CONTRATO DE SEGURO
DEVER DE COMUNICAÇÃO
DEVER DE INFORMAÇÃO
QUESTIONÁRIO MÉDICO
Sumário

I – As doenças concretas de que o segurado já padecia e que omitiu à seguradora, bem como as consequências que o conhecimento das mesmas teria na celebração dos contratos de seguro ou no seu conteúdo, são factos essenciais integradores da causa de pedir em que se baseia a excepção invocada pela ré.
II – No cumprimento do dever de cuidado quanto aos deveres de informação a cargo do tomador do seguro, este deve comportar-se com a honestidade própria do cidadão comum, que não tem de acentuar quanto lhe seja desfavorável.
III - Existindo questionário de saúde e, como no caso, efectuado por um profissional de saúde, maior será a temperança com que deve ser analisado este dever do tomador do seguro, posto que sempre será de ter em conta que o mesmo considere que os seus eventuais “esquecimentos” podem ser colmatados pela possibilidade de ser questionado especificamente por aquele profissional, o que tem, obviamente, implicações na análise da sua eventual negligência ou intencionalidade na omissão de informação.

Texto Integral

Processo: 745/23.7T8AVR.P1





Acordam no Tribunal da Relação do Porto:


I AA e mulher, BB, intentaram, no Juízo Central Cível de Aveiro do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, acção declarativa, com processo comum, contra “A..., S.A.U.”, pedindo que se reconheça a validade e eficácia dos contratos de seguro correspondentes às apólices nº ...69, ...71, ...73 e ...76, e a condenação da R. a pagar “ao Banco 1..., S.A.”, enquanto entidade credora e beneficiária irrevogável dos contratos de seguro o capital em dívida, em 18.05.2022, e aos Autores o remanescente desse capital, no total de € 111.260,65, acrescida dos prémios de seguro pagos à Ré, por ambos os Autores, desde 18.05.2022, bem como os juros de mora legais sobre os montantes atrás referidos, desde a citação até integral pagamento”.
Alegaram para tal que, em 9 de Outubro de 2018, celebraram com a R. oito contratos de seguro (quatro para cada um), através dos quais esta se obrigou a garantir, em caso de morte ou invalidez dos AA., o pagamento de quatro contratos de mútuo celebrados entre estes e o “Banco 1...”, que, em março de 2021, o A. marido foi acometido de um enfarte do miocárdio, que o levou a um internamento e situação de baixa prolongada, bem como a submeter-se a diversos exames, tendo sido detectadas diversas enfermidades, sendo-lhe diagnosticado, em Dezembro desse ano, um carcinoma urotelial papilar de baixo grau, na sequência do que foi sujeito a duas intervenções cirúrgicas e, desde 24/03/2022, a diversas sessões de quimioterapia e uretrocistoscopias vesicais, ficando impossibilitado de exercer qualquer actividade profissional e portador de uma incapacidade definitiva de 82%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade, desde 18/05/2022. O A. marido, em 24/05/2022, participou à R. que se encontrava em situação de invalidez total e permanente, de modo a accionar as coberturas dos quatro contratos celebrados, tendo esta respondido que pretendia anular tais contratos por, alegadamente, aquele ter incumprido, em 2018, deveres de informação quanto ao seu estado de saúde.
A R. contestou, confirmando ter celebrado os contratos de seguro em causa nos autos e invocando a anulabilidade dos mesmos, pelo facto de o tomador do seguro ter omitido, de forma consciente, que já sofria anteriormente à celebração do contrato de depressão severa, sendo que, se tal lhe tivesse sido comunicado, a cobertura de “morte” teria sido agravada e as coberturas de invalidez recusadas, tendo até a possibilidade de recusar a outorga do contrato, alegando que o A. respondeu de forma errada aos questionários clínicos, ocultando a sintomatologia que já apresentava e que poderia motivar a sua submissão a exames complementares, antes da assunção do risco pela R., e impugnando por desconhecimento os factos alegados pelo A. atinentes à ocorrência do sinistro participado.
Os AA. responderam, alegando que o A. marido não ocultou qualquer informação e que não sofria de depressão à data da celebração dos contratos.
Foi dispensada a realização de audiência prévia, foi elaborado despacho saneador, fixou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Procedeu-se seguidamente a julgamento.
Após, foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção procedente e, em consequência:
- reconhecer “a validade e eficácia dos contratos de seguro correspondentes às apólices nº ...69, ...71, ...73 e ...76”;
- condenar a R. a pagar “ao Banco 1..., S.A., enquanto entidade credora e beneficiária irrevogável dos contratos de seguro, o capital em dívida em 18.05.2022 e ainda não pago” e aos AA. “o remanescente desse capital, entretanto por eles pago, desde 18 de Maio de 2022, acrescida dos prémios de seguro pagos à Ré, por ambos os Autores, desde 18.05.2022, bem como os juros de mora legais sobre os montantes atrás referidos, desde a citação até integral pagamento”, quantias “a liquidar, nos termos do art. 609 n.º 2 do Código de Processo Civil”.
De tal sentença veio a R. interpor recurso, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
«1. Retira-se, quer a prova testemunhal produzida, quer a documental carreada para os autos, que na fase pré-contratual o segurado, dolosamente, prestou declarações inexatas e omitiu circunstâncias relevantes para a apreciação do risco e que a seguradora, aqui apelante se conhecesse a verdadeira situação clínica daquela nunca teria celebrado o contrato.
2. Nas declarações de parte, o apelado mencionou “(…) com esse pormenor todo não me recordo, recordo-me que nunca me foi questionada no inquérito telefónico, nunca me foi questionado se tinha tido alguma depressão ou se tinha uma depressão; se me tivessem perguntado se tinha uma depressão, teria dito que não; se me tivessem perguntado se tinha tido uma depressão, teria dito que sim, eu tive uma depressão em 2015, mas o seguro foi feito em 2018; eu tive volta da depressão em janeiro de 2016 e daí até 2021 não tive mais nenhum episódio depressivo (…)” (00:03:02 a 00:03:34).
3. Posteriormente, quando inquirido pelo mandatário, o autor reforça o seu conhecimento sobre a existência de uma depressão de que padeceu: “Reconheço Sr. Doutor, mas mas não me foi me perguntado, Sr. Doutor, mas não me foi perguntado se eu tinha tido alguma depressão (…)” (00:52:24 a 00:52:32).
4. Da inquirição da testemunha Dr. CC foi possível constatar a existência de episódios depressivos anteriores à data de subscrição do contrato de seguro;
5. Relativamente às caraterísticas da depressão em discussão, importa considerar o depoimento do Prof. Dr. DD quando menciona que “[Mandatário]: Muito bem… E isso é como se fosse constante, essa depressão? /[Testemunha]: Ah sim, e aliás se me parece, não irá ter melhorias. Acho que até, se não estou em erro, não posso jurar, já tinham sido feitas até várias tentativas de medicação (…) / [Mandatário]: Mas era persistente, então? / [Testemunha]: (…) Persistente? Sim (…)” (00:12:52 a 00:13:57).
6. Retira-se, pois, que o apelado apresentava, aquando da celebração do contrato de seguro, uma patologia que não foi declarada, ao invés de outras circunstâncias relevantes para a análise do risco (como operações cirúrgicas), tendo optado por não a declarar;
7. E mais se deve mencionar que o apelado tinha conhecimento da relevância dessa omissão, tendo inclusivamente, como consta dos autos, invocado, no momento da gestão do sinistro, a lei do esquecimento;
8. O questionário clínico deve ser preenchido e assinado de forma verdadeira, complexa e exata, de modo a permitir não só a identificação do sujeito do contrato, mas também a avaliação dos dados e do risco por parte do Segurador (aqui apelante) antes de esta dar o seu consentimento.
9. Acresce que, de acordo com o estipulado na cláusula 12ª das condições gerais da apólice contratada pelo segurado: “1. O Tomador do Seguro/a Pessoa Segura está obrigada a declarar, antes da celebração do contrato de seguro, com exatidão, todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo Segurador. Esta obrigação de informação é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo Segurador para o efeito. 2. As declarações prestadas pelo Tomador do Seguro/Pessoa Segura na Proposta do Seguro e respectivos questionários por si preenchidos, ou com base nas suas indicações, servem de base ao contrato de seguro e à decisão do Segurador de cobrir os riscos abrangidos pelas respectivas coberturas, sendo o contrato de seguro incontestável após a sua entrada em vigor, sem prejuízo do disposto nos números subsequentes. 3. Em caso de incumprimento doloso deste dever, o Segurador poderá anular o contrato de seguro, mediante o envio de declaração ao Tomador do Seguro. 4. (…) 5. Se o Segurador apenas tiver conhecimento da omissão ou inexatidão dolosa após a ocorrência de um Sinistro, o Segurador não está obrigado a cobrir esse Sinistro, podendo optar por anular o Contrato de Seguro. (…)“
10. O segurado, não obstante a sua atividade profissional, esquece que sobre si igualmente impendem obrigações, designadamente as de revelar completamente e com verdade o risco a segurar, a fim de que a seguradora possa determinar o âmbito e as condições de cobertura, ou os termos da contrapartida (leia-se prémio) a cobrar.
11. Sendo certo que, sendo jurista, necessariamente conhece as obrigações decorrentes do artigo 24º da LCS que exige que que tal declaração se reporte aos factos que conheçam e se devam ter por relevantes para a apreciação do risco e que podem ter base a resposta ao questionário, mas igualmente a declaração espontânea do tomador do seguro.
12. A circunstância de o apelado reconhecer que sofria de depressão mas que omitiu tal patologia apenas e tão só porque não lhe foi perguntado, não pode, salvo douta opinião em contrário, concluir que o mesmo não omitiu de forma consciente a existência da doença.
13. Permite, ao invés e na opinião da apelante, concluir exatamente o contrário; sendo conhecedor da lei (por inerência da profissão), bem sabia que se declarasse a doença o contrato seria recusado, ou não seria celebrado nas condições em que o foi, e por isso deliberadamente a omitiu.
14. A apelante não se limitou a invocar como patologia não declarada pelo apelado na fase de contratação a existência de depressão, mas, sim, o facto de este ter omitido patologias (no plural) que impediram a correta análise do risco aquando da contratação do produto de seguro.
15. Na contestação, o apelante alega que o apelado “AA omitiu a existência de, pelo menos, uma doença”,
16. É alegado na contestação que “Os referidos denominados “questionários de saúde” foram preenchidos de acordo com as informações prestadas pelos autores e em ambas as tele-entrevistas (2018 e 2019) a ré questionou: “Sofre ou sofreu de alguma das seguintes doenças: respiratórias, neurológicas, mentais, hepáticas, digestivas, circulatórias cardíacas, reumatológica, insuficiência renal, urogenital, acidente vascular cerebral, cancro/tumor, doença degenerativa do sistema nervoso, síndrome congénita ou malformação, VIH/SIDA, hipertensão, hipertensão ou malformação congénita, VIH/SIDA, hipertensão, colesterol, diabetes ou hérnia?” “Sendo que em ambas as tele entrevistas o apelado respondeu negativamente;
17. Além de padecer de uma depressão, o apelado apresentava, à data da subscrição, outras patologias, conforme se retira do depoimento do Dr. EE, face à análise efetuada à documentação obtida no âmbito do processo de sinistro, que menciona que o apelado “era portador de patologias, nomeadamente diabetes, hipertensão e insuficiência renal crónica. Há um relatório de psiquiatria, (…) tinha sido operado à vesícula, que fez uma colecistectomia (…) um quadro de hipertensão arterial para o qual faria medicação, ainda que aparentemente de uma forma intermitente. E depois havia aqui, de facto, outras patologias que não foram referidas na, digamos, na entrevista de subscrição, nomeadamente, basicamente, a diabetes e a patologia renal, portanto, esta insuficiência renal” (00:02:35 a 00:07:31).
18. Em sede de despacho saneador, o tribunal considerou como tema de prova os “Problemas de saúde apresentados pelo Autor na data de celebração do contrato de seguro”, não havendo qualquer limitação dessa matéria de facto à existência de uma patologia prévia de depressão, razão pela qual deveria o tribunal a quo considerar todos os problemas de saúde que o apelado apresentava no momento pré-contratual de avaliação do risco.
19. O facto essencial alegado é a de que o apelado omitiu, de forma dolosa e/ou negligente, patologias que alteravam a forma de contratação dos produtos de seguros pela apelada. Contudo, o tribunal a quo não efetuou qualquer valoração da prova realizada, designadamente a existência de doença renal crónica, diabetes e hipertensão arterial.
20. Como decorre do artº 607º,nº4, do CPC, os factos “instrumentais” [que são “aqueles cuja ocorrência conduz à demonstração, por dedução, dos factos essenciais ] têm uma função probatória, servindo fundamentalmente para formar a convicção do julgador sobre a ocorrência ou não dos factos essenciais. (cfr. neste sentido Ac. da Rel. de Lisboa (Proc. 23807/21.0T8LSB.L1-6)), É consabido que nos termos do art. 5º, nº2, alínea a) do CPCivil, aplicável ao acórdão da Relação por via do art. 663º, nº2, deve o tribunal extrair dos factos instrumentais resultantes da instrução da causa as ilações que se impuserem no sentido da comprovação dos factos essenciais;
21. Não poderia o tribunal a quo desvalorizar a existência daqueles factos para prova dos temas de prova indicados no despacho saneador. Neste sentido, o acórdão do S.T.J. (Proc. 23807/21.0T8LSB.L1.S1) é claro ao esclarecer que “Se o acórdão recorrido desvalorizou factos adquiridos nos autos, com função meramente probatória, por os ter qualificado como essenciais e como tal devendo ter sido alegados em articulado superveniente, impõe-se concluir que a Relação não fez o exame crítico da prova produzida, o que importa a anulação do acórdão recorrido e a baixa do processo para o respectivo suprimento”. No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, disponível in www.dgsi.pt, é claro ao determinar que “São factos instrumentais aqueles que, sem fazerem directamente a prova dos factos principais, servem indirectamente para prová-los, podendo ser tidos em consideração pelo julgador se resultarem da instrução da causa e se os factos principais, só por si não se mostrarem provados ou não provados”.
22. No caso em apreço, a alegação efetuada na contestação sobre a existência de omissão de factos relevantes para a análise do risco associado à contratação do produto de seguro teria, necessariamente, de comportar os dados clínicos que foram conhecidos na fase de produção de prova (audiência de discussão e julgamento). Os mesmos, independentemente de assumirem posição de factos instrumentais, são-no dos factos essenciais que foram alegados em sede de contestação, designadamente no que diz respeito à omissão de factos relevantes para a análise do risco por parte do segurador aquando da contratação, pelo apelado, dos produtos de seguro em causa.
23. Andou mal o tribunal a quo a não considerar os referidos factos, até porque foi contra a sua própria adequação formal do processo, em particular na determinação de temas de prova que posteriormente não considerou aquando da realização da fundamentação da sentença.
24. O apelado, nas declarações de parte, confirma que se encontrava medicado na data de subscrição do seguro, sendo que este #é um medicamento para a diabetes tipo 2.” (00:09:04 a 00:10:12). A informação de que se encontrava medicado com linagliptina à data de subscrição do seguro foi novamente confirmada pelo autor posteriormente: “[Mandatário]: Mas, então, desde outubro de 2018, esta medicação que o senhor tinha aqui estava a ser tomada ou não? / [Autor]: Sim, muito muito antes de 2018, tinha dito que foi o meu cunhado que me receitou para emagrecer, Sr. Doutor / [Mandatário]: Muito bem / [Autor]: Mas eu tomo tomo a tranyenta que é essa tal lipidina, tomo para aí desde 2016, Sr. Doutor, que é era um diurético que toda gente tomava na altura para se para emagrecer que era um diurético” (00:15:24 a 00:15:49).
25. Em relação à possibilidade de tomar este tipo de medicação, tipicamente destinada ao tratamento da diabetes tipo 2, para efeitos de emagrecimento, é possível retirar da inquirição da testemunha Dr. EE o seguinte: “Vamos lá ver, há alguns medicamentos que têm, digamos, como antidiabéticos orais, que têm efeitos também a nível do apetite e, neste caso, do sobrepeso. (…) vamos ver, eu tenho aqui como antidiabético oral a linagliptina, que por acaso nem é um antidiabético que se use muito com essa finalidade. E, portanto, era importante que, mesmo que tivesse tomado, entre aspas, por indicação de outro colega qualquer, e com o intuito de perder peso, era importante que essa informação fosse dada porque a metformina tem algum efeito nefasto sobre o rim, quando o rim já tem algum suprimento. E portanto, neste caso em particular, não seria seguramente a droga indicada como antidiabético oral, exatamente por isso. (…) Esta linagliptina não tem essa finalidade, portanto, não é, de facto, digamos, não a vejo prescrita, digamos, dos guide lines com essa finalidade” (00:15:27 a 00:18:41).
26. Ainda em relação à questão da diabetes, quando confrontado pela MMª juíza sobre a existência de uma pré-diabetes ou risco de diabetes à data de subscrição do seguro, o apelado confirmou o mesmo, não se podendo afirmar o seu desconhecimento sobre o assunto conforme se retira “[Juiz]: Portanto, o que o senhor, o que o senhor está a dizer é que DM tipo 2, DM-2 realmente é, refere-se a diabetes, quer dizer que o senhor é pré-diabético, é isso? / [Autor]: Exatamente. É um termo, não é um termo científico, mas é um termo vulgar que se diz, pré-diabetes. Exatamente” (00:13:53 a 00:14:09).
27. Recorde-se que à pergunta “Sofre ou já sofreu de algumas das seguintes doenças: cardíaca, circulatória, respiratória, neurológica, mental, hepática, digestiva, reumatológica, insuficiência renal, urogenital, acidente vascular cerebral, cancro/tumor, doença degenerativa do sistema nervoso, síndrome ou malformação congénita, VIH/Sida, hipertensão, colesterol, diabetes ou hérnia?” constante do questionário médico que acompanhou a proposta de seguro, a resposta foi “Não”. Concluindo-se, pois, que o apelado tinha antecedentes médicos que necessariamente conhecia, por já diagnosticados e intervencionados, e não foram declarados no momento da contratação da apólice.
28. Não é verosímil defender que o apelado não tinha conhecimento e consciência das patologias de que sofreu e sofria, pois, se assim fosse teria necessariamente que dar idêntica resposta às perguntas do questionário médico da seguradora. Esta divergência de atuação revela, salvo o devido respeito, precisamente o contrário: que o apelado conhecia e tinha conhecimento das patologias em causa e sua relevância para avaliação do risco por parte da seguradora, só isso justifica a sua omissão no questionário médico.
29. Da factualidade apurada retira-se que o apelado prestou declarações inexatas, já que ao preencher o questionário clínico não só prestou informações falsas sobre o seu atual estado de saúde, como ocultou da seguradora as patologias de que padecia e do acompanhamento médico e medicamentoso que vinha recebendo há anos, já que todas as questões existentes nesse questionário foram respondidas negativamente.
30. Tratando-se – como se trata – de seguro de vida, o segurado, devia inteirar a seguradora do seu estado de saúde, indicando designadamente a sua situação de saúde mental e renal, com rigor e objetividade sendo que o teor das respostas (falsas) dadas e a ocultação daquela informação foi determinante na formação da vontade da seguradora na celebração ou no conteúdo do contrato de seguro, posto que, a serem do seu conhecimento as doenças de que aquela sofria teria alterado as condições do contrato do seguro ou mesmo inviabilizado a sua celebração.
31. Sendo certo que o conhecimento da existência daqueles antecedentes era essencial à correta análise do risco por parte da apelante que, assim, fundou a sua vontade de contratar em dados erróneos e incorretos uma vez que em circunstância alguma, aceitaria o risco invalidez permanente em pessoas com patologia depressão, doença renal crónica e/ou diabetes tipo II.
32. Conclui a sentença que a documentação em causa demonstra que o sinistro em causa se encontra abrangido pela apólice, resultado interpretativo que a apelante refuta, por considerar que o mesmo não tem o mínimo de apoio quer na prova produzida, quer à luz dos critérios legais convocados, designadamente o RJCS. Da prova documental ressalta à evidência que o segurado padecia de um conjunto de patologias à data da contratação, e da prova testemunhal resulta exatamente o mesmo, já que não é a circunstância de o segurado se encontrar a ser clinicamente acompanhado que lhe retira a existência de patologias, muito pelo contrário.
33. No que diz respeito ao facto não provado b) importa sublinhar que, de acordo com a inquirição da testemunha FF “(…) o que levou a Seguradora a concluir que “(…) quer mesmo pela insuficiência renal crónica, depressão que também havia um historial de depressão de 2012, 2015, que também não foi mencionado, e a seguradora, como habitualmente já é regra da companhia, este tipo de depressão que, neste caso, era a grave que era o que estava mencionado no relatório, uma depressão grave não é aceite pela companhia até ultrapassados cinco anos da última manifestação de episódio, portanto em 2018, quando subscreveu a primeira vez tinha tido o último episódio há três anos, por aí já ia ter um agravamento substancial na cobertura de morte e as invalidezes eram recusadas” e que “a insuficiência renal crónica também não era de aceitação da companhia, em momento algum (…) e a diabetes também, a diabetes tipo-2, tendo em conta que é uma patologia que influencia todo toda a parte renal obviamente que era mais uma patologia a somar a todas as outras complicações e, mais uma vez, não era de aceitação pela companhia” (00:07:12a 00:09:54).
34. Ainda no sentido da conclusão supra, FF esclareceu que “(…) se tivesse sido declarado, por si só era uma exclusão, aí era passível de ser feita uma exclusão na incapacidade e como tal, mesmo que o cliente viesse depois a apresentar um atestado multiuso em âmbito de sinistro, a percentagem afeta a essa patologia nunca seria considerada para efeitos de ativação da cobertura”, sublinhando que “sim, sim, o contrato não era celebrado, de todo” assim como, face à questão do mandatário de “fosse na primeira, fosse nesta questão aqui da IDPAC, seja na questão de ITP, é isso? IAD ou ITP?”, a mesma confirmou “qualquer uma das invalidezes, numa insuficiência renal crónica, numa depressão as invalidezes são de recusa, ficam, na depressão ficaria adiado até ultrapassar 5 anos do último episódio no caso de uma depressão grave, a insuficiência renal crónica nunca é de aceitação, era de recusa” (00:11:23 a 00:12:10).
35. Com respeito à recusa da celebração do contrato, importa considerar o depoimento do Dr. EE quando refere que “(…) face a este plano de, ou este conjunto de insuficiência renal crónica, diabetes, dislipidemia e a perturbação depressiva, se lhe aparecesse uma proposta de seguro com este conjunto, o seu parecer, para a contratação de um seguro da A..., seria qual? / [Testemunha]: Sim, exatamente, de recusa como eu tinha dito,” (00:13:44 a 00:15:26).
36. Na referida inquirição fica claro que com a indicação da real condição física do apelado, em particular com a menção, pelo apelado, de todos os condicionalismos que eram conhecidos sobre a sua situação clínica, os produtos de seguro não seriam celebrados nas condições em que foram, rectius, não seriam celebrados de todo.
37. Os contratos em discussão nos autos devem, necessariamente, ser considerados anulados, de acordo com o enquadramento jurídico previsto no Regime Jurídico de Contrato de Seguro (RJCS).
38. Dispõe o n.º 1 do artigo 24º do RJCS que “o tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstância que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador”, acrescentando o n.º 1 do artigo 25º que, em caso de incumprimento doloso deste dever, “o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro”.
39. Nos termos do disposto no Ac. do TRL de 22.05.2014, o conjunto de informações que devem ser unilateralmente prestadas pelo tomador do seguro ou pelo segurado na proposta de seguro, as quais visam permitir que a seguradora, mediante o cálculo exato do risco e do correspondente valor do prémio e a apreciação das restantes cláusulas contratuais, decida aceitar ou recusar tal proposta, constituindo um dever pré-contratual, por surgir na formação do contrato de seguro, isto é, antes da celebração do contrato, antes da sua celebração e com vista à sua celebração
40. Assim sendo, constata-se que o questionário clínico apresentado ao potencial segurado consubstancia um elemento decisivo para a celebração do contrato uma vez que através dele a seguradora indica ao tomador quais as circunstâncias que julga terem influência no contrato a celebrar e nas quais se baseia para assumir o risco.
41. Em consequência, impõe-se que o tomador do seguro responda com absoluta verdade ao questionário informando a seguradora de todos os elementos necessários, para que esta possa avaliar o risco, decidir sobre a sua aceitação e o respetivo prémio de seguro.
42. Mas não exclui a realização do questionário clínico que sob o tomador do seguro impenda o ónus de revelar completamente e com verdade o risco a segurar, declarando, de forma espontânea, as patologias de que padece e os tratamentos a que se encontra a ser submetido no caso de não ser inquirido sobre as mesmas.
43. In casu, é manifesto que o apelado omitiu factos relevantes para a contratação dos produtos de seguro, designadamente o facto de se encontrar em depressão, assim como a existência de insuficiência renal, diabetes, colesterol e escotomas bilaterais.
44. Sendo inequívoco que à data da subscrição da apólice de seguro o apelado tinha conhecimento de que não poderia omitir à Seguradora qualquer situação relacionada com o seu estado de saúde, o que fez, escondendo-se ardilosamente sob a desculpa de “não lhe ter sido perguntado.”
45. Tais declarações inexatas e omissões cometidas na fase da contratação do seguro foram determinantes do erro da apelante, sendo este erro igualmente determinante na celebração do negócio, sendo essencial para o declarante, tendo como consequência a invalidade do contrato de seguro celebrado.
46. Tendo o apelado prestado falsas declarações dolosamente antes da celebração do contrato de seguro dos autos, é o mesmo anulável nos termos das disposições conjugadas dos 24º, n.º 1, 25º, n.ºs 1 e 3, do RJCS e 287º do Código Civil.
47. Ao decidir como decidiu violou a sentença recorrida dos artigos 24º, n.º 1, 25º, n.ºs 1 e 3, do RJCS e 287º do Código Civil.
Nestes termos e nos demais de Direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente e provado, e por via dele ser revogada a sentença recorrida de facto e de direito, substituindo-a por outra que considere totalmente improcedente o peticionado pelo apelado, fazendo assim a costumada
JUSTIÇA!».
Os AA. apresentaram contra-alegações, defendendo que deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II – Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), e tendo ainda em conta que “as questões que integram o objeto do recurso e que devem ser objeto de apreciação por parte do tribunal ad quem não se confundem com meras considerações, argumentos, motivos ou juízos de valor”, cabendo ao tribunal de recurso “apreciar as questões solicitadas, sob pena de omissão de pronúncia”, mas não “responder, ponto por ponto, a cada argumento que seja apresentado para a sua sustentação” (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª ed. actualizada, 2022, págs. 135 e 136), são as seguintes as questões a tratar:
a) impugnação da matéria de facto;
b) anulabilidade dos contratos de seguro celebrados entre o A. marido e a R..
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Apreciemos a primeira questão.
O recurso pode ter como objecto a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e a reapreciação da prova gravada (cfr. art. 638º, nº 7, e 640º do C.P.C.).
Neste caso, o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição (nº 1 do art. 640º):
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No que respeita à alínea b) do nº 1, e de acordo com o previsto na alínea a) do nº 2 da mesma norma, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Uma vez que a impugnação da decisão de facto não se destina a que o tribunal de recurso reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, a lei impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.
O recorrente tem ainda o ónus de alegar e de formular conclusões, nos termos do art. 639º do C.P.C., sendo que, da conjugação desta norma com o disposto no art. 635º, nº 4, do C.P.C., decorre que, como já se disse, o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões.
As conclusões “delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido, na petição inicial, ou à das excepções, na contestação”. E “devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com o que foi decidido pelo tribunal a quo” (cfr. Recursos em Processo Civil, António Santos Abrantes Geraldes, Almedina, 2022, 7ª edição actualizada, págs. 135 e 186).
Portanto, as questões a conhecer pelo tribunal de recurso têm de estar expressas nas conclusões, ainda que, uma vez que estas constituem a condensação dos fundamentos expostos na motivação, seja adequado interpretá-las por referência ao que consta da motivação do recurso.
No que concerne às especificações exigidas pelo art. 640º do C.P.C., sendo a alegação o local onde se enunciam os fundamentos da pretensão do recorrente e as conclusões o local onde se faz a síntese das questões, a indicação dos meios probatórios e das passagens da gravação dos depoimentos consideradas relevantes pelo recorrente hão-de constar da alegação e não das conclusões, pois esta indicação constitui o enunciar dos fundamentos da pretensão de alteração da matéria de facto e não a sua síntese.
Assim, das conclusões (que delimitam o objecto do processo) têm de constar os concretos pontos de facto que o recorrente pretende ver alterados, todas as restantes indicações que o recorrente tem de mencionar quando impugna a matéria de facto têm de constar da motivação (ou alegação) do recurso (cfr. ob. e aut. cit., págs. 200 e 201, bem como a jurisprudência entretanto fixada no Ac. do S.T.J. de uniformização de jurisprudência nº 12/2023, de 14/11, D.R. n.º 220/2023, Série I, págs. 44 a 65, de acordo com a qual mesmo a decisão alternativa pretendida não tem de constar das conclusões desde que resulte de forma inequívoca da alegação).
No caso concreto, verifica-se que a recorrente não invoca nas conclusões a pretensão de impugnação da alínea c) dos factos não provados (a que aludiu na alegação, na pág. 3 do requerimento de recurso), apenas se referindo à impugnação das alíneas a) e b) dos factos não provados (no caso da al. a), embora não referindo expressamente a alínea em causa, aludiu ao facto que dela consta), além de não ter feito qualquer referência, mesmo na alegação, às matérias previstas no art. 640º, nº 1, als. b) e c), do C.P.C., pois não indicou a decisão alternativa que em seu entender deveria ser proferida quanto a esta factualidade, nem os concretos meios de prova que suportariam uma tal decisão.
Ou seja, a recorrente não cumpriu com o especial ónus de alegação que lhe incumbia quanto às matérias previstas no art. 640º, nº 1, do C.P.C., no que concerne ao facto da alínea c) dos factos não provados, não inserindo a matéria do nº 1, al. a), nas conclusões de recurso, nem as matérias do nº 1, als. b) e c), na alegação do recurso, como lhe competia, apenas o cumprindo quanto aos restantes factos que impugna.
A consequência do incumprimento das especificações previstas no art. 640º, nº 1, do C.P.C. é a rejeição do recurso na parte respectiva, sendo certo que, tratando-se da falta de indicação nas conclusões de factos impugnados, ocorre também que essa matéria não integra o objecto do recurso.
Assim, em conformidade com o disposto nas disposições legais citadas, rejeita-se o recurso da recorrente no que respeita à impugnação da matéria de facto relativa ao facto da alínea c) do elenco dos factos não provados da sentença recorrida, sendo admissível na parte restante.
Apreciemos agora das alterações pretendidas.
São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida (transcrição):
«1 - Em 09 de outubro de 2018, por intermédio do Agente de Seguros B..., Ldª, os aqui Autores celebraram, com a aqui Ré, 8 (oito) contratos de seguro do Ramo Vida – 4 para cada um - através dos quais a Ré se obrigou a garantir a cobertura dos riscos de Morte e de Invalidez Absoluta e Definitiva dos Autores, conforme condições contratuais particulares emitidas pela Ré.
2 - Tais contratos destinavam-se a garantir, em caso de morte ou invalidez dos Autores, o pagamento de 4 (quatro) contratos de mútuo, celebrados entre estes e o Banco 1....
3 - Tendo, para o efeito, a aqui Ré emitido e enviado aos Autores as condições particulares, com a indicação das apólices que titulam tais contratos, a identificação do tomador, da pessoa segura e dos beneficiários, coberturas, renovação, limite de idade e prémio a pagar, entre outras e conforme a seguir se indicam:
- Apólice ...69:
Tomador do Seguro: AA
Pessoa Segura: AA
Beneficiário Irrevogável: Banco 1... S.A. (montante do empréstimo)
Beneficiários: Seus herdeiros legais (Remanescente)
Data início: 18.10.2018 /anual renovável
Prémio Total: € 425,73
Cobertura Principal: Morte/Capital: € 76.903,45/Idade Limite: 85 anos
Cobertura Complementar: Invalidez Absoluta e Definitiva/Capital: € 76.903,45/Idade Limite: 75 anos
- Apólice ...70:
Tomador do Seguro: AA
Pessoa Segura: BB
Beneficiário Irrevogável: Banco 1... S.A. (montante do empréstimo)
Beneficiários: Seus herdeiros legais (Remanescente)
Data início: 18.10.2018 /anual renovável
Prémio Total: € 242,39
Cobertura Principal: Morte/Capital: € 76.903,45/Idade Limite: 85 anos
Cobertura Complementar: Invalidez Absoluta e Definitiva/Capital: € 76.903,45/Idade Limite: 75 anos
- Apólice ...71:
Tomador do Seguro: AA
Pessoa Segura: AA
Beneficiário Irrevogável: Banco 1... S.A. (montante do empréstimo)
Beneficiários: Seus herdeiros legais (Remanescente)
Data início: 18.10.2018 /anual renovável
Prémio Total: € 77,18
Cobertura Principal: Morte/Capital: € 13.942,85/Idade Limite: 85 anos
Cobertura Complementar: Invalidez Absoluta e Definitiva/Capital: € 13.942,85/Idade Limite: 75 anos
- Apólice ...72:
Tomador do Seguro: AA
Pessoa Segura: BB
Beneficiário Irrevogável: Banco 1... S.A. (montante do empréstimo)
Beneficiários: Seus herdeiros legais (Remanescente)
Data início: 18.10.2018 /anual renovável
Prémio Total: € 43,94
Cobertura Principal: Morte/Capital: € 13.942,85/Idade Limite: 85 anos
Cobertura Complementar: Invalidez Absoluta e Definitiva/Capital: € 13.942,85/Idade Limite: 75 anos
- Apólice ...73:
Tomador do Seguro: AA
Pessoa Segura: AA
Beneficiário Irrevogável: Banco 1... S.A. (montante do empréstimo)
Beneficiários: Seus herdeiros legais (Remanescente)
Data início: 18.10.2018 /anual renovável
Prémio Total: € 76,59
Cobertura Principal: Morte/Capital: € 13.883,80/Idade Limite: 85 anos
Cobertura Complementar: Invalidez Absoluta e Definitiva/Capital: € 13.883,80/Idade Limite: 75 anos
- Apólice ...74:
Tomador do Seguro: AA
Pessoa Segura: BB
Beneficiário Irrevogável: Banco 1... S.A. (montante do empréstimo)
Beneficiários: Seus herdeiros legais (Remanescente)
Data início: 18.10.2018 /anual renovável
Prémio Total: € 43,61
Cobertura Principal: Morte/Capital: € 13.883,80/Idade Limite: 85 anos
Cobertura Complementar: Invalidez Absoluta e Definitiva/Capital: € 13.883,80/Idade Limite: 75 anos
- Apólice ...76:
Tomador do Seguro: AA
Pessoa Segura: AA
Beneficiário Irrevogável: Banco 1... S.A. (montante do empréstimo)
Beneficiários: Seus herdeiros legais (Remanescente)
Data início: 18.10.2018 /anual renovável
Prémio Total: € 121,57
Cobertura Principal: Morte/Capital: € 21.958,79/Idade Limite: 85 anos
Cobertura Complementar: Invalidez Absoluta e Definitiva/Capital: € 21.958,79/Idade Limite: 75 anos
- Apólice ...77:
Tomador do Seguro: AA
Pessoa Segura: BB
Beneficiário Irrevogável: Banco 1... S.A. (montante do empréstimo)
Beneficiários: Seus herdeiros legais (Remanescente)
Data início: 18.10.2018 /anual renovável
Prémio Total: € 69,21
Cobertura Principal: Morte/Capital: € 21.958,79/Idade Limite: 85 anos
Cobertura Complementar: Invalidez Absoluta e Definitiva/Capital: € 21.958,79/Idade Limite: 75 anos
4 - Em maio de 2019, os aqui Autores, também através do Agente de Seguros B..., Ldª, acordaram com a Ré, nos 8 contratos atrás referidos, a alteração da cobertura de Invalidez Absoluta e Definitiva para Invalidez Total e Permanente (65%).
5 - Tendo sido emitidas pela Ré novas condições particulares com as alterações de coberturas, capitais (atualizados de acordo com os montantes dos contratos de mútuo), prémios e datas de início e vencimento:
- Apólice ...69:
Tomador do Seguro: AA
Pessoa Segura: AA
Beneficiário Irrevogável: Banco 1... S.A. (montante do empréstimo)
Beneficiários: Seus herdeiros legais (Remanescente)
Data início: 18.05.2020 /anual renovável
Prémio Total: € 546,30
Cobertura Principal: Morte/Capital: € 69.260,48/Idade Limite: 85 anos
Cobertura Complementar: Invalidez Total e Permanente/Capital: € 69.260,48/Idade Limite: 67 anos
- Apólice ...70:
Tomador do Seguro: AA
Pessoa Segura: BB
Beneficiário Irrevogável: Banco 1... S.A. (montante do empréstimo)
Beneficiários: Seus herdeiros legais (Remanescente)
Data início: 18.05.2020 /anual renovável
Prémio Total: € 290,92
Cobertura Principal: Morte/Capital: € 69.260,48/Idade Limite: 85 anos
Cobertura Complementar: Invalidez Total e Permanente/Capital: € 69.260,48/Idade
Limite: 67 anos
- Apólice ...71:
Tomador do Seguro: AA
Pessoa Segura: AA
Beneficiário Irrevogável: Banco 1... S.A. (montante do empréstimo)
Beneficiários: Seus herdeiros legais (Remanescente)
Data início: 18.05.2020 /anual renovável
Prémio Total: € 99,07
Cobertura Principal: Morte/Capital: € 12.559,65/Idade Limite: 85 anos
Cobertura Complementar: Invalidez Total e Permanente/Capital: €12.559,65/Idade Limite: 67 anos
- Apólice ...72:
Tomador do Seguro: AA
Pessoa Segura: BB
Beneficiário Irrevogável: Banco 1... S.A. (montante do empréstimo)
Beneficiários: Seus herdeiros legais (Remanescente)
Data início: 18.05.2020 /anual renovável
Prémio Total: € 52,76
Cobertura Principal: Morte/Capital: € 12.559,65/Idade Limite: 85 anos
Cobertura Complementar: Invalidez Total e Permanente/Capital: €12.559,65/Idade Limite: 67 anos
- Apólice ...73:
Tomador do Seguro: AA
Pessoa Segura: AA
Beneficiário Irrevogável: Banco 1... S.A. (montante do empréstimo)
Beneficiários: Seus herdeiros legais (Remanescente)
Data início: 18.05.2020 /anual renovável
Prémio Total: € 99,61
Cobertura Principal: Morte/Capital: € 12.628,65/Idade Limite: 85 anos
Cobertura Complementar: Invalidez Total e Permanente/Capital: €12.628,65/Idade Limite: 67 anos
- Apólice ...74:
Tomador do Seguro: AA
Pessoa Segura: BB
Beneficiário Irrevogável: Banco 1... S.A. (montante do empréstimo)
Beneficiários: Seus herdeiros legais (Remanescente)
Data início: 18.05.2020 /anual renovável
Prémio Total: € 53,05
Cobertura Principal: Morte/Capital: € 12.628,65/Idade Limite: 85 anos
Cobertura Complementar: Invalidez Total e Permanente/Capital: €12.628,65/Idade Limite: 67 anos
- Apólice ...76:
Tomador do Seguro: AA
Pessoa Segura: AA
Beneficiário Irrevogável: Banco 1... S.A. (montante do empréstimo)
Beneficiários: Seus herdeiros legais (Remanescente)
Data início: 18.05.2020 /anual renovável
Prémio Total: € 159,79
Cobertura Principal: Morte/Capital: € 20.260,18/Idade Limite: 85 anos
Cobertura Complementar: Invalidez Total e Permanente/Capital: €20.260,18/Idade Limite: 67 anos
- Apólice ...77:
Tomador do Seguro: AA
Pessoa Segura: BB
Beneficiário Irrevogável: Banco 1... S.A. (montante do empréstimo)
Beneficiários: Seus herdeiros legais (Remanescente)
Data início: 18.05.2020 /anual renovável
Prémio Total: € 85,11
Cobertura Principal: Morte/Capital: € 20.260,18/Idade Limite: 85 anos
Cobertura Complementar: Invalidez Total e Permanente/Capital: €20.260,18/Idade Limite: 67 anos
6 - Em março de 2021, o Autor marido foi acometido por um enfarte do miocárdio.
7 - Em setembro de 2021 efectuou um TAC à coluna vertebral que acusou diversas enfermidades.
8 - No final do mesmo ano, em dezembro de 2021, foi diagnosticado ao Autor marido um carcionoma urotelial papilar de baixo grau, tendo sido o mesmo submetido a duas intervenções cirúrgicas para resseção transureteral vesical em 06.01.2022 e 17.02.2022.
9 - Confirmado o diagnóstico de cancro, foi o Autor sujeito, desde 24. 03.2022, a sessões de quimioterapia.
10 - A situação clínica em que o Autor se encontrou acabou por provocar alterações de humor e uma apatia e tristeza que lhe causaram problemas do foro psicológico, como ansiedade e dificuldade em dormir.
11 - O Autor marido é portador de uma incapacidade definitiva de 82% de acordo com Tabela Nacional de Incapacidade, desde 18.05.2022.
12 – Após essa data, participou à Ré que se encontrava em situação de invalidez total e permanente, de modo a acionar as coberturas dos quatro contratos celebrados.
13 - Em resposta, recebeu da Ré a informação de que esta última pretendia anular os contratos de seguro celebrados por, alegadamente, este ter incumprido, em 2018, deveres de informação quanto ao seu estado de saúde.
14 - Aquando do preenchimento das propostas de celebração dos contratos de seguro, seja em 2018, seja em maio de 2019, o autor respondeu a questionários sobre a sua situação de saúde, obtidos via tele-entrevista levada a cabo por profissional de saúde
15 - Os referidos denominados “questionários de saúde” foram preenchidos de acordo com as informações prestadas pelos autores e em ambas as tele-entrevistas (2018 e 2019).
16 - Entre as diversas questões que foram colocadas, foi perguntado ao Autor na entrevista de 27 de Setembro de 2018:
- Se sofria de doença a nível mental ao que ele respondeu “tudo em ordem”
- Se sofria de depressão? Ansiedade? ao que o autor respondeu: “Não, não a pressão arterial normalmente está a 11/7-11/8”
17 - Entre as diversas questões que foram colocadas foi perguntado ao Autor na entrevista de 06 de Junho de 2019 não figura qualquer pergunta destinada a averiguar da existência de depressão ou doença mental.
18 - Pela análise clínica que, à data da participação do sinistro foi efetuada, a ré teve conhecimento que o autor apresenta um quadro clínico de depressão recorrente (F33 da versão 10 da classificação internacional de doenças, sendo tratado em 2012 e 2015 a episódios depressivos graves (F32.2).
19 - Caso o autor tivesse declarado essa patologia (depressão), a cobertura de morte teria sido agravada e as coberturas de invalidez recusadas.
20 - O diagnóstico de quadro de depressão foi comunicado diretamente ao autor, tendo sido determinada uma terapêutica para a doença,».
Tendo sido dado como não provado que (transcrição):
«a) O autor AA omitisse, de forma consciente, a existência da doença supramencionada em 18.
b) Nas regras de tarifação pelo resseguro que estão na base da contratação por parte da ré, aquando da contratação dos produtos de seguro (2018) a depressão severa comprovada em 2015 teria um agravamento de 200% na cobertura de Morte e as incapacidades adiadas até perfazer 5 a 10 anos da resolução da patologia.
c) A A... VIDA recuse a contratação de tarifas com agravamento de 200% e casos em que as incapacidades se encontrariam “suspensas”.».
A recorrente põe em causa as alíneas a) e b) dos factos não provados, pretendendo que a respectiva matéria passe para o elenco dos factos provados com a seguinte redacção:
- “o apelado omitiu os seus antecedentes clínicos à R. aquando da celebração do contrato de seguro, designadamente depressão, doença renal crónica, diabetes, escotomas bilaterais e colesterol.”;
- “aquando da contratação dos produtos de seguro (2018) a depressão severa comprovada em 2015, assim como as demais patologias omitidas pelo autor, impediriam a contratação do produto de seguro, que seria recusado, com exceção no que diz respeito à cobertura morte.”.
Como é bom de ver, a recorrente não se limita a pretender que os referidos factos não provados passem para os factos provados, pretendendo ainda acrescentar factualidade diferente aos factos provados.
Na verdade, nos factos impugnados não consta qualquer factualidade atinente a antecedentes clínicos de doença renal crónica, diabetes, escotomas bilaterais e colesterol, nem a que estes impediriam a contratação do seguro, que seria recusado, excepto quanto à cobertura “morte”.
E não consta porque tais factos não foram alegados na contestação. A factualidade alegada foi precisamente tal como consta nas alíneas a) e b) dos factos não provados, como se vê pelo teor dos arts. 20º e 24º da contestação.
E nem se diga, como pretende a recorrente, que a alegação das concretas patologias que refere agora (doença renal crónica, diabetes, escotomas bilaterais e colesterol) se pode retirar da circunstância de ter aludido a “patologias”, no plural, na sua contestação, que seria o facto essencial a considerar.
Esta é uma referência genérica, que tem necessariamente de ser concretizada para que o tribunal possa apreciar da excepção alegada pela R. – note-se que a ela incumbe a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito dos AA., conforme prescreve o art. 342º, nº 2, do Código Civil, incumbindo-lhe ainda a alegação desses factos na contestação, em conformidade com o disposto no art. 5º, nº 1, do C.P.C., posto que tais factos (impeditivos, modificativos ou extintivos) são factos essenciais em que se baseiam as excepções que sejam invocadas pelas partes, ou, desde que verificados os requisitos legais de superveniência, em articulado superveniente nos termos previstos no art. 588º do C.P.C..
No caso concreto, as doenças concretas de que o segurado já padecia e que omitiu à seguradora, bem como as consequências que o conhecimento das mesmas teria na celebração dos contratos de seguro ou no seu conteúdo são factos essenciais integradores da causa de pedir em que se baseia a excepção invocada pela R., ora recorrente.
Com efeito, para aferir se havia conhecimento prévio, ou não, do segurado, e se os contratos seriam, ou não, afectados na sua celebração ou no seu teor tem de se saber cada concreta doença que está em causa, nada permitindo aferir uma alegação vaga de que o A. “padecia de diversas doenças” (cfr. art. 54º da contestação). Aliás, a R. alegou correctamente a pré-existência da doença de “depressão”, podendo ter também alegado na contestação as restantes doenças que agora invoca (a própria alude, na conclusão 17ª, ao depoimento de uma testemunha que referiu que foram verificadas as doenças de que o A. padecia da análise da documentação obtida no âmbito do processo de sinistro), e ainda que assim não fosse e só tivesse sabido das mesmas no decurso da instrução do processo, poderia ter alegado tais factos em articulado superveniente, que poderia apresentar até ao encerramento da discussão.
Não tem, pois, razão a recorrente quando invoca que se trata de factos instrumentais e que poderiam ter sido considerados na sentença recorrida.
De acordo com o princípio do dispositivo, que vigora em processo civil, e que se encontra plasmado, nomeadamente, no art. 5º do C.P.C., apenas podem ser tidos em conta os factos essenciais alegados pelas partes (os que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas), com excepção unicamente dos factos instrumentais que resultem da instrução da causa, dos factos notórios e dos conhecidos pelo juiz por virtude do exercício de funções, e dos factos que sejam complemento ou concretização dos factos alegados pelas partes e que resultem da instrução da causa (neste caso, desde que as partes sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar).
Conforme se diz no Ac. da R.P. de 13/06/2023, publicado em www.dgsi.pt, com o nº de proc. 7695/21.0T8PRT.P1, «confere-se, pois, ao juiz, a possibilidade de investigar, mesmo oficiosamente, e de considerar na decisão, desde logo os factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa. E “factos instrumentais são os que interessam indiretamente à solução do pleito, por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos factos pertinentes; não pertencem à norma fundamentadora do direito e são-lhe, em si, indiferentes, servindo apenas para, da sua existência, se concluir pela existência dos próprios factos fundamentadores do direito ou da exceção”.
Num outro plano se apresentam os chamados “factos complementares” – os que sejam complemento ou concretização dos factos essenciais que integram a causa de pedir ou em que se baseiam as exceções invocadas –, também eles passíveis de ser considerados pelo juiz, quando resultem da instrução da causa, mas desde que sobre eles tenham tido as partes a possibilidade de se pronunciar.
Como se deixou bem notado no acórdão da RC de 7.11.2017, “para que se possam dar como provados os factos complementares ou concretizadores é necessário que os factos essenciais de que eles sejam complemento ou concretização tenham ficado provados, não sendo de admitir que não sendo provados esses factos essenciais da causa de pedir, se julgue a acção procedente com base nos ditos complementares ou concretizadores mas que afinal substituam os da causa de pedir que não se tenham provado”. O que se deixou dito quanto à causa de pedir vale, naturalmente, para as exceções invocadas pelo réu.»
No caso, os factos em questão, para além de não terem sido alegados por qualquer das partes em qualquer articulado, nomeadamente pela R., na contestação ou em articulado superveniente, e não constituírem factos notórios ou de conhecimento oficioso (como é manifesto), não são factos instrumentais, pois não servem para comprovar qualquer dos factos essenciais da acção alegados, e também não complementam ou concretizam qualquer facto alegado, nomeadamente que o A. padecia de depressão, posto que se trata de doenças autónomas entre si e sofrer das doenças ora pretendidas incluir na matéria de facto não complementa ou concretiza o facto de o A. padecer de depressão (não sendo de considerar para o efeito a referência genérica a doenças e patologias, pois que tal não corresponde a factos concretos e individualizadores, como têm de ser os factos integradores da causa de pedir).
Trata-se, pois, de factos essenciais, que não foram alegados pela R., como deveriam ter sido, pelo que não podem ser considerados pelo tribunal, nem ser inseridos na matéria de facto (como se decidiu, e bem, na sentença recorrida), sendo desnecessário, assim, averiguar se os mesmos resultaram ou não da prova produzida - a integração na factualidade provada da sentença destes factos consistiria numa violação do princípio do dispositivo previsto no art. 5º do Código de Processo Civil.
Igualmente não se faça apelo, como pretende a recorrente, aos temas da prova, posto que estes não têm que corresponder a cada “facto puro e simples”, sendo normalmente de formulação mais genérica, mas de modo “a poder integrar os factos essenciais alegados pelas partes, o que significa que a enunciação dos temas da prova deverá ser balizada somente pelos limites que decorrem da causa de pedir e das excepções invocadas”, cabendo ao juiz, no momento da decisão da matéria de facto, “indicar com precisão os factos provados e não provados”, independentemente da “maleabilidade ou plasticidade que a enunciação dos temas da prova confere à instrução” (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil anotado, Vol. I, 3ª ed., Almedina, págs. 752 e 753).
Portanto, resta a matéria que foi efectivamente alegada e que consta das alíneas a) e b) dos factos não provados.
No que concerne à alínea b), verifica-se que a mesma é irrelevante, perante a matéria que já consta provada no ponto 19 dos factos provados.
Sendo irrelevante tal alteração factual para a apreciação do mérito da causa, e a fim de não se praticarem actos inúteis no processo (o que até se proíbe no art. 130º do C.P.C.), não há que conhecer da impugnação deduzida quanto à mesma (neste sentido cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 2022, 7ª edição actualizada, pág. 334, nota 526, e, entre outros, o Ac. do STJ de 23/1/2020 (proc. 4172/16.4TFNC.L1.S1), C.J.S.T.J., tomo I, pág. 13, e o Ac. da R.P. de 05/11/2018, publicado na Internet, em www.dgsi.pt, com o nº de processo 3737/13.0TBSTS.P1).
Donde, não se conhece da impugnação da matéria de facto apresentada pela recorrente quanto à alínea b) dos factos não provados.
Resta apreciar da matéria da alínea a) dos factos não provados [que o autor AA omitisse, de forma consciente, a existência da doença supramencionada em 18. - quadro clínico de depressão recorrente (F33 da versão 10 da classificação internacional de doenças)].
Na sentença recorrida, motivou-se a resposta a esta matéria nos seguintes termos:
No que se refere ao ponto a) dos factos não provados tal resulta do facto de na 1ª entrevista realizada ter sido perguntado ao Autor se este sofria de depressão, sendo patente que este entendeu mal a pergunta, respondendo, como se essa pergunta se referisse à pressão arterial. Ora, esse equívoco não foi desfeito pela interlocutora. É certo que antes tinha respondido que não sofria de doença mental. No entanto, o âmbito desta pergunta não é clara, podendo respeitar apenas a doenças, tradicionalmente associadas a distúrbios mentais mais profundos (défices cognitivos, esquizofrenias…).
O certo é que a própria entrevistadora faz essa individualização, perguntando pela existência de doenças mentais e depois pela existência de depressão, concluindo-se, pois, que trata autonomamente as duas situações.
No que se refere à segunda entrevista, não houve qualquer pergunta sobre doenças mentais ou depressões.
Acresce que, conforme foi salientado pelo médico CC, a situação de depressão do Autor não é permanente. Este teve dois episódios em 2012 e 2015, mas em 2018 e 2019 estaria bem. Realça-se, ainda, que esses episódios foram causados por factores exógenos. Ora, cessando esses factores, cessam os sintomas depressivos.
É, pois, muito provável que o Autor não se tenha apercebido da necessidade de comunicar estes problemas.”.
A recorrente convoca, a justificar a alteração pretendida, para além da entrevista aludida na motivação, os depoimentos das testemunhas CC e DD e as declarações de parte do A..
No que concerne às testemunhas, na alegação do recurso apenas se indica que as mesmas aludiram à depressão sofrida pelo A. e às características da mesma e, ouvidos os seus depoimentos, constata-se que tal é efectivamente assim.
Aliás, analisada toda a prova produzida, verifica-se que nenhuma das testemunhas ouvidas fez referência a qualquer circunstância que permitisse inferir que o A. omitiu a depressão de forma consciente, e até que, das declarações de parte do A. e do depoimento da testemunha GG, resulta, ao contrário, que essa omissão poderá ter sido por esquecimento ou não atribuição de relevância (o que também acaba por poder concluir-se das características da situação concreta vivenciada pelo A., descrita pela testemunha CC, médico psiquiatra daquele) e por existência de erro, não esclarecido, na resposta ao questionário feito por uma enfermeira, como explicado na motivação da sentença recorrida.
Portanto, afigura-se correcta a apreciação feita na sentença recorrida, devendo manter-se a resposta dada ao facto da alínea a) dos factos não provados.
Não merece, pois, provimento a impugnação da matéria de facto apresentada pela recorrente.
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Passemos à segunda questão.
Tendo em conta o resultado do tratamento da questão anterior, a factualidade a ter em conta para apreciação da pretensão da recorrente é a que consta dos factos dados como provados e dos factos dados como não provados na sentença recorrida e já transcritos.
A recorrente pretende que se revogue a sentença recorrida e que se considere que os contratos de seguro são anuláveis, por força da omissão de comunicação do segurado.
Estão em causa quatro contratos de seguro celebrados entre o A. marido e a R..
O regime jurídico do contrato de seguro está actualmente regulado no anexo ao D.L. 72/2008, de 16/04, que entrou em vigor no dia 01/01/2009 (art. 7º) e revogou, entre outras, as normas dos arts. 425º a 462º do Cód. Comercial (art. 6º).
«Contrato de seguro é o contrato pelo qual o segurador, em troca do pagamento de uma soma em dinheiro (prémio) por parte do contratante (segurado), se obriga a manter indemne o segurado dos prejuízos que podem derivar de determinados sinistros (ou casos fortuitos), ou ainda a pagar (ao segurado ou a terceiro) uma soma em dinheiro conforme a duração ou os eventos da vida de uma ou várias pessoas» - Francisco Guerra da Mota, O Contrato de Seguro Terrestre, vol. I, pág. 271, apud Clara Lopes, Seguro de Responsabilidade Civil Automóvel, Lisboa, 1987, pág. 15.
O contrato de seguro compreende, portanto, duas prestações: a da seguradora, de conteúdo complexo, consistente na assunção do risco e na obrigação de pagar um determinado capital se esse sinistro se verificar; e a do segurado, consistente na obrigação de pagamento do prémio.
Trata-se de um contrato:
- comercial, pelo menos quanto à seguradora;
- formal, nos termos entendidos no art. 32º, nº 2, do referido diploma legal, sendo esta agora uma formalidade ad probationem (cfr. Lei do Contrato de Seguro anotada, Pedro Romano Martinez e outros, Almedina, 2009, pág. 170);
- bilateral ou sinalagmático, pois, como vimos, dele resultam obrigações para ambas as partes, verificando-se um nexo de reciprocidade ou interdependência entre elas;
- oneroso, visto cada parte prosseguir uma vantagem pessoal que é contrapartida daquela que confere à outra;
- aleatório: o segurador não sabe se terá ou não de efectuar a prestação, ou se há certeza da prestação, quando esta se efectuará, não havendo, porém, incerteza na prestação do segurado;
- de execução continuada;
- de adesão;
- de boa-fé (a qual é um princípio geral das obrigações - arts. 227º e 762º do C.C. -, existindo em matéria de seguros uma tutela reforçada deste princípio, que aí assume um significado muito próprio) – o segurador é obrigado a acreditar no segurado e, em contrapartida, este é obrigado a comportar-se com franqueza e lealdade, surgindo uma especial responsabilização do tomador do seguro perante as suas declarações, que devem ser exactas e não reticentes.
Entre as várias classificações possíveis de contratos de seguro, podemos qualificar os dos autos como seguro de pessoas, o qual visa cobrir riscos relativos à vida, à saúde e à integridade física de uma pessoa ou de um grupo de pessoas nele identificadas, podendo garantir prestações de valor predeterminado não dependente do efectivo montante do dano e prestações de natureza indemnizatória (cfr. art. 175º da Lei do Contrato de Seguro), e dentro deste, como um seguro de vida, pelo qual o segurador cobre um risco relacionado com a morte ou a sobrevivência da pessoa segura (cfr. art. 183º da Lei do Contrato de Seguro).
Vigora aqui o princípio de liberdade contratual, que resulta, desde logo, do art. 405º do Cód. Civil, sendo reafirmado pelo art. 11º do Cód. Comercial, nos termos do qual o contrato de seguro rege-se pelo princípio da liberdade contratual, tendo carácter supletivo as regras constantes do presente regime, com os limites indicados na presente secção e os decorrentes da lei geral.
O princípio em análise implica, quanto à seguradora, o poder de incluir na apólice cláusulas de exclusão da cobertura de determinados riscos, estipular um descoberto, isto é, assumir o risco de forma parcial, ficando o restante a cargo do segurado - estas cláusulas visam que o segurado se empenhe em evitar o dano -, ou estabelecer franquias, ou seja, estabelecer o montante mínimo a partir do qual a seguradora responderá.
É certo que, hoje em dia, esta liberdade contratual está substancialmente cerceada, nomeadamente pela legislação sobre cláusulas contratuais gerais.
Dissemos que o contrato de seguro é um contrato de boa-fé e que esta é um princípio geral das obrigações, com uma tutela reforçada em matéria de seguros.
O segurador é obrigado, então, como já se disse, a acreditar no segurado e este é obrigado a comportar-se com franqueza e lealdade. Daqui surge uma especial responsabilização do tomador do seguro ou do segurado (podem ser pessoas diferentes) perante as suas declarações, que, nos termos do art. 24º da Lei do Contrato de Seguro, devem ser exactas e não reticentes. Se assim não for, as consequências são as previstas nos arts. 25º (omissões ou inexactidões dolosas) e 26º (omissões ou inexactidões negligentes) da mesma Lei. Sendo que o segurador não se pode prevalecer das omissões negligentes na declaração inicial do risco no caso dos seguros de vida e decorridos que sejam dois anos sobre a celebração do contrato, nos termos do art. 188º, nº 1, da Lei do Contrato de Seguro.
Anote-se que quanto aos deveres de informação a cargo do tomador do seguro pressupõe a Lei um dever de cuidado quanto à comunicação e ao conhecimento. “A intensidade desse dever depende das circunstâncias, valendo a diligência do bonus pater familias. Mas não a acentuamos: o tomador não é um guardião do segurador, nem este espera que assim seja. Deve comportar-se com a honestidade própria do cidadão comum, que não tem de acentuar quanto lhe seja desfavorável. Quanto à bitola da “razoabilidade”, na seleção das circunstâncias que deva ter por “significativas”? Também aqui não é expectável que o tomador se arvore em serviçal do segurador. De novo apelamos para o bonus pater familias e para o senso comum. (…) o segurador, melhor do que ninguém, sabe o que é significativo para o cálculo do risco que (apenas) ele irá fazer. Por isso, coloca perguntas.” (cfr. António Menezes Cordeiro, Direito dos Seguros, Almedina, 2013, págs. 577 e 578).
Aliás, existindo questionário de saúde e, como no caso, efectuado por um profissional de saúde, maior será a temperança com que deve ser analisado este dever do tomador do seguro, posto que sempre será de ter em conta que o mesmo considere que os seus eventuais “esquecimentos” podem ser colmatados pela possibilidade de ser questionado especificamente por aquele profissional, o que tem, obviamente, implicações na análise da sua eventual negligência ou intencionalidade na omissão de informação.
No caso, não resultou provado, atenta a não alteração da matéria de facto impugnada, que o A. marido omitisse, de forma consciente, a existência da depressão, como foi invocado pela R..
Tratando-se esta matéria de factualidade modificativa ou extintiva do direito invocado pelo A., a sua prova cabia à R., nos termos do disposto no art. 342º, nº 2, do Código Civil, o que não logrou fazer.
O que significa que apenas se pode considerar a existência de uma situação de negligência e não de dolo, pelo que, tendo já passado dois anos da celebração do contrato à data da ocorrência do sinistro (que corresponde ao momento em que o A. se encontrou numa situação de incapacidade integrante da cobertura de “invalidez total e permanente”, ou seja 18/05/2022), a R. não pode prevalecer-se da omissão da comunicação da depressão.
Assim, estando os contratos em vigor, não havendo razões para a sua anulabilidade ou cessação, e tendo ocorrido o sinistro abrangido pelas apólices (no caso a invalidez do A. marido), tem a R. a obrigação contratual de cumprir com a prestação a que se obrigou, nos termos determinados na sentença recorrida.
Perante o exposto, conclui-se que não merece acolhimento a pretensão da recorrente no sentido da improcedência da acção.
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Em face do resultado do tratamento das questões analisadas, é de concluir pela não obtenção de provimento do recurso interposto pela R. e pela consequente confirmação da decisão recorrida.
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III - Por tudo o exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela recorrente (art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.).
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Notifique.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora - art. 663º, nº 7, do C.P.C.):
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datado e assinado electronicamente

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Porto, 27/11/2025.

Isabel Rebelo Ferreira

Carlos Cunha Rodrigues Carvalho

Judite Pires