I - Na apreciação das questões que lhe são colocadas deve o tribunal obedecer e observar ordem de precedência lógica-jurídica, em atenção às circunstâncias concretas do caso – deve respeitar a ordem de precedência que se revele como a mais eficiente, tendo em atenção os contornos do pleito.
II - Devendo conhecer todas as questões que estiverem em plano de igualdade e paralelismo lógico e jurídico, deverá o tribunal, havendo relações de prejudicialidade, conhecer primeiro das questões que sejam lógica e juridicamente prejudiciais e, em função das respostas obtidas, prosseguirá, ou não, para o conhecimento das questões prejudicadas.
III - Porque a ‘procedência duma exceção perentória baseada em facto preclusivo, como é o caso da prescrição’, conduz ‘à inutilidade da verificação dos factos que constituem a causa de pedir’, deve o juiz começar por apreciar da sua verificação.
IV - A falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto não integra patologia da sentença a suscitar aplicação do regime estabelecido no art. 615º do CPC, antes constitui vício da decisão a que é aplicável o regime do art. 662º, nº 2, d) e 3, b) e d) do CPC.
V - Ainda que seja de admitir que a matéria subjacente ao litígio poderia fundar acção popular (a defesa do ambiente e da saúde pública), porque o autor, na presente causa, não surge uti cives promovendo directamente a defesa de interesses unitários da comunidade (o ambiente e a saúde pública), antes surge, enquanto particular, na veste uti singuli, a demandar tutela para os seus direitos subjectivos (ainda que a tutela pretendida possa também, reflexamente, servir a defesa daqueles interesses difusos), tem de concluir-se que estamos perante acção individual.
VI - Visando a causa a tutela de direito subjectivo (e não, directa e primordialmente, a tutela de interesse difuso – o ambiente e/ou a saúde pública), pretendendo o autor a reparação/ressarcimento do dano sofrido em prédio de sua propriedade, estamos perante acção destinada a exigir a responsabilidade civil extracontratual (causa destinada a tutelar interesse individual do autor, ainda que reflexamente também sirva a defesa do ambiente e da saúde pública), sujeita ao prazo de prescrição previsto no art. 498º, nº 1 do CC.
Apelante: AA (autor).
Apeladas: A... – Empresa de Produtos Longos, S.A., B..., S.A. (anteriormente denominada C..., S.A. e, posteriormente D..., S.A.), E..., S.A. e F..., S.A (rés).
Juízo central cível do Porto (lugar de provimento de Juiz 4) – T. J. da Comarca do Porto.
a) a condenação das rés a reconhecê-lo como o único dono e legítimo proprietário do prédio melhor identificado nos artigos 1º a 11º da petição inicial,
b) a condenação das rés a reconhecer que não é ele, autor, o produtor dos resíduos despejados no seu prédio/terreno,
c) seja declarado que as primeira, terceira e quarta rés são as produtoras dos resíduos e que elas e a segunda ré são actualmente os seus detentores,
d) a condenação solidária das rés a retirar todas as substâncias despejadas no seu terreno e terrenos contíguos, de modo a repor aquele no estado em que se encontrava antes do despejo,
e) a condenação solidaria das rés a dar adequado tratamento aos resíduos despejados, devendo, para esse efeito, efetuar a expensas suas, o pré-tratamento, transporte, depósito e eliminação, nos termos impostos por lei,
f) a condenação solidária das rés a, após remoção do material, efectuar a expensas suas as análises ao solo e ao subsolo até ao nível freático, necessárias para determinar o grau de contaminação do terreno e das águas subterrâneas,
g) a condenação solidária das rés a descontaminar o terreno, repondo tudo o que for necessário e efectuando, a expensas suas, todas as operações adequadas para eliminar a toxicidade nele existente e reparar o dano ambiental e o perigo para a saúde pública, que causaram,
h) a condenação solidária das rés a pagar-lhe indemnização destinada a ressarcir a perda do rendimento que poderia retirar do arrendamento dos edifícios industriais que tem previstos para o terreno, à razão de 42.600 euros por cada mês que decorrer desde a citação e até ao momento em que aquele estiver livre do material e descontaminado – bem como o prejuízo decorrente das quantias que venha a ser obrigado a despender em resultado da contaminação provocada nos terrenos confinantes, por escorrência de águas e deslizamentos, tudo em montante a liquidar por via incidental e sem prejuízo da imediata condenação na parte que já seja líquida na altura em que se conhecer deste pedido.
Alega como fundamento (súmula feita pela sentença apelada):
- ser dono e legítimo proprietário do prédio identificado (e objecto da pretensão), no qual foram despejadas substâncias resultantes da actividade exercida pela primeira ré, provenientes da indústria do ferro e do aço, designadamente pós de despoeiramento e outros resíduos da atividade siderúrgica que aquela unidade produziu até Março de 2002, bem como terra contaminada por essas substâncias,
- que parte desse material foi despejado no seu terreno, a céu aberto, sem qualquer tratamento prévio, não tendo nenhuma das rés procedido à impermeabilização dos solos nem executado qualquer obra susceptível de prevenir a sua contaminação,
- que tal material foi transportado para o seu prédio, pelas terceira e quarta rés, com prévio conhecimento das primeira e segunda rés,
- que a segunda ré incumbiu as terceira e quarta rés de transportar parte do material para o seu terreno, mediante ajustada contrapartida económica e que a primeira ré encarregou também as terceira e quarta rés de dar igual destino à parte restante do material,
- que em resultado do despejo do material, atenta a composição dos resíduos, o seu terreno ficou contaminado, pois tal material não tinha natureza inerte,
- que as primeira e segunda rés têm, desde data anterior ao início do despejo no seu terreno, completo conhecimento das características do material despejado, a primeira ré porque se dedica à indústria siderúrgica, conhece os subprodutos e resíduos daí resultantes e o destino que lhes deve dar e a segunda ré porque antes da operação de despejo mandou analisar o material e efectuou estudos sobre o destino a dar-lhe, sendo que apesar do prévio conhecimento de ambas sobre as características do material, ainda assim encarregaram a terceira e quarta rés de o despejar no seu terreno,
- sustenta ainda que à data dos factos tinha em curso projeto imobiliário para o mencionado terreno, visando a construção de naves industriais para arrendamento e que, por via do despejo dessas substâncias, ficou impedido de o desenvolver, com a consequente perda de rendimento;
- conclui pela participação de todas as rés no despejo do material no seu terreno, decorrendo daí a responsabilidade solidária de todas: da primeira ré, porque produziu os resíduos, da segunda ré porque se encarregou de dar-lhes destino e das terceira e quarta rés porque previamente conhecedoras das análises mandadas efectuar pela segunda ré contrataram com esta e com a primeira ré o transporte e o depósito do referido material.
Após a contestação das rés (a segunda ré invocou a excepção da prescrição), observou-se a legal tramitação, no decurso da qual o autor, além da dedução de articulado superveniente, requereu a ampliação do pedido (que viu admitida), pretendendo que, quanto ao que concretamente ‘peticionou na alínea h) da parte final da petição inicial’, o pedido seja ampliado de modo a que as rés sejam solidariamente condenadas a pagar-lhe indemnização destinada a ressarcir a perda do rendimento que ‘poderia retirar dos edifícios industriais que tem previstos para o terreno (à razão de € 42.600,00 por cada mês que decorrer desde a citação até ao momento em que aquele estiver livre do material e descontaminado), o prejuízo decorrente das quantias que ele venha a ser obrigado a despender em resultado da contaminação provocada nos terrenos confinantes, por escorrências de águas e deslizamentos, acrescida do valor adequado para ressarcimento do dano alegado nos artigos 17º a 20º do articulado superveniente (à razão de € 10,00 por cada metro cúbico de capacidade de encaixe que não venha a ser considerado, para efeitos de determinação do valor do imóvel, em sede de expropriação e da fixação da inerente justa indemnização), tudo em montante a liquidar por via incidental e sem prejuízo da imediata condenação na parte que já seja líquida na altura em que se conhecer deste pedido’.
Realizado o julgamento, proferiu-se sentença que (entendendo procedente a invocada prescrição) julgou improcedente a acção e absolveu as rés dos pedidos.
Inconformado, apela o autor, pretendendo a revogação da sentença e sua substituição por outra que julgue procedente os pedidos formulados e condene as rés apeladas no que foi peticionado, concluindo as alegações formulando as seguintes conclusões:
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Contra-alegaram todas as rés, pugnando pela improcedência da apelação e suscitando a ampliação (a título subsidiário) do objecto do recurso (art. 636º, nº 1 e 2 do CPC).
A ré B... (ampliando o objecto da impugnação da decisão de facto da primeira instância a outra matéria e pretendendo ainda, também em ampliação do objecto do recurso, a revogação da decisão de que admitiu a ampliação do pedido), termina as suas alegações concluindo:
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As rés E..., S.A. e F..., S.A., terminam as suas alegações (ampliando o objecto da impugnação a decisão sobre a matéria de facto) concluindo:
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A ré A... – Empresa de Produtos Longos, S.A., também pugnado pela improcedência da apelação e ampliando (subsidiariamente) o objecto da impugnação da decisão de facto, termina as alegações concluindo:
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Na apreciação das questões que lhe são colocadas deve o tribunal obedecer e observar ordem de precedência lógica-jurídica[1] - a solução prescrita no nº 1 do art. 608º do CPC, aplicável à elaboração dos acórdãos, ex vi art. 663º, nº 2, do CPC, não circunscreve o seu âmbito de aplicação às questões processuais, valendo para todas as questões que demandem resolução, incluindo questões substantivas.
Tal sequência de apreciação e conhecimento deve atender às circunstâncias do caso concreto[2] e respeitar a ordem de precedência que se revele como a mais eficiente, tendo em atenção os contornos do pleito[3].
Devendo o tribunal conhecer de todas as questões que estiverem em igualdade e paralelismo lógico e jurídico, certo é que havendo relações de prejudicialidade, conhecerá primeiro das questões que sejam lógica e juridicamente prejudiciais e, em função das respostas obtidas, prosseguirá, ou não, para o conhecimento das questões prejudicadas[4].
Porque a ‘procedência duma exceção perentória baseada em facto preclusivo, como é o caso da prescrição’, conduz ‘à inutilidade da verificação dos factos que constituem a causa de pedir’, deve o juiz começar por apreciar da sua verificação (excepções peremptórias de natureza preclusiva) – a ocorrência da prescrição ‘dispensa a indagação sobre a existência do direito’[5] –, o que incluirá apreciar (também previamente ao demais) da impugnação da decisão de facto (funcionalmente ordenada à apreciação das questões suscitadas) a ela exclusivamente respeitante.
Elencando-as em atenção a esta ordem de precedência lógica que se impõe no seu conhecimento, identificam-se as seguintes questões suscitadas nas conclusões dos apelantes (apelação principal) e apelados (em ampliação do objecto do recurso, e subsidiariamente):
1. a não verificação da prescrição (como sustentando pelo apelante), o que pressupõe apreciar,
1.a. da nulidade da decisão, por falta de motivação quanto ao julgamento da alínea Z dos factos provados (matéria respeitante à apreciação da questão da prescrição),
1.b. da censura dirigida à decisão de facto – da impugnação cujo objecto incide sobre matéria respeitante à apreciação da prescrição,
1.c. da não verificação da prescrição (com as várias subquestões: classificação da acção destinada a exigir a reparação do dano com fundamento na responsabilidade civil contratual emergente ou acção a que quadra o regime da acção popular, destinada à defesa de interesses difusos; o prazo prescricional; o termo inicial do prazo de prescrição);
2. da verificação dos factos e fundamentos integradores da causa de pedir, o que inclui apreciar:
2.a. da nulidade da decisão por falta de fundamentação (quanto aos demais factos impugnados pelo apelante)
2.b. da impugnação da decisão de facto (todos os demais factos impugnados pelo apelante, que não apenas concernentes à questão respeitante à prescrição e, bem assim dos impugnados pelas apeladas em ampliação do objecto do recurso),
2.c. da verificação dos pressupostos para o reconhecimento das pretensões deduzidas pelo autor;
3. da apreciação dos fundamentos de defesa invocados pelas demandadas, como o abuso do direito (o que se impõe, por força da aplicação da regra da substituição ao tribunal recorrido – art. 665º, nº 2 do CPC[6]);
4. da impugnação dirigida ao despacho que admitiu a ampliação do pedido[7] (ampliação do objecto do recurso suscitada pela apelada B...).
FUNDAMENTAÇÃO
*
A decisão recorrida considerou provados:
Dos factos assentes
A) Está inscrita a favor do autor a aquisição, por compra, do prédio rústico denominado ..., sito no lugar da ..., composto por terreno de cultivo e de bravio, com a área de 27.650 m2, inscrito na matriz predial sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., freguesia ....
B) Em 09/06/2008 o autor requereu a notificação judicial avulsa da 1ª e 2ª rés, nos termos constantes de fls 41 e ss, notificação que se concretizou em 17/06/2008.
C) Por acordo escrito datado de 25/07/1995 (doc. 19 junto com a contestação da ré “A...”) “A... – SGPS, S.A.”, “A... – Serviços, S.A.” e “A... – Longos, S.A.” declararam que Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte e no artigo 2º, bem como dos esquemas de responsabilização quanto às matérias aí cobertas, serão da responsabilidade da A... – SGPS todos os trabalhos e custos relacionados com a eventual “contaminação ambiental histórica” existente à data da conclusão da auditoria ambiental prevista no artigo 5º e nos termos nela identificados.
D) Consta ainda de tal acordo que São da responsabilidade da A... Serviços os trabalhos e respectivos custos relacionados com o destino adequado a dar aos resíduos sólidos que à data da realização da assembleia geral da A... Longos referida no nº 2 do artigo anterior, se encontrem depositados nos terrenos desta empresa nas zonas identificadas na planta ..., anexa a este acordo.
E) Por acordo escrito denominado contrato de cessão da posição contratual, datado de 20/01/1997, “A... – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.”, “A... – Empresa de Serviços, S.A.” e “A... – Empresa de Produtos Longos, S.A.” declararam que Pelo presente contrato a A... – Serviços transmite à A... – SGPS, a qual, reciprocamente aceita, todos os direitos e obrigações que para aquela decorrem do acordo (referido em C) e D)), transmitindo-se, pois, na sua globalidade, toda a posição contratual daquela para esta.
F) Consta ainda de tal acordo que A A... – Longos declara, expressamente, aceitar a transmissão referida na cláusula anterior, considerando-se, a partir do presente contrato, a A... – Serviços desvinculada do Acordo (referido em C) e D)), passando as partes contratantes a ser apenas aquela e a A... – SGPS.
G) Por acordo escrito denominado contrato de cessão da posição contratual, datado de 21/01/1997, “A... – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.”, “C..., S.A.” e “A... – Empresa de Produtos Longos, S.A.” declararam que Pelo presente contrato a A... – SGPS transmite à C..., a qual reciprocamente aceita, todos os direitos e obrigações que para aquela decorrem do acordo (referido referido de C) a F)), transmitindo-se, pois, na sua globalidade, toda a posição contratual daquela para esta.
H) Consta ainda de tal acordo que A A... – Longos declara, expressamente, aceitar a transmissão referida na cláusula anterior, considerando-se, a partir do presente contrato, a A... – SGPS desvinculada do acordo (referido de C) a F)), passando as partes contratantes a ser apenas aquela e a C..., sob condição de se verificar a transmissão de activos e passivos da A... SGPS para o Estado, directa ou indirectamente, nos termos do artigo 2º do DL 232-A/96, de 6 de Dezembro.
I) Por documento escrito datado de 22/05/2001 o Consórcio E..., S.A.”/F..., S.A.” e “C..., S.A.” acordaram na retirada, transporte e depósito pelo Consórcio dos resíduos de pós de despoeiramento do forno eléctrico, acumulados na G..., S.A.” e correspondentes ao período anterior à reprivatização desta empresa, resíduos estes cuja responsabilidade de remoção foi assumida pelo Estado e está actualmente cometida à C..., nos termos constantes do documento de fls 84 e ss.
J) O autor assinou a declaração constante de fls 87 dos autos, datada de 27/09/2002, onde consta, para além do mais, que (…) por força do contrato de prestação de serviços celebrado em 29 de Julho de 1999, autorizou o consórcio F.../E... a proceder à recuperação ambiental do prédio sua propriedade, sito em ..., inscrito na matriz predial rústica da mesma freguesia sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o nº ..., no âmbito do projecto que veio a ser aprovado por todas as entidades competentes para o efeito.
Ainda por força desse contrato, conferiu ao citado consórcio a posse do referido prédio, tendo em vista a prossecução dos fins nele explicitados, estando por isso aquele autorizado a utilizar o prédio em questão.
K) No âmbito do processo nº 1300/2002, intentado por “H..., S.A.” contra o aqui autor, que correu termos pelo 2º juízo cível de Gondomar, o aqui autor apresentou a contestação cuja cópia consta de fls 89 e ss dos autos.
Do articulado superveniente:
L) Por deliberação da respectiva Assembleia Municipal, tomada em de 27 de Fevereiro de 2020 e constante da declaração ..., de 5 de Março de 2020, publicada no Diário da República n.º 63, II Série, parte H, de 30 de Março de 2020, foi declarada a utilidade pública da expropriação promovida pelo Município ... necessária à execução da “..., sua envolvente e criação de entrada do ...” – cfr. referido aviso, patente no Jornal Oficial e que, como documento n.º 1, ao diante se junta em simples cópia e aqui se dá por reproduzido.
M) Aquela expropriação tem por objecto, entre outras, a nela denominada como parcela n.º ..., constituída por um polígono irregular, com a área de 27.650m2, e que corresponde, ao imóvel a que se reporta a alínea A), isto é, ao prédio constituído por um terreno a bravio e mato, denominado “...”, sito no lugar ..., União das freguesias ... e ..., a confrontar do norte com “I..., Lda.”, do nascente com Estrada ..., do sul e do poente com caminho, inscrito na matriz predial rústica daquela freguesia sob o artigo … (anterior artigo ...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, em ficha, sob o n.º ... – cfr idem documento n.º 1 e documento n.º 2 junto e que aqui se dá por reproduzido.
N) Em 22 de Julho de 2020, a entidade expropriante (Município ...) tomou posse administrativa do imóvel identificado no ponto anterior – cfr. documento n.º 3 junto e aqui se dá por reproduzido.
O) Por douto despacho proferido em 9 de Junho de 2021, no Processo de expropriação que, sob o número ..., corre termos pelo Juízo Local Cível de Gondomar – J3 desta Comarca, já transitado em julgado, foi adjudicada ao Município ... a propriedade do imóvel identificado no artigo 7º supra – cfr documento n.º 4 ao diante junto)
P) À data em que foi proferida a declaração de utilidade pública a que supra se alude (de ora em diante DUP), o imóvel descrito alínea A) era susceptível de ser utilizado economicamente como depósito de resíduos inertes estando até para tal licenciado – cfr. idem certidão judicial a que se alude no artigo anterior e documentos a ela anexos.
Q) O imóvel em questão integrou a concessão mineira n.º 41 (...) atribuída e explorada pela então “...” e empresas que lhe sucederam – cfr. ibidem.
R) Em resultado da exploração mineira nele levada a cabo, o imóvel ficava a um nível inferior ao dos terrenos e caminhos confinantes e era constituída por uma superfície com declives, buracos e depressões acentuados, de tal modo que à data da aquisição pelo autor e pelo menos até 30 de Abril de 2001 a sua cota inferior era a 128 – cfr. certidão judicial do relatório da perícia topográfica em curso no identificado processo número ....
S) Sendo retiradas todas as substâncias que ali foram despejadas pelas rés e reposto o imóvel à dita cota 128, este apresentaria uma capacidade para deposição de resíduos inertes de, pelo menos, 300.000 metros cúbicos de materiais de enchimento – cfr. idem a certidão judicial a que se alude no artigo anterior.
T) Até à presente data as rés não efectuaram a retirada de qualquer das substâncias a que se alude artigo anterior.
U) O Estado Português, por via da “Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte”, determinou, no ano de 2014, a abertura de concurso público internacional com vista à trasladação das substâncias que as rés despejaram no imóvel para aterro adequado, por as classificar como resíduos perigosos, na sequência do que veio a celebrar contrato de empreitada para a remoção de um total de 105.600 toneladas de materiais, das quais cerca de 94.500 depositadas na parcela expropriada, que foi inteiramente executada entre Setembro de 2014 e Maio de 2015 – cfr. certidão judicial a que se reporta o documento n.º 4 e os documentos que a instruem.
V) Posteriormente, após novas diligências que efectuou no local e de onde concluiu que ainda assim permanecia no imóvel uma quantidade significativa das substâncias a que se alude nos artigos que antecedem, o Estado Português, sempre através da através da “Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte", decidiu pela necessidade da abertura de novo concurso público internacional com vista à trasladação desses materiais remanescentes depositados (que voltou a classificar como resíduos perigosos) para aterro adequado, na sequência do que veio a celebrar contrato de empreitada para a remoção de um total de 137.000 toneladas de materiais, dos quais cerca de 105.500 depositados no imóvel do autor – cfr. ibidem.
U) Em resultado dessas acções à data em que ocorreu a DUP, o imóvel ainda estava ocupado com cerca de 120.000 metros cúbicos de materiais com as características e proveniência que se alegaram nos artigos 12º a 15º, 17º a 26º, 34º a 48º, 52º a 60º e 66º a 76º da petição inicial pelo que, em tal data, possuía apenas uma capacidade de deposição de resíduos inertes de cerca de 180.000 metros cúbicos – cfr. ibidem.
V) O capítulo da Auditoria Ambiental de 1997 onde vinham descritas as amostras realizadas pela J... e caracterizados os resíduos acumulados na fábrica da Maia foram enviados à K... pelo autor e pelo administrador da F... BB.
X) Em março e julho de 2002, na sequência da cessação dos trabalhos de remoção ordenada pela DRAOT, a K... realizou novas amostras ao material depositado quer na fábrica da Maia quer nas escombreiras das minas de ... e concluiu pela sua perigosidade.
Z) As conclusões dessas Monitorizações Ambientais da K... de 2002 são, desde essa data, do conhecimento do autor e da Ré F....
AA) Apesar disso, entre 2002 e 2008, o autor nada fez para que os resíduos fossem removidos do seu terreno ou para mitigar os alegados danos sofridos.
BB) No âmbito da 2.ª fase dos trabalhos de remoção de resíduos de ... – a que o autor se refere no artigo 16.º do seu articulado superveniente (acima transcrito) –, a CCDR-N notificou o aqui autor, na qualidade de proprietário do terreno, da realização destas operações.
BB) Porém, na sequência desta notificação, o autor opôs-se à entrada da CCDR-N no seu terreno para realização dos trabalhos de remoção dos eventuais resíduos depositados no seu terreno.
CC) Esta oposição do Autor resultou no atraso dos trabalhos de remoção das substâncias alegadamente existentes no seu terreno.
DD) Por força desta oposição do autor, em 2020, para viabilizar a realização dos referidos trabalhados pela CCDR-N, a Câmara Municipal ... viu-se obrigada a expropriar o autor e a tomar posse administrativa do terreno, com caráter de urgência.
Da Base Instrutória:
EE) O prédio referido em A) confronta, do norte, com “I..., Lda”.
FF) E de nascente com Estrada ....
GG) E do sul e poente com caminho.
II) Até 30 de Abril de 2001, o prédio referido em A) ficava a um nível inferior ao dos terrenos e caminhos confinantes.
JJ) E distribuía-se por uma superfície com declives e depressões.
LL) O autor solicitou junto da Câmara Municipal ... um pedido do estudo prévio, que foi indeferido (resposta ao artº 51º da BI).
MM) Entre Maio de 2001 e Março de 2002 foram despejadas no terreno substâncias resultantes da actividade exercida pela 1ª ré na sua fábrica sita em ..., concelho da Maia, designadamente da indústria do ferro e do aço.
NN) Tais substâncias são pós de despoeiramento e outros resíduos produto da actividade siderúrgica que a fábrica da 1ª ré produziu até Março de 2002.
OO) Tal material, antes de ser despejado no prédio referido em A), estava armazenado nas referidas instalações da 1ª ré.
PP) Sendo sua pertença.
QQ) Tal material também foi despejado nos prédios que confinam com o prédio referido em A) pelo norte e poente.
RR) Foram despejadas 320.000 toneladas de material, das quais cerca de 200.000 estão no prédio referido em A) e a parte restante nos terrenos contíguos a norte e poente.
SS) O material foi despejado a céu aberto e sem qualquer tratamento prévio.
TT) Ninguém procedeu à prévia impermeabilização dos solos.
UU) Ou executou qualquer obra susceptível de prevenir a eventual contaminação.
VV) Não foi efectuado qualquer estudo geotécnico destinado a avaliar a capacidade do prédio referido em A) para receber a carga provocada pelo material despejado.
XX) O material foi transportado pelas 3ª e 4ª rés para o prédio referido em A).
ZZ) E por elas aí despejado, espalhado e misturado com outras substâncias.
AAA) 2ª ré incumbiu as 3ª e 4ª rés de transportar parte do material.
BBB) E obrigou-se a pagar-lhes 34,92€ por cada tonelada despejada no prédio referido em A.
CCC) Nenhuma das rés pagou ao autor qualquer contrapartida pela operação do despejo de material no prédio referido em A).
DDD) O material referido em A) contém um teor de chumbo igual ou superior a 30.000 mg/kg.
EEE) E um teor de zinco igual ou superior a 200.000 mg/kg.
FFF) E um teor de cádmio igual ou superior a 300 mg/kg.
GGG) E um teor de crómio igual ou superior a 2.500 mg/kg.
HHH) E um teor de arsénio igual ou superior a 39 mg/kg.
III) E contém ferro, arsénio, mercúrio, enxofre e níquel.
JJJ) O eluato do material apresenta um ph médio de 12,4.
LLL) E um teor médio de crómio VI de o,20 mg/l.
MMM) E um teor de cloretos superior a 3.500 mg/l.
NNN) E um teor de sulfatos superior a 1.300 mg/l.
OOO) E um teor de chumbo superior a 40 mg/l.
PPP) A permanência do material no local impede o autor de usar o terreno até que aquele seja removido e o solo descontaminado.
QQQ)[8] O depósito do material referido em 6º obedeceu a um projecto, o qual foi licenciado e fiscalizado.
SSS) Tal processo de licenciamento foi liderado pelo autor enquanto Director de planeamento da ré “F...”.
TTT) Foi o autor quem instruiu as peças do processo de licenciamento.
UUU) E contactou as entidades envolvidas no processo de licenciamento.
VVV) E promoveu reuniões na Câmara Municipal ... e na Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território, aí estando presente.
UUU)[9] E negociou, em conjunto com outro administrador da ré ‘F...’, os termos e condições do contrato de remoção, transporte e depósito em aterro do material referido em 6º.
Factos não provados
Da base instrutória
1) O autor tem em curso um projecto imobiliário para o terreno, destinado à construção de naves industriais para arrendamento.
2) Contratou um financiamento bancário para apoio à construção no montante de 446.500,00€.
3) O autor poderá construir no terreno 8.540 m2 de edifícios destinados à indústria
4) Tais edifícios, depois de construídos e arrendados, renderiam ao autor quantia não inferior a 42.600,00€ mensais.
5) Bem como terra contaminada por essas substâncias.
6) As 1ª e 2ª rés tinham conhecimento do destino que as 3ª e 4ª rés vieram a dar ao material.
7) A 1ª ré encarregou as 3ª e 4ª rés de dar igual destino à parte restante do material.
8) Até à data, a 2ª ré pagou às 3ª e 4ª rés quantia superior a 11.000.000,00€ como contrapartida pelo transporte e despejo do material.
9) E as 3ª e 4ª rés ainda lhe reclamam o pagamento de cerca de € 3.500.000,00 pela prestação desses serviços.
10) Se as 1ª e 2ª rés tivessem procedido ao tratamento do material e não o tivessem depositado no prédio referido em A), teriam despendido a quantia de 30.000.000,00€.
11) As 1ª e 2ª rés têm, desde data anterior ao início do seu despejo no prédio referido em A), conhecimento das características do material.
12) E da possibilidade de o mesmo causar os danos referidos de 37º a 40º.
13) A 2ª ré, antes da operação de despejo, mandou analisar o material e efectuou estudos sobre o destino a dar-lhe e respectivos custos.
14) Depois do depósito as rés não efectuaram qualquer trabalho.
15) Deixando o material depositado no terreno.
16) As substâncias contidas no material são passíveis de se infiltrar no solo, contaminando este e as águas subterrâneas.
17) O teor dos materiais referidos de 27º a 31º fazem com que o material, quando inalado, ingerido ou absorvido através da pele, possa causar a morte ou risco de infecções agudas ou crónicas.
18) E importa risco para a gravidez, com efeitos adversos na descendência.
19) Em consequência do seu ph, o material é susceptível de provocar queimaduras e é irritante para os olhos e para a pele.
20) O material que se encontra no prédio referido em A) está sujeito a lixiviação de metais pesados e outras substâncias nele presentes….
21)… O que altera a composição química do solo e contamina as águas Subterrâneas.
22) Facto que irá continuar a verificar-se enquanto o material não for completamente retirado.
23) Pelo relevo do local, as escorrências resultantes do material afectam os imóveis de terceiros situados a sul, contaminando-os.
24) A manutenção do material no local, atenta a carga aplicada no solo pré-existente, é apta a provocar instabilidade, assentamentos, deslizamentos e derrocadas.
25) Não se procedendo à retirada do material e à descontaminação do solo, não poderá ser levada a efeito qualquer construção no prédio referido em A).
26) Nem utilizá-lo para outro fim, ainda que apenas florestal ou agrícola.
27) O prédio referido em A) está sujeito a infiltrações e escorrências provenientes dos terrenos contíguos a norte e poente, os quais estão também contaminados com as substâncias referidas de 27º a 32º.
28) Na execução desses trabalhos, a 3ª e 4ª rés suportaram um custo de 200.000,00€.
29) O autor obrigou-se a pagar tal montante.
30) O que ainda não fez.
31) A execução desses trabalhos valorizou o prédio referido em A) em 200.000,00€.
32) O autor apenas tomou conhecimento das características do material no ano de 2008.
33) Aquando da apresentação da contestação referida em K), o autor estava convencido que os trabalhos ali invocados tinham sido feitos com substâncias inertes.
A. Da prescrição.
A.1. Da nulidade da decisão, por falta de motivação quanto ao julgamento da alínea Z dos factos provados (a única matéria objecto de impugnação pelo apelante que respeita e interessa à matéria da prescrição).
Alega o apelante (conclusões IIIª e IVª) que a sentença apelada não indica, na motivação da decisão de facto, quanto a tal facto, assim como quanto aos factos das alíneas AA a DD, ‘os concretos meios de prova que considera demonstrativos de que assim devem ser julgados sendo também omissa na explicitação de fundamentos que podem dar amparo à sua conclusão por via de presunção judicial’, e porque assim é, por não constar da motivação análise crítica da prova que justifique o julgamento sobre tal matéria, ocorre violação do disposto no nº 4 do art. 607º do CPC, o que lhe inviabiliza (a si, apelante) o exercício do contraditório, com a consequente nulidade do julgamento de tais pontos de facto e a necessidade da sua repetição (art. 195º, nº 1 e 2 do CPC).
A falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto (não constituindo vício de procedimento, como parece considerar o apelante ao invocar o art. 195º do CPC), não integra patologia da sentença a suscitar aplicação do regime estabelecido no art. 615º do CPC, antes constitui vício da decisão que tem previsão própria – sendo que a sentença integra tanto a decisão sobre a matéria de facto como a fundamentação desta decisão (art. 607º, nº 3 e 4 do CPC), certo é também que o regime da nulidade da sentença (na vertente da fundamentação de facto) está circunscrito à especificação dos factos que justificam a decisão, não se estendendo à motivação da decisão de facto, sendo a esta aplicável o regime do art. 662º, nº 2, d) e 3, b) e d) do CPC[10] e, assim, se a decisão proferida sobre algum facto essencial[11] não estiver devidamente fundamentada deve a Relação determinar a remessa dos autos ao tribunal de 1ª instância, a fim de preencher essa falha com base nas gravações efectuadas ou através da repetição da produção da prova, para efeitos de inserção da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Neste enquadramento normativo tem de apreciar-se a invocada falta de fundamentação (que não se confunde com erro de julgamento) – apreciação que incidirá, tão só, na motivação quanto à alínea Z) dos factos provados, pois o preceito (alínea d) do nº 2 do art. 662º do CPC) restringe a sua aplicação a matéria essencial à decisão e neste segmento está tão só em causa matéria relevante ao conhecimento e decisão da prescrição, sendo a matéria da alínea Z) dos factos provados única que à questão releva em vista de apurar do termo inicial do prazo prescricional, não se estendendo à factualidade constante das alíneas AA) a DD) (que contém matérias indiferentes e neutras à apreciação da prescrição).
Não padece a decisão apelada da falta que lhe é imputada – na verdade, a censurada sentença específica claramente os concretos elementos probatórios ponderados para o julgamento do facto em questão e expõe a análise crítica a que os submeteu, justificando racionalmente a formação da sua convicção quanto ao mesmo (conhecer o autor – assim como as 3ª e 4ª rés –, desde 2002, que a K..., após exames ao material depositado no seu terreno em Março e Julho de 2002, concluíra pela sua perigosidade).
Na verdade, depois de justificar a formação da sua convicção a propósito da questão da perigosidade dos resíduos depositados no terreno referido na alínea A dos factos provados (alicerçando tal convicção no relatório da perícia efectuada nos autos, complementada pelos esclarecimentos dos peritos), a decisão apelada afirma tal conhecimento por parte do autor e das 3ª e 4ª rés ponderando que foi o autor ‘quem, na peça referida em K) dos factos assentes começa por referir que em 1999 (Julho) contratou com o Consórcio formado pela 3º e 4º RR a recuperação ambiental do terreno e em cumprimento de tal contrato, em Maio de 2001 o consórcio, a mando do autor iniciou os trabalhos de recuperação ambiental’, sendo também o autor ‘quem encarregou uma empresa especializada em ambiente de elaborar a sugestão/reclamação ao Plano de Urbanização’, além de que tendo autorizado o depósito dos resíduos no seu terreno, foi o autor quem, em Julho de 1999, ‘autorizou o Consórcio a proceder à recuperação ambiental do seu terreno, conferindo-lhe para o efeito a posse do prédio’, acrescentando ainda que antes da operação de despejo dos materiais, a ré F... ‘contratou a K... para realização de um conjunto de estudos que vieram a instruir o processo de licenciamento, incluindo análises aos resíduos depositados na Maia e estudos sobre o local de destino’, tendo esta elaborado projecto de recuperação ambiental ‘das escombreiras das minas de ... com valorização de resíduos inertes como material de enchimento/empréstimo (cf. fls. 531 a 603), onde curiosamente, reproduz parte das tabelas da J... e, inclusive, as suas conclusões quanto à perigosidade do pó de despoeiramento’, dados que foram transmitidos à testemunha CC por tal ré mas cujo ponto de contacto era o autor (que mandou ‘o Consórcio proceder ao depósito dos resíduos’, donde se impõe concluir pelo afirmado).
De concluir, assim, ter a decisão apelada cumprido, devida e adequadamente o dever de fundamentar a decisão obre a matéria de facto, tendo exposto (de modo coerente, compreensível e inteligível) as razões e motivos que determinaram a formação da sua convicção quanto à impugnada factualidade, permitindo aos destinatários apreendê-los e analisá-los, em vista de os impugnar em recurso.
A.2. Da censura dirigida à decisão de facto – da impugnação cujo objecto incide sobre matéria respeitante à apreciação da prescrição.
Impondo-se apreciar da impugnação da decisão sobre a matéria de facto (no caso, e neste segmento em apreciação, exclusivamente respeitante à questão da prescrição, sobre a matéria da alínea Z dos factos provados – que o autor apelante pretende ver modificado, de modo a que dele fique a constar, tão só, que ‘as conclusões dessas Monitorizações Ambientais da K... são, desde essa data, do conhecimento da ré F...’), deve a Relação reapreciar e reponderar os elementos probatórios produzidos nos autos averiguando se os mesmos permitem corroborar a decisão da primeira instância a propósito dos factos impugnados ou antes decidi-los no sentido proposto pelo apelante.
Nesta tarefa deve a Relação empregar os poderes que lhe são atribuídos enquanto tribunal de segunda instância que garante um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, procedendo a uma autónoma apreciação crítica das provas produzidas (em vista de, a partir delas, expressar a sua convicção com total autonomia, formar uma convicção autónoma[12]), alterando a decisão se em face dessa autónoma apreciação dos elementos probatórios a que há-de proceder adquirir uma diversa convicção[13].
Apreciação crítica que se consubstancia na análise de todos os elementos probatórios[14], valorizando-os lógica e racionalmente – a decisão da matéria de facto (enquanto resultado da prudente convicção formada pelo julgador) não se reconduz ao resultado duma acrítica certificação do declarado por depoentes ou testemunhas, do constante em documentos particulares ou de contributos fornecidos por elementos probatórios não munidos de força probatórioa plena, antes assentando numa convicção objectivável (trata-se de obter uma justificação racional da decisão - elemento verdadeiramente estruturante e legitimador desta, que lhe confere a natureza de decisão, afastando-a do que seria uma simples imposição judicial, puramente subjectiva ou voluntarista, fundada na sinceridade do julgador), a que a se acede por via da razão, alicerçada na apreciação e valorização de todos os elementos probatórios, tanto individual como conjugadamente (na sua relacionação reversiva e sujeitação a mútuos testes de compatibilidade), tudo à luz da lógica e da racionalidade, das regras da normalidade, do bom senso, da experiência da vida, ponderados os contornos da situação factual submetida a julgamento. O princípio da livre apreciação da prova (art. 607º, nº 5 do CPC) não comete ao juiz a arbitrária faculdade de escolher a versão dos factos em litígio, antes lhe impõe a formação de convicção em obedicência a critérios de lógica e racionalidade – a valoração das provas pelo juiz deve ser feita de forma livre e segundo a prudente convicção, sem o condicionamento de critérios legais pré-estabelecidos caros aos sistemas da prova legal ou tarifada, antes resultando da sua ponderação à luz da lógica, objectivdade, racionalidade, da experiência da vida e das regras da normalidade[15].
A demonstração da realidade dos factos em juízo não pressupõe a certeza absoluta – ‘se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça’[16] –, antes o que para a justiça é imprescindível e suficiente – um grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso e às regras da experiência da vida. A prova, consubstanciada na demonstração efectiva (segundo a convicção do juiz) da realidade de um facto ‘não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica)’[17].
A reapreciação de elementos probatórios produzidos nos autos, no respeito destes considerandos, leva-nos a concluir pela improcedência da impugnação deduzida pelo apelante e consequente confirmação do julgamento proferido pela primeira instância sobre a matéria impugnada.
Ponto de partida crucial na análise é a consideração de que foi o autor a liderar o denominado ‘...’ (ver, a propósito desta designação, os documentos nº 3, 6, 7 e 8 juntos em 31/12/2008 pela ré C..., actualmente designada B...), que visava permitir fossem depositados no prédio do autor, referido na alínea A dos factos provados, materiais existentes da fábrica da ré A... na Maia, activamente intervindo na tramitação do processo de licenciamento, instruindo as suas peças e contactando as entidades nele envolvidas, promovendo e estando presente em reuniões com a autarquia e com a Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território, negociando em conjunto com responsável da ré F... os termos e condições do contrato de remoção, transporte e depósito em aterro do material que, no imóvel, viria a ser depositado entre Maio de 2001 e Março de 2002 – trata-se de matéria considerada provada na decisão recorrida (alíneas V e QQQ a UUU dos factos provados) e que o apelante não impugna, sendo certo que essa materialidade e, no que agora releva, a estreita ligação do autor à questão (ao projecto e ao depósito do material) e ao seu (manifestado) interesse por conhecer e envolver-se em tudo o que à mesma respeitava, foi factualidade consensualmente afirmada pelas várias testemunhas que sobre a matéria demonstraram conhecimento [referiram consistentemente tal envolvimento pessoal e activo (sem que fossem minimamente infirmados por qualquer outro elemento probatório, documental ou testemunhal), de forma consistente, o DD (administrador único de empresa que detinha as rés E... e F..., que referiu que o autor liderava o projecto juntamente com o BB, sócio do depoente, e tratava da generalidade dos assuntos, que ambos conheciam tais matérias e assuntos e que o autor também contactava e tratava com a K...), o CC (gerente da K..., empresa que elaborou as monitorizações ambientais referidas nas alíneas X e Z, que afirmou que foi com o BB e com o autor que lidou em vista de levar a cabo a monitorização solicitada e que viria a ser objectivada no documento de fls. 401 e seguintes, referido na alínea X dos factos provados), o EE (amigo de infância do autor e presidente do conselho de administração da E..., que afirmou que o autor, juntamente com o BB, liderou o processo de negociação do contrato entre a C... e o consórcio E.../F..., ambos tratando dos assuntos a tal concernentes, promovendo reuniões e instruindo os processos, sendo eles quem mantinha contactos com a K...) e a FF (engenheira química que trabalhou na Direcção Regional de Ambiente e Ordenamento do Território, sendo a responsável pela aprovação do projecto nessa entidade, que identificou o autor como uma das pessoas com quem contactou durante a tramitação do processo, que estava presente nas recorrentes reuniões então havidas)].
Este nuclear, activo e contínuo envolvimento do autor no projecto, nos contactos com as entidades licenciadoras e com terceiros (mormente com a K...), na sua tramitação e instrução, afirmado e reconhecido pelas referidas testemunhas (e de que os factos aludidos nas alíneas V e QQQ a UUU dos factos provados são objectivação), não pode dissociar-se do interesse directo advindo da sua qualidade de proprietário do terreno – e por isso que ponderando, à luz da lógica e da racionalidade, das regras da normalidade, do bom senso e da experiência da vida, tais circunstâncias, mais do que excluir a possibilidade de o autor se alhear ou desinteressar das mais variadas informações relativas ao licenciamento e/ou à execução do projecto, deve concluir-se, com a segurança bastante às necessidades práticas da vida, que ele diligenciava, empenhada e activamente, por conhecê-las todas (pois não deixaria de querer tomar posição sobre o que pudesse afectar os seus interesses enquanto proprietário do terreno).
Assim que, tendo as monitorizações ao material existente na fábrica da Maia da ré A... e depositado nas escombreiras das minas de ... (o terreno do autor) realizadas pela K..., e que concluíam pela perigosidade do material, sido comunicadas à F... (sendo o autor um dos interlocutores, a par do o BB), é de concluir que o autor (também, a par da ré F...) delas tomou então (em 2002) conhecimento – outra conclusão importaria aceitar, contra a lógica e racionalidade, que o autor se alheou e desinteressou dos resultados de monitorizações que sabia terem sido solicitadas no âmbito do projecto em que estava empenhadamente envolvido.
Improcede, pois, atento o exposto, a impugnação dirigida à decisão da primeira instância quanto à matéria da alínea Z dos factos não provados.
A.3. Da verificação (como decidido) ou não (como defende o apelante) da prescrição.
Concluiu a decisão apelada pela procedência da excepção peremptória da prescrição, em razão do que julgou improcedente a acção, absolvendo as rés dos pedidos.
Breve e preliminar parenteses para enfatizar que o apelante não questiona que a invocação da prescrição apenas pela segunda ré não possa ser aproveitada pelas demais e que, em razão disso, a decisão apelada seja nula por excesso de pronúncia (ao estender também a favor das primeira, terceira e quarta rés os efeitos da prescrição, só invocada pela segunda ré) – e por isso, porque as nulidades da decisão (salvo a da alínea a) do nº 1 do art. 615º do CPC) só podem ser reparadas se invocadas em via de recurso ou mediante reclamação do interessado[18], não sendo de oficioso conhecimento[19], e porque o apelante também não alega que às demais rés não aproveita a invocação da excepção pela segunda ré, não poderá este tribunal conhecer e valorizar tal circunstância e questão.
Considerou a sentença apelada ter a acção sido intentada em 2008, depois de esgotado o prazo prescricional de três anos (art. 498º, nº 1 do CC) cujo termo inicial ocorrera em 2002, quanto o autor tomou conhecimento dos pressupostos para afirmar a responsabilidade civil das demandadas (e por isso do direito que lhe compete e que pela acção vem exercer).
Insurge-se o apelante contra o assim decidido, argumentando (vejam-se a conclusões XVII a XIX):
- não se encontrarem assentes os momentos em que ocorre o ilícito que o apelante imputa às rés e em que se produzem os danos cuja reparação é reclamada (necessários à determinação do termo inicial do prazo prescricional),
- ter a acção por causa de pedir, no que respeita aos pedidos formulados sob as alíneas a) a g), um acervo de factos jurídicos que se integram na imputação da comissão de ilícito ambiental e no exercício do direito à tutela de interesses difusos (susceptível de ser exercido em acção popular), mormente a defesa do ambiente e da saúde pública – e o exercício dos direitos à eliminação e à reparação de danos causados ao ambiente e à saúde pública têm o prazo prescricional fixado no número 4 do artigo 22º da Lei 83/95, de 31/08, no artigo 33º do DL 147/2008, de 29/07 e no artigo 309º do Código Civil, que não se mostram esgotados,
- não se mostrar provado (cabendo às rés o ónus da prova) o momento em que o apelante tomou conhecimento da ocorrência de danos para o ambiente e a saúde pública no seu imóvel (tal apenas vem a ocorrer já na pendência da lide), isto é, do direito que lhe compete.
Importa começar a apreciação apurando o prazo prescricional aplicável no presente litígio – o que pressupõe apurar se o autor apelante se dirigiu a juízo para exercer o direito à restauração natural (esse o princípio geral consagrado no nº 1 do art. 566º do CC – o fim precípuo da lei nesta matéria é ‘o de prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes’) e, na parte em que a reparação in natura é insuficiente a reparar todos os danos, a haver indemnização em dinheiro (art. 566º, nº 1 do CC)[20], caso em que (por se tratar da exigência da responsabilidade civil extracontratual – art. 483º e ss. do CC) o prazo prescricional aplicável é o previsto no art. 498º do CC (como entendido na decisão apelada), ou antes se estamos perante acção em que são exercidos interesses difusos (ligados à defesa do ambiente e da saúde pública) susceptíveis de serem exercidos em acção popular, em que o prazo prescricional se mostra estabelecido ou no nº 4 do art. 22º da Lei 83/95, de 31/08, no art. 33º do DL 147/2008, de 29/07 ou no art. 309º do Código Civil.
Não procede a alegação do apelante de que se apresentou na presente acção a exercer interesses difusos (protecção ambiental e saúde pública).
A tutela dos interesses difusos, enquanto interesses de toda a comunidade, justifica que se reconheça aos cidadãos uti cives e não uti singuli, o direito de promover, individual ou associadamente, a sua defesa – a par do interesse individual (direito subjectivo ou interesse específico de um indivíduo), do interesse público ou interesse geral (subjectivado como interesse próprio do Estado e dos demais entes territoriais, regionais e locais) e do interesse colectivo (interesse particular colectivo comum a certo grupos e categorias), casos há em que converge (ou pode convergir) sobre determinado bem o interesse difuso (a refracção em cada indivíduo de interesses unitários da comunidade, global e complexivamente considerada)[21].
O direito ao ambiente e à saúde (a par doutros, que ao caso não relevam) são configurados como direitos fundamentais judicialmente accionáveis por todos, individual e colectivamente (at. 52º, nº 3, a) da CRP), recebendo uma protecção constitucional qualificada[22].
Interesse difuso (ao caso, ponderando que é esgrimida a defesa ambiental e da saúde pública, apenas o interesse difuso poderá estar em causa, não já a defesa de interesse colectivo[23]) caracterizado pela dimensão individual e supra individual, em razão da sua titularidade caber a todos e a cada um dos membros de uma classe ou de um grupo (independentemente da sua vontade) e por incidir sobre bens que podem ser gozados de forma concorrente e não exclusiva (ao contrário do interesse individual, que se confina à dimensão individual, pertencendo exclusivamente a um ou alguns titulares)[24] - interesse merecedor de tutela legal, não susceptível de apropriação individual, que respeita a todos os membros de uma comunidade ou, pelo menos, a um ‘grupo de pessoas não individualizável pela titularidade de qualquer interesse directamente pessoal’[25].
Valor ou interesse comunitário cuja tutela abstrai das particularidades respeitantes a cada cidadão – são interesses sem sujeito ou titular, interesses dispersos ou disseminados por vários titulares, indiferenciados, que recaem sobre bens que podem ser gozados de forma concorrente (são bens e interesses de que todos e cada um disfruta sem que tal gozo impeça que todos os demais os disfrutem também); diversamente dos interesses individuais, com dimensão exclusivamente individual, o interesse difuso, ainda que seja susceptível de satisfazer directa e imediatamente o interesse individual de alguém, tem sempre por referência o interesse unitário da comunidade.
A tutela do interesse difuso visa ‘a protecção do interesse supra individual e a prossecução da finalidade visada com a sua criação na ordem jurídica’, o que prescinde da apreciação de qualquer especificidade[26] - a sua defesa supõe a ‘abstração do «lastro de individualização»’, o alheamento ou afastamento relativamente às particularidades atinentes a cada indivíduo, tendo o seu propósito focado na obtenção de ‘provimento jurisdicional de conteúdo idêntico de protecção de interesses que pertencem a uma pluralidade indiferenciada de sujeitos, assim respeitante a interesses indivisíveis da colectividade.’[27]
Nas acções destinadas a fazer valer os interesses difusos (acções populares) não está em questão um direito subjetivo ou relação jurídica de que o autor seja titular[28], ou pelo menos, tal direito subjectivo não constitui o foco da causa de pedir nem para tutela de tal direito subjectivo (ou relação jurídica privada) o pedido é nelas especificamente dirigido; por tais ações respeitarem à tutela de interesses unitários da comunidade (insusceptíveis de apropriação individual), a lei (art. 31º do CPP, art. 52º, nº 3 da CRP e art. 2º da Lei 83/95) atribui a todos os cidadãos (titulares do interesse difuso) e, em sua substituição, às associações, às autarquias locais e ao Ministério Público (art. 4º, nº 1 do Estatuto do Ministério Público), ‘uma legitimidade concorrente’ para as intentarem[29].
Não tem essa natureza a causa que visa a tutela de direitos ou interesses individuais (em que se pretende a defesa de direitos subjetivos, de relações jurídicas de que o autor seja titular) e que, reflexamente, também tutela interesses difusos – aplicação privada (private enforcement), consagrada, por exemplo na área do direito da concorrência (art. 3º, nº 1 da Lei 23/2018, de 5/06), também encontrada na ‘acção destinada a obter a omissão da emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos de um prédio vizinho (art. 1346º CC), dado que pode vir a beneficiar dessa omissão um número indeterminado de pessoas’[30].
O objecto da acção popular nunca pode compreender direitos ou interesses meramente individuais – e assim que a diferença entre a acção popular e a acção individual coincide com a que existe entre o interesse difuso e o interesse individual.
O autor apelante assume que a presente não é uma acção popular – alega é que a causa de pedir invocada assenta num acervo factual que se integra na imputação da comissão de ilícito ambiental e no exercício da tutela de direitos difusos, o que seria susceptível de ser exercido em acção popular.
Ainda que seja de admitir que a matéria subjacente ao litígio poderia fundar acção popular (a defesa do ambiente e da saúde pública), constata-se que o autor, na presente causa, não surge uti cives promovendo directamente a defesa de interesses unitários da comunidade (o ambiente e a saúde pública), sendo na veste uti singuli, enquanto particular, que vem demandar tutela para os seus direitos subjectivos (ainda que a tutela pretendida possa também, reflexamente, servir a defesa daqueles interesses difusos).
Acção individual, pois que invoca a titularidade de direito absoluto (o direito de propriedade sobre imóvel – atente-se que formula mesmo o pedido de reconhecimento do direito de propriedade, o que ainda mais contribui para caracterizar a acção, pois nela não se abstrai do lastro de individualização, abstracção exigida na acção popular; diga-se, porém, que em rigor, mais do que inútil, tal pedido, assim como os formulados nas alíneas b) e c) do inicial petitório, exemplificando a disseminada e incorrecta prática que prejudica e perturba a acuidade e clareza por que deveriam primar as petições, não constitui verdadeiramente pedido, mas antes a enunciação de requisito ou pressuposto de procedência[31] erigido também em pretensão) que a conduta das rés violou, provocando-lhe danos, pretendendo a reparação/restauração do seu direito.
A causa não visa, directa ou primordialmente, a tutela do ambiente e/ou saúde pública, antes a tutela de direito subjectivo individual do autor – é uma acção para defesa de direito subjectivo, individual, em que o autor apelante visa reparação/ressarcimento para o dano sofrido em direito seu, como se conclui atendendo aos elementos objectivos definidores da causa (causa de pedir e pedido): os materiais colocados pelas rés no seu prédio (e em prédios vizinhos, que se não for construído talude de suporte, afectará o seu prédio, em razão de deslizamentos, derrocadas, escorrências e infiltrações – note-se aliás que o pedido de retirada dos materiais colocados nos prédios vizinhos tem o propósito de fazer cessar o dano no seu prédio) contaminam-no (atenta a natureza perigosa e tóxica dos mesmos – susceptíveis de contaminar as águas subterrâneas, de afectar substâncias com as quais entrem em contacto e de prejudicar o ambiente e a saúde humana,) e impedem o seu uso e fruição até à retirada daqueles e descontaminação deste, estando o autor impedido de levar a cabo a exploração de projecto imobiliário que tem para o mesmo.
Trata-se, pois, de acção destinada a exigir a responsabilidade civil extracontratual – causa destinada a tutelar interesse individual do autor, ainda que reflexamente também sirva a defesa do ambiente e da saúde pública, por isso sujeito ao prazo de prescrição previsto no art. 498º, nº 1 do CC (e não ao prazo ordinário da prescrição, previsto no art. 309º do CC).
Não é na situação trazida em apelação aplicável o nº 4 do art. 22º da Lei 83/95, pois esta norma tem o seu enquadramento circunscrito às situações em que em prévia acção popular se reconheceu que o agente violou dolosa ou culposamente interesses previstos no art. 1º de tal diploma e no nº 3 do art. 52º da CRP (a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, direitos dos consumidores, o património cultural e o domínio público) e o titular de interesse identificado naquela causa, valendo-se do caso julgado material formado pelo trânsito da decisão nela proferida (caso julgado material que o abrange, nos termos do art. 19º da Lei 83/95, dele beneficiando – a sentença nela proferida ‘tem eficácia geral’, só não abrangendo os ‘titulares dos direitos ou interesses que tiverem exercido o direito de se auto-excluírem da representação’ na acção a cabo do autor ou autores[32]), exerce contra aquele condenado agente violador (lesante), nos termos gerais da responsabilidade civil, o direito à indemnização pelos danos sofridos (pessoalmente sofridos), no triénio posterior ao do trânsito da decisão que reconhecera a violação.
Justificado, em tais situações (uma emanação da ‘adesão’, pois que o pedido de indemnização individual é apresentado subsequentemente à decisão da causa principal, constituída pela acção popular), que o termo inicial do prazo de prescrição (também três anos) para o exercício do direito indemnizatório por parte de cada um dos lesados individuais seja o do trânsito em julgado da sentença que vem a concluir que o agente violou dolosa ou culposamente interesses difusos (previstos no art. 1º da Lei 83/95) e que com isso violou tanto interesses de titulares não identificados como também de titulares de interesses identificados – não só porque em tal situação parte dos pressupostos que interessam à definição da responsabilidade que cabe ao agente causador do dano está definida e assente (com força de caso julgado material), não se verificando (quanto a tais pressupostos) a razão que determina que o prazo curto de prescrição comece a correr em momento próximo sobre o acontecimento lesivo, como ainda porque pela demanda que lhe é movida na acção popular o lesado fica já alertado para a possibilidade de, caso a acção proceda, poder vir a ser demandado por titulares de interesses identificados em vista de serem ressarcidos dos danos sofridos.
Situação que, como se disse, não ocorre nos autos – o autor não funda a demanda no caso julgado material de qualquer acção popular que haja condenado as rés por terem violado, dolosa ou culposamente, interesses previstos no art. 1º de tal diploma e no nº 3 do art. 52º da CRP (mormente o ambiente e a saúde pública).
Porque aplicável o prazo prescrional de três anos previsto no art. 498º, nº 1, do CC, cujo termo inicial ocorreu em 2002, quando o autor apelante tomou conhecimento de que no seu prédio haviam as rés depositado, entre Maio de 2001 e Março de 2002 (alínea MM dos factos provados – e por isso se tem de concluir estar assente a data da prática do acto ilícito imputado às rés), matérias perigosas (alíneas X e Z do factos provados – tais factos permitem concluir que o autor apelante tomou então conhecimento do direito que lhe competia, ainda que desconhecesse a extensão integral do dano), tem de concluir-se que à data da entrada da petição em juízo (em 28/07/2008) tal prazo se mostrava já esgotado (e, por maioria de razão, quando as rés foram citadas – sendo certo que este, e não a propositura da acção, é o acto interruptivo da prescrição, nos termos do nº 1 do art. 323º do CC).
Completado o prazo prescricional sem que o titular tenha praticado o acto necessário e com virtualidade de obstar àquela, interrompendo-a, pode o responsável, nos termos do art. 304º, nº 1 do CC, recusar a prestação ou opor-se ao exercício do direito (pode recusar, de modo lícito, a realização da prestação devida[33]) – entenda-se a prescrição como causa de extinção dos direitos ou como instituto que se limita a conferir ao beneficiário o poder jurídico de recusar o cumprimento[34], certo é que assume natureza de excepção que permite ao devedor/responsável recusar, fundadamente, o cumprimento da obrigação (art. 304º, nº 1 do CC).
Não se objecte que a pretensão encontra acolhimento no art. 33º do DL 147/2008, de 29/07 – tal diploma ainda não estava em vigor quando o autor se dirigiu a juízo a exercer direito subjectivo que, então (como apurado), se mostrava já prescrito.
Pequena nota (repetida) a propósito dos pedidos formulados nas alíneas a) a c) (poderia objectar-se que a prescrição prevista no art. 498º do CC não opera quanto a eles) - como acima se disse, não estamos, em rigor, perante verdadeiros pedidos, antes perante mais uma objectivação da prática de apresentar em forma de pedido o que tão só constitui (e a isso deve ser confinado) pressuposto ou requisito de procedência da causa.
Improcede, pois, a apelação – a procedência da excepção da prescrição, determina a improcedência da acção, ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.
B. Síntese conclusiva.
Do exposto resulta a improcedência da apelação e consequente confirmação da decisão apelada, podendo extrair-se, com interesse (e por isso excluindo toda a reapreciação da prova), da argumentação decisória o seguinte sumário:
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DECISÃO
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Custas pelo apelante.