Se, com uma fundamentação, idêntica à da 1ª instância, a Relação julga improcedente o recurso da embargada, que recorre da sentença que julgou procedentes os embargos, relativamente a determinados alimentos, e, com outra fundamentação distinta, julga procedente o recurso subordinado do embargante, que recorre da sentença que julgou improcedentes os embargos relativamente a outros alimentos, existem dois segmentos decisórios distintos e autónomos, com fundamentações, também elas, autónomas e perfeitamente cindíveis.
Acordam, em conferência os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:
*
AA deduziu embargos de executado contra BB, pedindo: a extinção da execução que constitui o apenso2, com o consequente cancelamento de todas as penhoras e a devolução ao embargante de todos os valores que lhe foram penhorados; caso não se entenda conforme pedido anterior, deverá a exceção de prescrição ser julgada procedente e, consequentemente, ser a execução parcialmente extinta, por prescrição da obrigação exequenda, serem canceladas as consequentes penhoras e serem os valores penhorados em causa devolvidos ao embargante; caso assim não se entenda, e a título meramente subsidiário no caso de improcedência dos dois pedidos acima formulados, deverá ser declarada a compensação, até ao valor do crédito do embargante sobre a embargada (€ 30.370,86), do crédito que a embargada peticiona na presente execução, com a consequente extinção parcial da dívida exequenda com a consequente absolvição do Embargante do valor peticionado até esse montante, o cancelamento das consequentes penhoras e a devolução dos valores penhorados em causa ao embargante.
A embargada e o Ministério Público contestaram, concluindo pela improcedência das excepções peremptórias da prescrição e da compensação.
Realizado o julgamento, foi proferida decisão a julgar parcialmente procedentes os embargos de executado [por se considerar que o embargante não era devedor de alimentos entre Dezembro de 2015 e Maio de 2020] e a oposição à penhora, e, decorrentemente, declarou-se ser o embargante devedor dos alimentos vencidos entre 8 de Janeiro de 2015 a 8 de Novembro de 2015, no valor global de €4 400, 00, e respectivos juros de mora à taxa legal de 4%, desde o vencimento de cada uma das prestações (€400,00 mensais), até efectivo e integral pagamento, determinando-se a redução da penhora para se ajustar aos termos percentuais previstos no art. 735º n.º 3 do CPC, em função da quantia exequenda definida.
Inconformada, a exequente, embargada, recorreu pedindo que a decisão recorrida fosse substituída por outra que declarasse ser o embargante devedor dos alimentos vencidos entre 8 de Janeiro de 2015 e 8 de Maio de 2020 e respectivos juros de mora à taxa legal de 4%, desde o vencimento de cada uma das prestações (€ 400,00 mensais) até efectivo e integral pagamento.
Também inconformado, o executado, embargante, recorreu subordinadamente, pedindo que, com base em abuso de direito, fosse declarada extinção de toda a execução.
A Relação julgou o recurso da exequente improcedente e procedente o do executado, revogando parcialmente a sentença, na parte em que o declarou devedor de alimentos vencidos entre 8 de Janeiro de 2015 e 23 de Novembro de 2015.
Deste acórdão veio a embargada/exequente recorrer de revista pedindo que a decisão recorrida seja substituída por outra que declare ser o executado/embargante devedor dos alimentos vencidos entre 8 de Janeiro de 2015 e 8 de Maio de 2020 e respectivos juros de mora à taxa legal de 4%, desde o vencimento de cada uma das prestações( € 400,00 mensais) até efetivo e integral pagamento.
Este recurso não foi admitido pela Relação mas de tal retenção veio a embargada/recorrente reclamar.
Nos autos de reclamação foi proferido pelo relator, no Supremo Tribunal de Justiça, o seguinte despacho:
“O executado AA deduziu embargos de executado contra BB.
Foi proferida decisão que julgou os embargos de executados e a oposição à penhora parcialmente procedentes e declarado o embargante devedor dos alimentos vencidos entre 8 de Janeiro de 2015 a 8 de Novembro de 2015, no valor de 4.400 €, acrescidos de juros, determinando-se a redução da penhora, em conformidade.
A exequente embargada recorreu pedindo que o embargante fosse declarado devedor dos alimentos vencidos entre 8 de Janeiro de 2015 e 8 de Maio de 2020.
O embargante recorreu subordinadamente pedindo a extinção da execução, também relativamente aos alimentos vencidos entre 8 de Janeiro de 2015 e 8 de Novembro de 2015.
A Relação julgou o recurso da exequente improcedente e procedente o do executado, revogando parcialmente a sentença, na parte em que o declarou devedor de alimentos vencidos entre 8 de Janeiro de 2015 e 23 de Novembro de 2015.
Deste acórdão veio a embargada/exequente recorrer de revista pedindo que a decisão recorrida seja substituída por outra que declare ser o executado/embargante devedor dos alimentos vencidos entre 8 de Janeiro de 2015 e 8 de Maio de 2020 e respectivos juros de mora à taxa legal de 4%, desde o vencimento de cada uma das prestações( 400,00€ mensais) até efetivo e integral pagamento.
O que mereceu do relator o seguinte despacho:
“No âmbito do art.641 do Código de Processo Civil (CPC), importa considerar:
A revista é tempestiva;
Feita por quem tem legitimidade;
Estão presentes as alegações e suas conclusões;
À primeira vista a sucumbência é total, com valor superior à alçada da Relação (art.629, nº 1, do CPC);
Porém, o art. 671, nº 3, por ocorrer dupla conforme, impede tal revista como normal.
Existe dupla conforme parcial no que respeita à confirmação realizada pelo Tribunal
da Relação de Coimbra quanto à sentença de primeira instância e, na parte do acórdão em que não há dupla conforme, a Recorrente teve uma sucumbência de €4.400,00.
Assim, não se admite a revista (normal).
A Recorrente pretende subsidiariamente uma revista excecional.
Neste particular, apesar do valor da sucumbência obstaculizar à revista, diz a lei que a decisão quanto à verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do art. 672 compete ao Supremo Tribunal de Justiça (ver seu nº 3).
Assim, para o efeito, os autos subirão ao Supremo Tribunal de Justiça, com efeito meramente devolutivo.
Notifique. (Aguarde o trânsito da decisão de não admissão da revista normal.)”
É desta decisão do relator, que não admitiu a revista normal, que a exequente/embargada/recorrente vem, reclamar, por entender que não existe dupla conforme.
Alega, para o efeito, que o Tribunal da Relação de Coimbra fundamentou a sua decisão não nos argumentos expendidos pela 1ª instância mas exclusivamente na excepção peremptória de abuso de direito, invocada pelo embargante.
Considera, além disso, que a sucumbência não é de € 4.400 mas de € 31.847,23.
Porém, e salvo o devido respeito, não tem razão.
Como é aceite, a decisão da Relação está dividida em duas autónomas: a relativa aos alimentos vencidos de 23 de Novembro de 2015 até 8 de Maio 2020, confirmada, e a relativa aos alimentos de 8 de Janeiro até 23 de Novembro de 2025, revogada.
Ora, a primeira, ao contrário do sustentado pela reclamante, não se funda exclusivamente no abuso de direito. Como resulta inequivocamente do seguinte trecho: “Sendo correto o sentido do decidido pelo Tribunal recorrido, apenas entendemos que também o período salvaguardado por aquele (em 2015) não deve ser concedido à Exequente, na consideração de que o título que invoca foi por ela totalmente rejeitado e amputado, sendo um abuso de direito a sua invocação. Diz-nos a decisão recorrida, corretamente:” (sic, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra) (…); e ainda do seguinte: “ Quanto à reclamação do embargante, para afastar também todo o período de 2015 de 2015, diz a decisão recorrida: “«Apreciando, dir-se-á que, ainda que lhe assista razão quanto à violação do constitucional direito das crianças ao convívio com o pai e ao tratamento destes com respeito por parte da progenitora, a verdade é que a decisão judicial que traduziu tamanhas violações apenas teve lugar a 23 de novembro de 2015. Até lá, impõem-se as dimensões de indisponibilidade e irrenunciabilidade do direito a alimentos, nos termos do art.º 2003 e ss. do CC.» Não concordamos com este último parágrafo, que revela um obstáculo que deverá ser tido por meramente formal. Vejamos (…) “ (destaques nossos).
Assim, o facto de, a propósito da segunda decisão atinente aos alimentos vencidos de 8 de Janeiro de 2015 a 23 de Novembro de 2015, o tribunal enveredar por uma posição de falta de legitimidade por parte da exequente para lançar mão da execução, não significa, no contexto da decisão, o assumir de qualquer fundamentação totalmente distinta e inovadora mas apenas a utilização de uma argumentação de reforço, que não invalida nem põe em causa a fundamentação da 1ª instância (cfr. Abrantes Geraldes e outros, CPC anotado, volume I, 2018, pág. 808 e do mesmo autor, Recursos…, 5ª edição pág. 364). Que o tribunal não deixou cair a argumentação da primeira parte (que transcreveu e citou como correcta) resulta até de outras passagens: “A partir de Novembro de 2015, até seria a exequente a prestar alimentos ao filhos, juntos do pai”, “Dúvidas não há que a decisão inicial foi alterada em novembro de 2015, devendo a residência passar a fazer-se junto do progenitor. (… ) “; “Este título vem a ser formal e nuclearmente alterado ainda no ano de 2015 (novembro). Mas essa alteração é apenas o confirmar da sua relevante alteração de facto já no início de 2015. (…)”.
Assim, e relativamente ao primeiro segmento da decisão, não é admissível revista normal, devido à existência de dupla conformidade, mas apenas a possibilidade de revista excepcional.
Em relação à segunda parte da decisão, o abuso de direito assume-se, aí sim, como fundamento principal.
Sucede, porém, que essa parte da decisão recorrida, que não se encontra abrangida pela dupla conforme, não perfaz o requisito da sucumbência, previsto no artigo 629º, nº 1, do CPC. E só a esse segmento da decisão, com objecto materialmente autónomo, a sucumbência pode ser aferida. De outro modo, estar-se-ia a admitir um recurso para se discutir uma decisão desfavorável à recorrente em valor inferior a metade da alçada do tribunal da Relação.
Pelo exposto, indefere-se a reclamação e confirma-se o despacho reclamado.
Custas pela reclamante com a taxa de justiça de 2 (duas UC).
Transitado, remeta à Relação.”
Não se conformou a reclamante que da decisão singular veio reclamar para a conferência, reclamação que rematou com as seguinte conclusões:
“1. Em 29.04.2025 o Senhor Juiz Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra proferiu despacho de não admissão do recurso de revista (normal) interposto pela ora Reclamante.
2. Em 20.05.2025 apresentou a ora Reclamante, ao abrigo do disposto n.º 1 do artigo 643º do Código de Processo Civil, RECLAMAÇÃO para o Supremo Tribunal de Justiça, requerendo, com os fundamentos aí plasmados e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, a admissão do recurso de revista (normal) apresentado pela ora Reclamante.
3. Por decisão singular de 07.07.2025, o Colendo Juiz Conselheiro Relator indeferiu a reclamação e confirmou o despacho reclamado.
4. A ora Reclamante considera que o Sr. Juiz Conselheiro Relator andou mal ao indeferir a reclamação e ao confirmar o despacho reclamado.
5. Contrariamente ao afirmado pelo Sr. Juiz Conselheiro Relator não é aceite que “a decisão da Relação está dividida em duas autónomas: a relativa aos alimentos vencidos de 23 de Novembro de 2015 até 8 de Maio 2020, confirmada, e a relativa aos alimentos de 8 de Janeiro até 23 de Novembro de 2025, revogada.”
6. Com efeito, a acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28.01.2025, declarou extinta a totalidade da obrigação exequenda, numa única decisão, tendo por fundamento a exceção perentória do abuso de direito que se aplica a todos os alimentos vencidos entre 08 de janeiro de 2015 e 08 de maio de 2020, e não apenas aos alimentos vencidos entre 8 de janeiro de 2015 e 23 de novembro de 2015.
7. E, mais uma vez, contrariamente ao alegado pelo Sr. Juiz Conselheiro Relator, isso decorre exatamente do trecho invocado na decisão singular que ora se impugna, quando o Tribunal da Relação de Coimbra afirma que, “Sendo correto o sentido do decidido pelo Tribunal recorrido, apenas entendemos que também o período salvaguardado por aquele (em 2015) não deve ser concedido à Exequente, na consideração de que o título que invoca foi por ela totalmente rejeitado e amputado, sendo um abuso de direito a sua invocação.”
8. Pois tal trecho significa que o Tribunal da Relação de Coimbra, no seu acórdão de 28.01.2025, considerou que a invocação do título executivo pela ora Reclamante (que serve de fundamento às obrigações de alimentos vencidas entre 08 de janeiro de 2015 e 08 de maio de 2020, e não apenas às obrigação de alimentos vencidas entre 08 de janeiro de 2015 e 23 de novembro de 2015) constitui um abuso de direito, o que implica a extinção da totalidade da obrigação exequenda e não apenas das obrigações de alimentos vencidas entre 08 de janeiro de 2015 e 23 de novembro de 2015.
9. Aliás, estaria desprovido de toda a lógica que os argumentos expendidos pelo Tribunal da Relação de Coimbra, e que serviram para fundamentar a exceção de abuso de direito, se aplicassem apenas aos alimentos vencidos entre 08 de janeiro de 2015 e 23 de novembro de 2015 e já não aos alimentos vencidos entre 23 de novembro de 2015 e maio de 2020.
10. Mais se diga que, para reforçar esta argumentação, o Recurso apresentado pelo Embargante, o qual mereceu provimento por parte do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, não veio exigir a aplicação da exceção de abuso de direito apenas às obrigações de alimentos vencidos entre 08 de janeiro de 2015 e 23 de novembro de 2015, mas que fosse considerado que a invocação do título executivo, que serve de base à exigência de cumprimento das obrigações de alimentos vencidas entre 08 de janeiro de 2015 e 8 de maio de 2020, constitui de per si um abuso de direito, devendo por conseguinte a obrigação de alimentos, na sua totalidade, ser declarada extinta e não apenas a obrigação dos alimentos vencidos entre 08 d janeiro de 2015 e 23 de novembro de 2015.
11. Acresce que, também contrariamente ao afirmado pelo Sr. Juiz Conselheiro Relator, no que tange às obrigações de alimentos vencidas entre 8 de janeiro de 2015 e 23 de novembro de 2015, o Tribunal da Relação de Coimbra lançou mão de uma argumentação totalmente distinta e inovadora, relativamente à fundamentação apresentada pelo tribunal da 1ª Instância, para considerar que os menores não tinham direito aos alimentos vencidos entre 08 de janeiro de 2015 e 23 de novembro de 2015.
12. Com efeito, enquanto o Tribunal de 1ª Instância considerou, para fundamentar a sua decisão do embargante ser devedor dos alimentos vencidos entre 08 de janeiro de 2015 a 08 de novembro de 2015 no valor global de 4.400,00€ e respetivos juros de mora à taxa legal de 4%, desde o vencimento de cada uma das prestações (400,00€ mensais) até efetivo e integral pagamento que, - a decisão provisória de 23 de novembro de 2015, proferida ao abrigo do disposto no artigo 28º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, prevalece sobre a regulação das responsabilidades parentais de 2014;
- a data relevante para a suspensão da obrigação de alimentos, fixada por sentença homologatória de 28 de fevereiro de 2014, é 23 de novembro de 2015, ou seja, a data de prolação do despacho de alteração provisória da residência das crianças para junto do pai;
- aquela decisão provisória alterou todo o regime da regulação das responsabilidades parentais, incluindo a cláusula referente ao pagamento da prestação de alimentos, que cessou perante a fixação da residência provisória das crianças com o Embargante;
13. e para afastar a exceção de abuso de direito invocada pelo Embargante relativamente à totalidade da obrigação exequenda (e não apenas aos alimentos vencidos entre 08 de janeiro de
2015 e 23 de novembro de 2015 – distinção que não consta sequer dos embargos de executado,
sendo pela primeira vez suscitada na decisão de 1ª Instância) argumenta que «Apreciando, dir-se-á que, ainda que lhe assista razão quanto à violação do constitucional direito das crianças ao convívio com o pai e ao tratamento destes com respeito por parte da progenitora, a verdade é que a decisão judicial que traduziu tamanhas violações apenas teve lugar a 23 de novembro de 2015. Até lá, impõem-se as dimensões de indisponibilidade e irrenunciabilidade do direito a alimentos, nos termos do art.º 2003 e ss. do CC.»
14. O Tribunal da Relação de Coimbra, por seu turno, considerou, assumindo uma argumentação totalmente distinta e inovadora, relativamente à decisão da 1ª Instância que,
- “Não concordamos com este último parágrafo, que revela um obstáculo que deverá ser tido por meramente formal.”
- “Está em causa a invocação de um título executivo (sentença) que a Exequente mostrou rejeitar de uma forma ostensiva e claramente injusta.
- “Essa invocação, passados 8 anos, de forma amputada, no contexto que se percebe, parece-nos abusiva. (A partir de novembro de 2015, até seria a Exequente a prestar alimentos aos filhos, juntos do pai.)(…)
- “A solução da regulação é unitária, incluindo de forma integrada as questões da residência, guarda, convívio e responsabilidades financeiras.”
- “O argumento da independência das suas obrigações serve o intento oportunístico da Exequente – o que lhe serve é para cumprir, o que não lhe serve é para incumprir. A Exequente “retalhou” tal solução e procura servir-se dela apenas no que lhe interessa.”
- “A Exequente rejeitou as decisões portuguesas, deslocando ilicitamente as crianças, escondendo-as do pai (não constavam sequer nas escolas), quis assumir sozinha a sua guarda e durante 8 anos nem pensou sequer em cobrar alimentos, bastava-se a si própria. (No apenso B, no âmbito do referido no facto 47, ela declarou mesmo que rejeitava a competência dos tribunais portugueses; ela foi declarada contumaz no processo crime em que era arguida.)”
- “Quer isto dizer que a Exequente rejeitou as decisões portuguesas, que agora vem invocar limitadamente no que lhe interessa.”
- “Hoje já não está em causa o sustento das crianças, mas apenas um ressarcimento tardio da Exequente. Durante anos, esta não convocou o pai para nada, vindo agora pedir uma responsabilização financeira, amputada de direitos alienados. A Exequente substituiu-se totalmente ao pai porque quis, voltando agora atrás naquilo que parcialmente entende em vigor, desconsiderando tudo aquilo que dolosamente destruiu.”
- “Tivesse cumprido a decisão da guarda e seria ela a devedora de alimentos.”
- “Em conclusão, por ação da própria Exequente, está em causa o valor unitário e a integridade do título executivo. (…)
-“Este título vem a ser formal e nuclearmente alterado ainda no ano de 2015 (novembro). Mas essa alteração é apenas o confirmar da sua relevante alteração de facto já no início de 2015. Conceder a possibilidade de execução à Exequente, neste contexto, é ofender valores relativos aos bons costumes e à boa fé, é beneficiar quem, durante anos, dolosamente, rejeitou a decisão do tribunal, na parte que não lhe convinha, chamando à colação os direitos dos filhos que desconsiderou e violou. (…)”.
15. Assim, e contrariamente ao afirmado pelo Sr. Juiz Conselheiro Relator, não há um primeiro e um segundo segmento do acórdão propalado pelo Tribunal da Relação, mas sim uma decisão unitária que determinou inexigibilidade da totalidade da obrigação exequenda no período compreendido entre 08 de janeiro de 2015 e 08 de maio de 2020, tendo por fundamento a exceção de abuso de direito, o que conduziu à declaração da extinção da instância executiva, não se verificando, por isso, qualquer dupla conformidade, nem tão pouco está em causa o requisito da sucumbência previsto no artigo 629º n.º 1 do Código de Processo Civil, uma vez que, mais uma vez, a decisão da 2ª Instância incidiu sobre a totalidade da obrigação exequenda abrangida pelo abuso de direito e não apenas por uma parte dessa obrigação exequenda.
16. Assim, in casu, a execução especial por alimentos intentada pela Reclamante, tem um valor superior à alçada do Tribunal da Relação, uma vez que tal valor se fixou em 31.847,23€ (trinta e um mil oitocentos e quarenta e sete cêntimos euros e vinte e três cêntimos).
17. E o valor da sucumbência, também in casu, e contrariamente ao argumentada no despacho judicial de que ora se reclama, não é de 4.400,00€, mas de 31.847,23€ , uma vez que o Acórdão da Relação de Coimbra, ao julgar improcedente o recurso de apelação apresentado pela Exequente, ao julgar procedente o recurso subordinado apresentado pelo Embargante e ao determinar a extinção total da Execução intentada pela ora Reclamante, fê-lo com fundamento na verificação da exceção perentória do abuso de direito, o que fez decair integralmente todas as pretensões da Reclamante.
18. Mais se saliente que, o fundamento que esteve na base da improcedência da pretensão da ora Reclamante, do julgar procedente o recurso subordinado do Embargante (que se cingia unicamente à verificação da exceção perentória do abuso de direito) e do determinar a extinção total da Execução, decidido pelo acórdão do Tribunal da Relação, é a verificação da exceção de abuso de direito logo a partir de janeiro de 2015, o que impede, no dizer exclusivo da 2ª Instância, que não da 1ª Instância, a inexigibilidade da obrigação de alimentos de janeiro de 2015 a maio de 2020 e, consequentemente, a extinção total da instância.
19.No presente caso, não existe dupla conforme, nem sequer parcial, pois, ,como vimos, a decisão final da sentença da 1ª Instância e do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra não é idêntica e a diversidade do percurso percorrido para se alcançar estas duas decisões acaba por revelar duas decisões substancialmente diversas, não se justificando a ablação do terceiro grau de jurisdição.
20. Com efeito, in casu, a diversidade de fundamentação não se traduz apenas na recusa, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado, uma vez que, o resultado final obtido pela Relação é muito diverso do resultado final obtido pela 1ª Instância, nem se verifica, no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra um reforço da decisão da 1ª Instância através do recurso a outros argumentos, sem pôr em causa a fundamentação usada pelo tribunal de 1ª Instância, pelo contrário, verifica-se uma alteração total da decisão da 1ª Instância com a declaração da extinção total da Execução devido a procedência da exceção dilatória do abuso de direito que havia sido recusada pela 1ª Instância.
21. Mais se diga que, também não se verifica dupla conforme parcial, porque o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, na sua decisão final não se limita a reforçar através do recurso a outros argumentos, em termos cumulativos ou subsidiários, a fundamentação já usada pelo tribunal de 1ª instância na sua decisão final.
22. Não pode deixar de considerar-se que, existe uma fundamentação essencialmente diferente no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, porque a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação assentou, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas e institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que justificaram e fundamentaram a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, para se decidir pela extinção total da execução, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra estribou-se decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentou a sentença proferida em 1.ª instância.
23. O enquadramento jurídico que é feito na sentença da 1ª Instância, tem por base o despacho de regulação provisória das responsabilidades parentais, de 23 de novembro de 2015, e conduziu à decisão de reduzir a obrigação exequenda às prestações de alimentos vencidas entre janeiro de 2015 e novembro de 2015, já o enquadramento jurídico que é feito no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28.01.2025, que tem por base a verificação da exceção perentória de abuso de direito, conduziu à extinção integral da execução, abrangendo todas as prestações de alimentos vencidas entre janeiro de 2015 e maio de 2020 enão apenas as prestações de alimentos vencidas entre janeiro e novembro de 2015, vendo a Reclamante, com esta decisão, agravada a sua posição no litígio, o que nos permite concluir que a fundamentação das duas decisões é essencialmente diferente, não se verificando o obstáculo da dupla conforme, sendo por isso admissível a revista.
24. Mais se diga que, é igualmente pacífico que a dupla conforme apenas pode operar de forma parcelada relativamente a segmentos decisórios materialmente autónomos e juridicamente cindíveis, ou seja, quanto ao decidido relativamente a pretensões autónomas, formuladas na causa; não terá, pois, fundamento, numa causa com uma pretensão ou objeto processual unitário, como ocorre in casu, em que se pretende o cumprimento das obrigações de alimentos vencidas entre janeiro de 2015 e maio de 2020.
25. Acresce que, para que se possa considerar a existência de dupla conforme parcelar a parte da fundamentação da decisão de 1ª Instância com a qual o aresto do Tribunal da Relação concorda, tem de integrar o seu ato judicativo final, no sentido de integrante ou representativo do seu ultimador dispositivo, do seu terminante e verdadeiro decreto.
26. Ora, não tendo a fundamentação atinente ao despacho de regulação provisória das responsabilidades parentais, de 23 de novembro de 2015, que conduziu à decisão de reduzir a obrigação exequenda às prestações de alimentos vencidas entre janeiro de 2015 e novembro de 2015, na decisão da 1ª Instância, sido objeto ou integrado a parte decisória final do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28.01.2025, que se limitou a julgar o recurso da Exequente improcedente e procedente o do Embargante, declarando extinta toda a execução (o que inclui todas as prestações de alimentos vencidas entre janeiro de 2015 e maio de 2025), com fundamento na exceção perentória de abuso do direito, não se verifica qualquer impedimento decorrente da dupla conforme.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, Com o douto suprimento de V. Ex.ªs, deve a presente Impugnação ser julgada procedente, por provada, admitindo-se o recurso de revista (normal) apresentado pela Reclamante.”
O reclamado veio apresentar resposta, que finalizou com as seguintes conclusões:
“1. Não oferece qualquer censura a Decisão Singular sobre a qual a Reclamante suscita que repouse Acórdão proferido pela Conferência, que confirmou a decisão de não admissão do recurso de revista “normal”;
2. O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra divide-se, efetivamente, em duas decisões autónomas: a relativa aos alimentos entre novembro de 2015 e maio de 2020 (que confirmou a decisão proferida em 1.ª instância) e a relativa aos alimentos de janeiro a novembro de 2015 (tendo revogado a decisão proferida em 1.ª instância).
3. Tal segmentação resulta da própria fundamentação do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra em causa, que refere, expressamente, que, quanto ao primeiro segmento – alimentos entre novembro de 2015 e maio de 2020 – [é] “correto o sentido do decidido pelo Tribunal recorrido” e, quanto ao segundo –alimentos entre janeiro e novembro de 2015 – “apenas entendemos que também o período salvaguardado por aquele (em 2015) não deve ser concedido à Exequente” (sic Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra).
4. Tal segmentação não oferece surpresa, porquanto na execução que deu origem aos embargos em que foi proferida a sentença recorrida se reclamam prestações mensais, perfeitamente autónomas e cindíveis.
5. A fundamentação apresentada pelo Tribunal da Relação no acórdão recorrido, na parte em que confirma a sentença de primeira instância, não é essencialmente diferente da constante naquela primeira sentença;
6. Quanto a tal segmento, o acórdão do Tribunal da Relação aderiu à fundamentação expendida em primeira instância, tendo, aliás, transcrito, ao longo de três páginas, a fundamentação da sentença de primeira instância, à qual adere, encimando tal transcrição com a paradigmática frase: “Diz-nos a decisão recorrida, corretamente:” (sic Acórdão do Tribunal da Relação);
7. E acrescentou mais um argumento que conduziria à mesma conclusão, não tendo, assim, sido sufragada na Relação fundamentação essencialmente diferente que permita à Reclamante interpor a revista;
8. Relativamente ao período entre janeiro e novembro de 2015, único em que a sentença de primeira instância não foi objeto de confirmação na sequência do provimento do recurso subordinado do aqui Reclamado, embora não se verifique o obstáculo da dupla conforme, verifica-se o limite objetivo do citado art.º 629.º,n.º 1, do CPC, uma vez que a Reclamante apenas decaiu em €4.400;
9. Assim, tendo em conta o disposto nos artigos 629, n.º 1 e 671, n.º 1 e n.º 3, do Código de Processo Civil, existe dupla conforme parcial no que respeita à confirmação realizada pelo Tribunal da Relação de Coimbra quanto à sentença de primeira instância e, na parte do acórdão em que não há dupla conforme, a Reclamante não teve sucumbência bastante para poder recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, o que deve ser determinado por este Tribunal.
Termos em que, e nos melhores de direito, não deverá a reclamação apresentada pela Reclamante ser deferida, confirmando-se a decisão que não admitiu o recurso de revista normal apresentado pela mesma.”
Cumpre decidir:
Insurge-se a reclamante contra a decisão singular do relator que considera que a decisão da Relação está dividida em duas autónomas: a relativa aos alimentos vencidos de 23 de Novembro de 2015 a 8 de Maio 2020, confirmada, e a relativa aos alimentos de 8 de Janeiro de 2015 a 23 de Novembro de 2025, revogada.
Argumenta que se trata de uma única decisão, que não pode ser segmentada.
Não tem, porém, razão: na parte dispositiva do aresto existem dois segmentos decisórios, perfeitamente cindíveis, que resultam dos recursos interpostos para a Relação: um que, julgando improcedente o recurso da embragada/exequente, confirma a sentença na parte em que julga parcialmente procedentes os embargos de executados e declara o embargante apenas devedor dos alimentos vencidos entre 8 de Janeiro de 2015 e 8 de Novembro de 2015, declarando, assim, implicitamente, que o embargante não é devedor dos alimentos vencidos entre 8 de Novembro de 2015 e 8 de Maio de 2020; e outro que, julgando procedente o recurso subordinado do embargante/executado, revoga parcialmente a sentença, na parte em que o declarou devedor de alimentos vencidos entre 8 de Janeiro de 2015 e 23 de Novembro de 2015.
Havendo, assim, segmentos decisórios distintos e autónomos, deve a dupla conformidade ser aferida a propósito de cada um deles (cfr. Ac. STJ de 22.02.2017, proc. n.º 811/10.9TBBJA.E1.S1, Ac. STJ 29.10.2009, proc. n.º 1449/08.6TBVCT.G1.S1, Ac. STJ de 13.5.2021, proc. n.º 10157/16.3T8LRS.L1.S1; e, ainda, os Acórdãos do STJ de 10.5.2021, proc. n.º 4679/19.1T8CBR-C.C1.S1, de 6.4.2021, proc. n.º 2908/18.8T8PNF.P1.S1, de 12.1.2021, proc. nº 1141/18.3T8PVZ.P1-A.S1, de 21.5.2020, proc. 289/12.2TVPRT.P1.S1 e 23.5.2019, proc. n.º 2222/11.0TBVCT.G1.S1; e por último, o AUJ de 20.9.2022, proc. 545/13.2TBLSD.P1.S1-A).
Insiste a reclamante que a Relação teve por fundamento o abuso de direito que se aplica a todos os alimentos vencidos entre 8 de Janeiro de 2015 e 8 de Maio de 2020 e não apenas aos alimentos vencidos entre 8 de Janeiro de 2015 e 23 de novembro de 2015, o que decorrerá do trecho em que o Tribunal da Relação de Coimbra afirma que, “Sendo correcto o sentido do decidido pelo Tribunal recorrido, apenas entendemos que também o período salvaguardado por aquele (em 2015) não deve ser concedido à Exequente, na consideração de que o título que invoca foi por ela totalmente rejeitado e amputado, sendo um abuso de direito a sua invocação.”
No entanto, a conclusão deverá ser a oposta: a decisão da 1ª instância que a Relação considerou correcta é a que se reporta aos alimentos vencidos entre 23 de Novembro de 2015 e 8 de Maio de 2020 e apenas a essa; e essa teve por base a argumentação sustentada na decisão provisória de 23 de Novembro de 2015 e não no abuso de direito,
É certo que, mais adiante, e a propósito da segunda decisão atinente aos alimentos vencidos de 8 de Janeiro de 2015 a 23 de Novembro de 2015, que qualificou como abusiva, o Tribunal da Relação, dirá, no que se afigura ser uma consideração que também poderá abranger a primeira decisão relativa aos alimentos entre 23 de Novembro de 2015 e 8 de Maio de 2020: “Parece-nos ilegítimo o exercício do direito executivo quando a exequente invoca o título que ela própria rejeitou e cumpriu ostensivamente, rejeitando a competência dos tribunais portugueses, sendo contumaz no principal processo crime de deslocação ilícita das crianças para a obtenção do facto consumado. Este título vem a ser formal e nuclearmente alterado ainda no ano de 2015 (novembro). Mas essa alteração é apenas o confirmar da sua relevante alteração de facto já no início de 2015 . Conceder a possibilidade de execução à exequente, neste contexto, é ofender valores relativos aos bons costumes e a boa-fé é beneficiar quem durante anos, dolosamente, rejeitou a decisão do tribunal, na parte que não lhe convinha chamando à colação os direitos dos filhos que desconsiderou e violou”.
Porém, e como se frisou no despacho reclamado, “o tribunal não deixou cair a argumentação da primeira parte (que transcreveu e citou como correcta)”; e que assim foi resulta até de outras passagens: “A partir de Novembro de 2015, até seria a exequente a prestar alimentos ao filhos, juntos do pai”, “Dúvidas não há que a decisão inicial foi alterada em novembro de 2015, devendo a residência passar a fazer-se junto do progenitor. (… ) “; “Este título vem a ser formal e nuclearmente alterado ainda no ano de 2015 (novembro). Mas essa alteração é apenas o confirmar da sua relevante alteração de facto já no início de 2015. (…)”.
E, por isso, se considerou, e bem, no despacho reclamado, que a decisão relativa aos alimentos de 23 de Novembro de 2015 a 8 de Maio de 2020 se fundou, em primeira linha, na argumentação da decisão da 1ª instância (que não aludiu ao abuso de direito) e só, como reforço de argumentação, ao abuso de direito.
Como assim, o acórdão recorrido, na parte relativa aos alimentos de 23 de Novembro de 2015 até 8 de Maio de 2020 não se estriba em “qualquer inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentou a sentença proferida em 1ª instância”, constituindo a referência ao abuso de direito um mero reforço argumentativo levado a cabo pela Relação que não invalida nem põe em causa a fundamentação da 1ª instância estribada na decisão provisória de 23 de Novembro de 2015 (v. Ac. STJ de 9.7.2015, proc. 542/13.8T2AVR.C1.S1). Só em relação à decisão relativa aos alimentos de 8 de Janeiro até 23 de Novembro de 2015, o abuso de direito se assumiu como fundamento principal.
Assim, as fundamentações das decisões são perfeitamente autónomas e cindíveis, não assumindo qualquer relevo o facto, invocado pela reclamante, de o embargante não ter exigido a aplicação da excepção de abuso de direito apenas às obrigações de alimentos vencidos entre 8 de Janeiro de 2015 e 23 de Novembro de 2015, pois o que releva são as decisões (sendo que a da 1ª instância, considerada correcta pela Relação, não se fundamentou sequer no instituto do abuso do direito, um dos fundamentos dos embargos, para decidir que o embargante não é devedor dos alimentos entre Novembro de 2015 e Maio de 2020).
Donde resulta que, relativamente ao primeiro segmento da decisão, e tal como se afirma no despacho reclamado, não se mostra admissível a revista normal, devido à existência de dupla conformidade, mas apenas a possibilidade de revista excepcional.
Só relativamente ao segundo segmento, respeitante aos alimentos de Janeiro de 2015 a 23 de Novembro de 2015, haveria recurso.
Sucede, porém, que, estando apenas em causa o valor de € 4.400, a decisão impugnada é desfavorável à recorrente/reclamante em valor inferior a metade da alçada do Tribunal da Relação, o que torna o recurso inadmissível nessa parte (art. 629º, nº 1 do CPC),
Pelo exposto, indefere-se a reclamação e confirma-se o despacho singular.
Custas pela reclamante com a taxa de justiça de 2 ( duas) UC.
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Lisboa, 25 de Novembro de 2025
António Magalhães (Relator)
António Domingos Pires Robalo
Maria João Vaz Tomé