedam à entrega da fração identificada em a), desde o trânsito em julgado da presente decisão e até à efetiva entrega do local arrendado;

d) absolver os 1.º e 2.ª RR. do demais peticionado;

e) absolver a 3.ª R. dos pedidos contra si formulados;

f) não condenar a A. como litigante de má-fé;

g) condenar os 1.º e 2.ª RR. como litigantes de má-fé no pagamento de uma multa no valor de 2 (duas) UC.»

7. Inconformados, interpuseram recurso de apelação o 1.º réu e a 2.ª ré, defendendo a revogação da sentença por o contrato de arrendamento ser nulo, devendo os réus recorrentes ser absolvidos dos pedidos de resolução do contrato, restituição da fração e pagamento das rendas e, caso assim, não seja entendido, a absolvição do réu do pagamento das rendas e, ainda, a absolvição dos réus recorrentes quanto à condenação como litigantes de má-fé, apresentando para o efeito as seguintes CONCLUSÕES:


1ª.


Tendo em conta a data do acordo celebrado entre a A. e a R. BB no mês de Abril 2019, e não tendo havido contrato de arrendamento escrito, e face à posição assumida pelos RR., o alegado contrato de arrendamento está ferido de nulidade (nº. 5 dos facos provados e al. b) dos factos não provados), face ao disposto no artº. 1069º, nº. 1 do C. C. que a Sentença violou.


2ª.


Não tendo sido provado que a A. e a R. BB acordaram quanto ao local do pagamento das rendas, e a entender-se que o contrato de arrendamento é válido, sempre se teria de aplicar o disposto nos nºs. 1 e 2 do artº. 1039º do C.C. e, consequentemente, não tendo a A. provado que diligenciou pela cobrança das rendas no domicílio da R. BB, a R. não está em mora no cumprimento da obrigação de as pagar, e tal impõe a absolvição dos RR. e a improcedência da ação, pelo que a Sentença violou o disposto nos nºs. 1 e 2 do artº. 1039 do C.C. e o nº. 1 do artº. 1041º. do mesmo código.


3ª.


Porque o R. AA não acordou nem contratou com a A. (facto provado 5.) e a A. não alegou, designadamente, o regime de bens do casamento dos RR, nada na ação há que faça estender o contrato – e as obrigações dele decorrentes – ao R. AA, pelo que a Sentença andou mal ao condenar o R. a pagar as rendas, tendo violado o disposto no artº. 1068º. C.C. e 342º., nº1 do mesmo código.


4ª.


A conduta processual dos RR. foi leal e tendente à descoberta da verdade, aliás, ao contrário da A..


Foi face à postura dos RR. que se apurou, designadamente,


- que só a R. fez acordo com a A,


- que o contrato não foi reduzido a escrito


- que a R. DD não participou em qualquer acordo ou contrato


E foi face ao depoimento dos RR. que a Sra. Juiz pode conhecer os contornos do acordo verbal havido (veja-se a motivação dos factos provados).


E os fundamentos dos pedidos, designadamente os elencados nos artºs. 2º., 3º., 4º., e o 2º. trecho do artº. 6º. e, bem assim, os dos artºs. 16º., 17º. E


18º. – que eram estruturantes da ação – não foram provados (como resulta da Sentença) pelo que é forçoso concluir que os RR. os impugnaram com toda a propriedade.


Pelo que os RR. têm conduta processual decente, não devendo ser tidos por litigantes de má fé, tendo a Sentença recorrida violado o disposto no artº. 542º. ,nº. 2 do C.P.C..

8. Na resposta ao recurso, a recorrida defendeu a confirmação da sentença.

9. O recurso foi admitido por despacho proferido em 24-09-2025 e os autos foram remetidos a esta Relação de Évora.

10. Foram colhidos os vistos.


II- FUNDAMENTAÇÃO

A. Objeto do Recurso


Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, impõe-se apreciar:


- Validade do contrato de arrendamento;


- Mora dos réus quanto ao pagamento das rendas;


- Responsabilidade do réu;


- Condenação do 1.º réu e da 2.º ré como litigantes de má-fé.


B- De Facto


A 1.ª instância proferiu a seguinte decisão de facto:


Factos Provados


«1. Sob a descrição ...29/19920507, da Conservatória do Registo Predial de Torres Novas, freguesia de Salvador, mostra-se descrito o prédio urbano denominado «Edifício 1, situado na Travessa....


2. Sob a descrição ...29/19920507-AO da Conservatória do Registo Predial de Torres Novas, mostra-se descrita a fração autónoma designada pela letra «AO», correspondente ao primeiro andar direito do prédio urbano referido em 1


3. A fração referida em 2 mostra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial a favor da A., pela apresentação n.º 1797, de 22-03-2019.


4. A fração referida em 2 mostra-se inscrita na matriz predial urbana da União das Freguesias de Torres Novas (Santa Maria, Salvador e Santiago), sob o artigo ...55.º.


5. Em data não apurada, mas situada no mês de abril de 2019, a 2.ª R. acordou com a A. que esta lhe cederia, sem prazo, o gozo da fração referida em 2, para a sua habitação, do 1.º R. e dos filhos do casal, mediante o pagamento de uma quantia mensal de 400,00€.


6. O 1.º R. deu o seu acordo ao referido em 5.


7. Na ocasião referida em 5, a 2.ª R. entregou à A. documentação sua e do 1.º R. (seu marido) e ainda da 3.ª R. (sua mãe), por a A. lhe ter pedido fiadora para o contrato.


8. Em 23-04-2019, a A. comunicou à Administração Tributária a celebração de um contrato de arrendamento habitacional tendo por objeto o imóvel referido em 2, e tendo como «locador, sublocador ou promitente locador (senhorio)» a A, e como «locatário, sublocatário ou promitente locatário (inquilino)» a 2.ª R., com data de início em 01-05-2019, com uma renda mensal no valor de 400,00€ e como «terceiro autorizado a cumprir as obrigações decorrentes do contrato», a 3.ª R..


9. A A. pagou a quantia de 40,00€ a título de imposto do selo inerente à declaração referida em 8.


10. A contrapartida referida em 5 era paga por transferência bancária da conta do 1.º R. ou da 2.ª R.


11. Os 1.º e 2.ª RR. receberam o comprovativo da declaração do arrendamento pela A. à Administração Tributária e alguns recibos de renda na caixa do correio da fração referida em 2.


12. Os RR. não pagaram à A. a quantia referida em 5 correspondente aos meses de novembro e dezembro de 2023 e de janeiro de 2024.


13. Em 17-01-2024, a A. remeteu para a morada da fração referida em 2, e endereçadas aos 1.º a 3.ª RR., cartas com o seguinte teor:


«Assunto: Comunicação destinada à resolução do contrato de arrendamento para habitação, com fundamento em mora superior a três meses no pagamento da renda. Carta registada com Aviso de Receção.


Exmos. Senhores,


Na qualidade de senhoria da fração autónoma designada pela letra AO, correspondente ao primeiro andar direito, entrada 2, destinada a habitação, do tipo T3, com 4 assoalhadas, cozinha, 2 casas de banho, 2 vestíbulos, despensa, tratamento de roupas, 3 terraços/varandas, 2 roupeiros, com a área bruta de 142,1 m2, e arrumo no sótão, com a área de 5 m2, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de União das Freguesias de Torres Novas (Santa Maria, Salvador e Santiago), concelho de Torres Novas, sob o art. 655, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas com o n.º ...29/19920507-AO


venho proceder à resolução do contrato de arrendamento relativo à fração autónoma acima identificada, datado de 1 de Maio de 2019, em face da mora no pagamento das rendas por um período superior a três meses.


Efetivamente, V. Exas. não pagaram as rendas devidas nos meses de novembro e dezembro de 2023 e janeiro de 2024.


Esta resolução produz efeitos a partir da data em que V. Exas forem notificados do presente escrito, devendo o locado ser desocupado e entregue livre de pessoas e bens, no decurso de um mês a contar da resolução.


Ademais, os meses de setembro e outubro foram pagos com atraso, (respetivamente em 29/09/2023 e 01/11/2023), estando em dívida a penalização de 20%, que soma 160,00€..»


14. Os 1.º e 2.ª RR. pagaram 400,00€ em 09-02-2024.


15. Em 17-02-2024, a A. remeteu para a morada da fração referida em 2, e endereçadas aos 1.º a 3.ª RR., cartas com o mesmo teor das referidas em 13, e nas quais acrescentou o seguinte:


«Mais, comunico a V. Exas. que o montante em dívida a título de rendas vencidas e não pagas é, nesta data, de 1.200,00€. E que, este valor será aumentado mensalmente da quantia de 400,00€, até à desocupação e entrega do locado.


Consigno que esta é a segunda carta registada com aviso de receção, enviada nos termos do artigo 10.º 3 do NRAU, em virtude de terem sido devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais as cartas enviadas em 17 de janeiro de 2024.»


16. Os 1.º e 2.ª RR. ainda residem na fração referida em 2.


17. Após a data referida em 14, os RR. não pagaram qualquer outra quantia à A.


Factos Não Provados


«a) A 3.ª R. acordou perante a A. garantir pessoalmente a satisfação do direito de crédito desta relativo ao pagamento, pelos 1.º e 2.ª R., da quantia mensal referida em 5.


b) A A. e os RR. reduziram a escrito o acordo referido em 5 dos factos provados.


c) A. e RR. acordaram que o valor referido em 5 seria pago no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que dissesse respeito por transferência bancária para o IBAN da A..


d) Para a declaração referida em 8, a A. levou um exemplar assinado pelas partes ao Serviço de Finanças de Torres Novas.»

C. Do Conhecimento das questões suscitadas no recurso


Identificadas as questões decidendas, passamos à sua análise.


1.ª Questão: Validade do contrato de arrendamento


1. Alegam os recorrentes que, não tendo ficado provado que o contrato de arrendamento urbano para habitação (como foi qualificado pela sentença recorrida sem que os recorrentes tal questionem) foi reduzido a escrito, o mesmo é nulo, atento o disposto no artigo 1069.º, n.º 1, do Código Civil (CC).


2. Na sentença recorrida, reconheceu-se que a autora não provou a alegação da redução a escrito do contrato de arrendamento (o que ficou a constar da alínea b) dos factos não provados). Porém, em relação à alegada nulidade por falta de redução a escrito do contrato, considerou que a mesma não se verificava, porquanto, e recorrendo à jurisprudência e doutrina que cita, considerou:

«No regime legal aplicável aos contratos de arrendamento celebrados no âmbito do RAU (aprovado pelo Decreto-lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro) por força do artigo 7.º do regime, e no regime introduzido pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, a redução a escrito do contrato de arrendamento constitui indubitavelmente uma formalidade ad probationem e não ad substantiam

Acrescentando:

«Com a entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, a forma do contrato de arrendamento passou a ter natureza inequivocamente ad probationem, sendo este regime aplicável (por força da norma transitória do artigo 14.º, n.º 2, do diploma) não só aos novos contratos, mas a todas as «situações de arrendamento constituídas anteriormente em que as partes não tenham dado obediência às exigências formais (contratos que seriam nulos), permitindo que as mesmas pudessem beneficiar do novo regime jurídico (…)» (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 04-10-2021, acima citado).

Significa isto que a sanção para a falta de forma escrita do contrato de arrendamento deixou de ser a nulidade do contrato e, desde que se prove o convénio por confissão, é de considerar o arrendamento existente e válido.

«A inobservância da formalidade ad probationem não gera a nulidade do ato (…) Sem a observância da formalidade ad probationem o negócio não é propriamente nulo, só que a sua prova será mais custosa de obter, só podendo ser suprida por outros meios mais difíceis de conseguir.» (cf. Luís Filipe Pires de Sousa, ibidem, página 134).»

Logo, é improcedente a exceção perentória de nulidade do contrato de arrendamento por falta de forma invocada pelos RR. na sua contestação.»

3. Ora, os recorrentes ignoram por completo a fundamentação expressa na sentença que levou à conclusão inversa do que defenderam na contestação e, agora também no recurso, limitando-se a invocar o n.º 1 do artigo 1069.º do CC, que prescreve, efetivamente, que o «contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito», mas sem cuidarem de analisar e fundamentar juridicamente a consequência da não observância da forma escrita e a aplicação ao caso da norma transitória do artigo 14.º, n.º 2, da Lei n.º 13/2019, de 12-02, ou seja, que a inobservância da forma corresponde a uma formalidade ad probationem e, portanto, a sua não observação não gera a nulidade do contrato.


Ademais, e como decidido no Acórdão do STJ, de 12-01-2022 (proc. n.º 4268/20.8T8PRT.P1.S1, em www.dgsi.pt), para além da existência do contrato não reduzido a escrito poder ser provada pelo arrendatário, nos termos do n.º 2 do artigo 1069.º do CC, resulta agora da lei, sendo aplicável a todos os contratos, que «(…) a redução a escrito é mero requisito ad probationem, pode o documento escrito ser substituído, para efeito de prova, ao abrigo do artigo 364.º do CC, por confissão expressa.», sendo que a «confissão expressa é susceptível de ser obtida por depoimento de parte, o que o juiz pode determinar em qualquer estado do processo, nos termos do artigo 452.º, n.º 1, do CPC.»


Foi o que sucedeu no caso dos autos, pois o 1.º réu e a 2.ª ré confessaram a factualidade referente à celebração do contrato de arrendamento.


Nestes termos, não vemos razão para discordar do decidido, improcedendo a 1.ª questão colocada no recurso.


2.ª Questão: Mora dos réus quanto ao pagamento das rendas


Defendem os recorrentes que não incorreram em mora quanto ao pagamento das rendas porque não foi provada que a renda devia ser paga n.º 1.º dia útil do mês anterior àquele a que dissesse respeito, nem que o pagamento que o pagamento deveria ser feito para o IBAN da autora. Entendendo, consequentemente, que, a sentença violou o disposto nos n.ºs 1 e 2 artigos 1039.º e o n.º 1 do artigo 1041.º do CC.


Na apreciação desta questão, adianta-se, desde já, que nenhuma razão assiste aos recorrentes porquanto ficou provada existência do contrato de arrendamento, a sua validade, como acima ficou confirmado, o uso e fruição do locado pelos réus (que se mantém), apesar de terem deixado de pagar as rendas de novembro 2023 a fevereiro de 2024 (cfr. factos provados 5, 8, 13 e 17).


O que significa que estão em mora por período superior a 3 meses, não tendo os réus feito cessar a mora mediante o pagamento da renda no prazo de 8 dias, o que faculta ao senhorio a alternativa de pedir as rendas em atraso acrescidas da penalização legal ou a resolução contratual e pagamento das rendas em atraso, tendo a autora optado pela última alternativa (cfr. artigos 1038.º , alínea a), 1041.º, n.ºs 1 e 2, e 1083.º, n.ºs 1 e 3, do CC).


No caso, os réus não alegaram ter pago as rendas em atraso, nem provaram que o fizeram (com exceção do pagamento realizado em fevereiro de 2014).

Lendo-se na sentença de forma acertada e com a qual concordamos:
«Uma vez que não se apurou qual a data de vencimento de cada renda mensal, têm aplicação as regras supletivas previstas no Código Civil, nomeadamente as contidas no n.º 2 do artigo 1075.º deste diploma que estatui que, na falta de convenção em contrário, se as rendas estiverem em correspondência com os meses do calendário gregoriano, a primeira vencer-se-á no momento da celebração do contrato e cada uma das restantes no 1.º dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito.

Logo, as rendas mencionadas em 12 dos factos provados venceram-se no 1.º dia útil de outubro, novembro de dezembro de 2023, respetivamente, pelo que, em 17-01-2024 (data da carta transcrita em 13 dos factos provados), já a A. tinha direito à resolução do contrato.

O comprovado pagamento de uma das (então já quatro) rendas em atraso no dia 09-02-2024 (cf. facto provado n.º 14) não afeta o direito da A. à resolução na medida em que os RR. não puseram fim à mora existente quanto a todas as rendas em dívida, como exige a factispécie do artigo 1084.º, n.º 3, do Código Civil para que se opere a retirada de efeitos resolutivos à comunicação anterior do senhorio.»

Ora, a alegação dos recorrentes em nada belisca este entendimento, ou seja, o mesmo só sairia perturbado se os réus tivessem provado que pagaram as rendas no tempo devido ou que fizeram cessar a mora nos termos acima referidos. O que não lograram provar, como lhes competia (artigo 342.º, n.º 2, do CC).


Ao invés, refugiam-se nos factos não provados, dos quais nada se pode retirar em termos probatórios, invocando a falta de diligência da autora na cobrança das rendas e na aplicação de regras supletivas relacionadas com o tempo e lugar de pagamento. Todavia, não se entende como poderiam, no caso, funcionar as regras supletivas invocadas, mormente a presunção do n.º 2 do artigo 1093.º do CC, quando apenas a partir de determinado momento do programa contratual as rendas deixaram de ser pagas sem que os réus tenham provado que tal sucedeu por a senhoria as ter deixado de cobrar como (presuntivamente) teria feito até ali. E, mais, até procederam a um pagamento em fevereiro de 2024, quando já tinham cessado os pagamentos em novembro de 2023. Então, esse pagamento, ocorreu porque a senhoria diligenciou pelo pagamento da renda? Claro que não, considerando que foram os próprios réus que confessaram que não pagaram as rendas «desde novembro de 2023 até, pelo menos, à audiência final onde prestaram depoimento de parte», como consta expressamente na sentença.


Não nos merece, pois, qualquer censura o decidido na sentença quanto ao incumprimento da obrigação dos réus pagarem as rendas e ao direito da autora resolver o contrato de arrendamento para além de ser ressarcida do valor das rendas em dívida.


Em face do exposto, também improcede o recurso em relação a esta questão.


3.ª Questão: Responsabilidade do réu


Alegam os recorrentes que o réu não contratou com a autora, não tendo a autora alegado o regime de bens do casamento dos réus, pelo que as obrigações contratuais decorrentes do contrato de arrendamento não se estendem ao réu, não devendo ser condenado no pagamento das rendas.


Entendem, consequentemente, que a sentença violou os artigos 1068.º e 342.º, n.º 1, do CC.


Esta alegação vai manifestamente contra os factos provados 5 e 6, donde decorre que o réu deu o seu acordo ao acordado entre a 2.ª ré e a autora do qual resulta a existência do contrato de arrendamento em causa nos autos.


Por conseguinte, não faz qualquer sentido, nem a alegação que esquece os factos provados, nem muito menos a argumentação referente ao regime de bens do casamento e inaplicabilidade da presunção de comunicabilidade prevista no artigo 1065.º do CC, quando se provou que o réu deu o seu acordo à celebração do contrato de arrendamento, o que aliás, confessou em sede de julgamento.


Deste modo, também improcede esta questão.


4.ª Questão: Condenação do 1.º réu e da 2.ª ré como litigantes de má-fé.


Defendem os recorrentes que não existe fundamento para a sua condenação como litigantes de má-fé por a sua conduta processual ter sido tendente à descoberta da verdade e que os seus depoimentos de parte permitiram ao tribunal a quo conhecer dos contornos do acordo verbal concernente ao contrato de arrendamento, remetendo para os factos provados e não provados que mencionam.


Na sentença recorrida sobre a questão da má-fé dos recorrentes, em face do alegado pelos réus e o que ficou provado, e considerando, ainda, enquadramento jurídico da questão nos pressupostos do artigo 542.º do CPC, ficou exarada a seguinte fundamentação:

«Ora, da prova produzida em julgamento resultou provado, por confissão expressa dos 1.º e 2.ª RR., que, efetivamente, acordaram com a A. que esta lhes cederia, sem prazo, o gozo da fração, para a sua habitação e dos filhos do casal, mediante o pagamento de uma quantia mensal de 400,00€ (cf. factos provados n.ºs 5 e 6) e que deixaram de pagar rendas em novembro de 2023 (cf. facto provado n.º 12).

Deste modo, ao impugnarem os factos alegados pela A. (sem sequer cuidarem de os expurgar de conclusões e/ou de aditarem factualidade que considerassem relevante para a defesa da sua posição), negando perentoriamente qualquer acordo que, independentemente da qualificação jurídica, pudesse corresponder ao que qualquer homem médio, não jurista, compreende como sendo um arrendamento e uma relação senhorio-inquilino, e ao negarem ter deixado de pagar o valor acordado mensalmente a título de rendas – tudo realidades fácticas que, sem hesitação, assumiram nos seus depoimentos de parte – os RR. faltaram flagrantemente à verdade na sua contestação.

Tal conduta consubstancia uma paradigmática dedução de oposição cuja falta de fundamento (pelo menos nesta parte) não deviam ignorar e alteração da verdade dos factos, que forçou a Tribunal a produzir prova sobre matéria que, de outra forma, poderia ter dado desde logo por assente, aquilatando-se apenas da nulidade ou não do contrato por falta de forma escrita. Ocorreu desnecessária ocupação dos meios judiciais, pelo que é de concluir que os RR. litigaram de má-fé.

Nos termos do artigo 542.º, n.º 1 e 543.º, do Código de Processo Civil, tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.

No que concerne ao valor da multa a aplicar, estabelece o artigo 27.º, n.º s 3 e 4, do Regulamento das Custas Processuais, que o seu valor deverá ser fixado pelo juiz entre 2 UC e 100 UC, tendo em consideração: os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste.

Considerando o valor da ação, a gravidade do comportamento dos 1.º e 2.ª RR. nos autos (que supra se descreveu), e o entorpecimento que implicou para o processo, considera-se adequado e proporcionado à violação da lei a fixação de tal multa em 2 (duas UC), nos termos do artigo 542.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e artigos 3.º, n.º 2 e 27.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais.»

Concorda-se absolutamente.


Os réus alegaram que eram falsos factos que vieram a ser apurados em julgamento, mormente os relacionados com a celebração do contrato de arrendamento e falta de pagamento das rendas. E, mais, apesar da alegação negatória vertida na contestação, invocando que eram falsos, vieram confessá-los em julgamento. Sendo esses factos essenciais para o julgamento da causa, e sendo pessoais por os terem praticado, não os podiam desconhecer ou ignorar e contestar a ação como se não tivessem existido. A sua postura processual nos articulados é, pelo menos subsumível à negligência grave, e enquadra-se, pois, no n.º 1, alínea b), do artigo 542.º do CPC.


A confissão em sede de julgamento apenas evidenciou a conduta processual censurável anteriormente adotada e não pode obnubilar os efeitos anteriores que determinaram a necessidade dos autos seguirem para julgamento, o que evidencia, igualmente, uma grave violação do dever de colaboração e a utilização manifestamente do processo (n.º1, alíneas c) e d), do artigo 542.º do CPC).


Bem andou, pois, o tribunal a quo ao condená-los como litigantes de má-fé nos termos que constam da sentença recorrida, que também nenhuma censura nos merece em relação a esta questão, improcedendo a apelação em relação à mesma.


Dado o decaimento, as custas ficam a cargo dos apelantes (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.


III- DECISÃO


Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.


Custas nos termos sobreditos.


Évora, 27-11-2025


Maria Adelaide Domingos (Relatora)


José António Moita (1.º Adjunto)


Francisco Xavier (2.º Adjunto)