Sumário:
I. Não tendo a executada sido notificada da data e do local onde ia ser realizada a escritura de compra e venda por negociação particular, uma vez que apenas foi notificada após a ocorrência desse ato, não dispôs de informação que pudesse transmitir aos seus familiares com vista aos mesmos exercerem o direito de remir até ao momento em que ocorreu a referida escritura pública.
II. Essa omissão corresponde uma restrição inadmissível do direito de remição por parte dos familiares da executada, direito esse sujeito a caducidade se for não exercido no tempo devido.
III. Assim, a preterição da notificação da executada comunicando-lhe as circunstância de tempo e lugar onde se ia realizar a escritura de compra e venda, correspondem à preterição de formalidades essenciais que influíram na decisão da causa, pelo que se verifica a nulidade processual prevista no artigo 195.º do CPC, o que determina a anulação do ato de compra e venda e de todos os termos subsequentes que dele dependam absolutamente, como estipula o n.º 2 do mesmo preceito legal.
Tribunal recorrido: TJ Comarca de Santarém, Juízo de Execução do Entroncamento – J3
Apelante: AA
Apelados: Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Ribatejo Sul, C.R.L. e BB
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora
I – RELATÓRIO
1. Na execução comum em que é exequente Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Ribatejo Sul, C.R.L. e executados BB e AA, em 19-05-2025 (Ref.ª 99804843), foi proferido despacho que julgou improcedente a pretensão de anulação da venda por negociação particular do imóvel penhorado nos autos, por se encontrar documentado nos mesmos a notificação da executada «das horas, dia e lugar onde se ia realizar essa negociação particular».
2. O despacho supra referido, que vem a ser o recorrido, apreciou o requerimento da executada datado de 27-09-2021 (Ref.ª 39964213) no qual arguiu a nulidade da compra e venda do imóvel penhorado nos autos e pediu a anulação da mesma, por ter sido omitida a sua notificação, pelo agente de execução, da data, modo e lugar da formalização da venda particular do referido imóvel, argumentando, ademais, que ficou, assim, preterida a possibilidade do exercício do direito de remição por parte da sua filha ou dos seus pais, titulares daquele direito, nos termos dos artigos 824.º a 845.º do Código de Processo Civil (CPC).
3. Inconformada com o decidido, a executada interpôs recurso do referido despacho apresentando para o efeitos as seguintes CONCLUSÕES:
1. A Apelante vem apelar do, aliás, douto despacho que julgou totalmente improcedente o pedido de anulação da venda por negociação particular, tendo sido invocada, pela Executada, a falta de notificação de: as horas, o dia e o lugar onde ia ser realizada a formalização do título da negociação particular.
2. A Executada levantou a simples questão da falta de notificação da formalização (posterior) à negociação particular, e não da falta de notificação da negociação particular.
3. A Executada refere expressamente, no seu requerimento de arguição e pedido de anulação da venda: “Da falta de notificação da data, modo, tempo e lugar da formalização da negociação particular do imóvel:” e nunca referiu que não lhe foi comunicado as horas, o dia e o lugar onde ia ser realizada essa negociação particular, como erroneamente está expresso na dita decisão de que se recorre.
4. Apenas em 15.09.2021, a Sr.ª Agente de Execução informou a Executada que o imóvel penhorado (casa de morada de família) tinha sido vendido, por Procedimento de Compra e Venda, no dia 20.05.2021, na CRP de Cidade 1 e que esta tinha de entregar o imóvel até 15.10.2021.
5. A Executada não foi informada, nem notificada, da data da celebração da venda do prédio melhor identificado nos autos de Execução, antes da sua feitura.
6. No entanto, deveria ter sido informada da data, modo e local da concretização (escritura) da venda do bem imóvel em apreço, em vista designadamente, à possibilidade do exercício do direito de remição por parte da filha da Executada, ou até dos pais da Executada, titulares daquele direito nos termos do disposto nos artigos 842º a 845º do Código de Processo Civil.
7. Apesar da Executada saber da proposta apresentada e da autorização judicial da venda do imóvel pelo valor proposto como consta de douto despacho, tinha que ter sido informada do modo, data, hora e local da concretização/formalização (concretização formal) da venda do bem imóvel em questão.
8. Só deste modo fica assegurada a possibilidade de os titulares do direito de remição o poderem exercer, nos termos do disposto no artigo 843º do Código de Processo Civil.
9. Assim, não podem restar dúvidas que deve ser decretada a anulação da venda realizada em 20.05.2021, por falta de notificação da Executada dos circunstancialismos da formalização por documento autêntico da compra e venda, isto é da assinatura do título que a documenta, que é a realização da escritura pública ou outro documento autêntico, por se tratar de imóveis, com todas as suas consequências legais.
10. A Sr.ª Agente de Execução confundiu este Tribunal com os conceitos que aplica, pois nunca a Executada disse nestes autos que desconhecia a venda por negociação particular (ou seja a autorização dada pela Meritíssima Juiz), ao invés afirmou que desconheceu (porque nunca lhe foi dada a conhecer) a data, modo, tempo e lugar da formalização (assinatura do título) da negociação particular do imóvel.
11. Apenas em 15.09.2021, a Sr.ª Agente de Execução informou a Executada que pretendia a entrega do imóvel até 15.10.2021, por força da venda ocorrida através do Procedimento de Compra e Venda, do dia 20.05.2021, na CRP de Cidade 1.
12. A Executada veio ainda, requerer ao Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo que solicitasse à Sr.ª Agente de Execução que fosse notificada para juntar comprovativo da notificação da marcação da “data da venda”, para comprovar que tal notificação nunca ocorreu, pelo que nunca se conheceu a data da escritura de compra e venda realizada.
13. Tal junção nunca existiu por parte da Sr.ª Agente de Execução, porque a dita notificação a informar dos elementos da assinatura do título nunca ocorreu antes da mesma.
14. Pelo que deverá ser anulada a venda, isto é o próprio ato formalizado através de documento autêntico, por falta de notificação legal obrigatória.
15. Se é verdade que a venda por negociação particular foi autorizada, não é menos verdade que o título da dita venda deve ser anulado, por falta de notificação à Executada da realização do título, por isso se fala em anulação da venda (da sua formalização) por negociação particular.
16. Não nos parece que a adjudicação, em si, do prédio em causa na execução tenha de ser anulada, por não padecer de invalidade; no entanto, a realização (formalização) da venda, através do título que nunca foi comunicado antecipadamente à Executada deve ser anulada, pedindo a esta Relação que seja decidido que tal anulação da venda seja decretada, revogando a decisão do Tribunal a quo.
17. Só assim, se respeitará o disposto no artigo 843º do Código de Processo Civil, que o Tribunal a quo violou, ao coartar aos seus legítimos detentores, a possibilidade de exercer o seu direito de remissão, pois que lhes foi reduzido o prazo do seu exercício, que seria até ao momento da assinatura do documento autêntico da venda.
4. Não foi apresentada resposta ao recurso.
II- FUNDAMENTAÇÃO
A. Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, impõe-se apreciar se a venda por negociação particular deve ser anulada.
B- De Facto
Os factos e elementos processuais necessários ao conhecimento do objeto do recurso constam do antecedente Relatório, a que se acrescentam os seguintes (colhidos da tramitação exarada no Citius):
1. Por requerimento de 27-09-2021 (Ref.ª Citius 39964213), a executada veio arguir e pedir a anulação da venda por negociação particular do imóvel penhorado nos autos (descrito na CRP de Cidade 1 sob o n.º 1136 da freguesia e concelho de Vila 1), realizada no dia 20-05-2021, na CRP de Cidade 1, suscitando, no que revela para esta recurso, a falta de notificação da data, tempo e lugar da concretização da venda do imóvel por negociação particular.
2. Mais alegou que apenas em 15-09-2021, a agente de execução a notificou da venda do imóvel na data e no local referido em 1. e que tinha de entregar as chaves até 15-10-2021.
3. A agente de execução juntou aos autos, em 24-03-2025, o envio por correio simples da notificação à executada CC, Rua 1 ... Vila 1, com data de 28-05-2019, com o seguinte teor:
4. A notificação referida em 3. foi enviada via correio registado (RH283135825PT com data de 28-05-2019) tendo sido junto aos autos o comprovativo do CTT referente à entrega no dia 29-05-2019 em recetáculo postal.
5. Também se encontra junto aos autos a notificação emitida, em 13-06-2019, pela agente de execução dirigida à executada, onde consta: «Fica V.Exa. notificada na qualidade de executada dos presentes autos, que se realizou ontem dia 12 de Junho de 2019 pelas 11:00 horas no escritório da Agente de Execução, a Venda por Negociação Particular que se encontrava agendada», e ainda, que «Foi apresentada uma proposta de aquisição do imóvel penhorado nos presentes autos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila 1 sob o n.º 4324 da freguesia e concelho de Vila 1, pela Exequente Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Ribatejo, CRL no valor de 44.750,00€uros (Quarenta e Quatro Mil Setecentos e Cinquenta Euros)», bem como «Uma vez que o valor da venda não obedece ao valor mínimo de 69.870,00€uros (Setenta e Nove mil Oitocentos e Setenta Euros), a Agente de Execução colocou à consideração da Mm.Dra. Juiz a decisão da mesma.»
6. Em 11-09-2019 (Ref.ª 81860557) foi proferido o seguinte despacho: «Face às condicionantes expostas pelo Senhor Agente de Execução e ponderando os interesses do exequente e da executada, considera-se que a única solução será aceitar a única proposta existente. Pelo que se autoriza a venda pela única proposta existente. Notifique.»
7. Foi junto aos autos a notificação do despacho referido em 6. com data de 18-09-2019 dirigida pela agente de execução à executada.
C. Do Conhecimento das questões suscitadas no recurso
1. A única questão que importa conhecer é o da anulação da venda do imóvel penhorado à ordem dos autos através de negociação particular realizada no dia 20-05-2021, na CRP de Cidade 1, por a executada, ora recorrente, não ter sido notificada da data, do modo, tempo e lugar da formalização da referida venda.
O despacho recorrido julgou improcedente o pedido de anulação da venda estribando-se no facto da executada ter sido notificada das horas, do dia e lugar onde ia ser realizada a negociação particular.
Contrapõe a recorrente que não é essa a notificação que se encontra em falta geradora da invocada nulidade/anulação da venda, mas sim a falta de notificação da executada da formalização/concretização da referida venda por negociação particular, pois apenas foi notificada da realização do ato em data posterior à sua realização, em 15-09-2021, quando a venda ocorreu em 20-05-2021.
2. Analisada a questão com base na documentação junta aos autos pela agente de execução, temos de concordar que assiste razão à recorrente.
Efetivamente, o fundamento invocado para a arguição da nulidade do ato e, consequente anulação, da venda por negociação particular do bem penhorado, não foi a omissão da notificação da data, hora e local para a venda em sede de negociação particular – pois essa notificação ocorreu como consta do supra ponto 1 - , mas sim da data, hora e local onde a venda ia ser concretizada ou formalizada, ou seja, onde e quando ia ser realizado o ato de compra e venda após o tribunal ter autorizado que a venda se fizesse pelo valor da única proposta existente, sendo que esse despacho tem data de 11-09-2019.
São, pois, atos jurídico-processuais diferentes.
3. A venda por negociação particular obedece à tramitação regulada na lei.
Não há qualquer dúvida que, por força da conjugação dos artigo 811.º, n.º 1, alínea a), 832.º a 833.º, do CPC, a venda por negociação particular é uma das formas de venda de bens penhorados.
Nos termos do artigo 812.º do CPC, a fase da venda executiva (qualquer que seja a modalidade) inicia-se com um despacho do agente de execução a determinar a venda executiva, precedido de audição do exequente, executado e credores com garantia sobre o valor base dos bens a vendar e o modo como deve ser determinado.
Como refere Rui Pinto1, a modalidade de venda por negociação particular pode ler lugar originalmente (artigo 832.º, alíneas a), b) e C), do CPC) ou subsidiariamente, depois da tentativa da utilização de uma outra modalidade da venda (alíneas d), e) e e) do referido artigo 832.º, do CPC).
Em qualquer caso, atento o disposto no artigo 833.º do CPC, tem de ser designado o encarregado da venda – pessoa a quem incumbe a realização da venda, normalmente o próprio agente de execução (cfr. artigo 812.º, n.º 1, do CPC).
Tendo sido apresentada alguma proposta que corresponda ao valor pela qual o bem possa ser vendido (valor base ou superior) ou por valor inferior ao valor base, desde que haja despacho judicial a autorizar a venda2, procede-se à adjudicação do bem pelo proponente (que pode ser o exequente – artigo 799.º, n.º 1, do CPC), devendo o mesmo proceder ao depósito do preço antes da realização da venda, ou seja, e como refere o n.º 4 do artigo 833.º do CPC, «O preço é depositado diretamente pelo comprador numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução sejam realizadas por oficial de justiça, da secretaria, antes de lavrado o instrumento da venda.» (sublinhado nosso).
Sendo o objeto da venda por negociação particular um imóvel, o instrumento da venda, por imposição legal (artigo 875.º do Código Civil), «deverá ser corporizado na respetiva escritura pública de compra e venda em que o vendedor é o encarregado da venda, atuando na veste de mandatário».3
Em relação à nulidade/anulação da venda, o artigo 838.º do CPC regula a anulação da venda e indemnização do comprador; o artigo 834.º do mesmo Código estipula sobre os casos em que a venda fica sem efeito.
Avulta para o caso em apreciação, o disposto no n.º 1, alínea c), do artigo 839.º do CPC ao estipular que a venda fica sem efeito «Se for anulado o ato de venda, nos termos do artigo 195.º» do CPC.
Ou seja, para além das demais situações previstas nestes normativos (sem aplicação ao caso dos autos, nem tal é invocado pela recorrente), revela para a situação sub judice as nulidades processuais previstas no artigo 195.º do CPC, ou seja, por terem sido preteridas formalidades essenciais cuja omissão influenciam a decisão da causa ou a própria marcha da execução.
Importa também referir, dada a fundamentação da arguida nulidade do ato de venda por negociação particular, que estando em causa um bem imóvel, o direito de remição por parte das pessoas referidas no artigo 842.º do CPC (entre elas, os descendentes ou ascendentes do executado), tem de ser exercido «até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta.»
No caso de venda por negociação particular de um bem imóvel, atento o disposto nos artigos 833.º, n.º 4, 843.º, n.º 1, alínea b), do CPC e artigo 875.º do Código Civil, o direito de remição tem de ser exercido até ao momento em que é lavrada a escritura pública de compra e venda do imóvel.
Finalmente, cabe referir que a jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem considerado que se verifica uma nulidade processual com influência na decisão da causa e, portanto, subsumível ao disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC, acarretando, consequentemente, a anulação do ato de venda por negociação particular e dos subsequentes dela dependentes (n.º 2 do mesmo preceito), quando o executado não tenha sido notificado do despacho de adjudicação do bem como das circunstâncias de modo, tempo e lugar onde será realizada/concretizada a venda do bem.
Nesse sentido, vejam-se, entre outros, os seguintes arestos:
- Acórdão do STJ, de 12-03-20244:
«I – O direito de remição configura-se como um «direito de preferência legal de formação processual», exercitado por um dos familiares do executado, que seja terceiro relativamente à execução, tendo como finalidade a proteção do interesse do círculo familiar em evitar a saída do património da família dos bens alienados em processo executivo.
II – Na venda por negociação particular de bem penhorado em processo de execução, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta (realização da escritura pública tratando-se de imóveis).
III – Para poder ser exercitado o exercício do direito de remição, o agente de execução deve comunicar ao executado o despacho de adjudicação, bem como as circunstâncias de modo, tempo e lugar onde será concretizada a venda por negociação particular do imóvel em discussão.
IV – Só há nulidade processual quando o vício respeita ao ato como trâmite, não ao ato como expressão de uma decisão do tribunal, ou, de uma posição da parte.
V – Ao executado deve ser-lhe concedida a possibilidade, sempre que tal não prejudique o fim do processo, de se pronunciar sobre as modalidades dos atos executivos, designadamente, no campo de venda dos bens.
VI – Sendo o executado parte da execução e interessado direto na venda, atento o princípio do contraditório, deve ser-lhe dado conhecimento dos termos exatos da venda, nomeadamente, do dia, hora e local da realização da escritura pública de compra e venda do bem penhorado, por tal, para além de não prejudicar o fim do processo, permitir que informe atempadamente os titulares do direito de remição, para querendo, o exercerem.
VII – Ao não ter sido dado conhecimento desses elementos ao executado, o eventual remidor ficou privado de perfectibilizar a preferência qualificada na compra do imóvel, verificando-se assim a omissão de formalidade com influência na decisão da causa.»
- Acórdão da Relação de Évora de 19-11-20205:
«1) Na fase processual da venda por negociação particular, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta (realização da escritura pública tratando-se de imóveis), face aos termos literais do artigo 843.º do Código de Processo Civil.
2) O titular do direito de remição não tem de ser previamente notificado pessoalmente para exercer o respectivo direito, pois o legislador parte do princípio de que o executado lhes deu a respectiva informação necessária sobre a venda e ser suficiente esse meio de conhecimento.
3) A fim de viabilizar o exercício do direito de remição, o agente de execução deve comunicar ao executado o despacho de adjudicação, bem como as circunstâncias de modo, tempo e lugar onde será concretizada a venda por negociação particular do imóvel em discussão.
4) Ao não ter sido dado conhecimento desses elementos aos executados, o eventual remidor ficou privado de perfectibilizar a preferência qualificada na compra do imóvel, verificando-se assim a omissão de formalidade que tem influência na decisão da causa.»
- Acórdão da Relação de Guimarães de 29-11-20116:
«A omissão da notificação ao executado do despacho que designa a data, valor base, modalidade e local da venda, por ser susceptível de influir na decisão da causa, constitui uma nulidade processual.»
As linhas fundamentais de argumentação do assim decidido, traduzem-se no seguinte:
i. O exercício do direito de remição, sob pena de caducidade, visa a proteção do património familiar;
ii. Em termos processuais tem de ser exercido no momento da venda ou da adjudicação dos bens;
iii. A não notificação ao executado informando-o da data e do lugar onde o ato de venda vai ser formalizado não prejudica a normal tramitação da execução em termos de introduzir qualquer dilação temporal com reflexos na prática do ato, nem causa qualquer prejuízo aos interesses do exequente e dos credores reclamantes;
iv. Porém, já em relação ao executado traz sérios inconvenientes por não saber em que momento ocorre a concretização da venda e, consequentemente, fica impossibilitado de comunicar ao seu familiar, interessado em remir, o momento que terá de exercer o direito de remição;
v. Essa falta de informação, não colidindo com qualquer interesse legítimo dos demais intervenientes no processo, origina uma compressão do direito do remidor à tutela jurisdicional efetiva, bem como do princípio do processo equitativo, compressão essa constitucionalmente censurável à luz do que se dispõe nos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, ambos da Constituição da República Portuguesa.
Estes argumentos estiveram, aliás, na origem da pronúncia do Tribunal Constitucional quando decidiu no Acórdão n.º 219/20207, do seguinte modo:
«a) Julgar inconstitucional, por violação dos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição, a norma extraível dos artigos 886.º-A, n.ºs 1 e 4, 229.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, e 252.º, n.º 3, do CPPT, todos na versão decorrente do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março, no sentido de que a notificação ao executado do conteúdo da proposta de aquisição do bem penhorado sujeito a venda por negociação particular e do momento em que essa venda vai ocorrer não é obrigatória;».
Embora os preceitos do Código Civil mencionados se reportem ao CPC 1961, os mesmos foram transpostos, em 2013, para o atual CPC (cfr. artigos 812.º, n.º 1 e 4, 220.º, n.ºs 1 e 2).
4. Revertendo ao caso dos autos, e tendo em conta ao cima exposto, a notificação da executada levada a cabo pela agente de execução em 28-05-2019 não é a revelante para efeitos de comunicação da data e lugar onde se iria realizar a escritura de compra e venda, desde logo, porque a aceitação do valor da proposta do exequente ainda carecia de ser autorizada pelo tribunal, o que só veio a suceder através do despacho proferido em 11-09-2019.
Ora, a executada nunca foi notificada da data e do local onde ia ser realizada a escritura de compra e venda, uma vez que apenas foi notificada após a ocorrência desse ato.
Por conseguinte, também não dispôs de informação que pudesse transmitir aos seus familiares com vista aos mesmos exercerem o direito de remir até ao momento em que ocorreu a escritura pública.
Essa omissão, como decorre da jurisprudência supra citada, corresponde uma restrição inadmissível do direito de remição, sujeito a caducidade se for não exercido no tempo devido.
Assim, a preterição da notificação da executada comunicando-lhe a adjudicação, bem como as circunstância de tempo e lugar onde se ia realizar a escritura de compra e venda, correspondem à preterição de formalidades essenciais que influíram na decisão da causa, pelo que se verifica a nulidade processual prevista no artigo 195.º do CPC, o que determina a anulação do ato de compra e venda e de todos os termos subsequentes que dele dependam absolutamente, como estipula o n.º 2 do citado artigo 195.º do CPC.
Nestes termos, procede a apelação, impondo-se a revogação da decisão recorrida.
III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, anulando-se o contrato de compra e venda do imóvel penhorado realizada em 20-05-2021, e todos os termos subsequentes do processado que dele dependam absolutamente.
Sem custas.
Évora, 27-11-2025
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
António Fernando Marques da Silva (1.º Adjunto)
José António Moita (2.º Adjunto)
_________________________________________
1. A Ação Executiva, AAFDL, 2020, reimp., p. 869.↩︎
2. Neste sentido, veja-se Ac. RL, de 06-11-2013, proc. n.º 30888/09.3T2SNT.L1-8 (Rel. António Valente), em www.dgsi.pt (bem como todos os demais citados sem outra menção quanto à publicação).↩︎
3. VIRGÍLIO DA COSTA RIBEIRO e SÉRGIO REBELO, A Ação Executiva Anotada e Comentada, Almedina, 2017, 2.ª ed., p. 509.↩︎
4. Proferido no proc. n.º 23597/09.5T2SNT-B.L1.S1 (Rel. Nelson Borges de Carneiro).↩︎
5. Proferido no proc. n.º 476/ (Rel. Tomé de Carvalho).↩︎
6. Proferido no proc. 98/06.8TBAVV-B.G1 (Rel. Jorge Teixeira).↩︎
7. Proferido em 17-04-2020 (Rel. Joana Costa Fernandes), disponível em:
https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20200219.html↩︎