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PROCEDIMENTO CAUTELAR
PROCEDIMENTO NA PENDÊNCIA DA AÇÃO PRINCIPAL
CAUSA DE PEDIR DO PROCEDIMENTO CAUTELAR
Sumário
I – A circunstância de o procedimento cautelar ser dependência de uma causa cujo fundamento é o de acautelar um direito do requerente não significa que este, nos casos em que o procedimento cautelar seja instaurado quando a acção principal já está pendente, esteja dispensado de alegar os factos que integram a causa de pedir da existência do seu direito. II – No caso da providência de arresto, não se mostra verificado o requisito da existência de um crédito da requerente respeitante a indemnização por privação do uso de um imóvel, se não ficou demonstrada a interpelação da requerida para a entrega do bem em determinada data e a entrega do bem ocorreu antes do trânsito em julgado do despacho que determinou à requerida essa entrega.
Texto Integral
Processo: 3106/25.0T8VLG-A.P1
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – “A..., Lda.” intentou, no Juízo Local Cível de Valongo do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, procedimento cautelar de arresto contra AA, pedindo que seja ordenado o arresto da quantia de € 8.000,00 depositada à ordem do processo n.º ... a correr termos no Juízo Local Cível de Valongo – Juiz 2 –, “que faz parte integrante do produto da venda do imóvel a ser distribuído à Requerida”.
Alegou para tal que nos autos principais, “demonstrando ser proprietária de um imóvel” e que esteve privada pela requerida do uso do imóvel durante determinado período, peticiona a condenação desta a pagar-lhe a quantia total de € 6.430,00, pela privação do uso do imóvel até 08/09/2025, por usar tal imóvel sem nada pagar à requerente, condenação que se peticiona ao abrigo da responsabilidade civil extracontratual e/ou ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa.
Alegou ainda que a requerida não trabalha e não tem qualquer rendimento mensal, tendo apenas metade de um imóvel que foi vendido no processo n.º ..., tendo ocorrido a diminuição do património da devedora com a venda deste imóvel, a qual não tem qualquer património actualmente, estando apenas na iminência de receber tornas em montante correspondente a metade do valor da venda, que foi cerca de € 150.000,00, deduzido dos créditos reclamados, que “são reduzidos”, sendo que o dinheiro a receber, “pela própria natureza”, “é fácil de ser dissipado”, para além de ter a correr contra si um processo executivo. Antecipa-se o cenário “de que quando for proferida decisão condenatória no processo n.º 3106/25.0T8VLG a Requerida já gastou o valor recebido da venda ou já o transferiu para contas de familiares diretos, não tendo bens adicionais”, sendo a dissipação “mais que provável já que a Requerente sempre atuou no sentido de habitar no imóvel da Requerente sem nada lhe querer pagar” e “nunca manifestou a intenção de fazer qualquer pagamento à Requerente, pelas forças do valor recebido a título da venda do imóvel”, tentando protelar a entrega o mais possível.
Tendo a requerente apenas juntado prova documental, não requerendo a realização de quaisquer outras diligências de prova, nomeadamente a inquirição de testemunhas, foi proferida decisão, em 17/09/2025, sem audição prévia da requerida, nos termos do art. 393º, nº 1, do C.P.C., na qual se decidiu indeferir a providência requerida.
A requerente interpôs recurso desta decisão, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
«I. O DOC.1, na sua integralidade, junto ao requerimento inicial de arresto, e tendo-se deixado expresso que o seu teor se dava integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, é uma prova junta pela Requerente, ora Recorrente, que deve considerada na decisão a ser proferida quanto ao decretamento do arresto.
II. O Tribunal a quo ignorou, quase todas as 68 páginas desse DOC.1, e, portanto, a decisão proferida carece de acerto total.
III. Os factos dados como não provados, estão provados pela documentação junta, nomeadamente por esse DOC.1, tendo havido um erro de julgamento da matéria de facto pelo Tribunal de 1.ª Instância.
IV. É nítido que a ação principal tem de ser julgada procedente, pois é unânime e pacífico que ninguém pode habitar em imóvel alheio, à revelia da sua proprietária, como foi o caso, sem que nada tenha de pagar à dita proprietária, havendo nessa ação prova de que houve ocupação abusiva (como o Tribunal a quo bem sabe) – foi provado que o título de transmissão data 15/05/2025, que a proposta da ora Recorrente havia sido aceite em 09/04/2025 e que a entrega do imóvel ocorreu em data muito posterior à venda – apenas em 08/09/2025 – sendo que em Julho de 2025 foi proferido despacho pelo Tribunal a indeferir o diferimento de desocupação peticionado em junho, já depois da emissão do título de transmissão – e, portanto, que há direito da ora Recorrente ser ressarcida.
V. A Recorrente esteve privada da posse pela Recorrida, desde o momento em que adquiriu o imóvel até ao momento em que recebeu a posse, o que consubstancia um dano, o qual, pelo DOC.1 do requerimento de arresto, tem de ser dado como indiciariamente e, como tal, existe perfunctoriamente, pelo menos, o direito indemnizatório da Recorrente.
VI. Verificada a condição, transfere-se, ipso jure a propriedade da coisa ou a titularidade do direito, retroagindo esse efeito à data da aceitação da proposta – cf. art.º 276º do Código Civil –, que se atestará pelo respetivo título de transmissão.”
VII. Conforme resulta do Despacho a começar na página 60 do DOC.1 junto ao requerimento inicial, após a venda, e após a emissão do título de transmissão, a 13/06/2025, a Requerida veio peticionar diferimento da desocupação do imóvel.
VIII. À data da prolação desse Despacho (a começar na página 60 do DOC.1 do requerimento de arresto), datado de 15/07/2025, a entrega do imóvel ainda não havia ocorrido, tanto que foi prolatado nessa data a ordenar a entrega à Adquirente, pelo que, só por aqui se vê que: i) cerca de um mês depois da emissão do título de transmissão veio a Requerida manifestar que permanecia ainda no imóvel; ii) à data do despacho já haviam decorridos 02 meses da emissão do título de transmissão, e muito mais tempo desde a venda, da aceitação da proposta, e a permanência mantinha-se; iii) Daqui se vê que assiste direito de indemnização autónomo da ora Recorrente pela privação de uso.
IX. O prejuízo de €1.000,00 com honorários de Advogados consta da pág. 67 do DOC.1 junto com o requerimento de arresto e quanto ao valor da privação de uso, o Tribunal também consegue chegar ao seu montante de cálculo e prova do peticionado: Nas páginas 65 e 66 do DOC.1 junto com o requerimento de arresto constam dois anúncios do portal idealista de imóveis a ser arrendados na mesma Rua e, nos arts. 60.º-61.º constantes da página 16 do DOC.1 junto com o requerimento de arresto estão discriminadas as contas para obter-se o valor peticionado.
X. No entanto, “A liquidez da obrigação não constitui requisito do arresto (Moitinho de Almeida, Do arresto cit. Ps. 294-295)” - Vide José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 4.ª Edição, Almedina, 2022, p. 145
XI. O quantum indemnizatório é algo que deverá ser aferido com exatidão em sede de ação principal comum e não em sede destes autos cautelares, até porque tem-se entendido que a determinação do valor da indemnização do dano da privação de uso deve operar por recurso ao critério não normativo da equidade - seu quantum deve ser fixado de acordo com o previsto no nº3, do art. 566.º, do CC, com recurso a critérios de equidade, de acordo com as regras da prudência, do bom senso prático e da justa medida, impostas pela ponderação das realidades da vida, nas circunstâncias do caso. Cabe assim, depois, ao Tribunal, em sede de sentença dos autos principais, fixar, com base na equidade, esse valor em função da prova produzida, eventualmente solicitando perícia ao imóvel para determinar o valor locatício e multiplicar pelo período provado da privação, ao invés de querer fazê-lo aqui.
XII. “II. O dano decorrente da privação da fruição do imóvel é indemnizável ainda que não se tenha provado que utilidade ou vantagem concreta o proprietário teria retirado do bem, durante todo o período de privação, sendo que a indemnização deve ser fixada equitativamente, em razão das dificuldades de prova que existem em matéria da quantificação da indemnização por equivalente.” Vide Ac. STJ datado de 10.12.2024, Proc. n.º 9522/22.1T8VNG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt
XIII. Se o STJ entendeu isso e tratava-se de autos principais, não cautelares, muito menos deve ser exigido essa prova da vantagem concreta num procedimento cautelar, cuja prova é sumária.
XIV. “I – Para que o dano da privação do uso seja indemnizado é bastante a prova de que o lesado usaria normalmente a coisa danificada e de cujo gozo está privado”. Vide Ac. TRC datado de 05.03.2024, Proc. n.º 3106/20.6T8VIS.C2, disponível em www.dgsi.pt
XV. A ora Recorrente fez prova de que usaria o imóvel para os fins do seu objeto social, mormente arrendamento, durante o período em que esteve privada, pelo que, também aqui, andou mal o Tribunal de 1.ª Instância ao exigir prova desse quantum – do valor do prejuízo - como requisito de procedência do arresto, a liquidação do direito só tem de ocorrer nos autos principais.
XVI. O requerimento da Requerida de 13/05/2025 (dois dias antes da emissão do título de transmissão) junto como DOC.2 ao requerimento de arresto, e ainda o requerimento apresentado mês após, em 13/06/2025, e já, portanto, já após a emissão do título de transmissão, e sempre após a venda, cujos pedidos vêm relatados no Despacho a começar na página 60 do DOC.1 junto ao requerimento inicial é mais que bastante para se concluir que a Requerida, sim, protelou a entrega do imóvel.
XVII. Além disso, consta das páginas 57-63 do DOC.1 junto com o requerimento de arresto uma missiva a interpelar a requerida para entrega do imóvel, e para indemnização pela ocupação abusiva, não tendo a mesma cuidado do levantamento da carta, o que reforça o protelar e a não vontade em pagar alguma quantia à Recorrente.
XVIII. Pelo que é evidente o erro do Tribunal de 1.ª Instância ao julgar não provado o protelamento e a recusa a proceder a pagamentos pela ocupação abusiva.
XIX. Um homem médio colocado nesta real situação, facilmente perceberia que havendo despachos a ordenar a entrega, e requerimentos da ora Recorrente a pedir a entrega coerciva, que o envelope junto, remetido pela requerida o escritório Advogado da aqui Recorrente, pelo seu tamanho, pelo registo na localidade da Requerida, é aquele onde veio as chaves do imóvel, não havendo outra forma de provar essa realidade... tendo-se de dar como indiciariamente provado o recebimento a dia 08/09/2025, data do recebimento desse envelope.
XX. E, por conseguinte, tem de ser dado como provado, indiciariamente, pelos despachos e requerimentos juntos no DOC.1, e ainda os ora juntos dos quais a Juiz a quo tinha conhecimento pelos seus poderes e competências funcionais, que a ocupação abusiva, geradora do direito indemnizatório, ocorreu do período compreendido entre a venda até ao dia 08/09/2025.
XXI. O legislador basta-se com a exigência de um juízo de probabilidade séria, apresentando-se como suficiente a fundada aparência do direito
XXII. A ora Recorrente demonstrou a aparência da existência do seu direito, contrariamente ao que foi, inversamente, e com erro, julgado pelo Tribunal de 1.ª Instância.
XXIII. A decisão que defira o arresto é proferida com base nos indícios – o fumus boni iuris já mencionado – e, em caso de procedência, a Requerida sempre poderá reagir ao decretamento, nos termos do art. 372.º do CPC, ou seja, pode: A) ser deduzida oposição pela requerida para invalidar os fundamentos de facto que serviram de suporte ao decretamento da providência (aí podendo vir dizer e provar, o que nunca conseguirá por a Recorrente estar a ser verdadeira nos autos, então que entregou o imóvel noutra data ou obter a redução da mesma aos justos limites, colocando em causa, por exemplo, o quantum do arresto) ou recorrer da decisão, não havendo que se improceder, sem mais, o arresto, com exigência probatórias desamparadas do crivo legal.
XXIV. Tratando-se de um procedimento cautelar apenso a uma ação principal já instaurada onde está carreada toda a prova, sempre podia o Juiz socorrer-se da mesma ação principal para julgar o apenso.
XXV. A ora Recorrente demonstrou os requisitos do Arresto e o mesmo deve ser decretado, pois é a única forma de a Recorrente salvaguardar que a Requerida não dissipa os fundos decorrentes do produto da venda, para se furtar ao pagamento à ora Recorrente.
XXVI. Entende-se que a Recorrente alegou os factos essenciais da causa de pedir do Arresto, que não há uma falta de narração absoluta desses factos.
XXVII. No limite, poderá haver imprecisão ou necessidade de complemento, mas o núcleo dos factos essenciais foi alegado e provado.
XXVIII. Não há comportamento grosseiro e indesculpavelmente negligente da Recorrente ao ponto do princípio do inquisitório ficar impedido de atuar para ultrapassar eventuais obstáculos.
XXIX. Nesse limite, sempre haveria lugar ao convite ao aperfeiçoamento – 590.º, n.º2, al. b) do CPC – mormente para ser densificado, caso se entenda necessário, o montante quantificado no requerimento inicial de arresto como sendo o do crédito existente (a alegação do facto essencial – o crédito [e o seu montante] ocorreu), em detrimento da cominação gravosa de julgar improcedente o procedimento cautelar, o que não tendo havido implica violação de princípios processuais – inquisitório – 367.º, n.º1 e 411.º do CPC- (este aqui também até por ter sido descurado o DOC.1) e cooperação – art. 7.º do CPC-, essencialmente – e torna nula a sentença proferida.
XXX. Pelo que se impõe a Revogação da sentença proferida pelo Tribunal a quo, por outra que não viole os mencionados princípios e direitos e ordene o decretamento do arresto requerido. Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, devendo V. Ex.ªs revogar a decisão proferida pelo Tribunal quo julgando verificados os requisitos do arresto, como é de inteira JUSTIÇA.».
No requerimento de recurso, a recorrente junta, sem nada justificar, três documentos.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), e tendo ainda em conta que “as questões que integram o objeto do recurso e que devem ser objeto de apreciação por parte do tribunal ad quem não se confundem com meras considerações, argumentos, motivos ou juízos de valor”, cabendo ao tribunal de recurso “apreciar as questões solicitadas, sob pena de omissão de pronúncia”, mas não “responder, ponto por ponto, a cada argumento que seja apresentado para a sua sustentação” (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª ed. actualizada, 2022, págs. 135 e 136), são as seguintes as questões a tratar: a) junção de documentos pela recorrente; b) impugnação da matéria de facto; c) (im)procedência da pretensão formulada pela requerente.
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Apreciemos a primeira questão.
Como se refere no relatório, no requerimento de recurso, a recorrente junta, sem nada justificar, três documentos.
Nos termos do art. 651º, nº 1, do C.P.C., as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
De acordo com o disposto no art. 425º do C.P.C., depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
No caso, a recorrente nada alega no sentido de que a apresentação dos documentos não tenha sido possível em momento anterior ao recurso. Aliás, nem sequer alega o motivo da junção dos documentos, sendo que parte deles até já se encontram juntos quer nestes autos, quer na acção principal.
Compulsados os concretos documentos, verifica-se que apenas a cópia do despacho identificado como Doc. 3 do recurso tem data posterior à do requerimento inicial, sendo o único cuja junção não fora possível anteriormente.
Assim, relativamente aos restantes documentos não se verifica que não pudessem ter sido juntos antes.
E como quer que seja, relativamente aos que já estão juntos a repetição da junção não tem qualquer fundamento e quanto aos demais, tendo em conta a factualidade em questão (que será melhor apreciada no tratamento da segunda questão), os mesmos não têm qualquer relevância para a apreciação do objecto do recurso, quer porque nada permitem concluir quanto à indiciação dos respectivos factos, quer porque se trata aqui de apreciar dos fundamentos da decisão recorrida, que foi tomada com base nos elementos existentes nos autos nessa data.
O que determina que não se admita a junção de documentos por parte da recorrente.
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Passemos à segunda questão.
O recurso pode ter como objecto a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e a reapreciação da prova gravada (cfr. art. 638º, nº 7, e 640º do C.P.C.).
No caso, a recorrente pretende que toda a matéria dos factos indiciariamente não provados seja considerada indiciariamente provada: 1. A requerida sempre atuou no sentido de habitar no imóvel da requerente sem nada lhe querer pagar. 2. Tentou foi protelar a entrega o mais possível, apresentando sucessivos requerimentos no processo judicial onde a venda ocorreu, para poder viver, o maior tempo possível, em imóvel alheio sem nada pagar. 3. Privando a requerente do seu uso até 08/09/2025, data em que a requerente recebeu o imóvel.
Pretende ainda a requerente que deveriam ser considerados os factos que alegou na petição inicial da acção principal, e que entende resultarem provados dos documentos que juntou, designadamente os respeitantes ao período de tempo em que a requerida ocupou o imóvel e ao valor pelo qual poderia arrendá-lo, que foram referidos na decisão recorrida como se tratando de factos essenciais não alegados no requerimento inicial da providência e sobre os quais inexiste prova documental.
Vejamos.
No que concerne à matéria indiciariamente não provada, retirando a parte que é conclusiva e considerando o que releva para apreciação do direito invocado pela requerente, verifica-se que a factualidade que daí decorre e que interessa averiguar se está ou não indiciada é:
- a requerida habitou no imóvel sem nada pagar à requerente;
- para o poder fazer pelo maior tempo possível, tentou protelar a entrega do imóvel o mais possível, apresentando sucessivos requerimentos no processo judicial onde a venda ocorreu;
- a requerente recebeu o imóvel em 08/09/2025.
E no que concerne à matéria não alegada no requerimento inicial dos presentes autos, mas alegada na petição inicial da acção principal, aquela com interesse para apreciação da existência do crédito invocada pela requerente é:
- a R. preferiu permanecer, sem nada pagar à A., no imóvel, depois da venda, sem o consentimento da A. (arts. 14º e 15º);
- os representantes legais da A. deslocaram-se ao imóvel e conversaram com a R., que afirmou que não abandonava o imóvel, invocando alegadas doenças, e foi pouco receptiva a mais conversa sobre o tema (art. 17º);
- por intermédio do seu Advogado, a R. pediu autorização ao Tribunal para permanência no imóvel após a venda (art. 18º);
- por despacho de 15/07/2025, notificado ao advogado da R. em 18/07/2025, foi decidido indeferir o requerido, “devendo a requerida entregar o imóvel, livre de pessoas e bens, à adquirente” (art. 19º);
- a A. interpelou a R. para desocupar o imóvel e entregar-lhe as chaves do mesmo até à data de 25 de Julho de 2025, por carta que enviou pelo correio, a qual veio a ser devolvida à remetente, pois a R. não cuidou da abertura da porta ao carteiro nem do levantamento da missiva no posto de serviços postais (arts. 20º e 21º);
- em 8 de Setembro de 2025 a A. recepcionou as chaves do imóvel via CTT (art. 22º);
- o valor da renda actual do imóvel de tipologia T2 ascende a €1.100,00 (art. 27º).
Não se considera com interesse, para este efeito, a matéria alegada no art. 31º da petição inicial da acção principal, que respeita a custos da A. com honorários de advogado, uma vez que estes se incluem nas despesas judiciais, as quais têm a sua sede própria de compensação no âmbito das custas de parte (cfr. art. 533º do C.P.C. e arts. 25º e 26º do Regulamento das Custas Processuais), relacionando-se com exigências de leis do processo e com custos judiciais cujo reembolso, pelo menos parcial, aí está previsto, pelo que não há lugar à atribuição de indemnização pelas mesmas.
As despesas com honorários são acauteladas em sede de custas e parcialmente, só havendo lugar à sua reparação integral pela parte contrária quando a lei o prevê especificamente, o que sucede apenas nos casos de litigância de má fé e de inexigibilidade da obrigação no caso previsto no art. 610º, nº 3, do C.P.C..
Afigura-se-nos assistir razão ao tribunal recorrido quando aduz que a recorrente não alegou os factos essenciais no requerimento inicial, o que lhe competia fazer, não podendo essa alegação ser substituída pela junção de cópia da petição inicial do processo principal e por uma remissão genérica para a mesma.
Com efeito, sendo certo que, de acordo com o disposto no art. 364º, nº 1, do C.P.C., excepto se for decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado, não é menos certo que, especificamente no que concerne à providência de arresto, resulta dos arts. 391º, nº 1, e 392º, nº 1, do C.P.C., que esta pressupõe a existência de um determinado e específico crédito do credor, que tem de deduzir no seu requerimentoos factos que tornam provável a existência desse crédito.
A referida “dependência” significa tão-só que o direito a acautelar no procedimento cautelar, e que no caso do arresto é um direito de crédito, constitui o fundamento da acção principal (instaurada ou a instaurar), tendo de haver coincidência (em termos jurídicos) entre o direito que se invoca num e noutro dos processos.
Como se diz no Ac. da R.C. de 19/03/2019, publicado em www.dgsi.pt, com o nº de processo 2560/10.9TBPBL-B.C1, “o referido art. 364º, nº 1, consagra as características da instrumentalidade e dependência. O procedimento cautelar surge para servir o fim da acção, e assim a relação entre o processo cautelar e o processo principal (de que aquele depende) é uma relação instrumental”.
Aliás, só esta situação acautela a garantia patrimonial decorrente do arresto, uma vez que, reconhecido definitivamente o crédito e sendo o mesmo dado à execução, o credor beneficia da conversão do arresto em penhora, nomeadamente podendo beneficiar da data da garantia inicial, valendo a penhora desde a data em que foi efectuado o arresto (caso contrário, o credor apenas lograria obter a penhora a partir da data em que a mesma fosse decretada “ex novo”).
Mas não significa que o credor, nos casos em que o procedimento cautelar seja instaurado quando a acção principal já está pendente, esteja dispensado de alegar os factos que integram a causa de pedir da existência do seu crédito. Até porque só com essa alegação é possível verificar se o direito de crédito que se pretende acautelar no procedimento cautelar é o mesmo que se pretende reconhecer na acção principal.
Ainda que assim não se entendesse, e se considerassem igualmente os referidos factos, alegados na petição inicial da acção principal, sempre a prova apresentada pela requerente (unicamente prova documental, não tendo sido indicadas quaisquer testemunhas) se mostra insuficiente para demonstrar, ainda que da forma indiciária e perfunctória que caracteriza os procedimentos cautelares, a realidade de todos esses factos, bem como dos factos considerados não indiciados na decisão recorrida.
Senão vejamos:
- o doc. 1 constitui cópia da petição inicial da acção principal e dos documentos juntos com esta: a petição inicial apenas comprova que a peça processual em causa foi entregue e com aquele teor, mas não comprova que os factos nela alegados correspondem à verdade; as notificações ao advogado da R. na acção de divisão de coisa comum comprovam que o mesmo é patrono nomeado e não mandatário constituído por intermédio de procuração, pelo que as mesmas não podem ter-se como interpelações à R. para deixar o imóvel, visto que aquele não dispõe de poderes para ser interpelado em representação desta (e daí que também não se tenham considerado os factos atinentes a tais notificações como tendo relevo para apreciar do direito que a requerente pretende fazer valer nos autos), nem comprovam a existência de qualquer interpelação feita directamente à própria requerida; apenas se encontra junto um requerimento apresentado pela R. na acção de divisão de coisa comum, peticionando o diferimento da desocupação, o qual foi decidido por despacho de 15/07/2025, notificado em 18/07/2025; o doc. 12 junto com aquela petição inicial apenas comprova que foi enviada uma carta pela A. à R. no dia 21/07/2025, registada com A/R, que não foi entregue, ficando a aguardar nos correios que fosse levantada pela destinatária, não tendo sido reclamada, pelo que foi devolvida ao remetente em 01/08/2025, mas não comprova que o seu conteúdo fosse o que foi junto pela A., sendo que esta missiva alude a um prazo até sexta-feira, dia 25/07/2025, mas está datada de 28/07/2025 (sendo evidente a existência de um lapso, só pela simples observação não é possível concluir em qual das datas está o lapso, sem que alguém, designadamente a pessoa que redigiu a carta, fosse ouvida como testemunha para explicar o sucedido e confirmar, ou não, o teor da carta); do mesmo modo, o envelope com a R. como remente e a A. como destinatário e a informação dos CTT apenas comprovam que uma encomenda postal foi enviada pela R. à A., remetida no dia 05/09/2025 e que chegou no dia 08/09/2025, mas não comprovam o conteúdo da encomenda, que poderia ser confirmado por prova testemunhal, por exemplo pela pessoa que recebeu o objecto postal na morada de destino ou por aquela que abriu a correspondência (não colhendo a argumentação da recorrente de que não havia “outra forma de provar essa realidade” – cfr. conclusão 19ª); os anúncios que integram o doc. 15 junto com aquela petição inicial só por si nada permitem concluir quanto ao valor da renda do imóvel em causa, deles apenas resultando que o apartamento T1 e o quarto anunciados foram colocados no mercado de arrendamento pelos preços aí constantes, mas não que tenha sido logrado o seu respectivo arrendamento pelos valores anunciados, nem que tais valores possam ser transponíveis para o apartamento vendido à ora recorrente;
- o doc. 2 constitui cópia do mesmo requerimento apresentado pela requerida na acção de divisão de coisa comum, peticionando o diferimento da desocupação, que já integra o doc. 1;
- o doc. 3 constitui cópia do requerimento de protecção jurídica apresentado pela requerida na Segurança Social em Abril de 2021, com vista a contestar a acção de divisão de coisa comum, e dele apenas resulta a situação económica que aquela declarou (não necessariamente real) naquela data (mesmo real, não necessariamente igual à sua situação em 2025), não tendo qualquer relação com os factos em análise no presente recurso;
- o doc. 4 constitui cópia do título de transmissão do imóvel, que já consta do doc. 1, e cuja factualidade já consta do ponto 5 dos factos indiciariamente provados, em nada relevando, também, para os factos em análise no presente recurso;
- o doc. 5 constitui cópia de um requerimento de um credor reclamante na acção de divisão de coisa comum, respeitante ao cálculo actualizado de juros, que igualmente nada interessa para os referidos factos; e
- o doc. 6 constitui cópia de um ofício do processo de execução nº ... do Juízo de Execução de Valongo, solicitando a penhora de créditos da requerida na acção de divisão de coisa comum, processo cuja existência já consta referida no ponto 8 dos factos indiciariamente provados, em nada relevando, igualmente, para os factos em análise no presente recurso.
Sendo esta a única prova produzida nos autos pela requerente, ora recorrente, verifica-se que da simples análise da mesma nada se pode concluir acerca da demonstração, ainda que indiciária, de que a requerida apresentou sucessivos requerimentos (para além do único respeitante ao diferimento da desocupação) e que o fez para protelar a entrega do imóvel o mais possível (até porque, mesmo considerando a data alegada pela recorrente, a entrega das chaves terá sucedido quando ainda não tinha ocorrido o trânsito em julgado do despacho de 15/07/2025) e poder nele habitar sem nada pagar pelo maior tempo possível, e de que recebeu o imóvel em 08/09/2025.
Nem de que:
- preferiu permanecer, sem nada pagar à A., no imóvel, depois da venda, sem o consentimento da A.;
- os representantes legais da A. deslocaram-se ao imóvel e conversaram com a R., que afirmou que não abandonava o imóvel, invocando alegadas doenças, e foi pouco receptiva a mais conversa sobre o tema;
- a A. interpelou a R. para desocupar o imóvel e entregar-lhe as chaves do mesmo até à data de 25 de Julho de 2025, por carta que enviou pelo correio, a qual veio a ser devolvida à remetente, pois a R. não cuidou da abertura da porta ao carteiro nem do levantamento da missiva no posto de serviços postais;
- em 8 de Setembro de 2025 a A. recepcionou as chaves do imóvel via CTT.
Já quanto ao facto do ponto 1 dos factos indiciariamente não provados, afigura-se-nos que os documentos juntos, designadamente o requerimento apresentado pela requerida em 13/05/2025 na acção de divisão de coisa comum (em que requer o diferimento da desocupação), permitem efectivamente concluir pela indiciação de que a requerida habitou no imóvel sem nada pagar à requerente, pelo que há que alterar em conformidade a matéria de facto. Aliás, igualmente há que dar como indiciada a apresentação daquele requerimento, posto que, ainda que não alegado nestes autos exactamente da forma alegada no art. 18º da petição inicial da acção principal, este facto está contido na alegação de que a requerida apresentou sucessivos requerimentos naquele processo - facto dado como indiciariamente não provado e que assim passará, parcialmente, para os factos indiciariamente provados.
Tratando-se de facto comprovado por documento, respeitante a decisão judicial proferida pelo tribunal na acção de divisão de coisa comum, o mesmo pode igualmente ser considerado nos factos indiciados por este tribunal de recurso, ainda que não alegado especificamente no requerimento inicial, pelo que igualmente se acrescentará a estes factos o facto de que por despacho de 15/07/2025, notificado ao advogado da R. em 18/07/2025, foi decidido indeferir o requerido, “devendo a requerida entregar o imóvel, livre de pessoas e bens, à adquirente”.
É, assim, de concluir que a impugnação da matéria de facto por parte da recorrente apenas merece provimento parcial nos termos acabados de referir, não merecendo provimento na parte restante.
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Para além do decidido quanto à impugnação da matéria de facto, há que conhecer ainda da seguinte questão que se levanta quanto à matéria elencada nos factos indiciariamente provados, usando da competência oficiosa que advém das disposições conjugadas dos arts. 663º, nº 2, e 607º, nº 4, do C.P.C.:
- no ponto 6 dos factos indiciariamente provados consta que a requerida não tem, actualmente, qualquer património.
Ora, tal facto não corresponde à verdade, como, para além dos documentos juntos aos autos, desde logo decorre dos pontos 4 e 5 dos factos indiciariamente provados, com os quais aquele está em contradição.
Efectivamente, a requerida tem um direito de crédito correspondente ao valor que lhe caberá receber da venda do imóvel ocorrida na acção de divisão de coisa comum, dinheiro que se encontra depositado à ordem desse processo, na proporção de metade do remanescente após pagamento das custas do processo e dos créditos graduados.
Tal direito de crédito constitui um bem pertencente à requerida e que, portanto, integra o seu património (cfr. arts. 202º, nº 1, 601º, 817º e 820º do C.C.).
O que significa que a redacção do ponto 6 (que, embora tenha uma componente de matéria de direito, tem igualmente uma componente fáctica, nomeadamente tendo em conta o tipo de acção aqui em causa) deve ser alterada, de modo a contemplar a existência daquele direito de crédito e a concretização de que a requerida não tem outro património para além deste bem.
Passa, pois, a ser a seguinte a redacção do ponto 6:
- a requerida não tem, actualmente, qualquer outro património, para além do direito de crédito correspondente ao valor que lhe caberá receber da venda do imóvel ocorrida na acção de divisão de coisa comum, dinheiro que se encontra depositado à ordem desse processo, na proporção de metade do remanescente após pagamento das custas do processo e dos créditos graduados.
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São, assim, as seguintes as alterações à matéria de facto:
- o ponto 6 dos factos indiciariamente provados passa a ter a seguinte redacção:
6. A requerida não tem, actualmente, qualquer outro património, para além do direito de crédito correspondente ao valor que lhe caberá receber da venda do imóvel ocorrida na acção de divisão de coisa comum, dinheiro que se encontra depositado à ordem desse processo, na proporção de metade do remanescente após pagamento das custas do processo e dos créditos graduados.
- aos factos indiciariamente provados acrescentam-se os seguintes pontos:
10. A requerida habitou no imóvel sem nada pagar à requerente;
11. Por intermédio do seu Advogado, a requerida apresentou o requerimento de 13/05/2025 na acção de divisão de coisa comum, cuja cópia constitui o doc. 2 junto com o requerimento inicial e cujo teor se dá por reproduzido, no qual requer:
“a) Seja determinada a disponibilização à Requerida de uma quantia não inferior a 15.000,00 €, a título de adiantamento, através de conta intermédia a constituir no processo;
(…)
c) Seja autorizada a permanência da Requerida no imóvel até que a verba seja disponibilizada, possibilitando assim a celebração de novo contrato de arrendamento.”;
12. Por despacho de 15/07/2025, notificado ao advogado da R. em 18/07/2025, foi decidido indeferir o requerido, “devendo a requerida entregar o imóvel, livre de pessoas e bens, à adquirente”;
- altera-se a redacção dos pontos 1 e 2 dos factos indiciariamente não provados nos seguintes termos:
1. A requerida sempre actuou no sentido de habitar no imóvel conforme descrito no ponto 10;
2. Tentou foi protelar a entrega o mais possível, apresentando sucessivos requerimentos no processo judicial onde a venda ocorreu, para além do aludido no ponto 11, para poder viver, o maior tempo possível, em imóvel alheio sem nada pagar.
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Resta apreciar a terceira questão.
Tendo em conta o resultado do tratamento da questão anterior, a factualidade a ter em conta para apreciação da pretensão da recorrente é a que consta dos factos dados como indiciados na decisão recorrida, com as alterações aos pontos supra referidos, conforme se passa a descrever:
«1. No dia 11/09/2025, a requerente apresentou a petição inicial junta como doc. nº 1 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, pedindo a condenação da requerida a pagar à requerente a quantia total de €6.430,00 (seis mil quatrocentos e trinta euros), pela privação de uso do imóvel que provocou à requerente.
2. Tal petição veio a ser distribuída e a dar lugar aos autos principais onde este procedimento foi apenso – n.º 3106/25.0T8VLG a correr termos neste Juízo Local Cível de Valongo – Juiz 2.
3. A requerida não trabalha e não tem qualquer rendimento mensal, conforme a mesma confessa no requerimento da mesma apresentado recentemente no processo nº ..., junto como doc. nº 2, cujo teor se dá por reproduzido.
4. O único bem que tinha era ½ imóvel, conforme a mesma declarou no requerimento de proteção jurídica junto como doc. nº 3, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
5. Esse imóvel foi vendido à requerente no processo judicial nº ... a correr termos no Juízo Local Cível de Valongo – Juiz 2, pelo valor de € 150.777,77, (que será a dividir pelos dois ex-proprietários), conforme título de transmissão junto como doc. nº 4, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.»
6. A requerida não tem, actualmente, qualquer outro património, para além do direito de crédito correspondente ao valor que lhe caberá receber da venda do imóvel ocorrida na acção de divisão de coisa comum, dinheiro que se encontra depositado à ordem desse processo, na proporção de metade do remanescente após pagamento das custas do processo e dos créditos graduados.
«7. Os créditos reclamados pelo credor hipotecário ascendem a € 21.054,33, conforme doc. nº 5, cujo teor se dá por reproduzido.
8. A requerida tem um processo executivo, com o nº ..., a correr contra si no Juízo de Execução de Valongo – Juiz 1 – conforme resulta do ofício junto como doc. nº 6, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
9. Enviada uma carta pela requerente à requerida, a mesma não atendeu o carteiro nem cuidou do seu levantamento atempadamente, tendo a carta sido devolvida à requerente, conforme resulta da documentação anexa no doc. nº 1.»
10. A requerida habitou no imóvel sem nada pagar à requerente.
11. Por intermédio do seu Advogado, a requerida apresentou o requerimento de 13/05/2025 na acção de divisão de coisa comum, cuja cópia constitui o doc. 2 junto com o requerimento inicial e cujo teor se dá por reproduzido, no qual requer:
“a) Seja determinada a disponibilização à Requerida de uma quantia não inferior a 15.000,00 €, a título de adiantamento, através de conta intermédia a constituir no processo;
(…)
c) Seja autorizada a permanência da Requerida no imóvel até que a verba seja disponibilizada, possibilitando assim a celebração de novo contrato de arrendamento.”;
12. Por despacho de 15/07/2025, notificado ao advogado da R. em 18/07/2025, foi decidido indeferir o requerido, “devendo a requerida entregar o imóvel, livre de pessoas e bens, à adquirente”.
Igualmente os factos não indiciados são os que constam da decisão recorrida, com as alterações determinadas na questão anterior, conforme se passa a descrever:
1. A requerida sempre actuou no sentido de habitar no imóvel conforme descrito no ponto 10;
2. Tentou foi protelar a entrega o mais possível, apresentando sucessivos requerimentos no processo judicial onde a venda ocorreu, para além do aludido no ponto 11, para poder viver, o maior tempo possível, em imóvel alheio sem nada pagar.
«3. Privando a requerente do seu uso até 08/09/2025, data em que a requerente recebeu o imóvel.»
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A requerente instaurou o presente procedimento cautelar peticionando o decretamento da providência de arresto.
Dispõe-se no art. 391º, nº 1, do C.P.C. que o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.
O que significa que são basicamente necessários dois requisitos para o decretamento da providência:
- que exista um crédito do requerente sobre o requerido;
- que o credor tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito.
Relativamente ao primeiro requisito, a matéria de facto indiciariamente provada, mesmo com as alterações introduzidas, não permite concluir pela sua existência.
Na verdade, a requerida, comproprietária do imóvel objecto da acção de divisão de coisa comum, habitava no mesmo quando foi vendido nesse processo, tendo apresentado um requerimento, ainda antes de ser passado o título de transmissão à adquirente, ora recorrente (o requerimento data de 13/05/2025 e o título de transmissão de 15/05/2025), para que lhe fosse disponibilizado um adiantamento sobre a quantia a receber e lhe fosse permitido permanecer no imóvel até que essa quantia lhe fosse entregue, para poder celebrar um contrato de arrendamento. Sobre esse requerimento veio a ser proferida decisão em 15/07/2025, sendo o pedido indeferido, e o despacho foi notificado em 18/07/2025.
Significa isto que, mesmo que tivesse ficado demonstrado que a entrega das chaves do imóvel à recorrente ocorrera na data por esta alegada, 08/09/2025 (por carta remetida em 05/09/2025), o despacho ainda não tinha transitado em julgado quando o imóvel foi entregue à compradora.
Por outro lado, não ficou demonstrada a existência de qualquer interpelação anterior da requerida por parte da compradora, fosse para entregar o imóvel, fosse para pagar alguma quantia pela utilização (como já se disse supra, não valem para o efeito quaisquer contactos que tivessem ocorrido entre o mandatário da ora recorrente e o patrono da requerida, posto que este, sendo patrono nomeado, apenas goza de poderes forenses gerais, não tendo poderes para ser interpelado em nome da requerida).
Assim, considerando que a entrega do bem não tem de ser contemporânea da transmissão da propriedade, que não ficou demonstrada a interpelação da requerida para essa entrega em determinada data, e que a entrega do bem ocorreu antes do trânsito em julgado do despacho de 15/07/2025, que determinou à requerida essa entrega, não pode senão concluir-se que não se mostra verificado o requisito da existência de um crédito da requerente respeitante a indemnização por privação do uso do imóvel.
Assim, e em face de quanto se referiu, verifica-se desde logo que falta o primeiro requisito essencial para o decretamento da providência requerida – a existência do invocado direito de crédito da requerente –, tal como se entendeu na decisão recorrida.
Donde, porque os requisitos são de verificação cumulativa, conclui-se, sem necessidade de apreciação do segundo requisito, que não há que decretar a providência requerida.
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Em face do resultado do tratamento das questões analisadas, é de concluir pela não obtenção de provimento do recurso interposto pela requerente e, com excepção das alterações à matéria de facto conforme referido supra, pela consequente confirmação da decisão recorrida.
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III - Por tudo o exposto, acorda-se em:
a) não admitir a junção dos documentos apresentados com o requerimento de recurso;
b) alterar a decisão proferida quanto à matéria de facto, nos termos supra referidos;
c) no mais, negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente (art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.).
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Notifique.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora - art. 663º, nº 7, do C.P.C.):
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datado e assinado electronicamente
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Porto, 27/11/2025
Isabel Ferreira
Paulo Dias da Silva
Isabel Silva