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CAMINHO PÚBLICO
Sumário
I - O Assento n º 7/89, de 19/4/1989 (a valer hoje como AUJ), ao estabelecer que “São públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público”, não prejudica a atribuição dessa classificação a outros caminhos que, embora mais recentes, tenham sido alvo de apropriação por entidade pública– v.g. por cedência dos particulares, mas sem que se excluam outras vias – permaneçam sob o seu domínio e estejam afectos ao uso público. II - A conclusão pelo uso público de um caminho não exige a sua efectiva e permanente utilização por uma generalidade de pessoas, bastando que isso possa acontecer, isto é, bastando que esse uso não seja reservado a um determinado grupo de pessoas, a um círculo concreto de utilizadores que excluam da utilização qualquer terceiro.
Texto Integral
PROCESSO Nº 399/22.8T8BAO.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo Central Cível de Penafiel - Juiz 3
1 – RELATÓRIO (transcrição do relatório da sentença, por completo e esclarecedor)
“AA e mulher, BB, casados, ambos naturais da Freguesia ..., concelho de Baião, onde residem na Rua ..., ..., ... ... Baião, instauraram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, demandando os réus Freguesia ..., com sede na Rua ..., ... ... Baião, e CC e mulher, DD, casados, residentes na Rua ..., ... ... Baião, pedindo o seguinte:
a) serem todos os Réus condenados a reconhecerem os Autores como donos e legítimos proprietários do prédio urbano identificado no antecedente artigo 1º da petição inicial;
b) serem todos os Réus condenados a reconhecerem que o acesso/caminho implantado no prédio urbano dos Autores e no prédio de EE não é do domínio público, não constituindo um caminho público;
c) serem todos os Réus condenados a reconhecerem que o dito acesso/caminho, concretamente o troço final, atento o sentido descendente, integra o prédio urbano dos Autores identificado no antecedente artigo 1º da petição inicial;
d) ser o 1º Réu condenado a eliminar o dito acesso/caminho da sua toponímia;
e) ser o 1º Réu condenado a retirar do início do caminho a placa toponímica que lá colocou, com a designação “Rua ...”, no prazo de 15 dias a contar da data do trânsito em julgado da douta decisão que vier a ser proferida;
f) serem os 2º Réus condenados a reconhecerem que a delimitação do seu prédio misto com o prédio urbano dos Autores é efectuada por um muro de suporte existente no local, muro esse que integra a propriedade do prédio urbano dos Demandantes;
g) serem os 2º Réus condenados a reconhecerem que o prédio urbano dos Autores não se acha onerado com qualquer direito de servidão de passagem a favor e em benefício do prédio misto daqueles 2º Réus;
h) serem os 2º Réus condenados a reconhecerem que não gozam do direito de circularem no acesso/caminho em causa e de acederem ao seu prédio misto através do mesmo;
i) serem os 2º Réus condenados a absterem-se de circular no acesso/caminho em causa e de aceder ao seu prédio misto através do mesmo.
Para tanto alegam os factos e o direito melhor descritos na petição inicial, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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Válida e regularmente citados, os réus contestaram nos moldes vertidos nas contestações apresentadas em 2/03/2023, com a referência 44874303, e a 6/03/2023, com a referência 44910734, cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos.
Os réus concluem pugnando pela improcedência da ação e pela sua absolvição dos pedidos.
A ré Freguesia ... deduziu os seguintes pedidos reconvencionais:
a) ser declarado por sentença, e os AA./reconvindos condenados a reconhecer, que o caminho em questão nos autos constitui um caminho público e integra o domínio público da Ré Freguesia;
b) serem os AA. condenados a abster-se da prática de quaisquer atos que perturbem, prejudiquem ou por qualquer forma obstaculizem o uso público do mesmo caminho;
Se assim não se entender,
c) devem os AA. ser condenados a entregar à Ré Freguesia uma importância não inferior a 12.785,85€, medida do seu locupletamento injustificado, por via do instituto do enriquecimento sem causa.
Os réus CC e mulher, DD, deduziram os seguintes pedidos reconvencionais:
a) a condenação dos AA./Reconvindos a retirar a vedação em rede e pilares de cimento que colocaram junto à entrada norte do prédio dos RR, que identificam no artigo 58º da p.i. e, bem assim, os cilindros de betão que colocaram no próprio leito do caminho público e que inviabilizam o acesso a esse mesmo prédio;
b) a condenação dos AA./Reconvindos a absterem-se de praticar quaisquer actos que perturbem, impeçam ou limitem, por qualquer forma, quer a livre circulação de pessoas e veículos no caminho em crise, quer o acesso dos RR., pelo lado norte da sua propriedade, que é feito a partir desse mesmo caminho.
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Os autores apresentaram o articulado de réplica de 17/04/2023, com a referência 45320041, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
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Foi admitido o incidente de intervenção principal provocada deduzido pelos réus CC e DD, passando FF e GG a ser intervenientes principais nos autos como associados dos réus.
Os referidos intervenientes não apresentaram contestação.
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Foi proferido despacho saneador onde se afirmou a validade e regularidade da instância, selecionando-se os factos assentes e os factos controvertidos.”
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Realizou-se audiência de julgamento, no termo da qual foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e as reconvenções procedentes, nos seguintes termos:
“a) condenar os réus a reconhecerem os autores como donos e legítimos proprietários do prédio urbano identificado no artigo 1º da petição inicial;
b) absolver os réus e os intervenientes dos restantes pedidos deduzidos pelos autores;
c) declarar por sentença, e condenar os autores/reconvindos a reconhecer, que o caminho em questão nos autos constitui um caminho público e integra o domínio público;
d) condenar os autores/reconvindos a abster-se da prática de quaisquer atos que perturbem, prejudiquem ou por qualquer forma obstaculizem o uso público do mesmo caminho;
e) a condenar os autores/reconvindos a retirar a vedação em rede e pilares de cimento que colocaram junto à entrada norte do prédio dos réus CC e mulher, DD, que identificam no artigo 58º da p.i. e, bem assim, os cilindros de betão que colocaram no próprio leito do caminho público e que inviabilizam o acesso a esse mesmo prédio;
f) condenar os autores/reconvindos a absterem-se de praticar quaisquer actos que perturbem, impeçam ou limitem, por qualquer forma, quer a livre circulação de pessoas e veículos no caminho em crise, quer o acesso dos réus CC e mulher, DD, pelo lado norte da sua propriedade, que é feito a partir desse mesmo caminho.”
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Os autores, AA e mulher, vieram interpor recurso, impugnando a decisão também quanto à factualidade ajuizada, pretendendo a reversão total da sentença. Terminaram o seu recurso formulando as seguintes conclusões:
(…)
*
Os recorridos CC e mulher DD ofereceram resposta, afirmando a falta de razão dos apelantes e pronunciando-se pela confirmação da sentença recorrida, pois que a factualidade apurada permite “concluir que a faixa de terreno/caminho foi pelo menos legitimamente apropriada pela Junta de Freguesia ... e por ela afectada ao uso público, a qual vem exercendo sobre ela, jurisdição, melhorando-a e conservando-a, e servindo o interesse colectivo que lhe é inerente.”
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O recurso foi admitido, como de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foi depois recebido nesta Relação.
Importa decidi-lo.
2- FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 639º e 635º nº 4, do C.P.Civil.
As questões a resolver, extraídas de tais conclusões, são as seguintes:
1- Se deve alterar-se a decisão da matéria de facto e:
1.1. Dar-se por provada a matéria dos pontos 2., 3., 7., 8. e 9 classificada como não provada;
1.2. Dar-se por não provada a matéria do ponto 28, e 30 a 43 dos factos provados.
2 – Se não se demonstrou qualquer acto de apropriação do caminho, pela Junta de Freguesia, nem de cedência do mesmo à Junta;
3 – Se não se verificam quaisquer pressupostos de utilização que permitam classificar esse caminho como público.
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Para a apreciação das questões que acabam de se identificar, importa ter presente a decisão do tribunal sobre a matéria de facto controvertida, que se passa a transcrever:
1. Na respectiva Conservatória do Registo Predial, encontra-se registada, desde 3/01/2000 e pela inscrição Ap. 6, a favor do Autores a aquisição, com inscrição de usucapião no local destinado à “causa”, do prédio urbano, composto por casa de habitação de rés-do-chão, logradouro e quintal, sito no lugar das ..., da Freguesia ..., concelho de Baião, com a área total de 1.367,00 m2, sendo a coberta de 92,25 m2 e a descoberta de 1.274,75 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Baião sob o nº ...21/20000103- ..., inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo urbano ...17 (alínea A) dos factos assentes).
2. Os Autores outorgaram escritura pública de justificação notarial (alínea B) dos factos assentes).
3. Há alguns anos, a 1ª Ré, por intermédio de uma empresa que contratou para o efeito, procedeu ao levantamento toponímico das vias e caminhos públicos da Freguesia ..., concelho de Baião (alínea C) dos factos assentes).
4. Na sequência desse levantamento, a Assembleia de Freguesia da 1ª Ré, em reunião extraordinária, aprovou o processo toponímico, com a atribuição de denominações a todas as vias e caminhos públicos que nele foram considerados pertença do domínio público (alínea D) dos factos assentes).
5. Este processo esteve em discussão pública e nesse processo foi considerado como arruamento público a parcela de terreno que serve de acesso ao prédio urbano dos Autores, tendo-lhe sido atribuída a designação de “Rua ...” e colocada a respectiva placa identificadora, no início da mesma, do lado esquerdo, atento o sentido descendente (alínea E) dos factos assentes).
6. Esse caminho termina mesmo junto da casa dos Autores, não tendo continuação a partir daí (alínea F) dos factos assentes).
7. Na respectiva Conservatória do Registo Predial, encontra-se registada, desde 26/06/1998 e pela inscrição Ap. ..., a favor dos 2º Réus CC e Mulher a aquisição, por compra, do prédio misto, composto por a) casa de habitação e quintais, e b) terra de cultura, ramada e oliveiras, com a área total de 4.895,00 m2, denominado “...” e sito no lugar ... – ..., da Freguesia ..., concelho de Baião, a confrontar do norte com HH, do sul com estrada, do nascente com Junta de Freguesia e do poente com II (actualmente, com os Autores), descrito na Conservatória do Registo Predial de Baião sob o n.º ...8/19890626-..., inscrito na respectiva matriz predial sob os artigos urbano ...31 e rústico ...15 (alínea G) dos factos assentes).
8. A parte rústica do prédio misto descrito no ponto anterior confina com o prédio urbano descrito no anterior ponto 1 (alínea H) dos factos assentes).
9. Localizando-se este último a poente daquele prédio misto (alínea I) dos factos assentes).
10. A parte rústica daquele prédio misto sempre se achou a um nível ligeiramente inferior ao prédio urbano descrito em 1 (alínea J) dos factos assentes).
11. Os 2º Réus circularam no dito caminho em causa para acederem deste ao seu prédio misto (alínea K) dos factos assentes).
12. O prédio descrito no anterior ponto 1 confronta do norte com JJ, do sul, pelo menos numa parte, com a parcela de terreno referida no anterior ponto 5 e, noutra, com KK, do nascente com CC (aqui 2º Réu marido) e do poente com KK.
13. A escritura referida no anterior ponto 2 foi outorgada posteriormente à construção da casa de habitação dos Autores numa parte do imóvel referido em 1.
14. Sempre há mais de 20, 30, 40 e 50 anos, que os Autores, por si e antepossuidores, usam parte do identificado prédio, tratando-o, conservando-o e benfeitorizando-o como se de coisa sua se tratasse, entrando e saindo quando entendem, de manhã, à tarde e à noite, nele permanecendo.
15. Actos que sempre praticaram e praticam à vista de toda a gente e de forma a por todos serem vistos, sem oposição de ninguém.
16. Sempre na convicção de estarem a exercer um direito de propriedade que legitimamente lhes pertence e assiste, sem lesarem o de outros, em tudo se comportando como proprietários dessa parte desse mesmo imóvel.
17. Atenta a inexistência de um acesso automóvel ao local daquele imóvel onde implantaram a sua casa de habitação, os Autores decidiram “rasgar” e abrir um caminho, com largura suficiente para permitir o trânsito automóvel, que estabelecesse a ligação da casa ao caminho público localizado a norte, a uma distância não superior a 20 metros
18. Para o efeito, entabularam negociações com os, à data, proprietários dos restantes imóveis que careciam de ser rasgados para permitir a ligação referida no ponto anterior, no sentido de abrirem e “rasgarem” nesses prédios o citado caminho que proporcionasse a ligação ao dito caminho público.
19. Finalizadas as negociações, os Autores e os restantes proprietários acordaram na abertura daquele acesso aos seus mencionados prédios.
20. Tendo executado e “construído” o caminho em terra batida correspondente, em toda a sua extensão, à parcela referida no ponto 5 e com um traçado idêntico ao actualmente existente no local.
21. O traçado da referida “Rua ...” corresponde e é idêntico ao traçado do caminho referido no anterior ponto e essa Rua tem um comprimento de 144 m e uma largura média de 2,55 m.
22. Uma parte em concreto não apurada, em termos de área, configuração, largura e comprimento, etc., daquele caminho foi rasgada numa parte não concretamente apurada do imóvel descrito em 1, e as restantes partes nos imóveis dos restantes proprietários.
23. A execução e “construção” referidas em 20, foi feita pelos autores e por pessoas a seu mando, conjuntamente com os restantes proprietários, suportando os autores uma parte em concreto não apurada dos custos.
24. A descrita abertura do dito caminho ocorreu há cerca de 31 anos e a pavimentação desse caminho realizada pela Câmara Municipal de Baião, a expensas desta, ocorreu em data exacta em concreto não apurada, mas nunca depois de 2002 (datas por referência à data da propositura da acção).
25. A delimitação entre o prédio descrito no anterior ponto 1 e o prédio descrito no anterior ponto 7, fazia-se, como se faz, pelo menos numa parte em concreto não apurada, por um muro de suporte a uma parte em concreto não apurada do prédio descrito no mencionado ponto 1, muro que, na parte em que os prédios assim confrontam e se delimitam, integra o prédio descrito em 1.
26. O prédio descrito em 7 nunca beneficiou do direito de servidão de passagem sobre o prédio descrito em 1.
27. Em data exacta em concreto não apurada, mas sempre no ano de 2013, os 2º Réus fizeram algumas obras, consistentes na criação de uma rampa para passarem a aceder à parte rústica do prédio descrito em 7 através da supra referida “Rua ...”.
28. Por volta do ano 2000, por ocasião da empreitada de melhoramento e pavimentação da Rua ..., os moradores do lugar das ..., entre os quais se contaram os AA. e familiares, pediram à Ré, na pessoa do então Presidente da Junta de Freguesia, a pavimentação (vulgo empedramento ou calcetamento) do caminho supra aludido que servia os seus prédios, que era em terra e com deficientes condições de trânsito.
29. Aquele autarca fez essa solicitação junto da Câmara Municipal de Baião que acedeu ao pedido, tendo aquela Câmara efectuado o calcetamento em cubos de granito de todo o caminho, desde a Rua ... até junto da casa de AA. e familiares, obra que ocorreu em data exacta em concreto não apurada, mas nunca depois de 2002, por referência à data da propositura da acção.
30. Passou, então, o caminho, por efeito desses trabalhos da iniciativa da Câmara Municipal de Baião, a pedido da Ré Junta de Freguesia ..., a dispor de condições de circulação e de comodidade que antes não possuía, em claro benefício de toda a população residente naquele local, designadamente os AA..
31. Em consequência dos factos descritos, a população local e a Ré passaram a considerar o dito caminho como coisa pública.
32. O caminho/ “Rua ...” em discussão, para além do prédio dos AA., serve igualmente os de JJ e KK, familiares dos AA., e a partir da data referida no ponto 27 dos factos provados, passou a servir o prédio do réu CC descrito em 7.
33. E serve todos aqueles que por ele queiram transitar.
34. Pelo menos a partir do momento da realização da obra em causa, que beneficiou grandemente os AA., a Câmara Municipal de Baião e a Junta de Freguesia ... passaram a entender que aquele caminho estava integrado no domínio público, passando aquela Junta a assegurar, de modo exclusivo, a sua limpeza, a expensas suas, até aos dias de hoje.
35. Aquando da discussão pública do processo referido nos anteriores pontos 3 a 5, os AA. não se pronunciaram e não se opuseram à inclusão do caminho em causa nos autos no dito processo e/ou à atribuição da denominação.
36. O mesmo aconteceu com a colocação da respetiva a placa identificadora logo após, posta no início da Rua, de forma a ser facilmente visualizada, já que os AA. nunca manifestaram a sua discordância.
37. Foi pedida pelos AA. ao Município ... a ligação à rede pública de abastecimento de água para o seu prédio, a qual foi conduzida pelo subsolo do caminho, antes mesmo da sua pavimentação, e sem que por eles tenha sido pago o ramal de ligação até ao contador.
38. Foi também requerido pelos AA. a numeração policial, tendo aqueles afixado o número de porta ou de polícia na parede da sua casa, no final do caminho.
39. As caixas do correio estão colocadas na parede da casa dos AA. e na de um dos seus vizinhos, também no final do caminho, para além de uma outra de outro morador que está fixada (bem como o número de polícia) no portão de acesso ao seu prédio, sensivelmente a meio do mesmo caminho.
40. Foram colocados dois postes de iluminação pública no caminho, atravessando-o também o respetivo ramal de ligação.
41. Ao longo de, pelo menos, 20 anos, os AA. vêem-se aproveitando dos cómodos e dos benefícios proporcionados pela consideração da dominialidade pública do caminho em causa, sempre assim tomado, pelo menos durante esses 20 anos, pelas entidades públicas (Junta de Freguesia ..., Câmara Municipal de Baião, EDP, CTT).
42. Ao longo destes anos, com o seu comportamento, os AA. fizeram acreditar toda a gente, especialmente ao órgão executivo da Ré, que o caminho era do domínio público e que aceitavam que o caminho era público, face à sua não oposição à realização dos atos acima descritos sobre o mesmo.
43. A Ré convenceu-se que os AA. não seriam capazes de reclamar qualquer direito sobre o leito do caminho, desde logo pela passividade destes ao longo dos anos, defraudando a confiança dada a quem efetuou as obras iniciais de pavimentação no caminho e as entidades que praticaram as subsequentes.
44. Os autores usam o referido caminho apenas para trânsito de automóveis e estacionamento, tal como fazem os outros moradores.
45. Tal como nele passam o carteiro, os funcionários da limpeza a cargo da Ré, os encarregados da contagem do consumo da água e da luz.
46. A obra de pavimentação é de valor muito superior ao valor da parcela de terreno onde foi executada.
47. O caminho tem o comprimento de 144 metros, e a largura média de 3, 5 metros (“com uma largura média de 3 a 4 metros”).
48. O seu leito tem a área de 367,80 m2.
49. O preço do metro quadrado de pavimentação em cubo de granito anda nos, pelo menos, 18,00€/ m2, acrescidos de IVA.
50. O valor da obra realizada pela Câmara Municipal de Baião com regularização do leito, execução de caixa e aplicação dos cubos ascendeu, pelo menos, a 12.785,85€ (com IVA), sem que os AA. tenham despendido um centavo para o seu pagamento.
51. O valor que a obra de calcetamento trouxe ao leito do caminho e, consequentemente, ao prédio dos AA. é muito superior ao valor do solo em que foi incorporada.
52. Solo esse que, na sua quase totalidade, era terreno de monte, pelo que o valor do metro quadrado não é superior a 8,00€.
53. Com a realização da dita obra, o prédio dos AA. e, consequentemente, o património destes, aumentaram de valor na importância de, pelo menos, 12.785,85€, correspondente ao dispêndio com as obras.
54. O acréscimo de valor do prédio dos Autores foi muitíssimo superior, pois passou a ser servido com um caminho pavimentado, com boas condições de acesso, o que o valorizou.
55. Em 2013, antes de os 2ºs. RR. abrirem um acesso, de carro, para a parte cimeira do seu prédio, precisamente a partir do caminho sub judice que limita, a norte, a sua propriedade, nos moldes já referidos no anterior ponto 25 (e porque estavam convencidos que se tratava de um caminho público), tiveram o cuidado de pedir autorização à Câmara Municipal de Baião para o efeito.
56. Tal pedido deu origem ao processo nº 8/2023 e a autorização foi-lhe concedida nesse mesmo ano, sem qualquer entrave ou limitação.
57. A obra em causa durou vários dias, foi feita à vista de toda a gente e a ela ninguém se opôs, nomeadamente, os AA..
58. E, pelo menos até 2020/2021, os RR. usaram o acesso assim criado sempre que quiseram, sem oposição de quem quer que fosse.
59. Até que, por volta dos finais de 2020/início de 2021, o muro que, já no interior do prédio dos RR. foi construído para suportar a mencionada rampa, ruiu totalmente, arrastando consigo o leito dessa rampa, assim a destruindo totalmente.
60. Tudo fazendo para evitar problemas com os vizinhos, os RR. reconstruiram o muro e rampa destruídos, a expensas suas.
61. Em data que não foi possível apurar, mas sempre posterior à reconstrução referida no ponto anterior, mas ainda durante o ano de 2021, os AA. inviabilizaram o acesso dos 2os. RR. ao seu prédio descrito em 7 através do mencionado caminho e referida rampa de acesso, colocando uma espécie de vedação com pilares de cimento à entrada desse acesso e dois cilindros em betão – um junto à vedação que construíram e outro do outro lado do caminho/ “Rua ...”, que uniram com cadeado, impedindo os 2(os). RR. de acederem e circularem no dito caminho (em parte alínea L) dos factos assentes e noutra resposta à matéria de facto controvertida).
62. Os 2ºs. RR., em 15-10-2021, participaram o sucedido ao Presidente da Câmara Municipal de Baião, solicitando que a Edilidade tomasse as medidas necessárias para repor a “legalidade”.
63. Tendo a Câmara respondido, em 02-03-2022 que, em consequência da reclamação apresentada, foi elaborado o auto de notícia que deu origem ao processo nº 15/2022 PG- POI, “aguardando o seu desenvolvimento”.
64. Desde então, e até à presente data, nada mais souberam os RR. a respeito.
***
Com interesse para a decisão, não se provaram os seguintes factos:
1. O prédio descrito em 1 dos factos provados confrontasse com caminho de servidão.
2. Os Autores tivessem adquirido o imóvel identificado no ponto 1 dos factos provados, a II, ainda com a natureza rústica, por acordo de compra e venda celebrado verbalmente, há mais de 40 anos, com a finalidade de nele edificar a sua casa de habitação.
3. Sempre há mais de 20, 30, 40 e 50 anos, que os Autores, por si e antepossuidores, usam o prédio identificado em 1 na sua totalidade.
4. No momento temporal referido em 18 dos factos provados, as negociações aí referidas tivessem sido estabelecidas com EE, e bem assim que esta pessoa fosse, naquela data, proprietário de um imóvel confinante a norte com o dos Autores.
5. O caminho referido em 20 tivesse sido, nessa altura, aberto com uma largura média de 3 a 4 metros e um comprimento de cerca de 200 metros.
6. Na altura descrita em 23 dos factos provados um dos restantes proprietários aí referidos fosse o EE.
7. Os Autores, há mais de 40 anos consecutivos, usassem, de forma exclusiva, essa parcela de terreno destinada a caminho, numa parte como proprietário da mesma, e noutra parte, a propriedade daquele EE, os Autores fizessem aquele uso na convicção que exercem um direito de servidão de passagem a favor do prédio descrito em 1 dos factos provados.
8. Fazendo sobre a mesma um uso exclusivo para trânsito automóvel e estacionamento de veículos automóveis.
9. Tudo à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse e na convicção, ou melhor, na certeza, de que não lesavam interesses alheios, e bem assim de que se tratava, como efetivamente sucede, de sua legítima propriedade (no que tange ao caminho inserto e integrado no seu imóvel identificado no ponto 1 dos factos provados e enquanto titulares de um legítimo direito de servidão de passagem (no que respeita ao caminho aberto no imóvel daquele EE).
10. O autarca ou a Câmara Municipal referidos em 29 dos factos provados tivessem exigido expressamente aos autores, como condição de aceitação do pedido referido em 28 dos factos provados, que o leito do caminho fosse cedido gratuitamente à Ré e passasse a integrar o domínio público, sem o que a pavimentação não poderia ser levada a cabo.
11. A cedência gratuita do caminho ao domínio público da Freguesia ... tivesse sido expressamente manifestada por todos os proprietários e moradores, nomeadamente pelos AA..
12. O caminho tivesse o comprimento de 165 metros, e a largura média de 3, 5 metros (“com uma largura média de 3 a 4 metros”).
13. O seu leito tivesse a área de 577,50 m2 (165m x 3,5m).
14. Grande parte do caminho em crise já existisse desde tempos que a memória não alcança (imemoriais, portanto), ainda que, antes da sua cedência ao domínio público e das obras feitas pela Junta de Freguesia ..., só permitisse a passagem de pessoas e de carros de bois.
15. Caminho que, já então, tinha o seu início no caminho público que os AA. indicam (hoje estrada), atravessava o terreno, de FF (antes, de LL); continuava por entre o prédio dos RR, que lhe fica por baixo (a sul) e os prédios que hoje pertencem a JJ, AA. e KK, que lhes ficam por cima (a norte) e que, antes, pertenceram a um só dono - II.
16. Parte daquele caminho já existia muito antes dos AA. e seus familiares começarem a construir as suas casas.
17. A causa da queda do muro (e consequente destruição de rampa) referida em 59 dos factos provados se tivesse devido aos AA que, deliberadamente, desviaram as sobras de uma água que lhes pertencia e era conduzida para o seu terreno, através de um cano subterrâneo, por forma a que caíssem no terreno dos RR..
18. Para tanto, tivessem tapado a “boca de saída” do cano, localizada já no seu terreno, fazendo assim com que a água que devia cair no seu terreno, “retornasse” o seu trajecto e caísse em abundância, no terreno dos RR. precisamente junto ao muro de suporte ao caminho que construíram anos antes.
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Os apelantes vieram impugnar segmentos da decisão sobre a matéria de facto, sendo inequívoco que deram cumprimento ao disposto no art. 640º do CPC, quer quanto à identificação da matéria a rever, quer quanto ao sentido da decisão pretendido. Para além disso, apontaram os meios de prova em que sustentam a sua pretensão. Por conseguinte, haverá de apreciar-se essa parte do recurso.
Em qualquer caso, é útil concretizar o que está em discussão.
É incontroverso que o leito do caminho em discussão, que actualmente corresponde à Rua ..., foi parcialmente implantado sobre o prédio dos AA, desde a sua habitação e em direcção à estrada a norte, e, depois do termo do seu prédio, sobre parte de outros prédios, até à tal estrada.
É, pois, pacífico que esse caminho não corresponde a qualquer caminho ali pré-existente desde tempos imemoriais, antes tendo sido uma solução criada por acordo dos donos dos prédios ali situados, em ordem à facilitação do acesso a esses seus prédios, incluindo ao prédio urbano dos autores.
Em suma, foi perante a afectação de áreas de prédios dos autores e de outros (ponto 22 dos factos provados), bem como a expensas de todos eles (ponto 23 dos factos provados) que foi aberto esse caminho, tendo isso ocorrido há cerca de 31 anos (ponto 24 dos factos provados).
Neste contexto, é ainda útil atentar em que o prédio dos 2ºs réus, que confina a poente com o dos autores, jamais beneficiou de qualquer servidão de passagem através do prédio dos autores, designadamente sobre a área deste que foi afecta à abertura do referido caminho, que hoje constitui a Rua ... (ponto 26 dos factos provados).
Porém, a situação alterou-se por volta dos anos 2000 ou 2001: aquele caminho não assegurava boas condições de circulação e, perante a ocorência de obras de pavimentação nas proximidades, a pedido do Presidente da Junta de Freguesia, a Câmara Municipal de Baião procedeu ao calcetamento de todo o caminho, com cubos de granito (ponto 29 dos factos provados).
É aqui que as versões das partes começam a divergir, designadamente quanto à iniciativa do pedido para que se realizasse essa obra: o tribunal deu por provado que os próprios autores e outros moradores daquele local fizeram o pedido original ao Presidente da Junta, o que eles agora impugnam. Tal como impugnam que, a partir de então, aquele caminho, obviamente beneficiado pela obra de pavimentação referida, tivesse passado a ser tido como público. Contestam, assim, que tenha sido com a sua concordância que o caminho passou a ser limpo pela Junta e que tenha sido integrado no processo toponímico de que lhe resultou o nome de Rua ...; que tenha sido com a aceitação dessa natureza que beneficiaram da distribuição de água através da rede pública que foi instalada no subsolo do caminho e que obtiveram números de polícia para a sua casa; que tenham ficado alheados da abertura de um acesso desde o caminho para a casa dos 2ºs réus ou da colocação de postes de iluminação pública no caminho.
Pretendem que, ao contrário do que de tudo isso concluiu o tribunal, não poderia ninguém, nem o executivo da Junta de Freguesia, convencer-se de que o caminho passara a ser do domínio público, nem de que os autores com isso concordavam. E defendem, ainda contrariamente ao entendido pelo tribunal, não poder concluir-se que, a partir da realização daquelas obras, eles próprios abdicaram de exercer o domínio sobre essa área que era do seu prédio e que foi afectada ao caminho, entretanto denominado por Rua ..., bem como abdicaram de transitar sobre o remanescente do caminho na convicção de exercerem um direito de servidão que lhes fora concedido pelo dono do prédio subsequente. Por isso, pretendem que se dê por provado o teor dos itens 3, 7, 8 e 9, dos factos não provados, pois que nestes se rejeita que o seu domínio tivesse continuado a abranger aquela parte do prédio que haviam afectado ao caminho.
Concretizado que está o desacordo dos autores quanto ao juízo do tribunal recorrido, cumpre afirmar, antes de mais, a desnecessidade de apreciação da impugnação relativa à matéria do item 2º dos factos não provados, por alheia às questões a decidir. Com efeito, são indiferentes para a decisão a proferir a origem, os termos e o objectivo da aquisição do prédio dos autores, tanto mais que é incontroverso, como se referiu, que foi da unidade predial cuja propriedade está inscrita em nome dos autores, como descrito no ponto 1, que foi usada uma faixa para a realização do caminho que é hoje a Rua ....
A decisão da impugnação nessa parte seria estéril e, nessa medida, é vedada pelo art. 130º do CPC, que proíbe a actividade processual inútil. Por isso, não se apreciará a questão relativa à eventual comprovação dessa matéria.
Questão diferente é, todavia, a constituída pela impugnação dos itens 3 e 7, 8 e 9 desse mesmo segmento de factos não provados, pois que a matéria aí inscrita se reconduz à continuidade do domínio dos autores sobre a totalidade do seu prédio, ou seja, também sobre a faixa afecta ao caminho e que hoje constitui parte da Rua ..., o que foi ajuizado negativamente pelo tribunal que, pelo contrário, concluiu que esse domínio cessou em relação a essa parte do prédio, cessando igualmente o exercício do direito de servidão sobre a parte do caminho que integrava prédios alheios.
Esta matéria encontra-se em plena conexão com a outra que se encontra descrita sob os pontos 28 e 30 a 43 dos factos provados onde, pelo contrário, se encontra descrita factualidade a partir da qual se conclui pela transição do caminho para o domínio público.
Por tal motivo, sem prejuízo da ponderação implícita do conteúdo especifico de cada ponto, analisaremos a factualidade em causa globalmente.
Revistos os depoimentos invocados pelos apelantes, quer os seus próprios (BB), quer da interveniente GG, quer das testemunhas JJ e KK, irmãos da autora, MM e sua irmã NN, constata-se uma coerência sobre as circunstâncias da abertura do caminho e seu aproveitamento pelas três famílias dos irmãos BB. Do depoimento de GG resulta ainda que o acesso à parte do caminho implantada no prédio dos AA. se faz através de um troço afecto a servidão para acesso a esse caminho, troço este implantado no prédio dos intervenientes FF e GG, como expressamente previsto na escritura de aquisição do seu prédio.
O que de modo nenhum resulta explicado, em tais depoimentos e declarações da A. e irmãos KK e JJ, é a razão da iniciativa da Junta de freguesia para convencer a Câmara Municipal a beneficiar património que, na versão deles, continuaria a ser privado (próprio dos AA. e dos intervenientes), enriquecendo os respectivos prédios a expensas públicas, com a pavimentação a cubos de granito.
Igualmente resulta não explicada a razão de nada terem feito quando o processo toponímico clara e expressamente pressupôs a classificação daquele caminho como público, passando a designá-lo por Rua ..., sem que qualquer dos moradores, maxime os AA. ou os intervenientes, tenha reclamado, então, que aquilo continuava a ser uma área de terreno sua. E, bem assim, a sua conformação com a atribuição de números de polícia, que eles tiveram de requerer, calculados sobre um caminho para esse efeito tido como público.
Não colhe a explicação de terem admitido que isso era essencial para a distribuição postal. Esta explicação surge apenas como oportuna, no âmbito da causa, e perante a necessidade de justificar uma actuação dos AA. (e dos irmãos da autora) que naturalmente tende a indiciar a sua aceitação de que o caminho que haviam aberto com os seus meios passara para o domínio público. Aceitação essa que, de resto, bem se compreende, pois que com isso bem beneficiavam todos os seus prédios, não só por passarem a ter uma tal confrontação com via pública, como por esta ter passado a permitir o trânsito em melhores condições, designadamente em resultado da sua pavimentação a cubos de granito.
Mal se compreende, e por isso não se aceita como verdadeira, a tese dos AA., das testemunhas e de GG, sobre manterem a convicção que os dois sucessivos troços do caminho continuavam a integrar o prédio daqueles e desta e seu marido FF, quando se atenta em que não reagiram de forma nenhuma quando a Câmara por ali entrou e pavimentou o caminho, quando deram o nome ao caminho, quando lá colocaram uma placa com esse nome, quando atribuiram números de polícia no pressuposto desse caminho ser público e servir todos aqueles prédios, quando foram implantados dois postes de iluminação no segmento do caminho que integrara o prédio dos intervenientes ou até quando os 2ºs réus abriram uma rampa para o seu prédio a partir desse caminho, como se este fosse público, tudo isto em termos que constituiriam uma ofensa à propriedade dos AA, se esse caminho continuasse a ser deles.
É toda uma realidade prolongada no tempo com a qual os AA. conviveram sem reacção, que torna agora incredíveis os seus depoimentos, tal como o de GG, dizendo que nunca ninguém lhes pediu ou pagou, nem eles deram qualquer área de terreno à Junta ou a quem quer que fosse (estas as palavras de GG, mas implícitas na tese dos AA., que foi verbalizada pelas testemunhas JJ e KK), pelo que aquele caminho, agora Rua ..., deve continuar a ser tido como integrante dos respectivos prédios.
Pelo contrário, tal como concluiu o tribunal recorrido, o que uma tal realidade - que permaneceu no tempo desde que a Câmara realizou a pavimentação do caminho - traduz é que todos os ali vizinhos admitiram que, a partir de então, essa área do caminho passava a ser do domínio público, a todos beneficiando e não prejudicando nem os AA., nem os intervenientes pois que, afinal, essa área dos prédios continuava a servir o fim a que eles próprios a haviam destinado: facultar o acesso aos prédios dos AA, bem como aos de KK e JJ.
O que parece resultar da prova produzida é que o incómodo adveio de os 2ºs RR. terem entendido que também haveriam de colher a utilidade desse caminho, abrindo uma entrada para o seu prédio, confinante com o dos AA., a partir dele.
Certo é, todavia, que a controvérsia só é facilitada pela circunstância de a Câmara Municipal e/ou a Junta de Freguesia terem decidido avançar em benefício daqueles prédios, nisso aplicando os seus meios, sem garantirem através de um acto formal, a aquisição para o domínio público da área do caminho. Todavia, como já se referiu, mal se compreenderia que qualquer destes entes públicos tivesse aplicado tais meios públicos à beneficiação de propriedades particulares.
Acontece que OO, presidente da Junta entre 2009 e 2021, membro da Assembleia de Freguesia desde antes de 2001, de forma serena, isenta e convincente, com pleno conhecimento dos factos e do local, narrou o pedido do 2º réu para abertura do acesso para o seu prédio, desde a Rua ..., descrevendo como isso foi público e discutido na Assembleia de Freguesia. Já então era para ela e para todos os locais inequívoco que a Rua ... era do domínio público. Descreveu o processo toponímico e a publicidade desse procedimento e a ausência de contestação sobre a natureza pública do caminho. Natureza essa que também associou à iluminação pública implantada no local. Mostrou ainda conhecer, por narração do anterior presidente da Junta (PP), que tinham sido os próprios donos das casas a pedir à Junta para que tratasse da pavimentação do caminho.
Ouvido PP, que foi Presidente da Junta durante 12 anos, este declarou de forma isenta e igualmente convincente que foram os próprios moradores do local (AA, JJ, QQ) que pediram para calcetar o caminho, o que veio a ser feito. Narrou também o curso do processo toponímico, onde o caminho foi classificado como Rua ..., sem qualquer reclamação de quem quer que fosse. Também afirmou que, quer antes, quer depois da pavimentação, já era a Junta que limpava o caminho sem que qualquer dos moradores tivesse afirmado que o caminho era particular. E referiu que nunca teria instalado ali a conduta da água se aquilo não fosse público, bem como que jamais se calcetaria o caminho se ele não fosse público. O lanche oferecido pelos moradores, após a obra de pavimentação, que a instância da Il. Mandatária dos AA. pareceria anunciar-se ser uma retribuição pelo “favor” da obra, foi explicado pela testemunha como sendo um mero acto agradecimento e jamais como uma contrapartida de benefício a prédios particulares. Afirmou que esta tese dos AA. “não cabe na cabeça de ninguém” e que o caminho pode ser usado para acesso àquelas casas por bombeiros, ambulâncias, padeiro, carteiro, ou seja, por quem precisar de aceder às casas. E repetiu que jamais alguém reivindicou a natureza de particular para tal caminho, bem como que isso excluiria a intervenção da Câmara na pavimentação.
Estas testemunhas não mostraram ter qualquer interesse na decisão da causa e prestaram depoimentos isentos. Estes depoimentos são coerentes com a realidade existente e que permaneceu incontroversa até à propositura da acção.
Por isso, tudo ponderado, só podemos concluir pelo acerto da decisão recorrida sobre a matéria impugnada, cabendo confirmar o juízo positivo sobre a factualidade descrita nos pontos 28 e 30 a 43 dos factos provados e negativo sobre a factualidade descrita nos pontos 3, 7, 8 e 9 dos factos não provados.
Improcederá, por isso, a apelação quanto à alteração da decisão sobre a matéria de facto.
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Fixada que está a matéria de facto, é de atentar em que a pretensão recursiva dos autores se alicerçava essencialmente na alteração de determinados pontos da decisão da matéria de facto, designadamente na verificação de que vem sendo mantida, sobre a área de terreno onde está implantado o caminho, pelo menos na parte que antes integrara o seu próprio prédio, um domínio público e pacífico, com exclusão de outrem e na convicção de actuação ao abrigo de um direito próprio.
Porém, provou-se exactamente o contrário: por um lado, os AA. deixaram de actuar sobre aquele caminho como se fosse coisa exclusivamente sua, por integrar o seu prédio, excluindo outrem do exercício de poderes de facto sobre o mesmo; pelo contrário, abstraíram-se de reivindicar o seu poder exclusivo sobre essa parcela, permitindo que a Junta de Freguesia e a Câmara Municipal o pavimentassem (aliás, a seu pedido), que o classificassem como rua pública e lhe dessem nome, que por ali andassem a limpar e a arbitrassem números de polícia para as casas, que autorizassem a que outro vizinho abrisse um acesso desde o caminho para o seu próprio prédio.
Por outro lado, estas entidades tudo isso fizeram na convicção de que actuavam sobre uma área pública e de que, com isso, serviam a comunidade, no desenvolvimento das suas atribuições, sem que conflituassem com o direito de outrem.
Em suma, como se escreveu na sentença recorrida, em trecho de que os apelantes discordam, mas que não encontramos motivos para criticar, “(…) originariamente o caminho em questão foi rasgado pelos autores e restantes proprietários em parcelas de terreno pertencentes aos mesmos, sobre as quais exerciam a correspondente posse. Porém, a partir do mencionado processo toponímico e pavimentação, tais actos de posse dos autores e restantes proprietários cessaram em relação ao trato de terreno onde o caminho foi rasgado. Passando esse mesmo tratado de terreno, a partir de então, a ser possuído por entidades públicas – a Câmara Municipal de Baião e a Junta de Freguesia ... -, que o afectaram ao domínio público, processo este iniciado com o pedido dos próprios autores e outros moradores no sentido de aquelas entidades pavimentarem o caminho, suportando os respectivos custos. Actos que passaram a ser praticados reiteradamente, com publicidade, porque à vista de todos, sendo actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade (cfr. art. 1263º, al. a), do CC) e sem que a apurada actuação subsequente daquelas entidades tivesse merecido a oposição dos autores, durante, pelo menos, 20 anos.”
Tal como a jurisprudência vem afirmando, o Assento nº 7/89, de 19/4/1989 (a valer hoje como AUJ), ao estabelecer que “São públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público”, não prejudica a atribuição dessa classificação a outros caminhos que, embora mais recentes, tenham sido alvo de apropriação por entidade pública, v.g. por cedência dos particulares, mas sem que se excluam outras vias, e permaneçam sob o seu domínio, com aplicação ao uso público.
É esse o entendimento prescrito no Ac. do STJ de 21/01/2014 (proc. nº 6662/09.6TBVFR.P1.S2), que decidiu, em termos a que se adere: “Não pode interpretar-se aquele Assento no sentido de excluir a dominialidade de um caminho que, tendo sido construído ou legitimamente apropriado, em data recente por pessoa colectiva de direito público, foi por ela afectado ao uso público, servindo o interesse colectivo que lhe é inerente. Nestes casos, desde que se prove que o caminho foi construído ou foi legitimamente apropriado por uma autarquia, que exerce sobre ele jurisdição, administrando-o, melhorando-o e conservando-o, não pode duvidar-se que se trata de um caminho público pertencente àquela entidade pública. IV - A suficiência do uso imemorial a que se refere o Assento, de modo algum exclui outras vias de aquisição da dominialidade, como acontecerá quando a lei directamente integra determinada coisa na categoria do domínio público, ou quando uma pessoa de direito público, depois de a construir, produzir ou dela se apropriar, a afecta à utilidade pública.”
Este uso público não significa, ao contrário do que entendem os apelantes, a sua efectiva e permanente utilização por uma generalidade de pessoas, bastando que isso possa acontecer, isto é, bastando que esse uso não seja reservado a um determinado grupo de pessoas, v.g. um círculo concreto de utilizadores que excluam da utilização qualquer terceiro.
No caso, é isso que se verifica. Pelo menos desde a pavimentação do caminho, bem como desde a sua classificação e designação como Rua ..., o trânsito por ele não ficou reservado aos AA. e às famílias de JJ e KK, como terá acontecido no passado.
Diferentemente, sem que fosse pensada a necessidade de autorização de qualquer deles, designadamente dos AA., a Rua ... passou a estar transitável por qualquer pessoa ou veículo que nisso tivesse interesse. Claro que, dadas as condições do local, bem se compreende que esse interesse seja condicionado ao acesso ou contacto com as pessoas que ali têm as suas casas. Mas, na realidade, não existe qualquer limitação física ou de qualquer espécie a que qualquer pessoa ou veículo por ali transite até ao final da rua, junto à casa dos autores.
Foi, aliás, na consciência de tais circunstâncias e liberdade de trânsito que os 2ºs RR. pediram à Junta para abrirem uma entrada para o seu prédio a partir desse caminho e que isso lhes foi autorizado, sem a oposição de quem quer que fosse.
É certo que se pode ter por discutível a dimensão pública do interesse que a Câmara e a Junta pretenderam servir quando enveredaram por aplicar meios públicos na realização de obras que, se não antes, marcaram o início do seu domínio sobre as duas parcelas de terreno sucessivas que constituem agora a Rua .... Porém, é inequívoco que vem na consideração de que tal caminho integrava ou passaria a integrar o domínio público da Freguesia ..., que passaram a actuar sobre ele como tal. E isso perante a total abdicação quer dos autores, quer dos donos da outra parcela usada no caminho, de, por sua vez, continuarem a exercer tal domínio.
Assim, contrariamente ao alegado pelos apelantes, não se entende que “a utilização do caminho pelos diversos “utilizadores” se manteve inalterada desde a pavimentação do caminho pela Câmara Municipal de Baião; Continuando a ser utilizada e possuída apenas e só pelos recorrentes, pelos intervenientes principais, por JJ e por KK;”
Pelo contrário, como explicou o ex presidente da Junta, PP, tal caminho passou a ser passível de utilização por toda e qualquer pessoa ou entidade, sem prejuízo de, como é natural, isso haver de servir primordialmente interesses conexos com as habitações e pessoas ali existentes: carteiro, funcionários por conta de fornecedores de luz e água, bombeiros, ambulâncias.
É, aliás, notável e relevante o facto de os AA. jamais terem tratado de vedar o acesso a tal caminho, designadamente na parte onde antes fora parte do seu prédio, a fim de reservarem o seu uso para si e para os irmãos da autora mulher.
Concluímos, pois, que se verifica, em relação ao caminho, quer a apropriação pela 1º ré, quer a respectiva utilidade ou possibilidade de utilização pública do caminho em causa, numa realidade que se vem mantendo inalterada desde, pelo menos, 2000 ou 2001.
Como tal, os termos da aquisição do domínio sobre o caminho em causa e a sua afectação à utilização pública satisfazem os requisitos necessários à conclusão pela natureza pública do caminho em causa.
Nestas circunstâncias, é impossível divergir da decisão recorrida, quanto aos diversos elementos do seu dispositivo, restando confirmá-la integralmente.
Resta salientar que, tal como os recorrentes alegam, jamais seria admissível, nesta causa, conferir à ré Junta de Freguesia a propriedade do caminho por via do instituto da acessão industrial imobiliária, pois que, apesar de o tribunal se ter preocupado em reunir elementos factuais a tal habilitantes, a acção não reunia os necessários requisitos para o efeito.
Resta, pois, sem necessidade de outras considerações que a realidade factual do caso claramente dispensa, e na ausência de outras questões a decidir, concluir pela confirmação da decisão recorrida, na rejeição do provimento da presente apelação.
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Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC):
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3 – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em negar provimento ao presente recurso de apelação, na confirmação integral da sentença recorrida.