INDEMNIZAÇÃO
DIREITO À VIDA
Sumário

(da responsabilidade da Relatora)
A vida humana é, entre os bens de carácter eminentemente pessoal, o bem supremo e o prejuízo decorrente da sua perda é insusceptível de avaliação em dinheiro, na esteira da máxima importância que os direitos fundamentais e valores da pessoa humana assumem, num Estado de Direito, assente na dignidade humana.
Em face das circunstâncias concretas em que ocorreu a morte da vítima, da gravidade extrema do dano, do enorme impacto psicológico e emocional que a sua morte causou, na esfera individual dos seus pais, ponderando que o montante da reparação deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de prudência, de senso prático e de justa medida das coisas, que estando em causa danos não patrimoniais, os tribunais de recurso devem limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, as regras do artigo 496º, nº 3 do Código Civil, que não é o caso, que dada a exponencial dimensão do desgosto que é perder um filho, no caso, ampla e profusamente demonstrado, a compensação fixada afigura-se equitativa, justa e proporcionada e está em sintonia com os critérios e quantias normalmente fixados na jurisprudência do STJ, em situações semelhantes, mas ocorridas já há alguns anos, que ascendem já a € 40.000,00, em média.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes da 3º Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
Por sentença proferida em ... de ... de 2025, no processo comum singular nº 218/22.5GLSNT do Juízo Local Criminal de Sintra - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi decidido:
A) Condenar o arguido AA pela prática em autoria material e na forma consumada em ... de ... de 2022, de um crime condução perigosa de veículo rodoviário agravado pelo resultado morte, dos artigos 291º nº 1 als. a) e b) e nº 3, 294º nº 3, ex vi do artigo 285º, por referência ao disposto nos artigos 21.º e 23.º do Regulamento de Sinalização de Trânsito (Decreto Regulamentar n.º 22-A/98) e 146.º, alínea n) e 147.º, n.º 2, do Código da Estrada e aos artigos 81.º, n.º 1 e 2 e 6, alínea b), artigo 30.º, n.º 1, e 2, e 145.º, n.º 1, alínea f), do Código da Estrada na pena de 2 (dois) anos de prisão e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 1 (um) ano e 2 (dois) meses nos termos do artigo 69º, nº 1, al. a) do CP.
B) Suspender nos termos do artigo 50º, nºs 1 e 5 e 51º nº 1, al. c) e nº 2 do CP, na sua execução e pelo período de 2 (dois) anos a pena de prisão aplicada em A), subordinando-a ao cumprimento pelo arguido, no mesmo período, do seguinte dever:
Pagamento a favor da Prevenção Rodoviária Portuguesa da quantia de seis mil euros, o que comprovará nos autos;
D) Julgar o pedido civil parcialmente procedente e em consequência condenar a demandada ... a pagar aos demandantes BB e CC:
- a quantia de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros) a repartir pelos demandantes, pelo dano morte;
- a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) por danos morais sofridos pela vítima;
- a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros) devida a cada um dos demandantes por danos morais próprios;
Todas acrescidas de juros desde a data da presente sentença até pagamento.
- a quantia de € 3.080,00 (três mil e oitenta euros) por danos patrimoniais sofridos pela demandante pela perda do motociclo, acrescida de juros desde a data da notificação do pedido até pagamento.
No mais, absolvendo a demandada do peticionado.
E) Condenar demandantes e demandada nas custas do pedido civil na proporção do seu decaimento, respectivamente em 1,55% e em 98,45%.
A responsável civil, ... interpôs recurso da sentença, tendo, para o efeito, formulado as seguintes conclusões:
1. A douta Sentença recorrida condenou a ora Recorrente no pagamento da quantia de quantia global de 213.080,00€ (duzentos e treze mil e oitenta euros) a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, sendo 120.000,00€ (cento e vinte mil euros) pelo dano morte, 10.000,00€ (dez mil euros) pelos danos morais sofridos pela vítima, 40.000,00€ (quarenta mil euros) pelos danos morais do Assistente, 40.000,00€ (quarenta mil euros) pelos danos morais da Assistente, acrescidos de juros de mora contados desde a data da decisão, e ainda a quantia de 3.080,00€ (três mil e oitenta euros) pelos danos patrimoniais sofridos pela Demandante com a perda do motociclo, acrescida de juros desde a data da notificação do pedido até pagamento.
2. Não se conformando a Recorrente com a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo, vem da mesma interpor recurso, por considerar ter existido a fixação de valores indemnizatórios manifestamente excessivos a título de danos não patrimoniais sofridos pela vítima e pelos Demandantes, incorrendo na violação do disposto nos artigos 483.º, 487.º, 494.º, 496.º, n.ºs 3 e 4, 562.º, 564.º, n.º 1, todos do Código Civil, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que faça a correta aplicação do Direito.
3. A título de danos não patrimoniais sofridos por ambos os Demandantes, decidiu a Mma. Juiz a quo condenar a ora Recorrente no pagamento da quantia de 40.000,00€ (quarenta mil euros) devida a cada um dos Demandantes por danos morais próprios, no montante global de 80.000,00€ (oitenta mil euros).
4. Acontece, porém, que pese embora esteja manifestamente consolidado na Jurisprudência a orientação de que, em caso de morte, podem ser atendidos o dano perda do direito à vida, o dano pré-morte e, bem assim, os danos morais sofridos pelos familiares, importa não olvidar que o quantum indemnizatório não pode ser fixado de forma arbitrária e injusta.
5. Nesta senda, conforme os ensinamentos do Professor Doutor Adriano Vaz Serra, in Reparação dos danos não patrimoniais, BMJ, n.º 83, pág. 83., a satisfação ou compensação dos danos morais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um equivalente do dano, isto é, de um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão. Trata-se de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que esta, sendo ofensa moral, não é suscetível de equivalente.
6. Razão pela qual, no cálculo dos danos não patrimoniais há necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica uma interpretação e aplicação uniformes do Direito, tendo-se particularmente em vista as exigências de segurança, igualdade e equidade na realização da justiça.
7. Destarte, não obstante a gravidade dos factos em causa, entende a Recorrente que a decisão proferida, no que aos danos não patrimoniais diz respeito, desconsidera os princípios da equidade e da proporcionalidade, impondo-se, pois, a sua revogação e alteração por outra decisão que respeite os critérios definidores da justa responsabilidade da Recorrente, impondo-se, por essa razão, a redução dos valores condenatórios nos termos propugnados no presente recurso.
8. A este propósito, importa ter em consideração que em dois casos semelhantes aos dos presentes autos, foram fixados montantes indemnizatórios de 30.000,00€ (trinta mil euros) a cada um dos pais da vítima, para os ressarcir do sofrimento causado pela morte de um filho (vide Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça Procs. n.ºs 7559/12.8TBMAI.P1.S1 e 3316/13.2TJVNF.G1.S1).
9. O valor indemnizatório decorrente dos danos morais dos Demandantes arbitrados, respetivamente, em 40.000,00€ (quarenta mil euros), são, no caso concreto, desadequados, desajustados e desapropriados, afigurando-se manifestamente excessivos e desenquadrados com os montantes habitualmente fixados em casos semelhantes pela Jurisprudência superior.
10. Tal valor deve ser substancialmente reduzido, considerando as circunstâncias apuradas nos autos, os critérios estatuídos no artigo 496.º, do Código Civil, e, bem assim, os critérios orientadores da mais recente Jurisprudência, para valor não superior a 30.000,00€ (trinta mil euros), que se afigura ser o valor mais justo e equitativo face ao caso sub judice.
11. Por sua vez, no que concerne aos danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima, o denominado dano pré-morte, o Tribunal de que se recorre considerou adequado fixar, equitativamente, a quantia de 10.000,00€ (dez mil euros), considerando a Recorrente que tal valor é manifestamente excessivo e desatende às circunstâncias do caso concreto e apuradas nos autos.
12. Não obstante as lesões sofridas pela vítima, dos autos resultou unicamente provado que decorreram apenas 30 (trinta) minutos entre o momento do acidente e a morte de DD e, bem assim, que a vítima esteve em agonia e sentiu dores, inexistindo qualquer referência relativa à perceção da vítima, se esta se manteve consciente ou inconsciente, qual a intensidade das dores, entre outros fatores relevantes.
13. No seio da Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, constitui entendimento pacífico que os valores a fixar, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil, oscilam em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente das lesões sofridas, da intensidade das dores sofridas, do período durante a qual as dores se prolongam e do eventual pressentimento da morte.
14. Atendendo à matéria de facto dada como provada, que se reconduz, essencialmente, ao período de 30 (trinta) minutos que mediou entre o momento do acidente e a morte de DD e ainda que a vítima esteve em agonia e sentiu dores, o valor de 10.000,00€ (dez mil euros) fixado a este título é excessivo e desproporcional, implicando a consequente redução do valor arbitrado para a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros), sob pena de violação do princípio da igualdade e da equidade.
15. Em face do que precede, o Tribunal a quo não fez a correta subsunção da matéria de facto provada ao Direito tendo, no que diz respeito ao quantum indemnizatório, incorrendo na errónea aplicação dos artigos 494.º, 496.º, 562.º, e 566.º, todos do Código Civil, entendendo a Recorrente que deverá a decisão proferida ser revogada e, em consequência, ser substituída por outra que fixe valores indemnizatórios justos, equitativos e proporcionais, sem descurar as circunstâncias apuradas e a prática jurisprudencial, com todas as devidas e legais consequências.
Termos em que, pelo exposto, se requer a V. Exas. Venerandos Juízes Desembargadores que seja concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, seja revogada a douta Sentença recorrida, com todas as devidas e legais consequências, como é da mais inteira JUSTIÇA!
Admitido o recurso, responderam o Mº.Pº., bem como os assistentes BB e EE.
O Mº. Pº. respondeu nada ter a dizer, visto tratar de recurso exclusivamente em matéria civil.
Na sua resposta, os assistentes BB e EE, formularam as seguintes conclusões:
A. O objeto do recurso apresentado centra-se apenas nas indemnizações por danos morais sofridos pela vítima e na devida a cada um dos demandantes, por danos morais próprios.
B. Pela análise das circunstâncias do caso concreto, dos factos provados e da análise da jurisprudência proferida em situações semelhantes, tem necessariamente de se concluir que as indeminizações arbitradas pelo Tribunal a quo para cada um dos danos em crise foi totalmente acertada.
Por todo o exposto, deve o presente Recurso improceder e com ele levar-se ao final do presente processo que os Assistentes vivenciam desde a morte do seu filho, assim se fazendo a justiça possível.
Remetido o processo a este Tribunal, na vista a que se refere o art. 416º do CPP, a Exma. Sra. Procuradora Geral da República Adjunta apôs visto.
Colhidos os vistos e realizada a conferência prevista nos arts. 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre, então, decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DO ÂMBITO DO RECURSO E DAS QUESTÕES A DECIDIR:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005).
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061).
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
Seguindo esta ordem lógica, no caso concreto e atentas as conclusões, as questões a decidir, neste recurso, são as seguintes:
Se a compensação por danos não patrimoniais arbitrada aos Lesados, deve ser reduzida para € 30.000,00;
Se a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima nos momentos que antecederam a sua morte deve ser reduzida de € 10.000,00 para € 5.000,00.
2.2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto dada como provada, na sentença, é a seguinte:

No dia ........2022, pelas 20h00m, na ..., em Sintra, o arguido conduziu o veículo ligeiro de passageiros de marca ..., ... 683 LY, com a matrícula FF MT.

Nas referidas circunstâncias de tempo e de lugar, o arguido, conduzindo o referido veículo, fazia o trajecto da localidade de ..., em direcção a Lisboa, localidade onde residia, e aproximava-se do cruzamento com a ..., que liga as localidades do ... e de ....

No interior deste automóvel seguiam GG, mulher do arguido, e a filha do casal, então com nove anos de idade.

O arguido conduzia o referido veículo com álcool no sangue, apresentando pelas 22h10 (hora em que foi efectuada a colheita da respectiva amostra de sangue) uma TAS de 1,14 gramas por litro, a qual, descontando o erro máximo admissível, corresponde à taxa de 0,99 gramas por litro.

No mesmo dia e hora referidos em 1º, HH conduzia o veículo motociclo de marca ..., modelo RE 1, com a matrícula ..-PR-.., na ..., no sentido ..., a uma velocidade que concretamente não foi possível apurar.

Na ..., na aproximação do cruzamento com a ..., encontrava-se instalado o sinal B2, designado por “STOP”, que corresponde à paragem obrigatória em cruzamentos ou entroncamentos, e ainda o sinal D3a, que corresponde à obrigação de contornar a placa ou obstáculo, que nas circunstâncias de tempo e lugar antes referidas se encontravam visíveis e perfeitamente legíveis.

A ..., naquele local, é uma via de comunicação terrestre destinada ao trânsito público, com uma largura de 7,30 (sete metros e trinta centímetros).

É composta por uma faixa de rodagem em recta, com duas vias de trânsito, uma em cada sentido de circulação, e um cruzamento com acesso à localidade de ..., bem como à ....

O pavimento, betuminoso, encontrava-se em bom estado de conservação, dispunha de marcas rodoviárias, sinalização vertical e sinalização luminosa, todas em bom estado de utilização e visualização.
10º
No local não existiam bermas, mas a via encontrava-se ladeada por passeios.
11º
A iluminação pública ali existente encontrava-se em funcionamento.
12º
Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, o pavimento encontrava-se seco e limpo, e não existiam obstáculos na via.
13º
A via em causa dispunha de boa visibilidade em toda a sua largura e extensão, sem obstáculos naturais ou obstruções visuais.
14º
Não chovia nem existia nevoeiro.
15º
A circulação de veículos com motor, nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, era diminuta.
16º
A velocidade legalmente imposta para aquela via era de cinquenta quilómetros por hora.
17º
Ao chegar ao cruzamento da ... com a ..., o arguido não imobilizou o veículo que conduzia, mas pelo contrário imprimiu-lhe velocidade e fê-lo atravessar o cruzamento antes referido, sem se assegurar da existência de outros veículos que ali seguiam, em especial os que se apresentavam à sua direita.
18º
No momento em que atravessou o cruzamento, em velocidade que concretamente também não se logrou apurar, o veículo conduzido pelo arguido veio a colidir com a parte frontal direita na parte frontal esquerda do motociclo conduzido por DD.
19º
Da colisão resultou a projecção do corpo de DD para o pavimento da via.
20º
Como consequência directa e necessária da colisão verificada, DD sofreu as seguintes lesões, descritas no relatório de autópsia médico-legal realizada em ........2022:
A. No hábito externo
...: Escoriação com 5,5 x 1 cm de maiores dimensões, no flanco esquerdo ...: Escoriação com 2 cm de diâmetro na linha média lombar. Membro superior direito: Ferida contusa com 2 cm de comprimento, na face anterior do punho. Membro superior esquerdo: Mobilidade anormal do terço médio do braço. Membro inferior direito: Escoriação com 5 x 0,5 cm de maiores dimensões, na face anterior do terço distal da coxa
Membro inferior esquerdo: Escoriação com 4 x 3,5 cm de maiores dimensões, na face anterior do joelho. Escoriação com 3 x 3 cm de maiores dimensões na região poplítea.
B. No hábito interno
1. CABEÇA
Meninges: Hemorragia subaracnoideia parietotemporal direita.
Encéfalo: Edema marcado. Parênquima amolecido. Vasos da base sem alterações macroscópicas. Ventrículos com LCR com sangue. Sem alterações focais nas seções de corte. Peso: 1617 (g) Fossas nasais, seios maxilares, frontais e esfenoidais:
Fossas nasais com sangue.
2. PESCOÇO
Laringe e traqueia: Vestígios de sangue.
Faringe e esófago: Paredes de mucosa esbranquiçada com lúmen vazio.
3. TÓRAX
Paredes: Infiltração sanguínea dos tecidos moles adjacentes às fraturas a seguir descritas.
Clavícula, Cartilagens e Costelas Direitas: Fraturas, de bordos irregulares e infiltrados de sangue, do 4º ao 6º arcos costais anteriores e do 1º ao 2º arcos costais laterais.
Traqueia e brônquios: Vestígios de sangue.
Pleura parietal e cavidade pleural direita: Sem aderências. Com hemotórax de 200 cc.
Pleura parietal e cavidade pleural esquerda: Sem aderências. Com hemotórax de 100 cc.
Pulmão direito e pleura visceral: Pouco expandido. Hipocrepitante. Infiltração sanguínea do hilo. Focos de contusão dos lobos inferior e médio. Parênquima com congestão ligeira nas seções de corte. Peso: 605 (g)
Pulmão esquerdo e pleura visceral: Pouco expandido. Hipocrepitante. Infiltração Sanguínea do hilo. Focos de contusão do lobo inferior. Parênquima com congestão ligeira nas seções de corte. Peso: 507 (g)
4. ABDÓMEN
Peritoneu e cavidade peritoneal: Sem aderências. Com hemoperitoneu de 150 cc.
Fígado: Consistência firme. Duas Lacerações da cápsula e parênquima do lobo direito, a mais superior com 5 cm e a mais inferior com 2 cm de comprimento. Parênquima com congestão ligeira e de coloração castanha–avermelhada nas seções de corte.
Peso: 1613 (g)
Pâncreas: Focos dispersos de autólise. Peso: 114 (g)
Baço: Infiltração sanguínea do hilo. Cápsula lisa e brilhante. Polpa de consistência firme. Peso: 171 (g)
5. MEMBROS
Membro superior esquerdo: Com fratura da diáfise distal do úmero, de bordos irregulares e infiltrados de sangue.
21º
Tais lesões foram a causa directa e necessária da morte de DD, ocorrida no local trinta minutos após a colisão, pelas 20h30m.
22º
O arguido sabia que antes de iniciar a condução do referido veículo tinha ingerido bebidas com teor alcoólico em quantidade suficiente para determinar uma taxa de álcool no sangue, e que por essa razão não se encontrava em condições de o fazer em segurança.
23º
O arguido sabia também que pela existência do sinal STOP no local estava obrigado a imobilizar completamente o veículo que conduzia antes de atravessar o cruzamento onde se encontrava, e a ceder passagem aos veículos que se apresentassem pela direita.
24º
O arguido previu como possível que no mencionado cruzamento pudessem circular outros veículos e que em virtude da sua actuação, podia colidir com outros veículos que ali transitassem, atingindo o respectivo condutor, resultado esse que, no entanto, não quis e com o qual não se conformou.
25º
Com a conduta descrita, porém, agiu o arguido com o propósito concretizado de atravessar o cruzamento identificado, nas condições acabadas de referir, colocando em perigo a vida e a integridade física de terceiros, designadamente, a vida de DD, que acabou por falecer, e a integridade física de II e a filha do casal.
26º
Com a conduta acima descrita o arguido agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
27º
O arguido não procedeu como podia e devia e lhe era exigível e se lhe impunha, em conformidade com o descrito em 22. e 23., naquelas circunstâncias concretas, e agiu com manifesta falta de cuidado que o dever geral de prudência aconselha, omitindo cautelas elementares e exigíveis à condução automóvel de que era capaz de adoptar, sendo certo que se o tivesse feito teria evitado aquele embate e, em consequência, que DD sofresse as referidas lesões no seu corpo, as quais ditaram a sua morte.
28º
Com a conduta acima descrita no ponto anterior, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, apesar de não ter previsto a possibilidade de com a sua conduta vir a provocar as referidas lesões no corpo de DD e, consequentemente, a sua morte.
Mais se provou que:
29º
O cruzamento onde o acidente ocorreu consiste actualmente numa rotunda.
30º
O arguido não tem antecedentes criminais
31º
Condição social e percurso de vida do arguido:
O arguido cresceu no agregado dos progenitores e de uma irmã mais velha, num estilo educativo regrado que lhe incutiu valores de poupança, racionalidade, escola e trabalho. O progenitor era Major da Força Aérea Portuguesa e responsável pelo departamento de pessoal, tendo integrado uma missão na ..., em período imediatamente precedente à Revolução do 25 de Abril, acompanhado pelo agregado.
AA estabeleceu um primeiro matrimónio, sem descendência, que perdurou sete anos. Há catorze anos voltou a casar, relação da qual nasceu a sua única filha.
Na atualidade, os progenitores integram um lar das ..., em ..., ainda que mantenham a autonomia pessoal. A irmã é caracterizada como estável e próxima do arguido.
AA reside em habitação própria, no centro de Lisboa.
No âmbito académico concluiu uma licenciatura em Gestão no ... (...). Posteriormente, realizou pós-graduações e mestrado nas áreas da gestão bancária e gestão de investimento imobiliário, valorizando a atualização contínua de conhecimentos/competências profissionais.
AA, à data dos factos encontrava-se numa empresa familiar na área da gestão de fundos imobiliários, tendo mudado para outra empresa do ramo, mais recente e de maior dimensão.
O arguido iniciou a sua trajetória laboral após conclusão da licenciatura, em uma empresa de consultoria ao investimento imobiliário. Durante dezassete anos desenvolveu atividade em gestão de fundos imobiliários bancários, findos quais transitou para uma sociedade na mesma área. AA apresenta um percurso laboral sólido e constante.
No exercício da sua actividade profissional aufere o vencimento mensal de 6000€. Despende mensalmente a quantia de 1500€ relativa a crédito habitação, acrescida de 200€ de seguros e de 150€ a título de condomínio. Suporta ainda a prestação do colégio da filha no valor de € 100,00.
O arguido é tido como uma pessoa trabalhadora, tranquila e racional.
Nos tempos livres pratica desporto, frequenta cursos/ações formativas, lê, passeia e viaja.
A presente situação jurídico-penal teve impacto emocional na sua vida. Em período posterior ao acidente, recorreu a ajuda psicoterapêutica especializada pontual, tendo redirecionado o seu processo de luto interno para práticas de oração e caminhadas focadas na vítima.
Do pedido civil deduzido pelos assistentes provou-se ainda que:
32º
À data do acidente descrito, a ..., através do contrato de seguro com a apólice ..., tinha assumido a responsabilidade decorrente da circulação do veículo de marca ..., modelo Velar, de matrícula ....
33º
Os demandantes são pais do falecido DD, nascido a ........2002 e seus únicos herdeiros (fls. 282/285)
34º
Por missiva remetida à demandante a ........2022, junta a fls. 286 e cujo teor se dá como reproduzido, a demandada considerou que a reparação do motociclo de matrícula ..-PR-.. ascendia a um custo de € 5.112,85 superior ao valor venal do mesmo (€ 3.200,00) pelo que assumiu-se responsável pelo pagamento da quantia de € 3.080,00 (deduzida do valor de € 102,00 do salvado).
35º
Desde o momento do acidente e a sua morte, durante trinta minutos, DD este em agonia e sentiu dores.
36º
A propriedade do motociclo sinistrado mostrava-se registada a favor da demandante, o qual, devido ao acidente, ficou incapaz de circular.
37º
A vítima fazia uso de capacete de marca e valor não apurados, desconhecendo-se se ficou inutilizado em consequência do acidente.
38º
DD era um jovem saudável, alegre, feliz, meigo e querido para os seus familiares e amigos.
39º
Era solteiro e tinha uma namorada.
40º
Frequentava o curso de Engenharia informática e computadores no ....
41º
Praticava desporto e tinha uma vida social activa.
42º
Residia com a mãe e com a sua irmã menor de idade, passando fins de semana com o pai de forma quinzenal.
43º
Tinha com a sua família e amigos uma relação estável, de harmonia e felicidade.
44º
Era a alegria da casa e ajudava os pais e na educação da irmã.
45º
Com a morte de JJ, os demandantes passaram a viver profundamente tristes e amargurados.
46º
Recorrendo desde então a apoio profissional em consultas de psiquiatria.
47º
A forma trágica e repentina que levou à perda do filho está todos os dias presente na memória dos demandantes.
48º
Em consequência do que deixaram os demandantes de ter vida social, de conviver com amigos, tendo tido dificuldades em manter o exercício das suas actividades profissionais.
B) Factos não Provados:
Não resultaram demonstrados os demais factos descritos na decisão instrutória que se mostram em contradição com os dados como provados.
Não se provaram ainda os factos narrados na contestação que se dão aqui como reproduzidos.
Assim, com interesse à causa, não se provou designadamente que:
- O arguido não tinha visibilidade suficiente para a via onde circulava o motociclo e por isso não viu a sua aproximação de modo a evitar o embate;
- no momento da colisão o arguido seguia a uma velocidade de 37km/h ao passo que o motociclo seguia a uma velocidade de 59km/h.
- se o motociclo seguisse a uma velocidade de 50Km/h aquando da colisão podia não ter vindo a perder a vida;
Do pedido civil não se provou:
- a demandante suportou um prejuízo no valor de 960€ resultante da privação do uso do motociclo pela sua imobilização durante 96 dias;
- que o capacete da vítima tivesse ficado inutilizado em decorrência do acidente e que estivesse avaliado em 368,96€.
- a vítima residia de forma alternada com os seus progenitores;
2.3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
A recorrente insurgiu-se contra a sua condenação ao pagamento da quantia €40.000,00 (sessenta mil euros) a cada um dos Demandantes pelos danos não patrimoniais sofridos com a perda do filho, num total de € 80.000,00 (cento e vinte mil euros), por considerar excessiva tal compensação.
O único requisito de que o art. 496º do Código Civil faz depender a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais é a sua gravidade.
A gravidade do dano não patrimonial é um conceito vago e relativamente indeterminado, que terá de ser preenchido valorativamente, de forma individualizada, caso a caso, de acordo com o concreto acervo factual adquirido.
Em atenção a tal exigência, só serão indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, mas excluindo-se, tanto quanto possível, a subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana e apreciando-se a gravidade em função da tutela do direito; o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado (neste sentido, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume I, 7.ª edição, p. 600 (e 10.ª edição, p. 606); Vaz Serra, RLJ, ano 109.º, p. 115; Rabindranath Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995, p. 459, Jorge Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, 2003, volume I, p. 491; Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, Almedina, 1980, p. 268).
«Como ponto de partida, a “gravidade” não deve ter a ver com o montante: apenas com a seriedade – ou melhor: a juridicidade – da situação. Na presença de um direito de personalidade, tal “gravidade” tem-se como consubstanciada: a indemnização deve ser arbitrada» (Meneses Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo III, Pessoas, Almedina 2004, p. 112).
O montante pecuniário da compensação deve fixar-se equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias a que se reporta o artigo 494º do Código Civil (artigo 496º nº 4, primeira parte, do Código Civil).
As circunstâncias a que, em qualquer caso, o artigo 496º nº 4, manda atender são o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Ao contrário do que sucede com os danos patrimoniais em que impera o princípio da reconstituição natural e, subsidiariamente, o da indemnização por equivalente, como forma de repor a esfera jurídica do lesado, no estado em que estaria, se não fosse a verificação dos danos, quando estes têm natureza não patrimonial, do que se trata é de mitigar o sofrimento provocado, de proporcionar ao lesado determinadas satisfações que contrabalancem as dores e os desgostos causados pela lesão, porque atingem bens como a saúde, o bem-estar, liberdade, beleza, perfeição física, honra, etc., que não integram o seu património.
Daqui resulta a sua natureza essencialmente compensatória.
Mas, a fixação do montante da compensação não prescinde também da ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente causadora dos prejuízos, sendo, de resto, nesta vertente sancionatória que deverá ser atendido o grau de culpa do lesante (Galvão Telles, em Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 4.ª edição, 1982, págs. 304 e 305 e nota 1; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10.ª edição, 2006, págs. 604 e 605; Meneses Cordeiro, Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, Lex, 1997, p. 481. No mesmo sentido, Acs. do STJ de 12.03.2015, Proc. 1988/05, e acessível in Sumários, Mar./2015, p. 23; de 25.10.2018, proc. 2416/16.1T8BRG.G1.S1, in http://www.dgsi.pt).
No cálculo do montante da compensação, é essencial o recurso a juízos de equidade, conforme dispõe o art. 496º do C.C., em que sejam tidas em conta circunstâncias como a extensão e gravidade dos danos, a idade, sexo, sensibilidade do indemnizando, o sofrimento por ele suportado, a sua situação sócio-económica, a natureza das suas actividades e expectativas ou possibilidades de melhoramento ou de reclassificação ao nível académico ou profissional, o grau de culpa do agente e a situação sócio-económica deste, assim como a todas as outras circunstâncias que contribuam para uma solução equitativa, já que a equidade é justamente o critério reparador adequado a neutralizar, quer o risco de que a quantia da compensação seja de tal modo elevada que redunde no enriquecimento injusto e despropositado do lesado, quer o de que esse quantitativo seja a tal ponto irrisório, que acabe por ser meramente simbólico (Menezes Cordeiro, «A Decisão Segundo a Equidade», in «O Direito», Ano 122º, 1990, II (Abril-Junho), pág. 261 segs. e Carneiro da Frada, «A equidade (ou a justiça com coração): a propósito da decisão arbitral segundo a equidade», in Revista da Ordem dos Advogados, 2012, Ano 72, Vol. I, pp.140-141).
Trata-se, em bom rigor, de concretizar e fazer incidir no montante pecuniário da compensação, as «regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida» (Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, I Vol., 9 ª ed., Almedina, pág. 628).
Após a prolação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 1971, tirado em reunião conjunta das então três Secções, nos termos do nº 3 do artigo 728º do CPC e publicado no BMJ nº 205, p. 161 e na RLJ, ano 105º, p. 63 e ss., passou a reconhecer-se que a vida é um direito não patrimonial autónomo e a sua perda um dano não patrimonial indemnizável autonomamente.
A indemnização pela supressão do bem jurídico vida deve contemplar, de acordo com o disposto no art. 496º nºs 2 e 3 do CC, na sua anterior redacção e, actualmente, após as alterações introduzidas pela Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, no nº 4 daquele mesmo art. 496º, três diferentes danos não patrimoniais: o dano pela perda do direito à vida; o dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte e dano sofrido pela vítima antes de morrer.
Considerando que a função da indemnização é, essencialmente, a de reparar um dano, partindo da constatação de que, enquanto não houver dano ainda não existe a obrigação de indemnizar, por isso que, no caso de perda da vida do lesado, o dano de morte já não se pode constituir na sua esfera jurídica, logo, se não era titular deste direito, no momento da morte, jamais poderia transmiti-lo, para os seus sucessores (já que tal direito era, então, inexistente), impõe-se concluir que a reparação pecuniária relativa aos danos não patrimoniais previstos no art. 496º nasce, por direito próprio, na esfera jurídica das pessoas ali designadas, sem que haja lugar a transmissão sucessória (cfr. Antunes Varela, Direito das Obrigações, vol. I, p. 583; Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Tomo III pág. 139).
Com efeito, de acordo com o nº 2 do art. 496º em análise, o direito à indemnização cabe, em conjunto e em primeiro lugar, ao cônjuge, não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem, por esta precisa ordem de prioridade em que cada grupo de pessoas excluí a atribuição de tal direito ao grupo seguinte (cfr. Ac. do STJ de 07.10.2003, in http://www.dgsi.pt, além da jurisprudência citada), o mesmo acontecendo, em relação à união de facto, em face do texto do actual nº 3 do art. 496º do CC.
Quanto aos danos destes grupos de pessoas, a sua origem é o sofrimento causado pela supressão da vida associado à presunção de existência de laços de afectividade entre estas pessoas e o seu familiar, associados ao desgosto resultante para elas da morte deste.
«A falta do lesado é, para os seus familiares, salvo raríssimas e anómalas excepções, causa de um profundo sofrimento - tanto mais intenso, quanto mais fortes forem os laços de afecto que uniam estes àquele (...). E esse sofrimento - esse dano moral - deve ser indemnizado» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, p. 500. No mesmo sentido, Maria Manuel Veloso, Danos não patrimoniais, Comemorações dos 35 anos do Código Civil, volume III, p. 524).
Na determinação do montante da compensação, nesta variante, «há que considerar o grau de parentesco, mais próximo ou mais remoto, o relacionamento da vítima com esses seus familiares, se era fraco ou forte o sentimento que os unia, enfim, se a dor com a perda foi realmente sentida e se o foi de forma intensa ou não. É que a indemnização por estes danos traduz o “preço” da angústia, da tristeza, da falta de apoio, carinho, orientação, assistência e companhia sofridas pelos familiares a quem a vítima faltou» (Sousa Dinis, in Dano Corporal em Acidentes de Viação, CJSTJ 1997, Tomo II, p. 13 e Acs. do STJ de 16.12.2010 e de 12.02.2013; de 18.06.2015, proc. nº 2567/09.9TBABF.E1.S1, de 11.10.2017, proc. 1090/12.9GBAMT.P1.S1 in http://www.dgsi.pt).
A fixação do montante adequado a compensar os danos não patrimoniais sofridos pelos lesados em resultado da morte do filho precisamente porque assente em critérios de equidade, não pode ignorar as exigências do princípio de igualdade, materializado em critérios jurisprudenciais uniformes ou tendencialmente constantes, adoptados para situações de vida cujas circunstâncias concretas sejam semelhantes, embora mitigando essa análise com a ponderação casuística do caso, no que tiver de único e específico para que a, um tempo, haja uma real e efectiva decisão fundamentada na equidade, como exigido pelo art. 496º do CC, mas também assente em valores de justiça relativa, de justa medida e de uma certa previsibilidade e à obtenção, tanto quanto possível, de uma interpretação e aplicação uniforme do direito (cf. art. 8º nº 3 do CC).
«Os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição» (Ac. do STJ de 31.01.2012, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1. No mesmo sentido, Ac. do STJ de 20.11.2014, proc. 5572/05.0TVLSB.L1.S1, de 29.06.2017, proc. 976/12.5TBBCL.G1.S1, de 03.03.2021, proc. 3710/18.2T8FAR.E1.S1, de 06.02.2024, proc. 2012/19.1T8PNF.P1.S1, in http://www.dgsi.pt).
A este propósito, ponderando a matéria de facto provada na sentença recorrida com relevo para a decisão, constata-se que a vítima DD era muito jovem, contando apenas 20 anos, aquando do acidente de viação de que resultaram as lesões descritas no facto provado 20, que foram causa da sua morte.
Tal como exarado nos factos provados 38º a 44º, DD era um jovem saudável, alegre, feliz, meigo e querido para os seus familiares e amigos.
Era solteiro e tinha uma namorada.
Frequentava o curso de Engenharia informática e computadores no ....
Praticava desporto e tinha uma vida social activa.
Residia com a mãe e com a sua irmã menor de idade, passando fins de semana com o pai de forma quinzenal.
Tinha com a sua família e amigos uma relação estável, de harmonia e felicidade.
Era a alegria da casa e ajudava os pais e na educação da irmã.
Mais se provou, nos factos 45º a 48º, que, com a morte de JJ, os demandantes passaram a viver profundamente tristes e amargurados, recorrendo desde a morte do filho em ..., a apoio profissional em consultas de psiquiatria, sendo que a forma trágica e repentina que levou à perda do filho está todos os dias presente na memória dos demandantes, em consequência do que deixaram de ter vida social, de conviver com amigos, tendo tido dificuldades em manter o exercício das suas actividades profissionais.
A vida humana é, entre os bens de carácter eminentemente pessoal, o bem supremo e o prejuízo decorrente da sua perda é insusceptível de avaliação em dinheiro, na esteira da máxima importância que os direitos fundamentais e valores da pessoa humana assumem, num Estado de Direito, assente na dignidade humana.
O jovem DD perdeu a vida, em resultado da prática de um crime cometido a título doloso.
Em face das circunstâncias concretas em que ocorreu a morte da vítima, da gravidade extrema do dano, do enorme impacto psicológico e emocional que a sua morte causou, na esfera individual dos seus pais, ponderando que o montante da reparação deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de prudência, de senso prático e de justa medida das coisas, que estando em causa danos não patrimoniais, os tribunais de recurso devem limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, as regras do artigo 496º, nº 3 do Código Civil (Acs. do STJ de 08.05.2013, proc. 670/09.4JACBR.C1.S1 - 3.ª, de 16.01.2014, proc. 93/08.2GCMBR.P1.S1-5.ª; de 22.10.2014, proc. 84/13.1JACBR.S1-3.ª; de 03.12.2014, proc. 19/11.6TAMDL.P1.S2-3.ª; de 12.03.2015, proc. 185/13.6GCALQ.L1.S1-3.ª, de 18.02.2016, proc. 118/08.1GBAND.P1.S2, in http://www.dgsi.pt), que não é o caso, que dada a exponencial dimensão do desgosto que é perder um filho, no caso, ampla e profusamente demonstrado, a compensação fixada afigura-se equitativa, justa e proporcionada e está em sintonia com os critérios e quantias normalmente fixados na jurisprudência do STJ, em situações semelhantes, mas ocorridas já há alguns anos, que ascendem já a € 40.000,00, em média (Acs. do STJ de 18.02.2016, proc. 118/08.1GBAND.P1.S2; de 14.11.2017, proc. 3316/13.2TJVNF.G1.S1, de 05.06.2018, proc. 370/12.8TBOFR.C1.S2 e de 20.03.2019, proc. 107/15.0GAMTL.E1.S1, de 7.10.2021, proc. 14810/15.0T8LRS.L2.S1, de 11.2.2021, proc. 625/18.8T8AGH.L1.S1, de 10.04.2024, proc. 11126/21.7T8PRT.P1.S1, todos in http://www.dgsi.pt).
Os montantes fixados a título de compensação por danos não patrimoniais emergentes do profundo desgosto e sofrimento psicológico e emocional sentidos pelos lesados em resultado da perda do filho, não serão, pois, reduzidos e, nesta parte, o recurso não merece provimento.
A outra componente da compensação que o recorrente pretende ver reduzida para € 5.000,00 refere-se aos danos próprios da vítima, antes da morte.
Quanto a esta vertente da compensação, a sentença recorrida discorreu o seguinte (transcrição parcial):
Este dano não patrimonial é denominado dano intercalar, porque medeia entre o momento em que ocorre o acto lesivo e a morte da vítima resultante desse evento, abrange o sofrimento, designadamente pela percepção da eminência da própria morte, e dores físicas sentidas pela vítima durante o período em causa.
Esse dano é atendível em termos compensatórios, devendo os respectivos valores indemnizatórios ser calculados em função do caso concreto, ponderando, designadamente, a gravidade das lesões sofridas, a intensidade das dores, o período de tempo durante a qual as dores se prolongam e eventual pressentimento da morte.
Apurou-se que a vítima terá estado consciente por trinta minutos.
Como se refere no Ac. da R. P. de 27/04/2021, processo n.º 1123/19.8T8PVZ.P1:
O sofrimento tido pela vítima entre o momento do embate e o momento da morte é indemnizável, mesmo não se tendo provado o período de tempo que mediou entre estes dois momentos.
Com efeito, por mais imediata que tenha sido a morte, esta raramente se configura como um acontecimento instantâneo; por breves que tenham sido os momentos que a antecederam, designadamente em eventos de natureza traumática, a vítima não pode deixar de sentir intensas dores físicas, mesmo que por escassos segundos ou até nanosegundos, tal como não poderá deixar de sentir a angústia própria da súbita e inesperada finitude.
De qualquer modo, a modulação desta indemnização sempre dependerá, designadamente, do sofrimento e da respetiva duração e da maior ou menor consciência da vítima sobre o seu estado de aproximação da morte.».
Ora, o valor de 10, 000 € reclamado, tendo em atenção o que se apurou, atentos os valores que se vêm fixando na jurisprudência – cfr. Acs. do S. T. J. de 19/06/2018, processo n.º 230/13.5TBMNC.G1.S1, e de 15/09/2022, processo n.º 2374/20.8T8PNF.P1.S1, de 25/02/2021, processo n.º 4086/18.3T8FAR.E1.S1, e da R. P. de 27/10/2022,– é um valor adequado a fixar pela compensação por este dano, numa morte que se afigura ter sido extremamente violenta, pelo que não ultrapassa a qualificação de ser um valor equitativo.
Este excerto da sentença explica de forma cabal e detalhada quais os critérios da fixação do quantum da compensação, tendo por referência os factos concretos demonstrados no que se refere ao extremo sofrimento sentido pela vítima, resultante das lesões tal como descritas no facto provado 20 e a forma súbita e violenta como sofreu essas lesões determinantes da própria morte, assim como os valores que, em geral, a jurisprudência vem fixando para este tipo de dano.
Face a todos estes critérios, o montante de € 10.000,00 é o que garante a vertente compensatória e sancionatória da compensação e não será reduzido, até porque a recorrente nenhuma argumentação atendível aduziu, no sentido da pretendida diminuição para € 5.000,00.
O recurso improcede, pois.

III – DECISÃO
Termos em que julgam o presente recurso não provido e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando a Taxa de Justiça em 4 Ucs – art. 523º do CPP.
Notifique.
*
Texto elaborado, por mim, Relatora, em processador de texto e por mim revisto integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado por mim e pelos Juízes Adjuntos.
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Tribunal da Relação de Lisboa, 3 de Dezembro de 2025
Cristina Almeida e Sousa
Cristina Isabel Henriques
Francisco Henriques