CONTRATO DE TRABALHO A TEMPO PARCIAL
FORMA
PRESUNÇÃO
ILISÃO DA PRESUNÇÃO
Sumário

I – O contrato de trabalho a “tempo parcial” está sujeito a forma escrita e deve conter, além do mais, os períodos comparativos a trabalho a tempo completo, sob pena de fazer operar a presunção de que o contrato foi celebrado a tempo completo.
II – Demonstrando-se que o contrato celebrado entre as partes visou efetivamente firmar um contrato a tempo parcial e a não a tempo completo, ilide-se a presunção.
III – No caso, retira-se tal conclusão, quer do tempo estabelecido, quer dos demais elementos firmados no contrato, quer ainda da adenda efetuada ao mesmo, que a vontade expressa pelas partes corresponde a um contrato a tempo parcial.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Recorrente: AA.

Recorrida: A..., SA.


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Sumário (elaborado pelo Relator):

(…).


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Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra:

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I - Relatório

AA instaurou ação declarativa, sob processo comum, contra A..., SA, tendo formulado os seguintes pedidos:

“Termos em que deverá ser a presente acção julgada provada e procedente, condenando-se e declarando-se o seguinte:

1. Declarando-se que o contrato de trabalho celebrado pelo autor com a ré era a tempo completo;

2. Condenando-se a ré a pagar ao autor as diferenças salariais no montante de €19.274,62, e os juros desde o vencimento de cada uma dessas diferenças salariais e integral pagamento, sendo que se venceu já a quantia de €1.102,40 até à data da propositura da acção;

3. Condenando-se a ré a pagar ao autor a indemnização de €2.241,60, por resolução com justa causa;

4. Condenando-se a ré a pagar ao autor os juros à taxa legal sobre todas as quantias reclamadas desde o seu vencimento ou desde a citação até integral pagamento”.
Como fundamento da referida pretensão, alegou, em síntese, que o contrato de trabalho celebrado com a ré, a termo certo e tempo parcial, não encontra fundamentação quanto à retribuição do autor, não tendo indicado um horário em concreto e não tendo o autor oportunidade para discutir com a ré os termos do contrato, pelo que o mesmo é a tempo completo, tendo o autor direito ao pagamento das diferenças salariais, assim como ao pagamento de uma indemnização pela resolução do contrato com justa causa.


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A Ré deduziu contestação, tendo concluído que:

“Nestes termos e nos demais de direito, deve:

a) Serem as expções invocadas reconhecidas e dessa forma ser a Ré absolvida da instância. Caso assim não o entenda, deve,

b) ser julgada improcedente, por não provada, a ação e a Ré dos pedidos;

c) ser condenada o A. no pagamento das custas e procuradoria;

d) Ser o A. condenado como litigante de má-fé e de abuso de direito, condenando-o ao pagamento de multa não inferior a 10UC e ao pagamento de uma indeminização ao Autor, nos termos do art.º 542.º e 543.º do CPC, em valor não inferior a €1.000,00 (mil euros).

e) Esta atuação imprudente do A., desprovida da diligência, no caso exigível, e como tal censurável, da parte de quem os formula/apresenta        é merecedora da aplicação da taxa sancionatória excecional, prevista no art.º 531.º, do CPC, nunca inferior a 5UC;”


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         Realizada a audiência final, foi proferida sentença pela qual se decretou o seguinte:
“Por tudo o exposto e ao abrigo das disposições legais citadas, julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:

“1. Condeno a “A..., S.A.” a pagar ao autor AA a quantia de €694,12 (seiscentos e noventa e quatro euros e doze cêntimos), a título de formação profissional não ministrada, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

2. Absolvo a “A..., S.A.” do demais peticionado pelo autor AA, e;

3. Não condeno nenhuma das partes como litigante de fé.”


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         O Autor, inconformado, interpôs recurso de apelação da sentença final, em que apresenta a seguintes conclusões:

         (…).


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A Recorrida não ofereceu contra-alegações.

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Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.

Tal parecer não mereceu qualquer resposta.


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         Os autos foram à conferência.

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II - Questões a decidir

O objeto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito, conforme resulta dos artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1, e 608.º, todos do CPC, aplicáveis por força do disposto no artigo 87.º, n.º 1, do CPT.

Assim, importa, no caso, apreciar e decidir:

- se deve ser aditada matéria de facto à decisão (impugnação da decisão sobre a matéria de facto);

- se deve ser considerado a tempo inteiro o contrato de trabalho objeto dos autos e, em consequência, concedidos os pedidos formulados.


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III – Fundamentação.

A – Factos provados

A decisão recorrida declarou “com relevo para a decisão da causa, resultaram apurados os seguintes factos”:

1. O autor celebrou com a ré, em 13 de Março de 2019, um contrato de trabalho a termo certo a tempo parcial, junto sob documento n.º 1 com a petição inicial e que aqui dá por reproduzido, e inclui informação prestada nos termos do artigo 106.º do Código do Trabalho, Código de Honra e declaração do autor em conforme estava ciente dos “princípios de conduta ética e moral que regem todas as relações de trabalho, as condutas pessoais e a condução dos negócios por parte da A...”.

2. Em cumprimento de tal contrato, começou o autor, a partir dessa data, a prestar à ré serviços de vigilância nas instalações da cliente desta, “B..., S.A.”.

3. Consistiam tais funções, de acordo com o contrato, no seguinte: o trabalhador prestar serviços de vigilância, prevenção e segurança em instalações industriais, comerciais, e outras, públicas ou particulares, para as proteger contra incêndios, inundações, roubos e outras anomalias, fazer rondas periódicas para inspecionar as áreas sujeitas à sua vigilância e registar a sua passagem nos postos de controlo, para provar que fez as rondas nas horas prescritas, controlar e anotar o movimento de pessoas, veículos ou mercadorias, efetuar atendimento ao publico e telefónico, de acordo com as instruções dadas pela entidade Empregadora e constantes nas normas de execução permanente.

4. Tal contrato foi celebrado a termo certo e tempo parcial, tendo como fundamentação do termo a seguinte: No âmbito do supra disposto nos Considerandos e a fim de evitar comprometer obrigações contratuais assumidas e a normal prestação de serviços que vem prestando a outros dos seus clientes, a Empregadora necessita de recrutar trabalhadores que possam assegurar o desempenho das tarefas temporariamente confiadas pelo B..., S.A., sendo tal recrutamento e inerente contratação efetuado ao abrigo do circunstancialismo exposto no presente instrumento e à luz do disposto nos n°s. 1 e n.° 2, alíneas f) e g), ambos do art. 140° do Código do Trabalho (aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de fevereiro com as alterações introduzidas à sua redação originária).

5. A ré, na estipulação do contrato a tempo parcial, fundamentou da seguinte forma a retribuição do autor: A Empregadora pagará ao trabalhador, como contrapartida da prestação do seu trabalho, a remuneração mensal calculada com base na auferida por trabalhador a tempo completo em situação comparável, na proporção do período normal de trabalho semanal efetivamente prestado, com base no valor hora calculado nos termos da cláusula 22° da Convenção Coletiva de Trabalho aplicável ao sector, sujeita aos respetivos descontos legais.

6. Resulta da cláusula 5.ª do contrato acima referido o seguinte: “1. Tendo em consideração que o presente instrumento é celebrado sob o regime de trabalho a tempo parcial, o Trabalhador não poderá, nos termos do disposto na Convenção Coletiva de Trabalho aplicável ao setor, perfazer mais de 132 horas mensais de trabalho. (…) 4. Ainda com referência comparativa ao período normal de trabalho que poderá ser acrescido até duas horas diárias, não podendo ultrapassar as 10 horas por dia, desde que o horário semanal não ultrapasse 33 horas”.

7. Em 1 de Março de 2021, assinou o autor a adenda ao contrato de trabalho, junta sob o documento n.º 2 com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

8. De acordo com tal adenda, a partir dessa data passou a ser o período normal de trabalho semanal a cumprir pelo autor “de 10 horas semanais, em horário a determinar pela empregadora”, aqui ré.

9. A retribuição horária paga pela ré ao autor era, de Março a Junho de 2019, de €3,99, de Julho de 2019 a Dezembro de 2019 de €4,39, de Janeiro de 2020 a Outubro de 2021 de €4,61, em Novembro de 2021 €4,63, em Dezembro de 2021, de novo €4,61, de Janeiro de 2022 a final €4,67 (conforme documento n.º 3 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

10. Ao serviço da ré, o autor trabalhou no B... da ... e no de ... (...), no C... (..., ... e ...), no Centro Comercial ... (...).

11. O autor tem um filho menor e o seu agregado familiar é composto, para além de si próprio, desse filho menor, BB, nascido em 2 de Junho de 2017, e da mãe dele, CC, com quem vive em união de facto.

12. Por carta datada de 2 de Dezembro de 2022, remetida pelo autor à ré, o autor resolveu o contrato de trabalho, alegando justa causa, com os seguintes fundamentos: “1. Embora tenha assinado fichas de presença, nunca lhe foi proporcionada qualquer formação profissional. 2. Embora o seu contrato de trabalho fosse a tempo parcial, foi obrigado a trabalhar, ao longo do contrato, muitas mais horas do que as contratadas, sem o pagamento correspondente. 3. Foi-lhe reduzido e aumentado sistematicamente o horário de trabalho semanal, sem o pagamento devido nem com respeito pelo aviso prévio legal, tornando o seu posto de trabalho cada vez mais precário e incapaz de lhe garantir uma remuneração condigna. 4. As alterações constantes do seu horário de trabalho impediram-no ao longo destes anos de procurar outro trabalho que compensasse as horas em que esta empresa lhe não garante a retribuição. 5. Embora o seu contrato fosse denominado de “a tempo parcial”, não respeita os requisitos do art. 153.º, 1, b) do Código do Trabalho e foi elaborado exclusivamente com vista aos interesses da empresa, em que esta garantiu a disponibilidade permanente do signatário sem lhe dar em contrapartida o benefício de um trabalho a tempo inteiro”.

13. Faz parte integrante do contrato de trabalho referido em 1) a declaração datada de 12 de Março de 2019, nos termos da qual se refere que o período normal de trabalho semanal é “até às 33 horas/semana”.

14. O autor, durante o tempo em que trabalhou para a ré, não recebeu formação profissional.

15. Atendendo à actividade exercida pela ré e ao facto de a mesma ser exercida com rotatividade temporal e espacial, não existiu um horário pré-determinado.

16. Desde o início da relação laboral com a ré e até à cessação do contrato de trabalho, o autor não reclamou do seu contrato de trabalho, dos horários praticados, nem dos vencimentos auferidos.


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B - Factos não apurados

A decisão recorrida declarou não provados os seguintes factos:

Com relevo para a decisão da causa, não resultaram apurados quaisquer outros factos para além dos que se descreveram supra, designadamente não tendo resultado provada a factualidade vertida em 7.º, 10.º, 12.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º e 27.º da petição, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

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A demais matéria alegada na petição inicial e contestação não foi aqui considerada por ser conclusiva, irrelevante, repetitiva ou de direito, nada mais se provando com interesse para a decisão da causa, para além dos supra descritos factos.


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IV – Apreciação do Recurso.

         Como referido supra, os presentes autos reportam-se a saber se existem créditos laborais a liquidar ao Autor.

         Vejamos então as questões suscitadas pelo recurso.       


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Da impugnação da decisão de facto.

(…).


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         Erro de direito.

Trabalho a tempo parcial.

O Recorrente pugna que o contrato de trabalho celebrado entre as partes deve ser considerado a tempo inteiro.

Alega, para o efeito, que o contrato a tempo parcial se destina a permitir ao trabalhador a conciliação do trabalho com a vida familiar ou académica, ou acumular empregos, o que não conseguirá se a entidade patronal puder livremente alterar o horário.

Mais alega que uma vez que do contrato de trabalho e das suas alterações não consta qualquer horário concreto, nem referência ao horário a tempo completo e respetiva retribuição, nem ficou provado o horário efetivamente cumprido pelo autor.

Finalmente, alega ainda que a ré também não ilidiu a presunção estabelecida no artigo 153.º, n.º 2, do CT.

A decisão em crise, a este respeito, depois de tecer considerações gerais sobre o contrato de trabalho e, reportado ao caso em análise, a sua cessação, no caso, operada mediante resolução da iniciativa do trabalhador, tendo citado oportuna jurisprudência e doutrina, concluiu que o contrato sub judice foi celebrado a tempo parcial.

Vejamos.

A posição do Recorrente pressupõe, como dá conta, a qualificação do contrato de trabalho celebrado com a ré como a tempo inteiro.

Dispõe o artigo 150.º do CT, sob a epígrafe “Noção de trabalho a tempo parcial”, que:

“1 - Considera-se trabalho a tempo parcial o que corresponda a um período normal de trabalho semanal inferior ao praticado a tempo completo em situação comparável.

2 - Para efeitos do número anterior, se o período normal de trabalho não for igual em cada semana, é considerada a respectiva média no período de referência aplicável.

3 - O trabalho a tempo parcial pode ser prestado apenas em alguns dias por semana, por mês ou por ano, devendo o número de dias de trabalho ser estabelecido por acordo.

4 - As situações de trabalhador a tempo parcial e de trabalhador a tempo completo são comparáveis quando estes prestem idêntico trabalho no mesmo estabelecimento ou, não havendo neste trabalhador em situação comparável, noutro estabelecimento da mesma empresa com idêntica actividade, devendo ser levadas em conta a antiguidade e a qualificação.

5 - Se não existir trabalhador em situação comparável nos termos do número anterior, atende-se ao disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou na lei para trabalhador a tempo completo e com as mesmas antiguidade e qualificação.

6 - O instrumento de regulamentação colectiva de trabalho pode estabelecer o limite máximo de percentagem do tempo completo que determina a qualificação do tempo parcial, ou critérios de comparação além dos previstos na parte final do n.º 4.”

Estabelece o disposto no artigo 153.º do CT, sob a epígrafe “Forma e conteúdo de contrato de trabalho a tempo parcial”, que:

“1 - O contrato de trabalho a tempo parcial está sujeito a forma escrita e deve conter:

a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;

b) Indicação do período normal de trabalho diário e semanal, com referência comparativa a trabalho a tempo completo.

2 - Na falta da indicação referida na alínea b) do número anterior, presume-se que o contrato é celebrado a tempo completo.

3 - Quando não tenha sido observada a forma escrita, considera-se o contrato celebrado a tempo completo.”

Em face das disposições legais acabadas de citar, temos então que o trabalho a tempo parcial pressupõe a existência de um período de trabalho semanal inferior ao praticado a tempo completo em situação comparável; sendo que pode ser prestado apenas em alguns dias por semana, por mês ou por ano, devendo o número de dias ser estabelecido por acordo.

Temos ainda que o contrato está sujeito a forma escrita, sob pena de ser declarado a tempo completo, e que deve conter, entre outros elementos, a identificação do período normal de trabalho diário e semanal, com referência comparativa a trabalho a tempo completo, sob pena de se presumir celebrado a tempo completo.

Porém, ao caso em análise, como decorre do contrato celebrado entre as partes (cláusulas 2.ª, 5.ª e 12.ª), é também aplicável o Contrato Coletivo de Trabalho aplicável ao setor de prestação de serviços de vigilância (segurança privada – Contrato Coletivo entre a AES – Associação de Empresas de Segurança e a Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços – FETESE e outro), que se rege pelo BTE n.º 48, de 29 de dezembro de 2018.   

Dispõe a clausula 25.º do referido CCT, sob a epígrafe “Trabalho a tempo parcial”, que:

“1- O trabalhador em regime de tempo parcial não poderá perfazer mais de 132 horas mensais de trabalho.

2- Considera-se prestação de trabalho suplementar a que exceda as 132 horas mensais sem prejuízo da aplicação dos demais critérios previstos neste CCT e na lei para os trabalhadores a tempo inteiro.

3- Aos trabalhadores a tempo parcial que prestam trabalho suplementar será dada preferência, em igualdade de condições, no preenchimento de vagas de postos de trabalho a tempo completo.  

4- O período normal de trabalho diário do trabalhador em regime de tempo parcial que preste trabalho exclusivamente nos dias de descanso semanal (trabalho em fim de semana) dos restantes trabalhadores ou do estabelecimento pode ser aumentado, no máximo, em quatro horas diárias.

5- A retribuição dos trabalhadores admitidos em regime de tempo parcial não poderá ser inferior à fração da retribuição do trabalhador a tempo completo correspondente a período de trabalho ajustado”.

Por sua vez, estabelece a clausula 19ª do CCT, sob a epígrafe “Período normal de trabalho” que: “Sem prejuízo do disposto no presente capítulo, o período normal de trabalho será de 8 horas diárias e 40 semanais”.

As normas citadas do CCT, tirando os limites temporais previstos em termos de limite máximo, nada de relevante acrescentam ao regime previsto no Código do Trabalho. 

No caso sub judice, como disso deu conta a decisão em crise, tendo as partes celebrado por escrito o contrato objeto dos autos, a verdade é que deste (versão inicial) não consta a indicação do período normal de trabalho diário e semanal, com referência comparativa a trabalho a tempo completo.

Efetivamente, como resulta do ponto 6) da matéria de facto provada, a cláusula 5.ª do contrato celebrado entre as partes estabelece que:

1. Tendo em consideração que o presente instrumento é celebrado sob o regime de trabalho a tempo parcial, o Trabalhador não poderá, nos termos do disposto na Convenção Coletiva de Trabalho aplicável ao setor, perfazer mais de 132 horas mensais de trabalho.

(…)

4. Ainda com referência comparativa ao período normal de trabalho que poderá ser acrescido até duas horas diárias, não podendo ultrapassar as 10 horas por dia, desde que o horário semanal não ultrapasse 33 horas”.

Por sua vez, em resultado da adenda celebrada entre as partes, a 1 de março de 2021, passou a constar “o período normal de trabalho, a prestar pelo trabalhador, passa, a partir de hoje, a ser de 10 horas semanais, em horário a determinar pela empregadora”, ou seja, passou a constar o período normal de trabalho semanal, sem, contudo, constar a indicação do período normal de trabalho diário, com referência comparativa a trabalho a tempo completo.

Dito isto, temos até 1 de março de 2021 definido um período máximo de 10 horas diárias, 33 horas semanais e 132 horas mensais, sem, contudo, se mostrarem indicados seja o período normal de trabalho sejam os períodos comparativos a trabalho a tempo completo e, posteriormente a essa data, definido um período de 10 horas semanais, sem se mostrarem indicados o período normal diário sejam os comparativos a trabalho a tempo completo. 

Nessa medida, como decorre do n.º 2 do citado artigo 153.º, a omissão assinalada faz operar a presunção de que o contrato foi celebrado a tempo completo.

Porém, tratando-se de presunção ilidível, importa aquilatar se a Ré a logrou ilidir, ou seja, se logrou demonstrar que o contrato celebrado entre as partes visou efetivamente firmar um contrato a tempo parcial e não a tempo completo.

Nesta parte, tal como a sentença em crise assinalou e o parecer do Digno MP destacou, julgamos que se retira de forma inequívoca, quer do tempo estabelecido, quer dos mais elementos firmados no contrato, quer ainda da adenda efetuada ao mesmo, que a vontade expressa pelas partes corresponde a um contrato a tempo parcial.

Aliás, o contrato e a adenda disso dão conta, nomeadamente quando deles consta que:

Contrato de 12 de março de 2019.

- (título/designação) “contrato individual de trabalho a termo certo a tempo parcial”;

- (considerandos) (c) “… necessidade de recrutamento de trabalhador(es) que exerça(m) funções a tempo parcial, dado o período normal de trabalho semanal ser inferior ao praticado a tempo completo em situação comparável”;

- (referência à retribuição) que é fixada (2.1)“com base na auferida por trabalhador a tempo completo em situação comparável, na proporção do período normal de trabalho semanal efetivamente prestado, com base no valor hora calculado nos termos da cláusula 22.º da Convenção Coletiva de Trabalho aplicável ao sector…” e (2.2) “… acrescida do subsídio de refeição no valor de 6,06 Euros, exceto se o período de trabalho diário for inferior a cinco horas, caso em que é pago em proporção do respetivo período normal de trabalho semanal”;  

- (5) “… é celebrado sob o regime de trabalho a tempo parcial, o Trabalhador não poderá, nos termos da Convenção Coletiva de Trabalho aplicável ao setor, perfazer mais de 132 horas mensais de trabalho.

2. Considera-se prestação de trabalho suplementar o que exceda 8 (oito) horas/dia, 33 (trinta e três) horas por semana ou 132 (cento e trinta e duas) horas mensais, sem prejuízo dos limites e demais critérios previstos na Convenção Coletiva de Trabalho aplicável ao setor.

3. O período normal de trabalho diário do Trabalhador em regime de tempo parcial que preste trabalho exclusivamente nos dias de descanso semanal e feriados obrigatórios dos restantes trabalhadores ou do estabelecimento, pode ainda ser aumentado, no máximo, em quatro horas diárias.

4. Ainda com referência comparativa ao período normal de trabalho que poderá ser acrescido até duas horas diárias, não podendo ultrapassar as 10 horas por dia, desde que o horário semanal não ultrapasse 33 horas.” 

Adenda de 1 de março de 2021.

- (1)“o período normal de trabalho, a prestar pelo trabalhador, passa, a partir de hoje, a ser de 10 horas semanais, em horário a determinar pela empregadora.”

Ainda a respeito da qualificação do contrato de trabalho a tempo parcial, perante a posição da Recorrente, julgamos que se justifica tomar posição sobre o horário de trabalho, ou, dito de outra forma, a sua inexistência.

O Recorrente assinala “que do contrato de trabalho e das suas alterações não consta qualquer horário concreto, nem a referência ao horário a tempo completo e respetiva retribuição, uma vez que ainda que não ficou provado o horário efetivamente cumprido pelo autor …”.

Efetivamente, a cláusula 5.6.ª do contrato de trabalho objeto dos autos dispõe que “o Trabalhador obriga-se a cumprir o horário que lhe seja atribuído a todo o momento pela Empregadora, justamente atenta a circunstância da atividade desta ser desenvolvida em termos de grande rotatividade temporal e espacial, comprometendo-se, o Trabalhador a trabalhar em regime de turnos ou, ainda, em regime diurno, noturno ou misto de acordo com as exigências do serviço.”

Antes de mais, e para que não existam dúvidas, importa ter presente que o conceito de tempo de trabalho (cfr. artigo 197.º do CT) é diverso do de horário de trabalho (cfr. art. 200.º do CT), como também são diversos os respetivos regimes legais (cfr., entre outros, artigos 198.º a 217.º do CT).

Considera-se, no essencial, tempo de trabalho qualquer período durante o qual o trabalhador exerce a atividade ou permanece adstrito à realização da prestação.

Por sua vez, entende-se por horário de trabalho a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal.  

Reportado ao caso sub judice, temos, então, delimitado o tempo máximo que o trabalhador pode exercer a sua atividade ou ficar adstrito à realização da prestação, sem, contudo, se mostrar estabelecido o início e o termo do trabalho.

Porém, salvo o devido respeito, ao contrário do pugnado pelo Recorrente, o artigo 153.º do CT (bem como os do CCT citados)  não se reporta ao horário de trabalho, mas antes ao tempo de trabalho, como devendo integrar o conteúdo do contrato de trabalho a tempo parcial.

Aliás, neste pressuposto, Zenha Martins refere que “… para lá das críticas que, no contexto regulativo do trabalho a tempo parcial, podem ser dirigidas à desnecessidade de o horário de trabalho constar das formalidades exigidas pelo artigo 153.º do CT – situação que, em conjugação com a elasticidade dos limites previstos para a prestação de trabalho suplementar no artigo 228.º do CT – pode esvair as razões que concorreram para a adoção desse tipo contratual -, …” (cfr. Trabalho a Tempo Parcial. Algumas notas, in Revista Jurídica de la Universidade de León, núm 6, 2019, pág. 50, acessível in novaresearsh.unl.pt). 

Nessa medida, não fazendo, pois, parte do elenco das formalidades prescritas pelo artigo 143.º do CT o horário de trabalho, não pode, também, proceder a posição do Recorrente.

Aliás, não se mostrando previsto no contrato de trabalho, compete ao empregador determinar o horário de trabalho, dentro dos limites da lei, tal como previsto no artigo 212.º do CT.

Finalmente, também perante a posição da Recorrente, assinalar que os interesses “identificados” para a celebração dos contratos a tempo parcial, não são exclusivos dos trabalhadores, reconhecendo-se também às entidades patronais.

Porém, em todo o caso, os ditos interesses, sendo desígnios legislativos, não têm respaldo no direito constituído, pelo menos em termos impositivos, pelo que a circunstância de o trabalhador não lograr conciliar os seus interesses, familiares e outros, legítimos, certamente, não são de molde a considerar “violado” o artigo 153.º do CT, e, menos ainda, a despoletar a estatuição anunciada no artigo 153.º, ou seja, de considerar-se o contrato celebrado a tempo completo.

Dito isto, seja porque não fazem parte do elenco dos requisitos legais previstos pelo artigo 153.º, n.º 1, do CT, seja porque se mostra ilidida a presunção legal a que alude o n.º 2 do referido artigo 153.º, temos, pois, que concluir que o contrato objeto dos autos integra o contrato de trabalho a tempo parcial.

No mais, ou seja, considerando que os demais pedidos, em função das conclusões formuladas pelo Recorrente, que, como referido, delimitam o objeto do recurso, porque estão dependentes da pugnada violação do artigo 153.º do CT, terão, assim, de improceder.

Uma última nota se impõe.

A circunstância de o horário de trabalho ser fixado (alterado) pela entidade patronal não obsta a que o trabalhador possa reagir, designadamente quando, em concreto, implique acréscimo de despesas para o trabalhador ou se afigure prejudicial para os seus intentos.

Podendo, mesmo, em última instância, existindo para o efeito causa justificativa, recorrer, como fez, à resolução do contrato.

Porém, no caso, como vimos, esta fundamentou-se na violação do artigo 153, n.º 2, do CT, o que, em concreto não se verificou.


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Por todo o exposto, julgamos improcedente o recurso apresentado pelo Autor, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo.

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V - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente (sem prejuízo do benefício do apoio judiciário).

Notifique.


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Coimbra, 20 de novembro de 2025

Bernardino Tavares

Mário Rodrigues da Silva

Joaquim José Felizardo Paiva