CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
COMUNICAÇÃO DO SENHORIO
Sumário

I - Não constitui questão nova, nunca antes suscitada ou debatida, a questão que, tendo sido objecto de decisão sumária nos termos do art. 656º do CPC, tenha sido anteriormente suscitada, pela primeira vez, nas alegações de recurso da decisão final proferida na primeira instância,
II – Pretendendo a autora prevalecer-se do teor de uma carta remetida à ré arrendatária a título de oposição à renovação do contrato de arrendamento, a verificação e interpretação do teor literal dessa carta integra-se na causa de pedir da acção de despejo, não constituindo questão nova nunca antes suscitada ou debatida,
III – Não pode valer como primeira comunicação de oposição à renovação de um contrato de arrendamento a comunicação efectuada a título de “confirmação da Denúncia do Contrato de Arrendamento – artigo 1104º C. Civil ex vi 1101º al c) C. Civil”, fazendo referência expressa a uma comunicação anteriormente remetida há mais de três anos, cujo teor não é reproduzido na segunda comunicação, e que não consta ter sido sequer recebida pela arrendatária.

Texto Integral

Processo: 592/25.1YLPRT.P1

Sumário (artigo 663º, nº 7 do Código de Processo Civil):
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Acordam os Juízes que, nestes autos, integram o colectivo da 3º Secção do Tribunal da Relação do Porto:

A - Quanto à reclamação apresentada:
I – Relatório:
Veio a autora recorrente, AA, reclamar da decisão sumária proferida para a conferência, tendo formulado as seguintes conclusões:
1ª. A comunicação que a Recorrente dirigiu à arrendatária por carta de 04/12/2023 é clara, objetiva e inequívoca no sentido de pretender cessar o contrato de arrendamento celebrado pela arrendatária em 01/03/2012, para a data que constituía o termo de uma das suas prorrogações futuras e, por isso deve ser qualificada com oposição à renovação desse contrato com prazo certo e início no dia 01/03/2012, celebrado por 12 meses, podendo renovar-se, no silncio das partes por iguais períodos e nas mesmas condições.
2ª. É esse o sentido que, no contexto dessa comunicação, do contrato, da resposta da arrendatária por carta de 11/12/2023 e também da oposição que deduziu ao procedimento de despejo, que qualquer pessoa medianamente inteligente e diligente, colocada na oposição de declaratário, não pode deixar de percecionar e entender.
3ª. A recorrida, destinatária/declaratária daquela comunicação demonstrou, através da carta que dirigiu à Recorrente em 11/12/2023 que entendeu a vontade que lhe foi manifestada de fazer cessar o contrato 01/03/2012 para o termo do prazo de uma das suas futuras prorrogações – 28/02/2025 – dado que apenas opôs como fundamento da não aceitação da pretendida cessação do contrato de arrendamento, que aquele não existia, que o que vigorava era um outro, que havia celebrado com o Pai da Recorrente e que tinha outro início e outro prazo.
4ª. É indiferente para a interpretação da declaração de cessação do contrato de arrendamento com prazo certo, a utilização da palavra denúncia ao invés de “oposição à renovação do contrato”, bem como a referência a normas legais que não se aplicam aos contratos de arrendamento com prazo certo, como é o caso, pois o que importa e é decisivo é a manifestação de vontade de cessação de um determinado contrato pelo senhorio, o que ocorreu através da comunicação de 04/12/2023 que reafirma e por isso afirma essa mesma vontade.
5ª. Tendo a Recorrida declarado, por carta do dia 11/12/2023, que recebera a carta de denúncia do contrato de arrendamento celebrado em 01/03/2012, carta essa por si assinada pelo seu punho, sete dias depois de ter sido enviada a carta de denúncia, faz com que a declaração unilateral e discricionária de vontade de fazer cessar o contrato de arrendamento seja eficaz, por não haver dúvida sobre o facto da Recorrida ter recebido a comunicação que lhe foi enviada, dispensando-se assim, por ser desnecessária e não fazer qualquer sentido, que a Recorrente seja obrigada a ter-lhe enviado uma nova carta entre a 30 a 60 dias do envio daquela.
Termos em que pela procedência da reclamação requer a V. Exas. se dignem proferir Acórdão que substitua a decisão singular e julguem o recurso procedente, com as consequências legais.”
A parte contrária não se pronunciou.
Cumpre decidir.

II – Objecto da reclamação:
Face aos fundamentos da reclamação, cumpre apreciar se:
- se a decisão sumária incidiu sobre questão nova, nunca antes debatida, relativa à interpretação da “segunda” carta enviada pela autora, datada de 4.12.2023, como comunicação da oposição à renovação do contrato e não como confirmação da comunicação dessa mesma oposição, alegadamente levada a cabo através da primeira carta enviada pela autora, datada de 15.01.2020,
- se a decisão sumária proferida não interpretou a segunda carta remetida como “primeira” comunicação de “oposição à renovação do contrato” por conter a palavra “denúncia” ou, antes, por ser identificada como “Confirmação da Denúncia do Contrato de Arrendamentoartigo 1104º C. Civil ex vi 1101º al c) C. Civil.”, por referência à primeira carta alegadamente remetida à ré, que não consta ter sido sequer recebida pela arrendatária.

III – Fundamentação de facto e motivação:
Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da reclamação em apreço:
1 – O requerimento de despejo apresentado pela autora no Balcão do Arrendatário e Senhorio (BAS) refere-se ao “locado” sito na Rua ..., Código Postal: ... ..., Concelho: Paços de Ferreira, a um contrato assim caracterizado: “Tipo de contrato: Prédio Urbano - Fins Habitacionais, Tipo de prazo: Prazo Certo, Data do contrato: 01-03-2012, Valor mensal da renda: 234,84 €” e fundamenta-se nos seguintes factos:
1- Os pais da Exequente, enquanto senhorios, e a Executada, enquanto inquilina, celebraram no dia 3 de Março de 2012 contrato de arrendamento do prédio urbano sito na Rua ..., Freguesia ..., concelho de Paços de Ferreira, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº .../ ..., no qual os 1ºs arrendaram à 2ª o 1º andar e sótão desse prédio para habitação.
2- Tal prédio foi adquirido pela Exequente por partilha da herança aberta por óbito de sua mãe, o que foi comunicado por carta registada com aviso de receção à Executada no dia 6 de Janeiro de 2025.
3- No dia 15 de Janeiro de 2020 a Exequente comunicou à Executada conforme previsto no art. 1097º do Código Civil, a sua intenção de não renovar o contrato de arrendamento acima descrito, manifestando a sua vontade de fazer cessar o contrato de arrendamento definitivamente no dia 28 de Fevereiro de 2025.
4- A Exequente confirmou a sua intenção em cessar o contrato por carta registada com aviso de receção dirigida à Executada no dia 4 de Dezembro de 2023, onde voltou a interpelar a Executada para entregar livre de pessoas e bens o locado no dia da cessação do contrato, ou seja, 28 de Fevereiro de 2025.
5- Extinto o contrato é obrigação da Executada desocupar o imóvel, o que foi oportunamente interpelada para fazer nas cartas acima mencionadas, mas até à data não o efetuou.
6- Não o tendo feito, encontra-se em mora na obrigação de desocupar e entregar o imóvel desde a data da cessação do contrato, ou seja, dia 28 de Fevereiro de 2025.
7- Requer-se assim, a título indemnizatório, e conforme o previsto no art 1045º nº2 o montante da renda elevado ao dobro desde a data em que deveria ter desocupado e entregue o prédio livre de pessoas e bens até ao momento da restituição e que é de € 469,68”.
2 – Na oposição deduzida, a Ré invoca o envio de uma carta à Autora, datada de 11.12.2023, que juntou aos autos como doc. 4, na qual reconhece a recepção da carta remetida pela autora a 4.12.2023 e refere ocupar o locado ao abrigo de um contrato de arrendamento celebrado no dia 08.02.2018, que se renovou a 08.02.2023 pelo período de 5 anos, até 08.02.2028, solicitando que a Autora a informe se é sua pretensão “denunciar” o contrato para essa data.
3 - Na oposição deduzida, a Ré invoca o envio de uma outra carta à Autora, datada de 2.01.2024, que juntou aos autos como doc. 5, na qual reconhece a recepção de uma carta remetida pela autora a 18.12.2023 e reitera o anteriormente comunicado na carta junta aos autos como doc. 4.
4 – Na oposição deduzida, a Ré invoca a pendência de uma outra acção, proposta em 09.10.2024 pela ora Autora contra a ora Ré, com vista à declaração da inexistência do contrato de arrendamento celebrado em 08.02.2028 entre a ora Ré e o pai da Autora, referente ao locado referido em 1).
5 – A decisão recorrida tem o seguinte teor:
“A Autora AA instaurou a presente Ação Especial contra a Ré BB, visando o despejo do prédio urbano sito na Rua ..., Freguesia ..., concelho de Paços de Ferreira, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº .../ ..., com fundamento na cessação do contrato de arrendamento para habitação, por oposição à renovação pelo senhorio.
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Citada, a Ré deduziu oposição.
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Analisado o teor do requerimento inicial que deu origem aos presentes autos e, bem assim, os documentos que o acompanham, extrai-se o seguinte:
a) Por carta registada com aviso de receção, datada de 15 janeiro de 2020, remetida à Ré pela Autora, esta comunicou a intenção de denunciar o contrato de arrendamento que as vincula, com efeitos a partir do dia 28-02-2025.
b) A referida carta foi rececionada por «CC», conforme decorre da assinatura do aviso de receção.
Com o requerimento inicial, a Autora apresentou cópia do Contrato de arrendamento, Comprovativo de pagamento do imposto de selo, Comprovativo de IBAN, Comunicação de iniciativa do senhorio (carta registada com AR assinado por terceira pessoa, datada de 15 de janeiro de 2020), Procuração forense e Comprovativo do Pagamento Taxa de Justiça.
No exercício do direito ao contraditório que foi concedido previamente ao presente despacho - cf. documento junto com o requerimento apresentado pela Autora em 21-05-2025, sob a ref.ª 10573886 - a Autora referiu que:.
i. No dia 04 de dezembro de 2023, a Autora endereçou à Ré carta registada com aviso de receção, destinada a confirmar «a denúncia do contrato de arrendamento (já denunciado em 22 de janeiro de 2020».
ii. A referida carta foi rececionada por «CC», conforme decorre da assinatura do aviso de receção.
iii. A Ré respondeu à Autora através de carta registada com aviso de receção, datada de 11 de dezembro de 2023, com a seguinte menção: «Assunto: V/carta datada de 04.12.2023- Denúncia contrato de arrendamento; na sequência da carta que me foi remetida com data de 04.12.2023, cumpre-me dar conhecimento da m/posição quanto ao seu teor) – cf. doc.4 junto com a oposição.
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No que respeita à notificação da oposição à renovação, dispõe o artigo 9.º, n.º 1 do NRAU, mesmo na redação vigente à data do envio daquelas cartas, que, «salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção».
Nos termos do preceituado no artigo 10.º do NRAU, «1 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que: a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la; b) O aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário. 2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que: (…) b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior. 3 - Nas situações previstas no número anterior, o senhorio deve remeter nova carta registada com aviso de receção decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta».
A carta registada com aviso de receção, remetida pela requerente com vista à comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento foi assinada por pessoa diversa da destinatária/requerida.
Reportando-se o caso dos autos à cessação por oposição à renovação, na ausência de domicílio convencionado e verificando-se que o aviso de receção foi assinado por terceiro, tem aplicação o n.º 3 do referido dispositivo, pelo que se encontrava a Autora obrigada a efetuar a referida comunicação.
Porém, a segunda carta registada com aviso de receção foi enviada pela Autora à Ré no dia 04-12-2023.
Donde se conclui que a Autora não remeteu nova carta registada com aviso de receção, entre os 30 e 60 dias seguintes contados do envio da primeira, conforme determina o artigo 10.º n.º 3 do NRAU.
Estamos assim perante a omissão de uma formalidade ad substantiam, na medida em que a lei exige documento escrito como forma de declaração, que não pode ser suprida por outro meio de prova, sequer pela confissão, e que gera a invalidade da declaração. (Cf. Luís Filipe Pires de Sousa, Direito Probatório Material Comentado, 3ª edição, 2023, pág. 130; Maria Prazeres Beleza, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2014, pág. 864).
O cumprimento do envio dessa segunda carta registada com AR nos casos em que o AR da primeira carta foi assinado por pessoa distinta do arrendatário constitui uma condição de eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento, como tem sido entendimento adotado pela mais recente jurisprudência dos Tribunais Superiores, de que é exemplo o Acórdão do STJ de 23.04.2025, proferido no Proc. Nº 802/24.2YLPRT.L1.S1.
Na senda da jurisprudência vertida no Acórdão do STJ de 9.01.2025, “Os nºs 2 a 5 do art.º 10º do NRAU afastam o regime geral das declarações negociais recipiendas previsto no art.º 224º do CC e no art.º 10º nº 1 do NRAU que, consideram eficazes as declarações negociais logo que cheguem ao poder ou esfera de acção do destinatário ou sejam dele conhecidas (art.º 224º nº 1 do CC) e, impõe que, para que a declaração seja eficaz, designadamente em casos de comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento por banda do senhorio, que este remeta ao inquilino uma 2ª carta registada, com aviso de recepção, nas situações em que o aviso de recepção da 1ª carta, foi assinado por pessoa diferente do destinatário.”
A eficácia da comunicação da oposição à renovação do arrendamento depende do envio de uma carta com aviso de receção e, no caso de esse aviso de receção não ser assinado pelo arrendatário deve ser enviada uma segunda carta registada com AR novamente dirigida ao arrendatário e para o local arrendado.
Como também se lê no Acórdão acima identificado, esta duplicação de comunicação não constitui uma formalidade despicienda, porquanto consagra um regime “manifestamente determinado por razões de equilíbrio entre a proteção do arrendatário – pois aumenta as probabilidades de a oposição chegar efetivamente ao seu conhecimento –, e a simplificação do regime de efetivação da cessação do contrato –, pois acelera essa efetivação”.
Em sentido idêntico, atente-se ainda no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no Processo n.º 3539/23.6T8PRT.P1, de 13-05-2025.
Por conseguinte, tendo o senhorio enviado à arrendatária a comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento habitacional para o termo do prazo através de carta registada com aviso de receção, mas não estando esse AR assinado pela arrendatária, deveria a Autora ter-lhe enviado uma segunda comunicação decorridos que fossem 30 a 60 dias.
Não o tendo feito, a referida comunicação não pode ser considerada eficaz e como tal não se pode considerar cessado o contrato de arrendamento, inexistindo o fundamento legal invocado para o pedido de condenação da Ré na desocupação do locado e sua restituição e ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.
Na verdade, não era permitido à Autora socorrer-se da ação especial de despejo sem juntar a 2.ª carta a que alude o artigo 10.º, n.º 3, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, pelo que, desde logo, existia fundamento para recusa do requerimento de despejo pelo BAS, nos termos dos artigos 15.º-C, n.º 1, al. b) e 15.º, n.º 2, al. c), do mesmo diploma legal.
A inobservância daquela obrigação pela Autora reconduz-se à falta de uma condição objetiva de procedibilidade, que não pode deixar de se enquadrar no regime jurídico das exceções dilatórias.
Estamos, assim, perante uma exceção dilatória inominada, insuprível, de conhecimento oficioso, que impede o conhecimento do mérito da causa, e dá lugar à absolvição da instância do requerido (cf. 15.º- H, n.º 4, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro e artigos 576.º, nºs 1 e 2, 577.º e 578.º, ex vi artigo 549.º, nº 1, do Código de Processo Civil).
As custas serão suportadas pela Autora (cf. artigo 527.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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Decisão:
Pelo exposto, decide-se:
a) julgar verificada exceção dilatória inominada e, por consequência, absolver a Requerida/Ré da instância; e
b) condenar a Requerente/Autora no pagamento das custas processuais.

Fixa-se à causa o valor indicado pela Autora.
Registe e notifique.
Comunique ao BAS”.
6 – Por carta registada com aviso de receção, datada de 15 janeiro de 2020, remetida à Ré pela Autora, para a residência da Ré indicada como sendo a do locado no contrato de arrendamento referido em 1), no qual não foi convencionado outro domicílio para efeitos de notificações, a Autora comunicou a intenção de “denunciar” o contrato de arrendamento referido em 1), com efeitos a partir do dia 28-02-2025, devendo ser-lhe entregue, nessa data, o locado livre de pessoas e bens e no estado em que foi recebido, e que tal comunicação era feita nos termos e para os efeitos do artigo 1101º alínea c) do Código Civil.
7) A referida carta foi rececionada por «CC», que assinou o aviso de receção da carta referida em 6).
8) Com o requerimento inicial, a Autora apresentou cópia do Contrato de arrendamento referido em 1), comprovativo de pagamento do imposto de selo, comprovativo de IBAN, comunicação de iniciativa do senhorio (carta registada com AR assinado por terceira pessoa, datada de 15 de janeiro de 2020), procuração forense e comprovativo do Pagamento Taxa de Justiça.
9) A autora remeteu à Ré uma outra carta registada com aviso de recepção, com data de 4.12.2023, que foi rececionada por «CC» e cuja cópia juntou aos autos em 21.05.2025 já depois da oposição deduzida pela Ré, com o seguinte teor:
Assunto: Confirmação da Denúncia do Contrato de Arrendamento – artigo 1104º C. Civil ex vi 1101º al c) C. Civil.
Exma. Srª
Os melhores cumprimentos.
Dando cumprimento ao disposto no art. 1104º do Código Civil, serve a presente para lhe comunicar que confirmo a denúncia do contrato de arrendamento (já denunciado em 22 de janeiro de 2020), referente ao prédio urbano sito na Rua ..., 1º andar e sótão que lhe está arrendado, pelo contrato escrito, datado de 01/03/2012, o qual pretendo que cesse, definitivamente, em 28.02.2025.
Nessa data, deverá o mesmo ser-me entregue livre de pessoas e bens no estado em que foi recebido.
A presente comunicação é feita nos termos e para os efeitos do artigo 1104º do Código Civil ex vi artigo 1101º, alínea c) do Código Civil.
Sem outro assunto,
Atentamente,
..., 04 de Dezembro de 2023”.
10) Foram pela autora recebidas as cartas enviadas pela Ré, referidas em 2) e 3).
11) A autora recorreu da decisão proferida e referida em 5), tendo formulado as seguintes conclusões de recurso:
1ª A sentença é nula porquanto não especifica os factos que considera provados e são fundamento da decisão.
2ª Mesmo considerando assentes os factos que na sentença sob recurso se refere extraírem-se do requerimento inicial e dos documentos que o acompanharam e os que a Autora referiu na resposta ao convite que lhe foi endereçado pelo Tribunal, ocorreu erro de julgamento que acarretará a sua revogação.
3ª Com efeito, a comunicação legalmente exigível relativa à cessação do contrato de arrendamento tem de ser “realizada mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção para o local arrendado” (nºs 1 e 2 do art. 9º do NRAU), “podendo o escrito assinado pelo declarante ainda ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura com nota de receção” – nº 6 do art. 9º do NRAU.
4ª A omissão da formalidade do envio da segunda carta no prazo que a lei assinala- 30 a 60 dias sobre o envio da primeira carta quando esta não é recebida pelo destinatário, mas por terceira pessoa-, não constitui uma formalidade ad substantiam que não pode ser suprida por outro meio de prova e que gera a invalidade da declaração.
5ª Ao disciplinar a forma ad probationem, a lei não disciplina a documentação mas o documento, não rege sob a forma do ato, mas sobre o seu meio de prova, como é o caso da assinatura do aviso de recepção na carta sob registo que o senhorio remete ao arrendatário.
6ª Aliás, se a nova e segunda carta não for recebida ou for recebida por terceira pessoa, a comunicação considerar-se-á recebida no 10º dia posterior ao do seu envio, o que significa que o regime especial que se afasta do regime das declaração recipiendas não exige em absoluto que o aviso de receção dessa carta enviada sob registo seja assinado pelo destinatário pois, nos termos da parte final da alínea b) do nº 5 do artigo 10º do NRAU, ficciona ou presume jure et jure o recebimento da comunicação pelo destinatário, prescindindo da prova da receção.
7ª Assim, a assinatura do aviso de receção pelo destinatário, quer na primeira carta que lhe é remetida, quer na segunda carta, quando uma dessas cartas ou ambas as cartas são recebidas por terceira pessoa, não é uma formalidade ad subtantiam mas ad probationem.
8ª A oposição à renovação pela senhoria/recorrente pode ser realizada através de comunicação escrita a enviar sob registo postal e com aviso de receção ou, pode a senhoria entregar a comunicação escrita de oposição à renovação pessoalmente à arrendatária, colhendo dela a assinatura com nota de receção na cópia, em alternativa ao envio da carta registada com aviso de receção.
9ª Sendo assim, e caso a carta remetida tenha sido recebida por terceira pessoa, não existem razões para que a senhoria não possa colher a assinatura com nota de receção da destinatária/inquilina na cópia, caso tenha optado por enviar a comunicação por carta registada com aviso de receção e a carta tenha sido rececionada por pessoa diversa do destinatário.
10ª Os elementos literal, teleológico e da unidade do sistema normativo que presidem à interpretação das leis, impõem que entre a presunção legal da receção (jure et de jure) resultante do envio da (2ª) nova carta registada com aviso de receção e a declaração do destinatário no sentido de a ter recebido, se há de ter esta por preferível.
11ª Tendo a Recorrente alegado no requerimento inicial – artigo 4º - que confirmou a sua intenção em cessar o contrato por carta registada com aviso de receção dirigida à Executada no dia 4 de Dezembro de 2023, onde voltou a interpelar a Executada para entregar livre de pessoas e bens o locado no dia da cessação do contrato, ou seja, 28 de Fevereiro de 2025- o que demonstrou através da junção aos autos do documento nº 1, com o requerimento de 21/05/2025 e, pese embora essa carta não ter sido rececionada pela destinatária/arrendatária, pois o aviso de receção mostra-se também assinado por terceira pessoa, a verdade é que a destinatária/arrendatária respondeu a essa carta, 7 dias depois, por carta de 11 de dezembro de 2023, por si assinada e remetida à senhoria/recorrente, aceitando ter recebido a comunicação e tomando posição sobre a mesma.
12ª Recebida como foi carta da inquilina/ recorrida, em momento anterior ao 30º dia posterior ao do envio da primeira carta, da qual resulta que a comunicação para fazer cessar o contrato de arrendamento foi por ela recebida, não fazia sentido, nem era exigível, ter de lhe voltar a enviar nova carta nos termos do nº 3 do artigo 10º do NRAU por ser absolutamente certo que a inquilina recebeu a comunicação que lhe foi dirigida.
13ª A carta assinada pela inquilina referindo ter recebido a comunicação enviada por carta registada com aviso de receção pela recorrente faz prova plena do declarado pela recorrida, nos termos do disposto arts. 374º e 376º nº1 do CC e não é meio menos formal ou solene do que a aposição na cópia da comunicação entregue em mão da sua assinatura, com nota de receção, prevista no já referido nº 6 do artigo 9º do NRAU.
14ª Assim a declaração da destinatária, arrendatária/recorrida, por carta de 11 de dezembro de 2023, de que recebeu a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento que a recorrente lhe enviara por carta de 4 de dezembro de 2023, recebida por terceira pessoa, antes do início do prazo para a expedição da segunda carta, constitui prova bastante da receção da comunicação e, por isso, da sua eficácia para a cessação do contrato de arrendamento e para formação do título executivo, ao contrário do decidido na sentença sob recurso, que violou, por menos feliz interpretação e aplicação o disposto nos art. 607 nº 3 e 615 nº 1 b) do CPC, art. 9 nºs 1, 2 e 6, 10º nº 4 nº 5 b) do NRAU, art. 264, 364 nº 1, 374º e 376º nº1 do CC.
Termos em que concedendo provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e ordenando a prossecução dos autos, V. Exas. farão inteira JUSTIÇA.
12 – Foi a 2.10.2025 proferida decisão sumária, cujo teor aqui se dá por reproduzido, que julgou totalmente improcedente o recurso e, em consequência, julgou improcedente a nulidade arguida e confirmou a sentença proferida.
13 – Na decisão referida em 12), considerou-se, entre ouros fundamentos, que:
“(…) Discute-se agora se a segunda comunicação remetida pela Autora pode valer como primeira comunicação efectivamente conhecida da Ré arrendatária, apesar de ter sido assinado o aviso de recepção por terceiro, face à resposta remetida pela Ré em 11.12.2023, na qual esta reconhece o recebimento desta última comunicação da Autora.
Ora, face ao concreto teor desta “segunda” comunicação, afigura-se que não tem qualquer relevância, in casu, a discussão suscitada pela recorrente em torno da questão de saber se a assinatura do aviso de recepção pela ré é uma formalidade ad subtantiam ou ad probationem, questão essa que tem dividido a jurisprudência e que aqui não se irá debater, por desnecessidade para a resolução do pleito, face ao que dispõe o art. 608º, nº 2, segunda parte, ex vi do art. 663º, nº 2 do CPC.
Na verdade, estando em causa uma declaração receptícia, é ainda necessário que o sentido normal da declaração aponte inequivocamente, de forma clara, no sentido de se estar a operar, através da mesma, a oposição da renovação do contrato de arrendamento (art. 236º do CC).
Tal questão vem focada nas alegações de recurso, nas quais, mencionando-se a incorrecção formal dos termos utilizados, vem sustentado que a comunicação de 4.12.2023 constitui “uma nova comunicação de oposição à renovação do contrato, ainda que incorretamente referida de denúncia, reafirmando a efetuada 3 anos e 11 meses antes e sem invocar, pois não era esse o âmbito nem o fito, que essa comunicação era efetuada pelo facto de ter sido pessoa diversa da arrendatária a receber a anterior, assim como não foi invocada qualquer norma do NRAU”. (…) “o Tribunal deveria ter ponderado a carta de 4 de dezembro de 2023 como comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento, pois tal foi claramente alegado no requerimento inicial”.
Nas alegações de recurso e nas respectivas conclusões, a segunda comunicação remetida pela autora é configurada, pelo seu teor literal, como comunicação da oposição da Autora à renovação do contrato, pelo que não se impõe o prévio exercício do contraditório relativamente a essa questão, relativa ao sentido da declaração, que não é nova porque enunciada em sede de recurso, muito embora não se encontre focada na decisão recorrida (uma vez que, na mesma, à luz da causa de pedir constante do requerimento inicial, não vem equacionada a comunicação de 4.12.2023 como “primeira” comunicação nos termos dos arts. 1097º do CC, 9º e 10º do NRAU, mas sim como “segunda” comunicação nos termos previstos no art. 10º, nº 3 do NRAU).
Ora, essa “segunda” comunicação, a que a Autora atribui agora o valor de “primeira” comunicação, tem o seguinte teor:
Assunto: Confirmação da Denúncia do Contrato de Arrendamento – artigo 1104º C. Civil ex vi 1101º al c) C. Civil.
Exma. Srª
Os melhores cumprimentos.
Dando cumprimento ao disposto no art. 1104º do Código Civil, serve a presente para lhe comunicar que confirmo a denúncia do contrato de arrendamento (já denunciado em 22 de janeiro de 2020), referente ao prédio urbano sito na Rua ..., 1º andar e sótão que lhe está arrendado, pelo contrato escrito, datado de 01/03/2012, o qual pretendo que cesse, definitivamente, em 28.02.2025.
Nessa data, deverá o mesmo ser-me entregue livre de pessoas e bens no estado em que foi recebidoA presente comunicação é feita nos termos e para os efeitos do artigo 1104º do Código Civil ex vi artigo 1101º, alínea c) do Código Civil.
Sem outro assunto, Atentamente, ..., 04 de Dezembro de 2023”.
Embora se faça referência, nessa comunicação, à vontade de cessar definitivamente o contrato em 28.02.2025, encontra-se mencionado que a comunicação visa a “confirmação” da “denúncia do contrato (já denunciado em 22 de janeiro de 2020)” e que a comunicação é feita nos e para os efeitos do artigo 1104 do artigo 1104º do Código Civil ex vi artigo 1101º, alínea c) do Código Civil.
Ou seja, o que resulta de tal comunicação é que é visada a “confirmação” de uma “denúncia” anterior, de “22.01.2020”, com invocação de preceitos legais relativos aos contratos de arrendamento de duração indeterminada, não contendo explicitamente o fundamento da pretensão de cessação do contrato em 28.02.2025, a não ser por remissão para o exposto na “denúncia” anterior, de “22.01.2020”.
A essa comunicação respondeu a Ré, invocando a existência e vigência de um contrato de arrendamento diverso do invocado naquela comunicação, bem como a recepção da comunicação datada de 4.12.2023 (já não de qualquer comunicação anterior).
Ao mencionar que “confirmo a denúncia do contrato de arrendamento (já denunciado em 22 de janeiro de 2020)” e ao citar os preceitos legais respeitantes à denúncia de contratos de duração indeterminada, não pode considerar-se que, através desse escrito, a Autora comunicou à Ré, de forma perceptível, objectiva e clara para qualquer declaratário medianamente sagaz, uma “oposição àrenovação do contrato”, ou seja, a vontade de não renovação do contrato quando atingisse o termo do prazo de duração contratualmente fixado, nos termos previstos nos arts. 1096º e 1097º do CC. Nem é possível concluir que tal vontade tenha sido compreendida, como “oposição à renovação do contrato” para 28.02.2025, pela Ré, posto que esta nem sequer reconhece a vigência do contrato de arrendamento invocado pela Autora, considerando ser outro posteriormente celebrado em 2018 o actualmente vigente, e solicita que a autora lhe preste informação acerca do sentido do que efectivamente pretende.
Resulta do exposto que, sendo ineficaz a comunicação de 15.01.2020 pelas razões já acima expostas, a segunda comunicação, recebida por terceiro, mas que posteriormente chegou à Ré conforme resulta da resposta pela mesma remetida à Autora, também não pode ser considerada, pelo seu teor literal, como comunicação válida de “oposição à renovação” do contrato de arrendamento pela Autora.
Na verdade, apenas resulta do seu teor literal a pretensão de cessação do contrato de arrendamento junto com o requerimento de despejo, com efeitos a 28.02.2025, com fundamento numa comunicação anterior de “denúncia” (cujo teor não é reproduzido nesta segunda comunicação, não existindo nos autos quaisquer elementos documentos relativos à recepção ou ao conhecimento da primeira comunicação pela Ré), sendo que se considera não ser perceptível, para um declaratário normal, medianamente inteligente, colocado na concreta posição da Ré, que a pretensão de cessação do contrato a 28.02.2025, comunicada pela Autora através do escrito datado de 4.12.2023, tenha por fundamento a oposição, pelo senhorio, à renovação do contrato no termo do prazo fixado, como previsto no art. 1097º do CC.
Não podendo a declaração de oposição à renovação do contrato ser efectuada mediante “confirmação” de uma comunicação anteriormente remetida, cujo recebimento/conhecimento pela Ré não se encontra documentalmente comprovada nos autos, daí se extrai que não constam, nesta segunda comunicação a que a Ré respondeu, os elementos literais necessários, suficientes e objectivos que permitam configurar tal declaração como “primeira” comunicação válida de oposição à renovação do contrato, nos termos previstos no art. 1097º do CC. Conclui-se desta forma pela manifesta improcedência do recurso, devendo manter-se, embora por fundamentos não integralmente coincidentes, a decisão recorrida.
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Não sendo relevantes para a apreciação da reclamação quaisquer outros factos, verifica-se que a antecedente factualidade resulta do mero exame dos autos, no confronto da prova documental com a posição sustentada pelas partes.
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IV – Fundamentação de direito:
Existe fundamento de reclamação de uma decisão do relator quando, nos termos do art. 652º, nº 3 do CPC, a parte se sinta prejudicada por qualquer decisão proferida por aquele.
No caso vertente, verifica-se que, para fundamentar a reclamação, a autora alega, em suma, que a decisão sumária proferida aborda questão nova relativa à interpretação da “segunda” carta identificada no requerimento inicial, não antes debatida, e que a palavra “denúncia” nela contida deve ser entendida como “oposição à renovação do contrato de arrendamento”.
Reclamando com esses fundamentos, parece ser entendimento da reclamante que a decisão sumária proferida não deveria ter-se debruçado, por constituir questão nova, sobre o teor literal dessa segunda carta e que o uso da palavra “denúncia” terá sido o principal fundamento para não ser considerada essa segunda carta como primeira comunicação de oposição à renovação do contrato.
Ora, evidencia-se, através desses enunciados fundamentos de reclamação, que a autora está equivocada acerca da causa de pedir da acção e do objecto do recurso, para além de não ter interpretado devidamente a decisão sumária proferida.
Recapitulando, é patente que, no requerimento inicial, a autora invocou uma primeira comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento levada a cabo por carta datada de 15.01.2020 e uma segunda comunicação, em 4.12.2023, com vista à confirmação daquela primeira comunicação, tendo para o efeito alegado que:
3- No dia 15 de Janeiro de 2020 a Exequente comunicou à Executada conforme previsto no art. 1097º do Código Civil, a sua intenção de não renovar o contrato de arrendamento acima descrito, manifestando a sua vontade de fazer cessar o contrato de arrendamento definitivamente no dia 28 de Fevereiro de 2025.
4- A Exequente confirmou a sua intenção em cessar o contrato por carta registada com aviso de receção dirigida à Executada no dia 4 de Dezembro de 2023, onde voltou a interpelar a Executada para entregar livre de pessoas e bens o locado no dia da cessação do contrato, ou seja, 28 de Fevereiro de 2025.
Sendo esses os factos que integram a causa de pedir invocada para o despejo, balizada pelos articulados – requerimento inicial e oposição -, foi sobre ela que a decisão recorrida se debruçou, como decorre inequivocamente dos respectivos termos.
Foi nas alegações de recurso dessa decisão que a autora veio sustentar que, na sua perspectiva, a segunda carta – de 2023 - vale como primeira comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento, não tendo a primeira carta remetida em 2020 qualquer relevância, por não ter sido respeitado o intervalo de tempo previsto na lei entre o envio dessas duas cartas.
Verifica-se assim que foi a própria autora quem, nas suas alegações de recurso, pretendeu prevalecer-se do teor da segunda carta a título de primeira comunicação de oposição à renovação do contrato, diversamente do que alegara no requerimento inicial.
Verificando que a decisão da primeira instância apreciou todas as questões suscitadas na fase dos articulados, à luz da causa de pedir alegada no requerimento inicial, demonstrou-se, através da decisão sumária proferida, que não poderia a segunda carta remetida valer como primeira comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento fundamentalmente por se encontrar identificada como “confirmação da Denúncia do Contrato de Arrendamentoartigo 1104º C. Civil ex vi 1101º al c) C. Civil”, fazendo referência expressa a uma comunicação anteriormente remetida há mais de três anos, cujo teor não é reproduzido na segunda comunicação, e que não consta ter sido sequer recebida pela arrendatária.
Ou seja, para além de se ter debruçado sobre questão suscitada em sede de recurso pela própria autora, para além da causa de pedir alegada no requerimento inicial, verifica-se que, nessa decisão sumária, os fundamentos da desconsideração da segunda carta como primeira comunicação de oposição à renovação do contrato não se prendem com a palavra “denúncia”, extensamente focada, interpretada e debatida em sede de reclamação, mas sim com o facto de se encontrar configurada, nos seus dizeres literais, como confirmação de uma comunicação anterior, de que a própria autora não pretende agora prevalecer-se.
Decorre do exposto que, para além de não ter sido “prejudicada” pela decisão sumária proferida, sendo antes “beneficiada” pela apreciação da nova interpretação da “segunda” carta sustentada nas alegações de recurso, não assiste razão à autora, na reclamação apresentada contra a decisão sumária proferida nos termos do art. 656º do CPC, a qual merece a concordância do Tribunal Colectivo.

V - Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores da 3ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente a reclamação apresentada contra a decisão sumária proferida pela relatora nos termos do art. 656º do CPC e, em consequência, em confirmar o julgado, nos termos que, de seguida, se passam a enunciar.

Custas do incidente de reclamação a suportar pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 1,5 (uma e meia) UC, atenta a extensão de processado a que deu causa – art. 527º do CPC e 7º do RCP.

Notifique.
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B – Quanto ao mérito do recurso:

I – Relatório:
A Autora AA instaurou, a 19.03.2025, no Balcão do Arrendatário e do Senhorio, procedimento especial de despejo contra a Ré BB, visando o despejo do prédio urbano sito na Rua ..., Freguesia ..., concelho de Paços de Ferreira, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº .../ ..., com fundamento na cessação, por oposição à renovação pelo senhorio, do contrato de arrendamento para habitação celebrado no dia 3.03.2012 entre os pais da Autora, na qualidade de senhorios, e a Ré, na qualidade de inquilina.
Mais alegou que, tendo o prédio sido adquirido, por via hereditária, pela ora Autora, o que foi comunicado à Ré por carta registada com aviso de recepção no dia 6.01.2025(?), a Autora também comunicou à Ré em 15.01.2020 e 4.12.2023, por cartas registadas com aviso de recepção, a sua intenção de não renovar o contrato, com vista à sua cessação definitiva no dia 28.02.2025, sendo que a Ré não desocupou o locado, apesar de ter sido interpelada para o efeito.
Citada, a Ré deduziu oposição, invocando desde logo uma questão prévia relativa à pendência de uma outra acção a correr termos com as mesmas partes, na mesma qualidade processual, na qual a requerente pede que se declare a inexistência de um contrato de arrendamento celebrado em 08.02.2018 entre a aqui Ré e o pai da aqui Autora, referente ao mesmo prédio, e em que se discute se a relação locatícia assenta no contrato de 08.02.2018 ou no contrato de 1.03.2012.
Sustenta a ré que vigora o contrato de arrendamento celebrado a 08.02.2018, e já não o identificado no requerimento inicial, pelo que não pode proceder o pedido de entrega do locado ao abrigo do contrato anterior, o que comunicou à Autora por cartas juntas como doc. 4 e 5 da oposição.
Por considerar que a comunicação da Autora, relativamente à oposição à renovação, é ineficaz, foi, pelo Tribunal a quo, determinado que a Autora se pronunciasse acerca de tal questão, sendo que a mesma veio pugnar pela eficácia das notificações postais por si dirigidas à Ré.
Considerando que as comunicações de oposição à renovação do contrato de arrendamento remetidas pela Autora foram recebidas por terceira pessoa e que a Autora não remeteu nova carta registada com aviso de recepção entre os 30 e 60 dias seguintes do envio da primeira, como impõe o art. 10º, nº 3 do NRAU, decidiu o Tribunal a quo ter havido omissão de uma formalidade ad substantiam, bem como falta de uma condição objectiva de procedibilidade, o que configura excepção dilatória.
Decidiu-se, em consequência: “Estamos, assim, perante uma exceção dilatória inominada, insuprível, de conhecimento oficioso, que impede o conhecimento do mérito da causa, e dá lugar à absolvição da instância do requerido (cf. 15.º- H, n.º 4, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro e artigos 576.º, nºs 1 e 2, 577.º e 578.º, ex vi artigo 549.º, nº 1, do Código de Processo Civil)”.
Veio então a Autora recorrer dessa decisão, formulando para o efeito as seguintes conclusões de recurso:
1ª A sentença é nula porquanto não especifica os factos que considera provados e são fundamento da decisão.
2ª Mesmo considerando assentes os factos que na sentença sob recurso se refere extraírem-se do requerimento inicial e dos documentos que o acompanharam e os que a Autora referiu na resposta ao convite que lhe foi endereçado pelo Tribunal, ocorreu erro de julgamento que acarretará a sua revogação.
3ª Com efeito, a comunicação legalmente exigível relativa à cessação do contrato de arrendamento tem de ser “realizada mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção para o local arrendado” (nºs 1 e 2 do art. 9º do NRAU), “podendo o escrito assinado pelo declarante ainda ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura com nota de receção” – nº 6 do art. 9º do NRAU.
4ª A omissão da formalidade do envio da segunda carta no prazo que a lei assinala- 30 a 60 dias sobre o envio da primeira carta quando esta não é recebida pelo destinatário, mas por terceira pessoa-, não constitui uma formalidade ad substantiam que não pode ser suprida por outro meio de prova e que gera a invalidade da declaração.
5ª Ao disciplinar a forma ad probationem, a lei não disciplina a documentação mas o documento, não rege sob a forma do ato, mas sobre o seu meio de prova, como é o caso da assinatura do aviso de recepção na carta sob registo que o senhorio remete ao arrendatário.
6ª Aliás, se a nova e segunda carta não for recebida ou for recebida por terceira pessoa, a comunicação considerar-se-á recebida no 10º dia posterior ao do seu envio, o que significa que o regime especial que se afasta do regime das declaração recipiendas não exige em absoluto que o aviso de receção dessa carta enviada sob registo seja assinado pelo destinatário pois, nos termos da parte final da alínea b) do nº 5 do artigo 10º do NRAU, ficciona ou presume jure et jure o recebimento da comunicação pelo destinatário, prescindindo da prova da receção.
7ª Assim, a assinatura do aviso de receção pelo destinatário, quer na primeira carta que lhe é remetida, quer na segunda carta, quando uma dessas cartas ou ambas as cartas são recebidas por terceira pessoa, não é uma formalidade ad subtantiam mas ad probationem.
8ª A oposição à renovação pela senhoria/recorrente pode ser realizada através de comunicação escrita a enviar sob registo postal e com aviso de receção ou, pode a senhoria entregar a comunicação escrita de oposição à renovação pessoalmente à arrendatária, colhendo dela a assinatura com nota de receção na cópia, em alternativa ao envio da carta registada com aviso de receção.
9ª Sendo assim, e caso a carta remetida tenha sido recebida por terceira pessoa, não existem razões para que a senhoria não possa colher a assinatura com nota de receção da destinatária/inquilina na cópia, caso tenha optado por enviar a comunicação por carta registada com aviso de receção e a carta tenha sido rececionada por pessoa diversa do destinatário.
10ª Os elementos literal, teleológico e da unidade do sistema normativo que presidem à interpretação das leis, impõem que entre a presunção legal da receção (jure et de jure) resultante do envio da (2ª) nova carta registada com aviso de receção e a declaração do destinatário no sentido de a ter recebido, se há de ter esta por preferível.
11ª Tendo a Recorrente alegado no requerimento inicial – artigo 4º - que confirmou a sua intenção em cessar o contrato por carta registada com aviso de receção dirigida à Executada no dia 4 de Dezembro de 2023, onde voltou a interpelar a Executada para entregar livre de pessoas e bens o locado no dia da cessação do contrato, ou seja, 28 de Fevereiro de 2025- o que demonstrou através da junção aos autos do documento nº 1, com o requerimento de 21/05/2025 e, pese embora essa carta não ter sido rececionada pela destinatária/arrendatária, pois o aviso de receção mostra-se também assinado por terceira pessoa, a verdade é que a destinatária/arrendatária respondeu a essa carta, 7 dias depois, por carta de 11 de dezembro de 2023, por si assinada e remetida à senhoria/recorrente, aceitando ter recebido a comunicação e tomando posição sobre a mesma.
12ª Recebida como foi carta da inquilina/ recorrida, em momento anterior ao 30º dia posterior ao do envio da primeira carta, da qual resulta que a comunicação para fazer cessar o contrato de arrendamento foi por ela recebida, não fazia sentido, nem era exigível, ter de lhe voltar a enviar nova carta nos termos do nº 3 do artigo 10º do NRAU por ser absolutamente certo que a inquilina recebeu a comunicação que lhe foi dirigida.
13ª A carta assinada pela inquilina referindo ter recebido a comunicação enviada por carta registada com aviso de receção pela recorrente faz prova plena do declarado pela recorrida, nos termos do disposto arts. 374º e 376º nº1 do CC e não é meio menos formal ou solene do que a aposição na cópia da comunicação entregue em mão da sua assinatura, com nota de receção, prevista no já referido nº 6 do artigo 9º do NRAU.
14ª Assim a declaração da destinatária, arrendatária/recorrida, por carta de 11 de dezembro de 2023, de que recebeu a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento que a recorrente lhe enviara por carta de 4 de dezembro de 2023, recebida por terceira pessoa, antes do início do prazo para a expedição da segunda carta, constitui prova bastante da receção da comunicação e, por isso, da sua eficácia para a cessação do contrato de arrendamento e para formação do título executivo, ao contrário do decidido na sentença sob recurso, que violou, por menos feliz interpretação e aplicação o disposto nos art. 607 nº 3 e 615 nº 1 b) do CPC, art. 9 nºs 1, 2 e 6, 10º nº 4 nº 5 b) do NRAU, art. 264, 364 nº 1, 374º e 376º nº1 do CC.
Termos em que concedendo provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e ordenando a prossecução dos autos, V. Exas. farão inteira JUSTIÇA.
Não foram apresentadas alegações pela parte contrária.
Tendo sido determinada a remessa dos autos à primeira instância para apreciação da nulidade arguida em sede de recurso, veio a ser julgada, pelo Tribunal a quo, improcedente a dita nulidade.
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Nada obsta ao conhecimento do mérito.
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II – Objecto do recurso:
Decorre do disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º do CPC que são as conclusões da alegação de recurso que delimitam o objecto do recurso e fixam a matéria a submeter à apreciação do tribunal, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nos termos do art. 608º, nº 2 do CPC.
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No caso vertente, não existem quaisquer questões que o tribunal deva decidir oficiosamente, que não tenham sido suscitadas em sede de recurso.
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As questões colocadas em sede de recurso consistem em verificar se:
- face à factualidade que constitui a causa de pedir da presente acção, a decisão recorrida padece de nulidade por não especificar os factos que fundamentam o julgado,
- a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento mencionada no requerimento inicial obedece à forma legal e, designadamente, se a segunda carta registada com aviso de recepção enviada a 4.12.2023 e recebida por terceira pessoa foi enviada no prazo legal, em relação à primeira comunicação, e é eficaz,
- se, à luz do teor literal do escrito datado de 4.12.2023 e da subsequente resposta da Ré, pode ser considerada, como “primeira” comunicação pessoal, à Ré arrendatária, de oposição à renovação do contrato de arrendamento, a comunicação enviada a 4.12.2023 pela Autora à Ré.
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III – Fundamentação de facto e motivação:
Para conhecimento do objecto do recurso, são relevantes os seguintes factos:
1 – O requerimento de despejo apresentado pela autora no Balcão do Arrendatário e Senhorio (BAS) refere-se ao “locado” sito na Rua ..., Código Postal: ... ..., Concelho: Paços de Ferreira, a um contrato assim caracterizado: “Tipo de contrato: Prédio Urbano - Fins Habitacionais, Tipo de prazo: Prazo Certo, Data do contrato: 01-03-2012, Valor mensal da renda: 234,84 €” e fundamenta-se nos seguintes factos:
1- Os pais da Exequente, enquanto senhorios, e a Executada, enquanto inquilina, celebraram no dia 3 de Março de 2012 contrato de arrendamento do prédio urbano sito na Rua ..., Freguesia ..., concelho de Paços de Ferreira, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº .../ ..., no qual os 1ºs arrendaram à 2ª o 1º andar e sótão desse prédio para habitação.
2- Tal prédio foi adquirido pela Exequente por partilha da herança aberta por óbito de sua mãe, o que foi comunicado por carta registada com aviso de receção à Executada no dia 6 de Janeiro de 2025.
3- No dia 15 de Janeiro de 2020 a Exequente comunicou à Executada conforme previsto no art. 1097º do Código Civil, a sua intenção de não renovar o contrato de arrendamento acima descrito, manifestando a sua vontade de fazer cessar o contrato de arrendamento definitivamente no dia 28 de Fevereiro de 2025.
4- A Exequente confirmou a sua intenção em cessar o contrato por carta registada com aviso de receção dirigida à Executada no dia 4 de Dezembro de 2023, onde voltou a interpelar a Executada para entregar livre de pessoas e bens o locado no dia da cessação do contrato, ou seja, 28 de Fevereiro de 2025.
5- Extinto o contrato é obrigação da Executada desocupar o imóvel, o que foi oportunamente interpelada para fazer nas cartas acima mencionadas, mas até à data não o efetuou.
6- Não o tendo feito, encontra-se em mora na obrigação de desocupar e entregar o imóvel desde a data da cessação do contrato, ou seja, dia 28 de Fevereiro de 2025.
7- Requer-se assim, a título indemnizatório, e conforme o previsto no art 1045º nº2 o montante da renda elevado ao dobro desde a data em que deveria ter desocupado e entregue o prédio livre de pessoas e bens até ao momento da restituição e que é de € 469,68”.
2 – Na oposição deduzida, a Ré invoca o envio de uma carta à Autora, datada de 11.12.2023, que juntou aos autos como doc. 4, na qual reconhece a recepção da carta remetida pela autora a 4.12.2023 e refere ocupar o locado ao abrigo de um contrato de arrendamento celebrado no dia 08.02.2018, que se renovou a 08.02.2023 pelo período de 5 anos, até 08.02.2028, solicitando que a Autora a informe se é sua pretensão “denunciar” o contrato para essa data.
3 - Na oposição deduzida, a Ré invoca o envio de uma outra carta à Autora, datada de 2.01.2024, que juntou aos autos como doc. 5, na qual reconhece a recepção de uma carta remetida pela autora a 18.12.2023 e reitera o anteriormente comunicado na carta junta aos autos como doc. 4.
4 – Na oposição deduzida, a Ré invoca a pendência de uma outra acção, proposta em 09.10.2024 pela ora Autora contra a ora Ré, com vista à declaração da inexistência do contrato de arrendamento celebrado em 08.02.2028 entre a ora Ré e o pai da Autora, referente ao locado referido em 1).
5 – A decisão recorrida tem o seguinte teor:
“A Autora AA instaurou a presente Ação Especial contra a Ré BB, visando o despejo do prédio urbano sito na Rua ..., Freguesia ..., concelho de Paços de Ferreira, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº .../ ..., com fundamento na cessação do contrato de arrendamento para habitação, por oposição à renovação pelo senhorio.
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Citada, a Ré deduziu oposição.
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Analisado o teor do requerimento inicial que deu origem aos presentes autos e, bem assim, os documentos que o acompanham, extrai-se o seguinte:
a) Por carta registada com aviso de receção, datada de 15 janeiro de 2020, remetida à Ré pela Autora, esta comunicou a intenção de denunciar o contrato de arrendamento que as vincula, com efeitos a partir do dia 28-02-2025.
b) A referida carta foi rececionada por «CC», conforme decorre da assinatura do aviso de receção.
Com o requerimento inicial, a Autora apresentou cópia do Contrato de arrendamento, Comprovativo de pagamento do imposto de selo, Comprovativo de IBAN, Comunicação de iniciativa do senhorio (carta registada com AR assinado por terceira pessoa, datada de 15 de janeiro de 2020), Procuração forense e Comprovativo do Pagamento Taxa de Justiça.
No exercício do direito ao contraditório que foi concedido previamente ao presente despacho - cf. documento junto com o requerimento apresentado pela Autora em 21-05-2025, sob a ref.ª 10573886 - a Autora referiu que:.
i. No dia 04 de dezembro de 2023, a Autora endereçou à Ré carta registada com aviso de receção, destinada a confirmar «a denúncia do contrato de arrendamento (já denunciado em 22 de janeiro de 2020».
ii. A referida carta foi rececionada por «CC», conforme decorre da assinatura do aviso de receção.
iii. A Ré respondeu à Autora através de carta registada com aviso de receção, datada de 11 de dezembro de 2023, com a seguinte menção: «Assunto: V/carta datada de 04.12.2023- Denúncia contrato de arrendamento; na sequência da carta que me foi remetida com data de 04.12.2023, cumpre-me dar conhecimento da m/posição quanto ao seu teor) – cf. doc.4 junto com a oposição.
***
No que respeita à notificação da oposição à renovação, dispõe o artigo 9.º, n.º 1 do NRAU, mesmo na redação vigente à data do envio daquelas cartas, que, «salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção».
Nos termos do preceituado no artigo 10.º do NRAU, «1 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que: a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la; b) O aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário. 2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que: (…) b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior. 3 - Nas situações previstas no número anterior, o senhorio deve remeter nova carta registada com aviso de receção decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta».
A carta registada com aviso de receção, remetida pela requerente com vista à comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento foi assinada por pessoa diversa da destinatária/requerida.
Reportando-se o caso dos autos à cessação por oposição à renovação, na ausência de domicílio convencionado e verificando-se que o aviso de receção foi assinado por terceiro, tem aplicação o n.º 3 do referido dispositivo, pelo que se encontrava a Autora obrigada a efetuar a referida comunicação.
Porém, a segunda carta registada com aviso de receção foi enviada pela Autora à Ré no dia 04-12-2023.
Donde se conclui que a Autora não remeteu nova carta registada com aviso de receção, entre os 30 e 60 dias seguintes contados do envio da primeira, conforme determina o artigo 10.º n.º 3 do NRAU.
Estamos assim perante a omissão de uma formalidade ad substantiam, na medida em que a lei exige documento escrito como forma de declaração, que não pode ser suprida por outro meio de prova, sequer pela confissão, e que gera a invalidade da declaração. (Cf. Luís Filipe Pires de Sousa, Direito Probatório Material Comentado, 3ª edição, 2023, pág. 130; Maria Prazeres Beleza, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2014, pág. 864).
O cumprimento do envio dessa segunda carta registada com AR nos casos em que o AR da primeira carta foi assinado por pessoa distinta do arrendatário constitui uma condição de eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento, como tem sido entendimento adotado pela mais recente jurisprudência dos Tribunais Superiores, de que é exemplo o Acórdão do STJ de 23.04.2025, proferido no Proc. Nº 802/24.2YLPRT.L1.S1.
Na senda da jurisprudência vertida no Acórdão do STJ de 9.01.2025, “Os nºs 2 a 5 do art.º 10º do NRAU afastam o regime geral das declarações negociais recipiendas previsto no art.º 224º do CC e no art.º 10º nº 1 do NRAU que, consideram eficazes as declarações negociais logo que cheguem ao poder ou esfera de acção do destinatário ou sejam dele conhecidas (art.º 224º nº 1 do CC) e, impõe que, para que a declaração seja eficaz, designadamente em casos de comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento por banda do senhorio, que este remeta ao inquilino uma 2ª carta registada, com aviso de recepção, nas situações em que o aviso de recepção da 1ª carta, foi assinado por pessoa diferente do destinatário.”
A eficácia da comunicação da oposição à renovação do arrendamento depende do envio de uma carta com aviso de receção e, no caso de esse aviso de receção não ser assinado pelo arrendatário deve ser enviada uma segunda carta registada com AR novamente dirigida ao arrendatário e para o local arrendado.
Como também se lê no Acórdão acima identificado, esta duplicação de comunicação não constitui uma formalidade despicienda, porquanto consagra um regime “manifestamente determinado por razões de equilíbrio entre a proteção do arrendatário – pois aumenta as probabilidades de a oposição chegar efetivamente ao seu conhecimento –, e a simplificação do regime de efetivação da cessação do contrato –, pois acelera essa efetivação”.
Em sentido idêntico, atente-se ainda no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no Processo n.º 3539/23.6T8PRT.P1, de 13-05-2025.
Por conseguinte, tendo o senhorio enviado à arrendatária a comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento habitacional para o termo do prazo através de carta registada com aviso de receção, mas não estando esse AR assinado pela arrendatária, deveria a Autora ter-lhe enviado uma segunda comunicação decorridos que fossem 30 a 60 dias.
Não o tendo feito, a referida comunicação não pode ser considerada eficaz e como tal não se pode considerar cessado o contrato de arrendamento, inexistindo o fundamento legal invocado para o pedido de condenação da Ré na desocupação do locado e sua restituição e ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.
Na verdade, não era permitido à Autora socorrer-se da ação especial de despejo sem juntar a 2.ª carta a que alude o artigo 10.º, n.º 3, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, pelo que, desde logo, existia fundamento para recusa do requerimento de despejo pelo BAS, nos termos dos artigos 15.º-C, n.º 1, al. b) e 15.º, n.º 2, al. c), do mesmo diploma legal.
A inobservância daquela obrigação pela Autora reconduz-se à falta de uma condição objetiva de procedibilidade, que não pode deixar de se enquadrar no regime jurídico das exceções dilatórias.
Estamos, assim, perante uma exceção dilatória inominada, insuprível, de conhecimento oficioso, que impede o conhecimento do mérito da causa, e dá lugar à absolvição da instância do requerido (cf. 15.º- H, n.º 4, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro e artigos 576.º, nºs 1 e 2, 577.º e 578.º, ex vi artigo 549.º, nº 1, do Código de Processo Civil).
As custas serão suportadas pela Autora (cf. artigo 527.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
***
Decisão:
Pelo exposto, decide-se:
a) julgar verificada exceção dilatória inominada e, por consequência, absolver a Requerida/Ré da instância; e
b) condenar a Requerente/Autora no pagamento das custas processuais.

Fixa-se à causa o valor indicado pela Autora.
Registe e notifique.
Comunique ao BAS”.
6 – Por carta registada com aviso de receção, datada de 15 janeiro de 2020, remetida à Ré pela Autora, para a residência da Ré indicada como sendo a do locado no contrato de arrendamento referido em 1), no qual não foi convencionado outro domicílio para efeitos de notificações, a Autora comunicou a intenção de “denunciar” o contrato de arrendamento referido em 1), com efeitos a partir do dia 28-02-2025, devendo ser-lhe entregue, nessa data, o locado livre de pessoas e bens e no estado em que foi recebido, e que tal comunicação era feita nos termos e para os efeitos do artigo 1101º alínea c) do Código Civil.
7) A referida carta foi rececionada por «CC», que assinou o aviso de receção da carta referida em 6).
8) Com o requerimento inicial, a Autora apresentou cópia do Contrato de arrendamento referido em 1), comprovativo de pagamento do imposto de selo, comprovativo de IBAN, comunicação de iniciativa do senhorio (carta registada com AR assinado por terceira pessoa, datada de 15 de janeiro de 2020), procuração forense e comprovativo do Pagamento Taxa de Justiça.
9) A autora remeteu à Ré uma outra carta registada com aviso de recepção, com data de 4.12.2023, que foi rececionada por «CC» e cuja cópia juntou aos autos em 21.05.2025 já depois da oposição deduzida pela Ré, com o seguinte teor:
Assunto: Confirmação da Denúncia do Contrato de Arrendamento – artigo 1104º C. Civil ex vi 1101º al c) C. Civil.
Exma. Srª
Os melhores cumprimentos.
Dando cumprimento ao disposto no art. 1104º do Código Civil, serve a presente para lhe comunicar que confirmo a denúncia do contrato de arrendamento (já denunciado em 22 de janeiro de 2020), referente ao prédio urbano sito na Rua ..., 1º andar e sótão que lhe está arrendado, pelo contrato escrito, datado de 01/03/2012, o qual pretendo que cesse, definitivamente, em 28.02.2025.
Nessa data, deverá o mesmo ser-me entregue livre de pessoas e bens no estado em que foi recebido.
A presente comunicação é feita nos termos e para os efeitos do artigo 1104º do Código Civil ex vi artigo 1101º, alínea c) do Código Civil.
Sem outro assunto,
Atentamente,
..., 04 de Dezembro de 2023”.
10) Foram pela autora recebidas as cartas enviadas pela Ré, referidas em 2) e 3).
*
Não sendo relevantes para a apreciação do recurso quaisquer outros factos, verifica-se que a antecedente factualidade resulta do mero exame dos autos, no confronto da prova documental com a posição sustentada pelas partes.
*
IV – Fundamentação de direito:
A primeira questão colocada consiste em saber se a decisão recorrida padece do vício da nulidade por não especificar os factos que considera provados e são fundamento da decisão.
O tribunal a quo pronunciou-se pela improcedência da nulidade arguida.
Face aos fundamentos da nulidade arguida, a mesma reportar-se-á ao preceituado nos arts. 607º, nº 4 e 615º, nº 1, al b) do CPC, por falta de especificação dos factos que a sustentam.
Ora, verifica-se que a decisão colocada em crise especifica os factos em que assenta, dando por provados os tidos por relevantes à luz dos alegados no requerimento inicial e que constituem a causa de pedir da presente acção, sendo certo que também não deixa de mencionar aqueles posteriormente alegados pela autora na sequência da notificação que lhe foi dirigida para se pronunciar acerca da perspectivada ineficácia da comunicada oposição à renovação do contrato.
Na verdade, relativamente aos factos cuja omissão vem acusada, consta do corpo da decisão em causa que “Porém, a segunda carta registada com aviso de receção foi enviada pela Autora à Ré no dia 04-12-2023”, sendo inequívoco que tal facto foi tido em consideração e constitui fundamento do julgado, muito embora possa não parecer muito clara a técnica adoptada, na decisão recorrida, para especificação dos factos provados.
Acontece que o Tribunal a quo não atribuiu a essa segunda carta a eficácia que a recorrente lhe atribui, por considerar que apenas seria eficaz se tivesse sido a destinatária a assinar o aviso de recepção, como formalidade ad substantiam (sendo por isso irrelevante, à luz dessa decisão, que a Ré tenha vindo a reconhecer posteriormente, por escrito por si assinado, o recebimento daquela segunda comunicação da Autora).
Ora, como é referido, a título exemplificativo, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.03.2021 (Processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, in http://www.dgsi.pt/):
Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual -nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma- ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.”
No caso concreto, encontram-se enunciados na decisão recorrida os factos essenciais e necessários para decisão do pleito, o que acarreta irremediavelmente a improcedência da nulidade arguida.
Mesmo que se viesse a considerar verificada tal nulidade, por falta de especificação factual, o que in casu não sucede pelas razões expostas, a mesma sempre estaria suprida pela enunciação factual que antecede, constatando-se, para além disso, que, nos termos previstos no art. 665º do CPC, os autos dispõem de todos os elementos necessários à resolução do objecto da apelação.
Está em causa, no presente recurso, a validade/eficácia das comunicações remetidas pela Autora, na qualidade de senhoria, à Ré, na qualidade de arrendatária, nos termos do art. 1097º do Código Civil, adiante designado por CC, como oposição à renovação automática do contrato de arrendamento celebrado com termo certo, nos termos previstos no art. 1096º do CC.
No que se refere à forma da comunicação, dispõe o art. 9º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, adiante designado por NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, na actual redacção, que:
1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção.
2 - As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado.
3 – (…).
4 – (…).
5 - Qualquer comunicação deve conter o endereço completo da parte que a subscreve, devendo as partes comunicar mutuamente a alteração daquele.
6 - O escrito assinado pelo declarante pode, ainda, ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de receção.
7 - A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, é efetuada mediante:
a) Notificação avulsa;
b) Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, comprovadamente mandatado para o efeito, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original;
c) Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do n.º 1, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação.
E, relativamente às vicissitudes dessas comunicações, dispõe o art. 10º do NRAU que:
1 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que:
a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la;
b) O aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário.
2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que:
a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º;
b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior.
c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais.
3 - Nas situações previstas no número anterior, o remetente deve enviar nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.
4 - Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1 e da alínea c) do n.º 2, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.
5 - Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo anterior, se:
a) O destinatário da comunicação recusar a assinatura do original ou a receção do duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, o advogado, solicitador ou agente de execução lavra nota do incidente e a comunicação considera-se efetuada no próprio dia face à certificação da ocorrência;
b) Não for possível localizar o destinatário da comunicação, o senhorio remete carta registada com aviso de receção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi localizado, e considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.
De acordo com o disposto no art. 15º, nº 1 do NRAU, o procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes, sendo que, nos termos da alínea c) do nº 2, em caso de cessação por oposição à renovação, apenas pode servir de base ao procedimento especial de despejo, independentemente do fim a que se destina o arrendamento, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1097.º ou no n.º 1 do artigo 1098.º do Código Civil.
O comprovativo da comunicação da oposição à renovação deve acompanhar o requerimento inicial, sob pena de recusa (art. 15ºB, nº 2, al e) e 15º-C, nº 1, al b) do NRAU).
Decorre dos preceitos acima citados que:
- a comunicação da oposição à renovação do contrato pelo senhorio deve ser efectuada por escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção para o local arrendado, na ausência de domicílio convencionado, podendo ainda o escrito assinado pelo declarante ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de receção.
- quando possa servir de base ao procedimento especial de despejo, a comunicação postal da oposição à renovação, pelo senhorio, não se considera efectuada quando o aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário,
- nesse último caso, o remetente deve enviar nova carta registada com aviso de recepção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.
- se essa nova carta vier a ser novamente assinada por pessoa diferente do destinatário, não se considera efectuada tal comunicação.
Assim, nos casos em que não haja convenção de domicílio, como sucede in casu, o comprovativo da comunicação da oposição à renovação, que deve acompanhar o requerimento, deve ser inequívoco, no seu teor literal, quanto à sua recepção pelo destinatário, pelo que, nos casos em que a comunicação é efectuada por via postal, impõe-se a junção de aviso de recepção assinado pelo destinatário para que o requerimento não seja alvo de recusa, o que se percebe em virtude das consequências gravosas que advêm para o inquilino no caso de não ser deduzida oposição ao requerimento inicial do procedimento especial de despejo (vide art. 15º-EA do NRAU).
Em alternativa à junção da comunicação com o aviso de recepção assinado pelo destinatário, pode ser junta cópia do escrito assinado pelo declarante com a assinatura do destinatário e nota de recepção.
O que importa, para que o procedimento especial do despejo possa prosseguir, é que seja apresentada prova documental inequívoca de que a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento foi recebida pelo arrendatário, destinatário de tal comunicação.
No caso vertente, a Autora enviou comunicações escritas à Ré em 15.01.2020 e 4.12.2023, ou seja, com desrespeito pelo prazo previsto no art. 10º, nº 3 do NRAU, sendo que ambas vieram a ser recebidas por pessoa diversa da Ré, posto que os avisos de recepção foram assinados por pessoa diversa desta.
Não tendo sido instruído o requerimento de despejo com os documentos comprovativos do recebimento dessa comunicação pela Ré, cuja assinatura não consta dos documentos apresentados com o requerimento inicial, impunha-se a recusa de recebimento desse requerimento, nos termos previstos no art. 15º-C nº 1, al. b) do NRAU.
No regime especial previsto no NRAU, a recepção, pelo arrendatário, da comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento apenas pode ser provada documentalmente, através do aviso de recepção assinado pelo arrendatário ou de escrito assinado por este a acusar a recepção de tal comunicação, devendo tais documentos instruir o requerimento de despejo.
Não tendo sido recusado o requerimento de despejo, cumpre agora verificar, ao abrigo do princípio da aquisição processual, se a resposta enviada pela Ré à Autora em 11.12.2023, junta aos autos pela Ré com a oposição, na qual esta reconhece ter recebido a comunicação da Autora datada de 4.12.2023, é passível, ou não, de suprir a falta de aviso de recepção assinado pela Ré destinatária, respeitante à segunda comunicação remetida pela Autora.
Destarte, na sequência da segunda comunicação remetida pela Autora, datada de 4.12.2023, a Ré envia, com data de 11.12.2023, uma carta à Autora, na qual reconhece a recepção da carta remetida pela Autora a 4.12.2023 e refere ocupar o locado ao abrigo de um contrato de arrendamento celebrado no dia 08.02.2018, que se renovou a 08.02.2023 pelo período de 5 anos.
De acordo com a causa de pedir configurada pela Autora no requerimento inicial, a segunda comunicação datada de 4.12.2023 visou tornar eficaz a primeira comunicação remetida em 15.01.2020, por ter sido recebida por um terceiro.
Contudo, porque a segunda comunicação não foi remetida decorridos 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta, como imposto pelo art. 10º, nº 3 do NRAU, conclui-se não poder ser reconhecida a eficácia da primeira comunicação, por desrespeito do procedimento complexo necessário para que a primeira declaração de oposição à renovação do arrendamento se torne eficaz e, em concreto, da proximidade temporal dessas duas comunicações imperativamente prevista na lei.
Na verdade, a segunda carta, desde que enviada no prazo legal, constitui uma condição de eficácia da declaração de oposição à renovação comunicada através da primeira carta, que foi recebida por terceiro.
Não tendo sido observado o prazo dentro do qual deveria ter sido remetida a segunda carta, uma vez que foi enviada mais de três anos depois da primeira, ou seja, muito para além do prazo máximo legalmente fixado, daí decorre a ineficácia da primeira comunicação enviada, com esse fundamento.
Assim sendo, apenas cumpre verificar se a comunicação, datada de 4.12.2023, pode, apesar de recebida por terceiro, valer como oposição, eficazmente comunicada, à renovação do contrato de arrendamento, nos termos previstos no art. 9º, nº 1 e 2 e nº 6 do NRAU, em virtude de a ré ter respondido à mesma, por escrito datado de 11.12.2023.
Dúvidas não existem, tal como tem vindo a ser pacificamente reconhecido na jurisprudência, que a declaração do senhorio de oposição à renovação do contrato de arrendamento tem carácter receptício (art. 1097.º, n.º 1, do CC).
Contudo, encontra-se previsto na Lei n.º 6/2006, de 27-02 (NRAU) um regime complexo e especial para a eficácia dessa declaração de oposição, que prevalece sobre a recepção ou o conhecimento a que o regime geral do n.º 1 do art. 224.º do CC dá relevância.
Na verdade, e como acima já se referiu, nos casos de comunicação postal, exige-se que seja feita por escrito assinado pelo declarante (senhorio), remetido ao destinatário (inquilino), por carta registada com aviso de recepção, para o local arrendado, desde que o aviso de recepção seja assinado pelo inquilino, quando não haja convenção de domicílio.
Mais se encontra previsto que, não tendo existido convenção de domicílio e tendo o aviso de recepção sido assinado por pessoa diferente do destinatário, a oposição só é eficaz se a carta for completada com uma nova carta, enviada igualmente com aviso de recepção e dentro do prazo previsto no n.º 3 do art. 10.º do NRAU, sob pena de o senhorio não poder lançar mão do procedimento especial de despejo (arts. 10.º, n.º 2, al. b), e 15.º, n.º 2, al. c), do NRAU).
Está em causa um regime legal consagrado na redacção primitiva da Lei n.º 6/2006 e que as alterações posteriores mantiveram, sendo tal regime determinado, segundo tem sido pacificamente mencionado na jurisprudência, por razões de equilíbrio entre a protecção do arrendatário – pois aumenta as probabilidades de a oposição chegar efectivamente ao seu conhecimento – e a simplificação do regime da cessação do contrato – pois acelera essa efectivação.
Discute-se agora se a segunda comunicação remetida pela Autora pode valer como primeira comunicação efectivamente conhecida da Ré arrendatária, apesar de ter sido assinado o aviso de recepção por terceiro, face à resposta remetida pela Ré em 11.12.2023, na qual esta reconhece o recebimento desta última comunicação da Autora.
Ora, face ao concreto teor desta “segunda” comunicação, afigura-se que não tem qualquer relevância, in casu, a discussão suscitada pela recorrente em torno da questão de saber se a assinatura do aviso de recepção pela ré é uma formalidade ad subtantiam ou ad probationem, questão essa que tem dividido a jurisprudência e que aqui não se irá debater face ao que dispõe o art. 608º, nº 2, segunda parte, ex vi do art. 663º, nº 2 do CPC.
Na verdade, estando em causa uma declaração receptícia, é ainda necessário que o sentido normal da declaração aponte inequivocamente, de forma clara, no sentido de se estar a operar, através da mesma, à oposição da renovação do contrato de arrendamento (art. 236º do CC).
Tal questão vem focada nas alegações de recurso, nas quais, mencionando-se a incorrecção formal dos termos utilizados, vem sustentado que a comunicação de 4.12.2023 constitui “uma nova comunicação de oposição à renovação do contrato, ainda que incorretamente referida de denúncia, reafirmando a efetuada 3 anos e 11 meses antes e sem invocar, pois não era esse o âmbito nem o fito, que essa comunicação era efetuada pelo facto de ter sido pessoa diversa da arrendatária a receber a anterior, assim como não foi invocada qualquer norma do NRAU”. (…) “o Tribunal deveria ter ponderado a carta de 4 de dezembro de 2023 como comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento, pois tal foi claramente alegado no requerimento inicial”.
Nas alegações de recurso e nas respectivas conclusões, a segunda comunicação remetida pela autora é configurada, pelo seu teor literal, como comunicação da oposição da Autora à renovação do contrato, pelo que não se impõe o prévio exercício do contraditório relativamente a essa questão, que não é nova, embora não se encontre focada na decisão recorrida (uma vez que, na mesma, à luz da causa de pedir constante do requerimento inicial, não vem equacionada a comunicação de 4.12.2023 como “primeira” comunicação nos termos dos arts. 1097º do CC, 9º e 10º do NRAU, mas sim como “segunda” comunicação nos termos previstos no art. 10º, nº 3 do NRAU).
Ora, essa “segunda” comunicação, a que a Autora atribui agora o valor de “primeira” comunicação, tem o seguinte teor:
Assunto: Confirmação da Denúncia do Contrato de Arrendamentoartigo 1104º C. Civil ex vi 1101º al c) C. Civil.
Exma. Srª
Os melhores cumprimentos.
Dando cumprimento ao disposto no art. 1104º do Código Civil, serve a presente para lhe comunicar que confirmo a denúncia do contrato de arrendamento (já denunciado em 22 de janeiro de 2020), referente ao prédio urbano sito na Rua ..., 1º andar e sótão que lhe está arrendado, pelo contrato escrito, datado de 01/03/2012, o qual pretendo que cesse, definitivamente, em 28.02.2025.
Nessa data, deverá o mesmo ser-me entregue livre de pessoas e bens no estado em que foi recebido.
A presente comunicação é feita nos termos e para os efeitos do artigo 1104º do Código Civil ex vi artigo 1101º, alínea c) do Código Civil.
Sem outro assunto,
Atentamente,
..., 04 de Dezembro de 2023”.
Embora se faça referência, nessa comunicação, à vontade de cessar definitivamente o contrato em 28.02.2025, encontra-se mencionado que a comunicação visa a “confirmação” da “denúncia do contrato (já denunciado em 22 de janeiro de 2020)” e que a comunicação é feita nos e para os efeitos do artigo 1104 do artigo 1104º do Código Civil ex vi artigo 1101º, alínea c) do Código Civil.
Ou seja, o que resulta de tal comunicação é que é visada a “confirmação” de uma “denúncia” anterior, de “22.01.2020”, com invocação de preceitos legais relativos aos contratos de arrendamento de duração indeterminada, não contendo explicitamente o fundamento da pretensão de cessação do contrato em 28.02.2025, a não ser por remissão para o exposto na “denúncia” anterior, de “22.01.2020”.
A essa comunicação respondeu a Ré, invocando a existência e vigência de um contrato de arrendamento diverso do invocado naquela comunicação, bem como a recepção da comunicação datada de 4.12.2023 (já não de qualquer comunicação anterior).
Ao mencionar que “confirmo a denúncia do contrato de arrendamento (já denunciado em 22 de janeiro de 2020)” e ao citar os preceitos legais respeitantes à denúncia de contratos de duração indeterminada, não pode considerar-se que, através desse escrito, a Autora comunicou à Ré, de forma perceptível, objectiva e clara para qualquer declaratário medianamente sagaz, uma “oposição à renovação do contrato”, ou seja, a vontade de não renovação do contrato quando atingisse o termo do prazo de duração contratualmente fixado, nos termos previstos nos arts. 1096º e 1097º do CC, ou que tal vontade tenha sido compreendida, como “oposição à renovação do contrato”, pela Ré, a qual nem sequer reconhece a vigência do contrato de arrendamento invocado pela Autora, considerando ser outro posteriormente celebrado em 2018 o actualmente vigente.
Resulta do exposto que, sendo ineficaz a comunicação de 15.01.2020 pelas razões já acima expostas, a segunda comunicação, recebida por terceiro, mas que posteriormente chegou à Ré conforme resulta da resposta pela mesma remetida à Autora, também não pode ser considerada, pelo seu teor literal, como comunicação válida de “oposição à renovação” do contrato de arrendamento pela Autora.
Na verdade, apenas resulta do seu teor literal a pretensão de cessação do contrato de arrendamento junto com o requerimento de despejo, com efeitos a 28.02.2025, com fundamento numa comunicação anterior de “denúncia” (cujo teor não é reproduzido nesta segunda comunicação, não existindo nos autos quaisquer elementos documentos relativos à recepção ou ao conhecimento da primeira comunicação pela Ré), sendo que se considera não ser perceptível, para um declaratário normal, medianamente inteligente, colocado na concreta posição da Ré, que a pretensão de cessação do contrato a 28.02.2025, comunicada pela Autora através do escrito datado de 4.12.2023, tenha por fundamento a oposição, pelo senhorio, à renovação do contrato, nos termos previstos no art. 1097º do CC.
Não podendo a declaração de oposição à renovação do contrato ser efectuada mediante “confirmação” de uma comunicação anteriormente remetida, cujo recebimento/conhecimento pela Ré não se encontra documentalmente comprovada nos autos, daí se extrai que não constam, nesta segunda comunicação a que a Ré respondeu, os elementos literais necessários, suficientes e objectivos que permitam configurar tal declaração como comunicação válida de oposição à renovação do contrato, nos termos previstos no art. 1097º do CC.
Conclui-se desta forma pela manifesta improcedência do recurso, devendo manter-se, embora por fundamentos não integralmente coincidentes, a decisão recorrida.
*
V – Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores da 3ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso e, em consequência, julgar improcedente a nulidade arguida e confirmar a sentença proferida.

Custas pela apelante – art. 527º do CPC.

Porto, 27.11.2025
Fátima Silva
Judite Pires
Álvaro Monteiro