I - Gozando todos os créditos da mesma garantia hipotecária (hipoteca voluntária), a sua satisfação deve obedecer à regulação contratual acordada (e lavada ao registo – art. 687º do CC e do art. 4º, nº 2 do Código do Registo Predial) – no caso, a satisfação paritária de todos os créditos dar-se-á tendo por referência não o valor reclamado (e reconhecido) mas antes o valor financiado por cada um de tais credores (e até ao limite que viu levado ao registo).
II - Concorrendo na mesma graduação créditos garantidos por penhor e créditos com privilégio mobiliário geral que garantem créditos laborais, créditos da Segurança Social e créditos do Estado por impostos, os créditos garantidos por penhor preferem a todos os outros, incluindo aos créditos da Segurança Social.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
RELATÓRIO
Apelantes: A..., S.A., Banco 1..., S.A., Banco 2..., S.A. - Sucursal em Portugal, Banco 3..., S.A., Banco 4..., S.A, B..., S.A., Banco 5... S.A., C..., S.A. e Banco 6..., S.A. (credores hipotecários e pignoratícios)
Insolvente: D..., S.A..
Juízo de comércio de Aveiro (lugar de provimento de Juiz 2) – T. J. da Comarca de Aveiro.
A. Garantidos por hipoteca (sobre o prédio descrito na CRP de Aveiro sob o nº ...41/... e inscrito na matriz predial sob o art. ...14) reconhecida aos Banco 5..., S.A., Banco 6..., S.A., Banco 3..., S.A., Banco 1..., S.A., Banco 4..., S.A., B..., S.A., C..., S.A., A..., S.A. e a Banco 2..., S.A., Sucursal em Portugal, hipoteca constituída e registada em primeiro grau pela AP. ...61 de 2013/07/29 ‘para garantia das obrigações no montante máximo assegurado de 41.313.639,20€ em paridade e na proporção dos créditos das referidas entidades’, mais especificamente:
- à Banco 2... - hipoteca constituída para garantia do montante de 1.323.529,41€, decorrente de operações i) de empréstimo sob a forma de mútuo com hipoteca, penhor de equipamentos e entrega de livranças à sociedade devedora, no montante de 823.529,41€, titulado por documento particular e de ii) empréstimo sob a forma de abertura de crédito em conta-corrente, concedido à devedora, no montante de 500.000,00€, titulado por documento particular,
- ao Banco 5... – constituída para garantia do montante de 954.000,45€, decorrente do empréstimo sob a forma de mútuo com hipoteca, penhor de equipamentos e entrega de livranças, concedido à sociedade devedora,
- ao Banco 6... – constituída para garantia do montante em capital de 4.025.000,00€, decorrente de i) operação de empréstimo pelo Banco 7... de 2.370.000,00€ sob a forma de uma conta multiusos Banco 7... Express Bill 2.0 concedido à devedora, titulado por documento particular, de ii) operação de empréstimo no montante de 1.130.000,00€, sob a forma de mútuo com hipotecas, penhor de equipamentos e entrega de livranças concedido à sociedade devedora, titulado por documento particular, de iii) operação de empréstimo, pelo Banco 7..., no montante de 170.000,00€ sob a forma de conta multiusos Banco 7... Express Bill 2.0 concedido à sociedade terceira (F...), titulada por documento particular e d) operação no montante de 350.000,00€ sob a forma de uma Conta Multiusos Banco 7... Express Bill 2.0, concedido a sociedade terceira (G...), titulado por documento particular;
- ao Banco 3..., S.A. – constituída para garantia:
a - do montante em capital de 3.185.135,04€, decorrente de operação i) de empréstimo pelo Banco 8... no montante de 2.385.135,04€, no empréstimo sob a forma de mútuo com hipotecas, penhor de equipamentos e entrega de livranças concedido à sociedade devedora, titulado por documento particular, de ii) empréstimo sob a forma de contrato de abertura de crédito em conta-corrente concedido a sociedade terceira (H...), no montante de 150.000,00€ e de iii) empréstimo sob a forma de plafond de desconto sobre o estrangeiro concedido à sociedade devedora, no montante de 650.000,00€.
b- do montante em capital de 2.368.311,81€, decorrente de operação de i) da abertura de crédito sob a forma de conta corrente até ao montante de 1.670.000,00€ concedido à sociedade devedora, alterado em 26/07/2013, de b) empréstimo no montante de 298.311,81€ sob a forma de mútuo com hipotecas, penhor de equipamentos e entrega de Livranças concedido à sociedade devedora, de iii) empréstimo no âmbito do aditamento ao contrato de mútuo ao abrigo da Linha de Crédito PME Invest IV / BAPOP, no valor que então se cifrou em 500.000,00 €, mas que, para efeitos da hipoteca se fixou em 250.000,00 €, concedido à sociedade devedora, alterado em 26/07/2013 e de iiii) empréstimo no montante de 150.000,00€ sob a forma de abertura de crédito em conta-corrente, concedido a sociedade terceira (I...);
- à Banco 1..., S.A. – constituída para garantia do montante em capital de 4.796.122,81€, decorrente das seguintes operações: i) do montante subscrito pela Banco 1..., até 3.265.000,00€, no Contrato de Organização, Montagem, Colocação, Garantia de Subscrição, Agente Pagador e Instituição Registadora de Programa de Emissões de Papel Comercial Sindicado pela devedora, ii) do montante emprestado pela Banco 1..., 735.000,00€, no empréstimo sob a forma de mútuo com hipotecas, penhor de equipamentos e entrega de livranças concedido à sociedade devedora, titulado por documento particular, iii) de metade do valor em dívida do empréstimo concedido pela Banco 1... à sociedade devedora, 225.000,00€, no âmbito do contrato de Mútuo (Linha de Crédito PME Invest III / Banco 1...) (operação n.º ...91), com garantia da A..., iiii) de cinquenta por cento do valor em dívida do empréstimo sob a forma de abertura de crédito concedido à sociedade I..., ao abrigo da (Linha de crédito PME Invest II / Banco 1...), alterado no dia 26/07/2013, 4.733,93, de iiiii) de cinquenta por cento do valor em dívida do empréstimo concedido à sociedade I... sob a forma de mútuo, ao abrigo da (Linha de crédito PME Invest IV / Banco 1...) (operação n.º ...91), alterado no dia 26/07/2013, 91.388,88, de iiiiii) empréstimo sob a forma de abertura de crédito em conta-corrente concedido à sociedade I..., no montante de 150.000,00€, titulado por documento particular, de iiiiiii) empréstimo sob a forma de mútuo concedido à sociedade J..., no montante de 75.000,00€, titulado por documento particular, de iiiiiiii) empréstimo sob a forma de abertura de crédito em conta-corrente concedido à sociedade F..., no montante de 100.000,00€, titulado por documento particular e de iiiiiiiii) empréstimo sob a forma de abertura de crédito em conta-corrente concedido à sociedade G..., no montante de 150.000,00 €, titulado por documento particular;
- ao Banco 4..., S.A. – constituída para garantia:
a- do montante em capital de 8.821.313,00€, decorrente das operações i) relativa a montante subscrito pelo Banco 4..., até 5.070.000,00€, no Contrato de Organização, Montagem, Colocação, Garantia de Subscrição, Agente Pagador e Instituição Registadora de Programa de Emissões de Papel Comercial Sindicado pela sociedade devedora, ao ii) empréstimo no montante de 2.423.000,00€, sob a forma de mútuo com hipotecas, penhor de equipamentos e entrega de livranças concedido à sociedade devedora, titulado por documento particular, ao iii) contrato de abertura de crédito em conta-corrente celebrado com a sociedade I..., no montante de 100.000,00€, por documento particular, ao iiii) contrato de abertura de crédito em conta-corrente celebrado com a sociedade F..., no montante de 150.000,00€, por documento particular, ao iiiii) contrato de abertura de crédito em conta-corrente celebrado com a sociedade K..., no montante de 250.000,00€, por documento particular, ao iiiiii) contrato de amortização parcial dos montantes em dívida emergentes da conta corrente caucionada n.º ...76 celebrada com a sociedade G... (sendo o capital objecto do plano de amortização titulada nesse contrato então em dívida e garantido de 78.313,00€), ao iiiiiii) contrato de abertura de crédito em conta-corrente celebrado com a sociedade G... até 500.000,00€, titulado por documento particular e ao iiiiiiii) empréstimo celebrado sob a forma de contrato de abertura de crédito em conta-corrente concedido à sociedade L..., no montante de 250.000,00€.
b- do montante em capital de 2.368.311,81€, decorrente das operações de i) de abertura de crédito sob a forma de conta corrente até ao montante de 1.670.000,00€ concedido à sociedade devedora, do ii) empréstimo de 298.311,81€ sob a forma de mútuo com hipotecas, penhor de equipamentos e entrega de livranças concedido à sociedade devedora, de iii) empréstimo no âmbito do aditamento ao Contrato de Mútuo ao abrigo da (Linha de Crédito PME Invest IV / BAPOP) ao qual foi ..., então em 500.000,00€, mas fixado para efeitos da hipoteca em 250.000,00€, concedido à sociedade devedora e do iiii) empréstimo sob a forma de abertura de crédito em conta-corrente, concedido à sociedade I..., no montante de 150.000,00€;
- à B..., S.A. - para garantia do montante em capital de 50.000,00€, emergente da garantia autónoma n.º ...09....23, à primeira solicitação, prestada em 26/03/2010 pela B... em nome e a pedido da sociedade devedora, para garantia de um contrato de financiamento do Banco 9..., S.A. (no âmbito da linha de crédito PME Invest IV, no montante inicial de 1.000.000,00 €);
- à C..., S.A. - - para garantia do montante em capital de 50.000,00€, emergente da garantia autónoma n.º ...09....67, à primeira solicitação, prestada em 26/03/2010 pela B... em nome e a pedido da sociedade devedora, para garantia de um contrato de financiamento do Banco 9..., S.A. (no âmbito da linha de crédito PME Invest IV, no montante inicial de 1.000.000,00 €); e
- à A..., S.A. – constituída para garantia do montante em capital de 471.122,81€ decorrente seguintes operações de i) responsabilidades até ao montante de capital de 150.000,00€ emergentes da garantia autónoma n.º ...09....21, à primeira solicitação, prestada ela A... em 26/03/2010 em nome e a pedido da sociedade devedora, para garantia de um contrato de financiamento do Banco 9..., S.A (no âmbito da linha de crédito PME Invest IV, no montante inicial de 1.000.000,00€), de ii) responsabilidades até ao montante de capital de 225.000,00€ emergentes da garantia autónoma n.º ...09....97, à primeira solicitação, prestada em 31/03/2009 pela A... em nome e a pedido da sociedade devedora, para garantia de um contrato de financiamento da Banco 1..., S.A. (no âmbito da linha de crédito PME Invest III, no montante inicial de 1.000.000,00€), de iii) responsabilidades até ao montante de capital de 4.733,93€ emergentes da garantia autónoma n.º ...08....61, à primeira solicitação, prestada em 02/03/2009 pela A... em nome e a pedido da I..., para garantia de um contrato de financiamento da Banco 1..., S.A. (no âmbito da linha de crédito PME Invest II, no montante inicial de 200.000,00 €) e de iiii) responsabilidades até ao montante de capital de 91.388,88€ emergentes da garantia autónoma n.º ...10....90, à primeira solicitação, prestada em 29/04/2010 pela A... em nome e a pedido da I..., para garantia de um contrato de financiamento (no âmbito da linha de crédito PME Invest IV concedido pela Banco 1..., S.A., no montante inicial de 235.000,00€).
B. Garantidos por penhores
B.1. penhor de equipamentos, mercantil, constituído em 26/07/2013, em primeiro grau e em paridade, sobre os bens constantes do anexo VII do contrato de empréstimo sob a forma de contrato de mútuo com hipotecas, penhor de equipamentos e entrega de livranças datado de 26/07/2013, a favor de Banco 2..., S.A. - Sucursal em Portugal, Banco 5..., S.A., Banco 10..., Banco 4..., S.A., Banco 3..., S.A., Banco 1..., S.A., Banco 6..., S.A., B..., S.A, C..., S.A. e A..., S.A.
B.2. penhor sobre acções:
B.2.1. a favor da B..., S.A. - o penhor sobre 2000 acções nominativas, representativas do capital social da B..., S.A., no valor nominal de 1,00€ cada,
B.2.2. a favor da C..., S.A. - o penhor sobre 2000 acções nominativas, representativas do capital social da C..., S.A., no valor nominal de 1,00€ cada,
B.2.3. a favor da A..., S.A. – i) penhor sobre 10000 acções nominativas, representativas do capital social da A..., S.A., no valor nominal de 1,00€ cada, e ii) penhor sobre 6000 acções nominativas, representativas do capital social da A..., S.A., no valor nominal de 1,00€ cada.
Tal sentença, além de reconhecer os créditos e respectivas garantias, procedeu à sua graduação, ordenando-os, no que releva, como segue:
A. ‘Através do produto da venda/liquidação do imóvel apreendido – será(ão) pago(s):
- em primeiro lugar, o crédito de AA;
- em segundo lugar, os créditos hipotecários reconhecidos aos credores Banco 2..., S.A., Sucursal em Portugal, Banco 5..., S.A., Banco 11..., S.A., Sucursal em Portugal, Banco 10..., S.A., Banco 4..., S.A., Banco 3..., S.A., Banco 1..., S.A., B..., S.A., C..., S.A., A..., S.A. e Banco 6..., S.A., garantidos por hipoteca registada em 2013/07/29, com o montante máximo assegurado de €41.313.639,20, em paridade e na proporção dos respectivos créditos;
- em terceiro lugar, o crédito privilegiado reconhecido ao Instituto da Segurança Social, I.P.;
- em quarto lugar, os créditos privilegiados reconhecidos à Autoridade Tributária;
- em quinto lugar, os créditos comuns, com rateio entre eles, se necessário.
- em último lugar, os créditos subordinados, pela ordem prevista no art. 48º do CIRE, na proporção dos respectivos montantes, quanto aos que constem da mesma alínea.’
B. ‘Através do produto da venda/liquidação dos bens dados em penhor constantes do anexo VII do contrato de empréstimo sob a forma de contrato de mútuo com hipotecas, penhor de equipamentos e entrega de livranças datado de 26/07/2013 – será(ão) pago(s):
- em primeiro lugar, o crédito privilegiado reconhecido ao Instituto da Segurança Social, I.P.;
- em segundo lugar, os créditos pignoratícios reconhecidos aos credores Banco 2..., S.A., Sucursal em Portugal, Banco 5..., S.A., Banco 11..., S.A., Sucursal em Portugal, Banco 10..., S.A., Banco 4..., S.A., Banco 3..., S.A., Banco 1..., S.A., B..., S.A., C..., S.A., A..., S.A. e Banco 6..., S.A., garantidos por penhor constituído em 2013/07/26, com o montante máximo assegurado de € 31.004.067,28, em paridade e na proporção dos respectivos créditos;
- em terceiro lugar, o crédito de AA;
- em quarto lugar, os créditos privilegiados reconhecidos à Autoridade Tributária;
- em quinto lugar, os créditos comuns, com rateio entre eles, se necessário;
- em último lugar, os créditos subordinados, pela ordem prevista no art. 48º do CIRE, na proporção dos respectivos montantes, quanto aos que constem da mesma alínea.’
C. ‘Através do produto da venda/liquidação das acções da B..., S.A., será(ão) pago(s):
- em primeiro lugar, o crédito privilegiado reconhecido ao Instituto da Segurança Social, I.P.;
- em segundo lugar, o crédito garantido reconhecido à B..., S.A.;
- em terceiro lugar, o crédito de AA;
- em quarto lugar, os créditos privilegiados reconhecidos à Autoridade Tributária;
- em quinto lugar, os créditos comuns, com rateio entre eles, se necessário;
- em último lugar, os créditos subordinados, pela ordem prevista no art. 48º do CIRE, na proporção dos respectivos montantes, quanto aos que constem da mesma alínea.’
D. ‘Através do produto da venda/liquidação das acções da C..., S.A. – será(ão) pago(s):
- em primeiro lugar, o crédito privilegiado reconhecido ao Instituto da Segurança Social, I.P.;
- em segundo lugar, o crédito garantido reconhecido à C..., S.A.;
- em terceiro lugar, o crédito de AA;
- em quarto lugar, os créditos privilegiados reconhecidos à Autoridade Tributária;
- em quinto lugar, os créditos comuns, com rateio entre eles, se necessário;
- em último lugar, os créditos subordinados, pela ordem prevista no art. 48º do CIRE, na proporção dos respectivos montantes, quanto aos que constem da mesma alínea.’
E. ‘Através do produto da venda/liquidação das acções da A..., S.A. – será(ão) pago(s):
- em primeiro lugar, o crédito privilegiado reconhecido ao Instituto da Segurança Social, I.P.;
- em segundo lugar, o crédito garantido reconhecido à A..., S.A.;
- em terceiro lugar, o crédito de AA;
- em quarto lugar, os créditos privilegiados reconhecidos à Autoridade Tributária;
- em quinto lugar, os créditos comuns, com rateio entre eles, se necessário;
- em último lugar, os créditos subordinados, pela ordem prevista no art. 48º do CIRE, na proporção dos respectivos montantes, quanto aos que constem da mesma alínea.’
Inconformados com o assim decidido, apelam[1] (segue-se aqui a ordem de entrada das apelações) os credores A..., S.A., Banco 1..., S.A., Banco 2..., S.A., Sucursal em Portugal, Banco 3..., S.A., Banco 4..., S.A., B..., S.A., Banco 5..., S.A., C..., S.A. e Banco 6..., S.A., todos defendendo que na situação dos autos, ponderando o concurso de créditos garantidos por penhor, créditos privilegiados da Segurança Social e da Autoridade tributária e créditos privilegiados laborais, deve a garantia do penhor prevalecer sobre o crédito da segurança social e serem os créditos pignoratícios graduados em primeiro lugar (antes do crédito da segurança social), requerendo:
- todos os apelantes, a revogação da sentença recorrida no segmento relativo à graduação quanto ao produto ao produto da venda/liquidação dos bens dados em penhor e constantes ‘do anexo VII do contrato de empréstimo sob a forma de contrato de mútuo com hipotecas, penhor de equipamentos e entrega de livranças datado de 26/07/2013’ por forma a que gradue em primeiro lugar (em paridade e na proporção respectiva) os créditos garantidos por penhor,
- as apelantes sociedades de garantia mútua, a revogação da sentença no segmento relativo à graduação concernente ao produto da venda/liquidação das respectivas acções dadas em penhor (e sobre as quais cada uma das apelantes goza da garantia do penhor) e substituição por outra que gradue em primeiro lugar (antes do crédito privilegiado da Segurança Social) cada um dos créditos garantidos pelo penhor das acções em causa.
O apelante Banco 5... apela ainda sustentando que a decisão apelada, quando à graduação concernente ao imóvel apreendido, referiu que os créditos das entidades bancárias e das sociedades de garantia (todos graduados em segundo lugar), determinou que seriam satisfeitos em paridade e na proporção dos respectivos créditos, o que conduz à errada conclusão (interpretação) de que tal proporção será encontrada por referência à medida dos créditos reclamados e reconhecidos nos autos, devendo antes fazer-se constar que tais créditos são garantidos em paridade e na proporção dos créditos respectivamente concedidos e até ao limite registado.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Duas as questões a apreciar e decidir:
- a primeira, suscitada exclusivamente pelo apelante Banco 5... que se reconduz à indicação de que a proporção em que serão pagos os créditos das entidades bancárias e de garantia, garantidos pela hipoteca, em paridade, deverá ser encontrada por referência ao montante de crédito respectivamente concedido por cada uma delas (e não por referência ao montante do crédito respectivamente reclamado e reconhecido),
- a segunda, suscitada por todos os apelantes, consistente em apurar da ordem de graduação dos créditos quanto aos bens objecto de penhor, mais precisamente se na situação dos autos os créditos garantidos por penhor preferem aos créditos privilegiados da Segurança Social, ponderando que no caso concorrem não só créditos pignoratícios e créditos privilegiados (privilégio mobiliário geral) da Segurança Social mas ainda créditos privilegiados (privilégio mobiliário geral) laborais e da autoridade tributária.
A matéria a considerar (créditos reconhecidos e respectivas garantias – no que releva à apreciação da apelação) resulta exposta no relatório desta decisão.
Fundamentação jurídica.
A. Da proporção em que deverão ser satisfeitos, pelo produto da venda do imóvel apreendido nos autos, os créditos graduados, em paridade, por gozarem da garantia hipotecária.
A hipoteca (tal qual a consignação de rendimentos, o penhor, os privilégios creditórios e o direito de retenção) é um direito real de garantia (constitui garantia real das obrigações)[2].
Os direitos reais de garantia conferem o poder de, pelo valor de uma coisa ou pelo valor dos seus rendimentos, um credor obter, com preferência sobre todos os outros credores, o pagamento da dívida de que é titular activo[3] - a hipoteca está ao serviço dum crédito (é um acessório deste), assegura-o[4], nos termos que resultem do contrato (no caso de hipoteca voluntária, como é o caso – art. 712º e ss. do CC) e que constem do registo (pois, como é afirmação corrente, no caso da hipoteca o registo é constitutivo - só depois do registo a hipoteca produz efeitos, mesmo entre as partes, como decorre do art. 687º do CC e do art. 4º, nº 2 do Código do Registo Predial[5]).
Na situação trazida em apelação, os credores hipotecários estão graduados no segundo lugar (quanto ao bem objecto da hipoteca), paritariamente – nenhum destes tem a faculdade de ser pago preferencialmente aos demais que gozam da mesma garantia –, mas tal satisfação paritária obedece a uma proporção, estabelecida pela regulação contratual (estamos perante hipoteca voluntária) acordada (e levada ao registo), cujo factor é o valor garantido dos créditos concedidos por cada uma das entidades garantidas – ou seja, a satisfação paritária de todos esses créditos dar-se-á proporcionalmente, por referência não ao valor reclamado (e reconhecido) mas antes ao valor financiado por cada um de tais credores (e até ao limite que viu levado ao registo).
Assiste, pois, razão ao apelante Banco 5... S.A. – os créditos hipotecários reconhecidos a Banco 2..., S.A., Sucursal em Portugal, Banco 5..., S.A., Banco 11..., S.A., Sucursal em Portugal, Banco 10..., S.A., Banco 4..., S.A., Banco 3..., S.A., Banco 1..., S.A., B..., S.A., C..., S.A., A..., S.A. e Banco 6..., S.A., garantidos pela hipoteca hipoteca registada em 2013/07/29, com o montante máximo assegurado de 41.313.639,20€, graduados em segundo lugar na sentença apelada, serão satisfeitos paritariamente na proporção do crédito respectivamente concedido por cada um dos credores.
B. A ordem de graduação dos créditos quanto aos bens objecto de penhor, ponderando que estão em concurso com créditos privilegiados da Segurança Social, da autoridade tributária e laborais.
Já subscrevemos o entendimento adoptado na sentença recorrida, isto é, o de que nas situações em que concorram na mesma graduação créditos garantidos por penhor, créditos da Segurança Social, créditos laborais e créditos da Fazenda Nacional por impostos, todos estes com privilégio mobiliário geral, deveria sobre todos preferir o crédito da Segurança Social (por isso a graduar em primeiro lugar) e depois (em segundo lugar) o crédito garantido por penhor (seguindo-se os demais)[6].
Posição que fomos levar a rever e alterar[7], ponderando a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre a questão (valorizando, assim, o primordial e fundamental papel da jurisprudência do STJ, mormente no âmbito da revista excepcional, para a interpretação e aplicação uniforme do direito) – reafirmando o entendimento adoptado nos anteriores acórdãos de 22/09/2021[8] e de 5/04/2022[9], o STJ, em acórdão de 9/07/2024[10], apreciando recurso de revista excepcional, interposto nos termos do art. 672º, nº 1, alíneas a) e c), do C.P.C., decidiu que o nº 2 do art. 204º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16/09 (que dispõe que o privilégio mobiliário geral conferido à Segurança Social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora, prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior), ‘deve ser interpretado restritivamente, sendo aplicável apenas quando a graduação de créditos envolve exclusivamente créditos pignoratícios e créditos da Segurança Social’ e assim, concorrendo ‘na mesma graduação, em conjunto, créditos garantidos por penhor, créditos com privilégio mobiliário geral emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, e créditos com privilégio mobiliário geral da Segurança Social por contribuições e quotizações, a ordem de prioridade que compete a esses créditos é aquela que, em geral, estabelece a lei, ou seja: em primeiro lugar o crédito pignoratício; em segundo lugar o crédito laboral; em terceiro lugar o crédito da Segurança Social.’
Ponderou o STJ para adoptar tal posição os seguintes argumentos (resumo feito no acórdão de 9/07/2024):
- ser inegável a contradição lógica que se evidencia na preferência dada ao crédito garantido por penhor sobre o crédito laboral (arts. 666º, nº 1 e 749º, nº 1 do CC), mas não já sobre o crédito da Segurança Social (art. 204º, nº 2 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009), sendo que aquele preterido (relativamente ao crédito pignoratício) crédito laboral tem preferência sobre o crédito da Segurança Social (art. 333º, nº 1, a) e nº 2, a) do Código do Trabalho), este preferindo àquele crédito pignoratício, donde resulta uma ‘triangulação conflituante entre si quando a graduação envolva estes três tipos de créditos’;
- a solução que melhor compatibiliza (até onde seja possível) as normas jurídicas em confronto é a que ‘passa pela leitura restritiva do nº 2 do art. 204º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social’, justificada ‘pela circunstância de concorrendo, em conjunto, créditos pignoratícios, créditos dos trabalhadores, créditos do Estado e das autarquias locais e créditos da Segurança Social, deixar de ser aplicável a solução de preferências destinada a regular a traça normal dos créditos em confronto, evitando-se desta forma a preterição desproporcionada de um conjunto mais alargado de outros credores, a saber os titulares de créditos laborais (em benefício injustificado do crédito da Segurança Social que deveria, à partida, ceder perante aqueles)’;
- em tal complexo e singular quadro, compreende-se que ‘o penhor tenha preferência sobre o privilégio creditório mobiliário geral da Segurança Social e sobre o privilégio mobiliário geral dos trabalhadores, dado que constitui uma garantia de natureza real, firmada por via contratual, protegendo as legítimas expectativas garantísticas do respectivo credor, sendo o penhor dotado de sequela e oponível erga omnes, em confronto com a mera preferência de pagamento daqueles relativamente aos créditos comuns.’
Esta a posição que consegue a máxima coerência normativa, respeitando, até ao limite possível, o número de preferências relativas estabelecidas pela lei (mormente nas situações em que no concurso estão também presentes créditos do Estado por impostos, como no caso dos autos, a graduar com os créditos da Segurança Social nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 747º do CC – e que, como resulta da conjugação deste preceito com o nº 1 do art. 204º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social que para aquele remete, nunca poderão ser preteridos pelo crédito da Segurança Social, pois quando muito terão de ser graduados paritariamente[11]) – o entendimento seguido pela sentença apelada transforma a preferência relativa de que os créditos privilegiados da Segurança Social gozam sobre os créditos pignoratícios (ponderando uma relação de confronto directo, exclusivo, dual) numa preferência genérica válida também contra os demais, levando-os a prevalecer sobre todos os demais créditos relativamente aos quais não tem preferência; o entendimento que o STJ vem defendendo implica tão só se desrespeite uma das preferências, mantendo-se, porém, todas as demais.
Assim, porque na situação dos autos concorrem à mesma graduação créditos garantidos por penhor e créditos com privilégio mobiliário geral que garantem créditos laborais, créditos da Segurança Social e créditos do Estado por impostos, procede a apelação dos apelantes, devendo os créditos garantidos por penhor ser graduados em primeiro lugar, antes dos créditos da Segurança Social.
Impõe-se, todavia, uma nota, a propósito da graduação que, em resultado da procedência deste segmento recursório, se impõe efectuar – porque nem o titular do crédito privilegiado laboral nem a Autoridade Tributária apelaram, conformando-se com que os seus créditos privilegiados ficassem graduados depois dos créditos da Segurança Social, não pode este tribunal alterar esse segmento decisório da ordenação dos créditos (o poder cognitivo do tribunal está limitado ao segmento que na decisão recorrida vem impugnado pelos apelantes – essa a parte que lhes é desfavorável e que pretendem ver modificada em seu favor) e, por isso, que a procedência da apelação se objectivará tão só na alteração da ordem de graduação entre os créditos garantidos por penhor (em primeiro lugar) e os créditos da segurança social (em segundo lugar – ou melhor e mais conforme à normatividade referida, depois dos créditos garantidos por penhor).
C. Síntese conclusiva.
Do exposto resulta a procedência da apelação e consequente alteração da sentença apelada (quer determinando que os créditos hipotecários incidentes sobre o imóvel apreendido, graduados em segundo lugar, serão satisfeitos paritariamente na proporção do crédito respectivamente concedido por cada um dos credores – apelação do Banco 5... –, quer alterando a graduação relativamente aos bens objecto de penhor, graduando-se os créditos pignoratícios antes dos créditos da Segurança Social, mantendo-se, claro está, a precipuidade das custas), podendo sintetizar-se a argumentação decisória (nº 7 do art. 663º do CPC) nas seguintes proposições:
……………………………………………………………
……………………………………………………………
……………………………………………………………
- em determinar, mantendo em tudo o mais o aí decidido, que pelo produto da venda/liquidação do imóvel apreendido, os créditos hipotecários, graduados em segundo lugar, serão satisfeitos paritariamente na proporção do crédito/financiamento respectivamente concedido por cada um dos credores;
- em alterar a graduação quanto ao produto da venda dos bens dados em penhor (quer da graduação estabelecida quanto aos bens constantes do anexo VII do contrato de empréstimo sob a forma de contrato de mútuo com hipotecas, penhor de equipamentos e entrega de livranças datado de 26/07/2013, quer da graduação estabelecida quanto às acções da B..., S.A., da C..., S.A. e da A..., S.A., respectivamente), graduando os créditos pignoratícios em primeiro lugar e depois os créditos da Segurança Social, mantendo-se no mais a decisão apelada (e a ordenação dos créditos por ela feita).
As custas da apelação são encargo da massa insolvente (arts. 303º e 304º do CIRE).
(por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)
João Ramos Lopes
Rodrigues Pires - [DECLARAÇÃO DE VOTO: Subscrevo o entendimento adotado no presente acórdão, em sintonia com a argumentação expendida pelo STJ no seu acórdão de 9.7.2024 (proc. 1871/23.8 T8LRA-B.C1.S1), assim revendo a minha anterior posição assumida no Ac. TRP de 10.7.2024 (proc. 2435/22.9 T8OAZ-C.P1).].
Márcia Portela
________________________
[1] O resumo que se faz do objecto dos recursos preenche suficiente e adequadamente a enunciação das pretensões recursivas deduzidas por todos os apelantes, servindo à delimitação do objecto da apelação, o que justifica se omita a transcrição das conclusões dos apelantes.
[2] Orlando de Carvalho, Teoria Geral do Direito Civil, Sumários desenvolvidos para alunos do 2º ano (1ª Turma) do Curso Jurídico de 1980/81, Centelha, Coimbra, pp. 107 e 108.
[3] Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª edição actualizada, p. 143.
[4] L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, 3ª Edição, pp. 217 e 224.
[5] L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, 3ª Edição, pp. 223 e 223.
[6] Assim nos acórdãos desta Relação de 5/03/2024 (Rui Moreira, no processo nº 4033/20.2T8OAZ-B.P1 – em que o aqui relator interveio como segundo adjunto) e de 10/07/2024 (Rodrigues Pires, no processo nº 2435/22.9T8OAZ-C.P1 – aqui primeiro adjunto, no qual também interveio, como primeiro adjunto, o aqui relator), ambos no sítio www.dgsi.pt.
[7] Subscrevendo como adjunto acórdão que objectiva tal alteração de posição – acórdão da Relação do Porto de 17/06/2025, no processo nº 3217/24.9T8STS-A.P1 (Alberto Taveira), no sítio www.dgsi.pt.
[8] Relator José Rainho, no processo nº 775/15.2T8STS-C-P1.S1, no sítio www.dgsi.pt.
[9] Relator Ricardo Costa, no processo nº 1855/17.5T8SNT-A.L1.S1, no sítio www.dgsi.pt.
[10] Acórdão do STJ proferido no processo nº 1871/23.8T8LRA-B.C1.S1 (Luís Espírito Santo), no sítio www.dgsi.pt.
[11] Cfr. os citados acórdãos do STJ de 22/09/2021 (José Rainho) e de 5/04/2022 (Ricardo Costa).